‘Os jornalistas brasileiros, com raríssimas exceções, guiam-se muito pela grande mídia dos EUA, maciçamente pró-Kerry, acreditando ou fingindo acreditar que assim estão bem informados. O ‘New York Times’, o ‘Washington Post’, a CNN, a CBS servem-lhes de gabarito para medir a importância dos fatos, a credibilidade das fontes, a influência de uma idéia, a reputação de um escritor, o valor de uma teoria.
Enganam-se a si próprios e ao público. Nenhum jornal ou canal de TV americano desfruta de autoridade comparável à de seus similares brasileiros. Estes são poucos e dominam facilmente a opinião pública, criando e destruindo reis com a presteza do mago Merlin. A mídia regional é dependente deles ou desaparece na comparação.
Nos EUA, os meios de influenciar o povo estão muito mais repartidos. Nenhuma organização tem hegemonia, e a soma das grandes se retrai no confronto com a multiplicidade das pequenas. Jornalistas individuais, distribuindo seus artigos a centenas de jornais e estações de rádio do interior, podem ter platéias maiores que a de Ted Turner. Para vocês fazerem uma idéia, o ‘New York Times’ vende em média 1.600.000 exemplares no domingo, 1.100.000 em dias de semana. A CNN, no primeiro debate eleitoral, alcançou cinco milhões de telespectadores. Mas o radialista Rush Limbaugh, republicano roxo, é ouvido diariamente por 38 milhões de americanos. E a internet bagunçou tudo, na luta pela atenção pública. Hoje, mesmo a modesta agência de jornalismo eletrônico WorldNetDaily ( www.wnd.com ) mete medo nos maiorais. As sucessivas denúncias de fraudes jornalísticas mudaram toda a hierarquia de credibilidade. Passou o tempo em que o ‘New York Times’ podia ocultar impunemente, durante sete anos, o genocídio pela fome na Ucrânia. Foi a iniciativa espontânea de milhares de internautas que estourou a farsa montada pela CBS contra George W. Bush.
Se não fosse por essas coisas, o sucesso local do presidente americano seria inexplicável, pois toda a grande mídia, com exceção da Fox, está contra ele. E o ódio que se despeja sobre ele de todos os quadrantes explica-se em parte pelo fato de que em muitos países os canais básicos de informação sobre os EUA são os mesmos que chegam até aqui.
O resultado é um descompasso total entre o que os americanos sabem de si mesmos e o que o restante do mundo – a começar pelo Brasil – imagina que eles pensam. Ninguém põe em dúvida que o destino da Humanidade se decide nos EUA. Seria ótimo se as províncias em torno tivessem uma idéia mais real do que se passa na capital do planeta. Mas, para isso, seria preciso perder a ilusão de que o prestígio internacional de um canal de mídia faz dele uma autoridade para os americanos.
Enquanto essa ilusão não passa, fica difícil para o pessoal da província entender, por exemplo, que John Kerry não é o representante de uma política mais bondosa em oposição ao ‘imperialismo’ de George W. Bush, e sim o agente do imperialismo mais avassalador que já existiu, o de uma burocracia internacional que dia após dia vai se autoconstituindo em governo do mundo sem a menor consulta às preferências da espécie humana. Todos os eleitores de Bush sabem disso, mas no Brasil a coisa ainda soa inverossímil como uma ‘teoria da conspiração’. Também não é segredo para aqueles eleitores, mas um tabu entre nós, o fato de que estão com Kerry e não com Bush, além da mídia chique, os interesses petrolíferos que lucraram com a ditadura de Saddam Hussein, as megacorporações que subsidiam movimentos de esquerda no Terceiro Mundo, os bancos internacionais que sustentam a falsa prosperidade chinesa e as organizações narcotraficantes ansiosas para tornar-se legalmente um comércio monopolístico global. Ainda mais impensável parece aqui a idéia de que entre esse gigantesco esquema de poder e o terrorismo islâmico possa haver alguma ligação. Por isso, quando se revela que a ONU emprega gente do Hamas, ou que funcionários desse organismo foram presos em Israel por envolvimento direto com grupos terroristas, o brasileiro reage com a típica autodefesa caipira: faz de conta que não viu nada.’
