Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O Estado de S. Paulo

CÚPULA DAS AMÉRICAS
Reuters

Fotógrafos e seguranças trocam socos

‘Fotógrafos e seguranças trocaram socos e empurrões ontem na primeira sessão de debates da Cúpula das Américas. O incidente mudou as regras da cobertura do evento. Fotógrafos e cinegrafistas passaram a não ter mais acesso às coletivas, a imprensa foi impedida de acompanhar os debates nas plenárias e a transmissão pelo circuito interno de TV ficou restrita apenas ao começo das reuniões.’

 

IRÃ
O Estado de S. Paulo

Corte condena repórter a 8 anos por espionagem

‘Uma corte judicial iraniana condenou ontem por espionagem a jornalista americana Roxana Saberi, de 31 anos, a oito anos de prisão. Há seis anos no Irã trabalhando como repórter independente, Roxana foi presa em janeiro sob acusação inicial de trabalhar sem as credenciais de imprensa. Seu advogado, Abdolsamad Khorramshah, disse que apelará da sentença.’

 

FUTEBOL
José Roberto Malia

Propaganda é a alma do negócio?

‘Uma conceituada agência publicitária tem como regra criar ideias que gerem demanda para os produtos, adotando palavras de ordem como ‘engajar, dialogar e entreter’. Traduzindo: a propaganda é a alma do negócio. Menos no futebol, mais precisamente no Campeonato Paulista.

Desde o pontapé inicial, com uma maratona inacreditável de 190 partidas para se chegar ao que poucos duvidavam (Palmeiras, São Paulo, Corinthians e Santos nas semifinais), nossos sábios de colarinho branco e chuteiras puídas fizeram de tudo para colocar água no chope e/ou roubar a cereja do bolo da bola. E agora soltam fogos pelo dever cumprido.

Enquanto as semifinais da Taça Rio, o pomposo nome adotado para o segundo turno do Campeonato Carioca, atraíram mais de 150 mil torcedores ao Maracanã, os pagantes não chegaram a um terço na Pauliceia desvairada – de acordo com os números da FPF, Santos x Palmeiras, na Vila Belmiro, e Corinthians x São Paulo, no Pacaembu, seduziram 48.611 espectadores no total.

Neste domingo, São Paulo e Corinthians voltam a campo para disputar a segunda e decisiva partida das semifinais em um estádio que hoje em dia comporta 68 mil pessoas. Mas o verdadeiro corintiano, aquele que realmente ama o clube, não poderá chorar de alegria ou tristeza no Morumbi.

Ele terá de se contentar com uma poltrona em frente à televisão no meio da tarde – se o bolso permitir, poderá curtir uma loira gelada e uma pipoca de micro-ondas. Depois de 90 minutos, aí poderá extravasar a felicidade ou a amargura. Basta procurar por um ‘inimigo’ no telefone celular.

Um triste ritual que, diga-se de passagem, já foi cumprido pelos autênticos são-paulinos há uma semana, quando as equipes se enfrentaram no Paulo Machado de Carvalho para aquele que deveria ser um encontro democrático. Ledo engano.

Pois é, se não bastasse a cobiçada situação financeira dos clubes brasileiros, edificada sobre cofres que permitem conservar um craque-fraldinha até os 16 anos, entramos na fantástica era de uma torcida só.

Graças à incrível competência dos incompetentes que administram a bola furada deste país varonil, com o apoio de autoridades sem a mínima autoridade para oferecer um resquício de segurança, o futebol deixou a cortina do espetáculo para mergulhar numa guerra. Virou sinônimo de paixão sem um pingo de razão, um autêntico amor bandido.

Não satisfeitos, porém, em referendar a absoluta incapacidade para transformar em Paulistinha o que já foi um autêntico Paulistão, um saudoso barato de pai são-paulino para filho corintiano, de avô palmeirense para neto santista, os supimpas cartolas ainda resolvem destinar os 10% dos ingressos ao adversário para os delinquentes travestidos de torcedores organizados.

Depois de seis anos, tricolores e alvinegros voltam a se enfrentar por um ‘mata-mata’ de olho numa vaga à final do campeonato. O Corinthians não comemora um caneco desde 2003, mas defende um tabu de cinco jogos sem derrota para o rival. Está invicto. Tem Ronaldo, o ?Fenômeno?. O São Paulo é o ‘papa-caneco’ da atualidade. Como se vê, ingredientes não faltam para rechear o bolo da bola. Mas a sonhada cereja foi roubada.

