Propaganda comercial enganosa é aquela que tenta passar gato por lebre, quando a publicidade induz o consumidor a comprar um produto ou adquirir um serviço com certas vantagens e benefícios que, na verdade, a coisa não possui. Bom, até aí morreu o Neves. As técnicas para elaborar mensagens persuasivas e gerar eficientes peças publicitárias são, em geral e por si mesmas, enganosas.
Os métodos empregados na criação das mensagens se fundamentam em falácias, acreditando-se que estas não serão devidamente decodificadas pelo público-alvo; portanto, os publicitários geralmente apostam na ignorância do público e não buscam modificar comportamentos, ideias ou sentimentos, como muita gente acredita que seja o objetivo das propagandas. Eles tentam simplesmente consolidá-los. A mudança comportamental diz respeito tão-somente à escolha de determinado produto ou serviço, quando o consumidor é estimulado a decidir entre coisas aparentemente similares, optando pelo produto supostamente mais vantajoso ou benéfico aos seus propósitos ou ao seu bolso.
Quando se define um público-alvo, provavelmente já se leva em conta as características das pessoas visadas. Portanto, falar em mudança de comportamento delas seria pretender que a propaganda comercial que tiver como objetivo alcançar pessoas idiotizadas (a ação mais comum nas propagandas) tenha também o propósito de transformá-las em gente mais esperta, fazendo com que suas ideias pouco desenvolvidas se ampliem e que seus sentimentos passem a ser mais influenciados pela razão. Ora, idiotas são idiotas e, no caso de serem visados como potenciais consumidores, nenhum publicitário vai querer mudar seus comportamentos, ideias e sentimentos; querem mesmo é que reajam exatamente como são: idiotas.
Imagens, falas e interpretação
As mudanças de comportamento (sem mexer em nada que represente desenvolvimento de ideias ou reavaliação dos sentimentos) são mais amplas que as verificadas em restrito público-alvo de publicidades. Elas dizem respeito a toda a sociedade, alcançam todos os cidadãos e consumidores e são de responsabilidade dos fabricantes dos produtos – não, de seus instrumentos de divulgação: as agências de propaganda.
A mudança comportamental mais acentuada que se pode verificar no mercado consumidor da atualidade está relacionada com a dinâmica dos avanços tecnológicos, praticamente obrigando (não simplesmente persuadindo) o consumidor a mudar de hábitos. Para melhor entender essa questão, leia crônica atribuída a Eduardo Galeano intitulada “Caí no mundo e não sei como voltar”. É uma das mais interessantes abordando o tema.
Tempos atrás, a propaganda comercial destacava-se por um acentuado interesse em promover o consumidor a um status bem mais elevado do que a verdadeira condição em que ele vivia. A veiculação de imagens com encenação de atitudes e o emprego de sentenças capciosas, formando um conjunto que tem como objetivo inflar o ego do consumidor, fazia o incauto assistente crer que aquilo lá seria o retrato perfeito de sua posição social, ou, pelo menos, criava a ilusão de que, com o uso do produto que lhe estão mostrando, se enquadraria entre os eleitos. O objetivo, nesse caso, é fazer o mais estúpido dos consumidores acreditar que usando aquele produto poderia ser considerado, por exemplo, um líder, ou um pai exemplar, ou um profissional competente, coisas assim. Certamente isso ainda é bastante empregado, com razoável habilidade na conjunção de imagens, falas e interpretação dos atores. Mas não é esse o método que atualmente tem predominado nas propagandas comerciais.
O cara que aceita as sobras
Muitas vezes apresentam uma mulher tratando o marido como se ele fosse um babaca qualquer, sem vontade própria. Confundem emancipação feminina, que ainda é uma coisa bastante discutível, com o domínio da mulher sobre o homem, condição esporádica, identificável em reduzido número de lares. Não raro jogam um de encontro ao outro, ao invés de uni-los em torno do produto. Devem achar tudo isso muito engraçado. E às vezes o é, não questiono. A questão é saber se aquilo realmente incrementa as vendas ou se funciona como um tiro pela culatra, inibindo a comercialização do produto. Eu, por exemplo, não me conformo em ver que muitas empresas aceitam que as agências de propaganda relacionem o consumidor-direto de seus produtos à imagem de um idiota qualquer.