Osmar Freitas Jr.
‘‘Pesquisite’, lá também’, copyright IstoÉ, 13/10/04
‘Os institutos de pesquisas eleitorais do Brasil e dos Estados Unidos podem ir para o canto da sala e ajoelhar no milho. O castigo seria decorrência da falta de exatidão dos números coletados nos estudos sobre intenção de votos nos dois países. Abaixo da linha equatoriana, especialmente em São Paulo, alardeava-se empate técnico entre os candidatos José Serra (PSDB) e Marta Suplicy (PT) na corrida à prefeitura da cidade. As urnas mostraram que o primeiro levou 43% dos sufrágios, e a segunda ficou com 35%. A diferença entre as profecias das pesquisas e a realidade verificada pós-votações se espalhou por outras localidades. Os americanos não estão com melhor sorte. Embora ainda não tenham cravado oficialmente os nomes de candidatos nas cédulas, havia – até o debate presidencial no dia 28 de setembro, vencido pelo desafiante democrata – a clara impressão de que o presidente George W. Bush estava mais de dez pontos à frente de seu opositor, John Kerry. Foi criada no país a noção do ‘já ganhou’, em que Bush estaria quase reeleito. O problema é que ninguém se deu ao trabalho de saber o que pensam milhões de eleitores que estão além dos radares dos pesquisadores.
É verdade que esta percepção de inevitabilidade de W. Bush variava muito de acordo com os dados colhidos entre as várias empresas pesquisadoras. Havia quem apostasse, ainda pré-debate, num empate técnico entre o democrata e o republicano, mesmo que o segundo mostrasse certa vantagem tendencial. ‘O problema é que as empresas têm métodos de pesquisas diferentes e, em muitas instâncias, estão defasados. Por exemplo: o Instituto Gallup verifica as intenções de quem já votou no passado – os chamados ‘eleitores prováveis’, sem considerar as pessoas que têm novos registros eleitorais. Além disso, as perguntas são feitas apenas a quem tem telefone de linha fixa, e não levam em consideração os telefones celulares, que são os meios de comunicação da enorme multidão de jovens que irá às urnas em novembro próximo’, diz Isaac Shulman, diretor do apartidário Centro de Análises Políticas Forverts, de Nova York.
Foi usando esses argumentos e tentando barrar a onda de derrotismo dos democratas que o cineasta Michael Moore, autor do documentário Fahrenheit 9/11, entrou em ação, enviando mensagem eletrônica massificada para milhões de partidários de John Kerry. ‘Vamos parar de choramingar como criancinhas. Não são os institutos de pesquisas e seus métodos arcaicos que vão determinar estas eleições. Já chega termos deixado a Suprema Corte fazer exatamente isso em 2000’, disse Moore. Ele poderia ter lembrado também que, naquelas eleições, as redes de televisão comeram bola, anunciando primeiro que o democrata Al Gore vencera no Estado da Flórida. Baseavam-se nas indicações de uma empresa de pesquisas que fornece dados para um pool de emissoras. Com o passar das horas, os âncoras do país tiveram de voltar atrás e dar a vitória a George W. Bush. O resultado deste imbróglio – causado a partir da verificação de tendências de boca de urna – foi o famoso melê das recontagens.