Não há mais o que discutir: a gente somos inútil.

* Jornalista e editor especial dos canais ESPN’

 

LYGIA FAGUNDES TELLES
Ubiratan Brasil

Uma senhora literatura

‘Ela surge vestida de preto, o sorriso aprisionado. E, de certo modo, (bem) acompanhada. ‘Clarice Lispector sempre me dizia: ?Lygia, não sorria nas fotos porque ninguém leva a sério escritoras que riem?’, recorda, enquanto luta contra a indisfarçável felicidade ao posar para as fotos desta reportagem. ‘Ela também me aconselhava a só trajar roupas pretas, pois inspiram mais respeito’, completa.

Em poucos minutos, porém, Lygia Fagundes Telles entrega os pontos.. E se revela por inteiro: abre um sorriso que brinca em torno das bordas de sua boca, ameaçando materializar-se diante da mínima provocação. Quando enfim se espalha por seu rosto, lenta e tranquilamente, faz dessa senhora, que hoje completa 86 anos, uma mulher encantadora. Não, ‘fazer’ não é o verbo adequado: o mais correto seria dizer que o riso que ilumina sua expressão lhe reafirma o brilho – de luz própria.

Nesta semana, todas as outras luzes vão se voltar em sua direção. Não seria para menos. Na quarta-feira, a Companhia das Letras envia para as livrarias a primeira fornada da nova edição de Antes do Baile Verde (1970), As Meninas (1973), Invenção e Memória (2000), as três obras que marcam oficialmente a sua transferência para a editora paulista, depois de sete anos na carioca Rocco. E, não bastasse cada livro chegar revisto por ela, ostentar um desenho de Beatriz Milhazes na capa e com posfácio especialmente escrito por autores de peso, Lygia será homenageada em um evento no dia 28, no Sesc Vila Mariana (veja detalhes nesta página). ‘Nunca fiz uma plástica e, de repente, toda a minha obra ganha uma cara nova’, diverte-se.

A mudança vinha sendo ensaiada havia anos, até finalmente o martelo ser batido em novembro passado, com a nova editora prometendo o mesmo cuidado dedicado à reedição dos livros de Erico Verissimo e Jorge Amado. ‘O Luiz (Schwarcz, editor da Companhia) gastou demais comigo. Agora, tenho de corresponder’, brinca Lygia, faceira, disposta a promover pessoalmente o relançamento de sua obra. Ação que envolve desde discursar na homenagem do dia 28 até acompanhar pessoalmente a reação dos leitores. Sim, a escritora se interessa profundamente pelo que pensam aqueles que a acompanham. ‘Os leitores são meus cúmplices, não parceiros’, explica. ‘Tomam satisfações, enviam cartas, me puxam para uma conversa.’ Chegam até a impor livros, como ocorreu em 2005 com Meus Contos Esquecidos, que nasceu depois de uma cobrança feita por uma fã, em plena feira livre, diante da barraca de caquis – a moça interpelou a ficcionista sobre os motivos de excluir uma história que ela amava em Meus Contos Preferidos. ‘Levei tanto pito que liguei para o meu então editor, Paulo Rocco, e pedi para lançar um novo volume a fim de limpar a minha barra’, relata.

Para a atual reedição, Lygia entregou-se totalmente ao trabalho. Tão logo assinou o contrato, iniciou uma constante troca de opiniões com os membros de um conselho editorial especialmente formado para a tarefa e composto pelo historiador Alberto da Costa e Silva, o professor de literatura Antonio Dimas e a antropóloga Lilia Moritz Schwarcz. Reviu textos antigos, propôs acréscimos, supressões, implicou com vírgulas. ‘Dei trabalho aos revisores, pois exigi que tirassem todas as vírgulas que eles acrescentaram. Pode ser mais correto, mas não gosto de vírgulas.’

A releitura permitiu ainda que retomasse paixões. Lygia conta que ficou especialmente tocada ao voltar aos anos da violenta repressão militar que inspira As Meninas. Voltou a travar uma íntima convivência com as personagens Lorena, Lia e Ana Clara, a ponto de modificar o original e acrescentar um pequeno trecho sobre o passado de Lorena – está lá, na página 270. ‘Havia um mistério sobre a morte de um irmão dela, Rômulo: teria sido assassinado pelo outro irmão, Remo, em uma brincadeira, ou teria morrido quando criança, como garantia a mãe?’, questiona a escritora, que preferiu não elucidar nada.. ‘Apenas reforcei a dúvida.’

