Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Patrícia Kogut

‘De respeitado correspondente do jornalismo da Rede Globo no exterior, quando foi responsável por coberturas de primeira classe, como as da queda do Muro do Berlim e da Guerra do Golfo, a animador de um dos programas mais populares da TV brasileira, a transferência foi feita sem traumas. Na melhor tradição dos grandes comunicadores da televisão, Pedro Bial, aos 46 anos, não balança a pança, mas comanda a massa. Há três anos na apresentação do ‘Big Brother Brasil’, ele comemora o sucesso da mais bem-sucedida das edições do programa, que vai dar, na próxima terça-feira, R$ 1 milhão a um de quatro participantes que completarão 79 dias de confinamento na casa mais vigiada do país. Poeta nos anos 80, quando fazia sucesso nos palcos com o grupo Os Camaleões, Bial vê nobreza no polêmico ‘reality show’ por promover a ‘humanização da TV’. Por trás desta idéia, está a disposição para enfrentar uma produção desgastante que, até agora, mantém uma média de 51 pontos no Ibope com participação de audiência de 70%. Estes números podem ser sentidos na rua, onde Bial é abordado como qualquer ídolo pop. E grande parte do sucesso pode ser atribuído à performance do apresentador, que não perde a pose mesmo quando é surpreendido, como na semana passada, quando, ao ser eliminada, a concorrente Pink despediu-se do programa sapecando-lhe um beijo na boca. Vai para o trono ou não vai?’Quando Jean disse no ar que ele foi para o primeiro paredão porque é gay, ele tinha razão’

Depois de cinco edições de ‘Big Brother’, você se acha capaz de prever o que vai acontecer e quem vai levar o milhão?

PEDRO BIAL: Claro que agora já ‘leio’ em menos tempo as reações prováveis. Imagino tendências, há padrões que se repetem. Mas tem muita surpresa.

Quem você gostaria que ganhasse?

BIAL: Torço pela audiência, pelo que for melhor para o programa.

Mas há quem diga que você privilegia alguns participantes em detrimento de outros na hora das entrevistas ao vivo….

BIAL: É a torcida, que sempre reclama do juiz. Claro que o juiz no caso deste programa é sempre o público, mas na hora de achar que alguém possa estar sendo favorecido, eu sou como um juiz num campo de futebol. A verdade é que eu jogo a bola, que quica para todo mundo. Tem gente que pega melhor, é claro.

Esta edição está melhor que as outras?

BIAL: Acho que é a melhor de todas porque encontramos o formato brasileiro, o caminho do humor. O humor que o programa tem aqui não existe em nenhum outro lugar. E a edição é bem feita, um trabalho que começou com a Eugênia Moreyra e que hoje está sob a responsabilidade da Fernanda Scalzo. O programa, no fim das contas, é resultado de uma visão do editor e do apresentador sob a batuta de Boninho, o diretor-geral. Meu papel é um pouco o de reconfortar os participantes. Eles vivem uma rotina difícil. Sei que o programa é uma coisa séria, que envolve uma grana enorme e tudo o mais, mas puxo pelo lado da brincadeira para aliviar.

Por que esta edição do ‘Big Brother’ está diferente das anteriores?

BIAL: A presença de um professor (Jean ) jogou todo mundo para o alto. Quando tem uma inteligência no ambiente, isso aguça a capacidade de pensar dos outros. No ‘BBB 3’, tinha o Jean Massumi, que era um massagista que refletia sobre as coisas de uma maneira ética, pautava-se por princípios. No caso do Jean desta edição, além da inteligência ele trouxe informação.

Jean não é um intuitivo, como os outros participantes?

BIAL: É isso. A Grazielli ( miss Paraná, que está entre os quatro finalistas ), por exemplo, é superinteligente, mas é um diamante bruto. Ela tem umas sacadas geniais. Outro dia disse uma frase que eu já vi publicada num artigo sobre o ‘Big Brother’ no ‘Cahiers de Cinéma’: ‘Que autor é esse que são os personagens que controlam a novela?’. Ela falou uma coisa crucial: são os participantes que inventam sua ficção, controlam a angulação das câmeras e o tempo da edição.

Diferentemente das outras ediçòes, esta não teve sexo.