De laptop na mão: Michael Moore convoca eleitores a não acreditar em pesquisas
As confusões continuam quatro anos depois dos erros na Flórida. Na mesma semana que o Instituto Gallup mostrava o presidente com vantagem de 14 pontos, outras empresas de pesquisas apontavam superioridade de apenas quatro pontos porcentuais. O que teria provocado tamanha desigualdade? ‘Em primeiro lugar, o Gallup considera que os republicanos são eleitores mais consistentes: vão votar com mais frequência. Por isso dão vantagem de seis a oito pontos aos republicanos sobre os democratas. Acontece que nas últimas eleições presidenciais os democratas foram mais fiéis – de quatro a cinco pontos. Somente essa discrepância já é suficiente para explicar a suposta vantagem de 14 pontos de Bush. Um claro erro de metodologia’, diz Doug Lansky, da organização militante democrata MoveOn.Org. ‘E os veículos de comunicação, principalmente a rede CNN e o jornal USA Today, que se utilizam do Gallup, perpetuam esse erro, que pode influenciar na votação e sabotar o processo democrático’, diz Lansky.
Existem outros fatores que transformam estas eleições presidenciais americanas num pleito singular. O número de novos eleitores – gente que se registrou pela primeira vez para votar – ultrapassou todas as expectativas, transformando 2004 na maior arregimentação de sufragistas na história do país. Na verdade, ninguém sabe o que fará este exército cívico que irá determinar o próximo presidente americano: não há nenhuma pesquisa científica feita com eles.’
O Estado de S. Paulo
‘Teria Bush usado ponto eletrônico?’, copyright O Estado de S. Paulo, 11/10/04
‘Uma saliência nas costas do paletó do presidente George W. Bush durante o primeiro debate televisionado entre os candidatos à presidência dos Estados Unidos – no dia 30 de setembro – levantou rumores de que ele estaria usando um ponto eletrônico para receber instruções de seus conselheiros.
A acusação começou a espalhar-se pela internet ontem, com sites dizendo que a saliência poderia ser um transmissor ligado a um pequeno receptor na orelha do presidente.
A princípio, os assessores de campanha de Bush ignoraram a suspeita, mas quando jornais sérios do país também passaram a divulgar a informação, eles reagiram negando veementemente a insinuação. ‘É ridículo. Algumas pessoas estão passando muitas horas olhando websites com teorias conspiratórias da esquerda’, disse Scott Stanzel, diretor da campanha republicana. ‘Você ouviu a história de que Elvis (Presley) vai ser o mediador do terceiro debate?’, ironizou Stanzel. ‘Não era mais que uma dobra no paletó ou na camisa do presidente’, afirmou outro assessor de Bush.
Apesar das negativas, as especulações persistem, mudando o clima da corrida presidencial entre Bush e o democrata John Kerry.
Um porta-voz da Casa Branca chegou a suspeitar que as imagens com a saliência seriam uma falsificação feita pelos adversários de Bush. No entanto, as gravações do debate demonstraram que não houve edição nas fotos distribuídas pela internet e o porta-voz voltou a apoiar a versão da dobra na camisa. (The Times e DPA)’
O Estado de S. Paulo
/ The Washington Post‘Presidente pode sair perdendo ao evitar imprensa’, copyright O Estado de S. Paulo / The Washington Post, 9/10/04
‘Durante o fórum ‘Pergunte ao Presidente’ realizado em Cleveland em setembro, perguntaram a George W. Bush se ele gostava de brócolis, pediram que anunciasse seu ‘legado mais importante para o povo americano’ e revelasse o que seus partidários podem fazer para ‘garantir sua reeleição’.
Tais fóruns são rigidamente controlados pela campanha de Bush, com este dirigindo-se principalmente às pessoas sentadas nas seções ocupadas por seus partidários leais. Vários assessores de Bush disseram que ele pode acabar pagando caro por esquivar-se de perguntas difíceis ou inesperadas e isolar-se da imprensa.
Bush teve avaliações fracas depois que as imagens do primeiro debate na TV o mostraram inquieto e fazendo caretas ao ser desafiado por John Kerry. Além disso, seus comentários foram repetitivos e às vezes mal-humorados.
Wayne Fields, um especialista em retórica presidencial da Washington University, disse que o primeiro debate mostrou que Bush tem sido superprotegido. ‘Se você não fala com a imprensa e lida com platéias com certo grau de ceticismo, não pode despertar nas pessoas confiança em você nos momentos difíceis’, disse Fields.’