A revisão contou com a inestimável ajuda da neta Lúcia, fiel companheira nos eventos e que realiza no computador todo o trabalho da escritora – a velha máquina de escrever ainda ocupa um lugar de destaque em sua mesa de trabalho, mas é usada apenas para trabalhos caseiros. Foram em teclas como essas que Lygia construiu uma obra de estilo elegante, ecos machadianos e um permanente estado de espírito que permite manipular a escrita com firmeza e serenidade.

Desde seus primeiros contos, que vieram a público em fins da década de 30, a ficcionista criou um universo literário dominado quase inteiramente por personagens femininos. Mas ela vai além de escrever apenas de e para mulheres – por meio dessas figuras, Lygia oferece ao leitor a oportunidade de refletir sobre suas existências. E as alheias também.

‘Acredito na permanência da palavra escrita, que é a negação da morte’, costuma dizer, ciente da busca, por meio de seus personagens, das respostas que dão sentido à vida e que permitem às pessoas descobrirem a melhor forma de interagir com o mundo externo. Lygia também cria seres que não se livram da memória, vivendo imersos na temporalidade. Ou seja, utiliza a escrita para contar uma história, a própria história. ‘Sou como Octavio Paz, que diz não ter biografia, mas uma obra’, já declarou ela, mais de uma vez, fazendo alusão ao escritor mexicano, Nobel de Literatura de 1992.

Nascida na capital paulista, mas criada no interior do Estado, Lygia descobriu jovem o dom de contadora de histórias: assustava-se com os casos apavorantes narrados por uma pajem e, quando esta não pôde fazer tal papel, assumiu ela mesma a função. ‘Enquanto contava, deixei de tremer, me senti poderosa porque transferia para os outros o medo que me aniquilava, sim, me senti independente, forte’, conta em uma biografia publicada em uma antiga edição de As Meninas.

Estava em seus genes ou foi alguém que a encorajou? De qualquer maneira, Lygia sempre escreveu. Para ela, mais que uma arte, a literatura é uma energia, ferramenta para mudar o mundo. ‘Quando mocinha, escolhi dois ofícios considerados masculinos: escrever e estudar Direito’, comenta. ‘Confesso que foi um início desafiador, pois, como dizia Trotsky, os que vão logo na primeira fila são os que levam no peito as primeiras rajadas. A solução, portanto, era assumir a luta.’ Como fizeram suas meninas Lorena, Lia e Ana Clara, do romance que, a partir do retrato interior das três protagonistas, revela a moderna sociedade brasileira e todos os seus conflitos.

Em seu apartamento, nos Jardins, a escritora convive com esses e outros personagens, como se seus livros não recebessem, de fato, um ponto final. ‘De repente, com outro nome e até outras feições, eles voltam, pois gostam da vida, como nós.’ Recentemente, ela conta ter recebido a visita da atriz que figura no conto WM, presente no livro Seminário dos Ratos (1977). Trata-se da mulher que morre de overdose de comprimidos, deixando dois filhos com sérios problemas emocionais, Wanda e Wlado. ‘Algumas vezes, sou interrogada por personagens que se dizem interessantes, que ainda têm algo a dizer. Foi o caso dessa atriz’, comenta Lygia que, impressionada, decidiu elegê-la protagonista de seu próximo romance. Algumas ideias já foram rascunhadas, mas a estruturação do texto só começa depois de passada a fase de festejos pela reedição da obra. ‘Preciso de tranquilidade para escrever o que será um pequeno romance, ainda sem título.’

Ela prepara ainda uma obra que deve à editora Rocco, Passaporte para a China, com textos que escreveu depois de uma viagem feita a convite do governo daquele país. A escrita é um ofício e também uma panaceia. ‘A literatura já me ajudou a não enlouquecer’, conta, lembrando dos momentos em que sofreu a perda do filho Goffredo, em 2007. ‘O livro Conspiração de Nuvens me salvou da depressão e do desespero. Escrevendo, eu me acalmo porque vivo a vida das minhas personagens. ‘

Essa fé é ancorada sobretudo pelos leitores. Lygia se recorda de uma palestra que fazia para universitários. Em meio ao grande burburinho, ela desabafou, dizendo ser uma loucura falar para jovens que só pensavam em balada, futebol, sexo. ‘Quando me despedia, um rapaz de cabelo desgrenhado deixou um bilhete, que dizia: ?Não é loucura, teus livros já me afastaram do desespero.? Guardo esse papel até hoje. É através da criação que sigo vivendo.’’

 

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