BIAL: O Brasil é um país fixado nesse assunto e se revela muito moralista. O formato originalmente concebido pela Endemol é para gerar conflito e sexo. Mas, em outros países, o programa é produzido por canais que não lideram a audiência. Aqui, está na emissora-líder. No Brasil, isso pegou mal pra caramba. As pessoas que avançaram algum sinal foram eliminadas no primeiro paredão, como a Solange e o Rogério da quarta edição e a Tarciana e o Jeferson da segunda. O fato é que o público gosta mais do romantismo do que de sexo no ‘Big Brother’.

Desta vez, os participantes se dividiram entre ‘bons’ e ‘maus’. Nas últimas novelas da Globo, as vilãs foram endeusadas pelo público, mas no ‘Big Brother’ os bons estão vencendo a parada. Não deveria acontecer o mesmo?

BIAL: Acontece o mesmo. As vilãs das novelas foram exemplarmente punidas no fim. No começo, o vilão exerce um fascínio. Depois, o público vota para ele sair.

Essa dinâmica entre os participantes foi uma surpresa para você?

BIAL: Faço questão de não participar da escolha dos candidatos. Só vejo as entrevistas um dia antes da estréia. Quando assisti às fitas, individualmente os participantes não pareciam estranhos. Na hora, deu-se que eles se comportaram de uma maneira surpreendente. Rogério ( médico, líder do ‘grupo do mal’, eliminado na quarta semana ), por exemplo, tem uma coisa de liderança carismática que sabemos onde pode parar.

E o preconceito? Aparece claramente?

BIAL: Aparece, claro. Quando Jean disse no ar que ele foi para o primeiro paredão porque é gay, tinha razão. As pessoas normalmente não vão para o paredão com tal unanimidade de votantes. Ele foi com seis votos, uma clara manifestação de homofobia.

Muitas vezes a gente tem a impressão de que Boninho está falando com você pelo ponto eletrônico. Ele dá broncas?

BIAL: Ele é uma flor comigo. Temos uma relação de respeito muito grande. Acho o Boninho um cara corajoso, é a minha rede de segurança. O programa é ao vivo e eu fico naquela situação do trapezista no meio da arena. Fica todo mundo esperando a queda, que, neste caso, é o erro. O Boninho me ajuda. Mas quando acontece de errar, gosto da idéia de que a gente também se retrata. Isso humaniza o programa. Uma vez, no ‘Big Brother 4’, a Solange ganhou a prova do líder e eu me enganei, disse que tinha sido a Juliana. Uns 15 minutos depois, entrei no ar ao vivo consertando o erro. Acho isso muito bacana. É exemplar para o Brasil, um país que tem o hábito de empurrar o erro para o outro.

Você parece estabelecer uma relação carinhosa com os participantes. Já reencontrou algum deles?

BIAL: O Adriano, da primeira edição, já me procurou uma vez e nos vimos rapidamente. O André ( também do ‘BBB 1’ ) me ligou e o Jean ( ‘BBB 3’ ) me mandou convite para o seu casamento, mas eu não pude ir. Tem uma diferença de idade muito grande. Eles são muito jovens e eu vou fazer 47 anos no dia da final do programa.

Você parece feliz no papel de apresentador. Não tem saudade do jornalismo?

BIAL: No início, apanhei muito. Tinha cacoetes de jornalista, fazia um tipo de televisão voltado para a cena da notícia. Até a popularidade que a gente ganha na televisão como repórter é acolchoada pelo título de jornalista. Quando virei uma espécie de Chacrinha, tudo mudou. Mas logo fui ficando à vontade. Pago um preço por isto, porque na rua, por exemplo, perderam a cerimônia comigo. As pessoas chegam mesmo. E tem o agravante de que eu incentivo as pessoas a darem uma espiadinha. Só que é no programa, não é na minha vida. Mas acho que nunca vou deixar de ser repórter. Adoro fazer matérias, mais ainda do que ser apresentador. Acho que o ‘Big Brother’ abriu uma estrada para mim. Acredito na lei de mercado: pintou o programa, procuraram um apresentador, deu certo comigo. Pronto.

Você acha que o ‘Big Brother’ terá vida muito mais longa aqui? Lá fora o programa historicamente se esgota depois de algumas edições.

BIAL: Acho difícil fazer qualquer previsão. Muitos experts falaram que não passaria da segunda edição e o sucesso está cada vez maior. O que posso garantir é que considero esta uma grande oportunidade. Este programa é parte da história da televisão brasileira. E eu estou nele.’