Vejamos o caso dessa última campanha dos postos Ipiranga. Um sujeito, com cara e jeito de babaca, chega em casa e encontra a mulher na cama, nua, explicitamente nervosa devido à inesperada chegada do marido. O espanto da mulher indica que ela imaginava que o companheiro ia demorar a voltar para casa. Tem homem escondido por tudo o quanto é canto da casa: nos armários, no banheiro, embaixo da cama, até no teto. Haja Ricardão! O imbecil do marido não percebe nada e justifica sua volta repentina dizendo que foi “ali no posto Ipiranga” e lá fez tudo que tinha de fazer: operação bancária, lanche, comprou cigarros e até abasteceu o carro, coisas desse tipo. Enquanto isso, os marmanjos que desfrutaram da beldade saem em disparada pela porta da frente, todos seminus. Agora imagine alguém no ambiente de trabalho elogiando os serviços dos postos Ipiranga: “Os postos Ipiranga são uma mão na roda! Lá eu tenho de tudo, não perco tempo andando por aí de loja em loja.” Um gaiato qualquer pergunta: “Quando você vai a um posto Ipiranga, avisa sua mulher?” “Hein?! O que você quer dizer com isso?!”
A mensagem da propaganda certamente tem outro objetivo, mas, a meu ver, ela diz que clientes dos postos Ipiranga são idiotas, ingênuos. Mas tem coisa pior na tela. É o caso da campanha da Pepsi. De cara, na abertura da peça publicitária, a gente já entende que o freguês pediu uma coca-cola, pois ela começa com o garçom dizendo: “Só tem Pepsi, pode ser?” A frase também pode ser entendida assim: “Acabou-se a coca-cola, sobrou essa coisa aí, que quase ninguém toma. Compro isso porque a cota de coca a que tenho direito não atende à demanda. Vai esse xarope brabo?!” Fazer o quê? Tudo bem, “pode até ser bom”, quem sabe? Ora, isso é lá maneira de se oferecer um produto?! O perfil do consumidor é do cara que aceita qualquer sobra, aquilo que ninguém mais quer, o cara que se conforma com o que os outros rejeitaram. E vira cobaia: “Pode ser bom”. Também pode ser ruim, péssimo! O consumidor é cliente do fabricante ou comerciante do produto, não da agência de propaganda. Desta, ele é apenas vítima.
O infeliz idiota da piada
A agência precisa enganar o público-alvo com suas mensagens falaciosas e igualmente engambelar a empresa-cliente, tentando provar que suas criações são realmente originais, inovadoras e capazes de alavancar as vendas. Ao apresentar sugestões (de roteiro, arte-final, leiaute, mensagem…) a fim de que o cliente aprove seu projeto de peça publicitária, a agência deve estar preparada para refutar ou aceitar questionamentos. Mas o que acontece se alguém demonstrar descontentamento ao identificar que a imagem do consumidor de seu produto retrata o perfil de um idiota? Talvez o representante da agência tente convencê-lo de que, hoje, quanto mais idiota, melhor. Estaria ele fundamentado em quase tudo que há muito tempo é veiculado na televisão brasileira: filmes, novelas, telejornais e os próprios comerciais. Ao encerrar uma campanha publicitária, a empresa certamente deve fazer avaliação dos seus resultados. E quando esses resultados não correspondem às expectativas, as agências, de alguma maneira, saem pela tangente: culpam os veículos de comunicação, os horários e número de inserções, crise de mercado, ou seja lá o que for. Dificilmente reconhecem seus próprios erros, como a inversão das inversões de valores em que embarcaram nos últimos tempos. Com esse gênero de propaganda, do tipo em que o consumidor em potencial é apresentado como o infeliz idiota da piada, as agências estão apostando mesmo é na ignorância de seus próprios clientes. Se alguém se aproximar de você tentando cooptá-lo para se juntar a ele num empreendimento ardiloso contra terceiros, acredite que o primeiro a quem ele está tentando enganar é a você mesmo. As empresas que se tornam clientes das agências de propaganda deveriam atentar para esse suposto princípio.
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[Fernando Soares Campos é escritor, Rio de Janeiro, RJ]