KOJAC DE VOLTA
O Globo

‘Kojac está de volta à televisão americana’, copyright O Globo, 27/03/05

‘Nada mais anos 70 do que o tenente Theo Kojac, um careca viciado em pirulitos que prendia bandidos em Nova York com o bordão ‘Who loves ya, baby?’ (‘Quem te ama, meu bem?’) e se orgulhava de sua origem grega. O seriado que consagrou o ator Telly Savallas está de volta à TV americana com o nome ‘Kojac 2005’ e o ator Ving Rhames (‘Pulp fiction’, ‘Missão impossível’) no papel-título.

Já no primeiro episódio, um valentão prestes a ser interrogado por Rhames estranha o nome grego em um negro.

– Kojac? – diz o bandido. – Sem querer ofender, mas que nome é esse para um príncipe de ébano como você?

Sobrenome do personagem fica sem explicação

A pergunta foi feita exaustivamente pelos repórteres quando ‘Kojac 2005’ foi apresentado à imprensa americana, e nenhuma resposta convincente foi ouvida. A melhor fala veio de Rhames (que é produtor da série e resolveu que teria o papel-título):

– Meu sobrenome é Rhames e ninguém nunca me perguntou de onde ele vem.

Ao lado do produtor executivo Tom Thayer, ele informou que não haverá uma explicação para o nome no seriado.

Na realidade, o papel de Theo Kojac foi escrito para Savalas, que era de origem grega. O seriado, que consagrou o ator – nascido Aristóteles Savalas e morto em 1994, aos 70 anos – foi ao ar entre 1973 e 1978, com um retorno curto e malsucedido que durou oito meses em 1990. Além do amor pelos pirulitos, Kojac tinha a característica de manter a calma e o bom humor em todas as situações.’



TVs EDUCATIVAS
Wilson Silveira

‘Comissão rejeita criação de TV educativa regional’, copyright Agência Câmara de Notícias, 22/03/05

‘A Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público rejeitou hoje o Projeto de Lei 3273/04, do deputado Almir Moura (sem partido-RJ), que institui o Serviço de Televisão Educativa Regional. Pela proposta, o serviço contemplaria a radiodifusão de sons e imagens operada em baixa potência e com cobertura restrita, outorgada a associações e fundações reconhecidas como de utilidade pública.

Conforme o projeto, a regionalização seria garantida pela obrigatoriedade de a metade da programação ser produzida e transmitida no estado-sede da emissora. A proposta admite que as permissionárias recebam recursos e veiculem publicidade institucional, mas veda a comercialização de anúncios nos intervalos da programação. O patrocínio de programas, eventos e projetos é autorizado, com exceção das entidades que comercializem derivados do tabaco, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e agrotóxicos.

O autor argumenta que a cobertura das TVs educativas é muito incipiente ou até inexistente em algumas capitais.

Custo alto

O relator, deputado Carlos Alberto Leréia (PSDB-GO), argumentou que o custo para montagem de transmissora e geradora de som e imagens é muito elevado, o que compromete as intenções do projeto. ‘Se a proposta fosse aprovada, provavelmente boa parte dessas novas TVs se tornariam veículos de propaganda de partidos ou grupos políticos locais, que podem arcar com os custos de manutenção. É o que vem ocorrendo com várias rádios educativas espalhadas pelo País, que têm custo operacional bem inferior’, disse. Tramitação O projeto segue para as comissões de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.’



TV CULTURA
Tela Viva News

‘TV Cultura anuncia investimentos em programação e equipamentos’, copyright Tela Viva News, 23/03/05

‘A nova direção da TV Cultura garante que está conseguindo cumprir com suas metas estabelecidas no início da gestão. Segundo o presidente da Fundação Padre Anchieta, mantenedora da TV Cultura, Marcos Mendonça entre as metas estavam apresentar uma nova grade até este mês de março e garantir uma qualidade técnica ‘impecável’ em até cinco anos. A nova grade já começou a ser apresentada com o novo festival de música anunciado recentemente e com o programa de Silvia Poppovic, que foi apresentado à imprensa nesta quarta, 23. No evento de lançamento do programa ‘Silvia Poppovic’, Mendonça afirmou que novas mudanças na programação serão anunciadas em breve, como um programa de concertos eruditos que irá ao ar aos domingos. Além disso, o presidente da fundação anunciou que, desde o dia 14 de março, a TV Cultura voltou a transmitir via satélite também com sinal analógico, para atingir as antenas parabólicas instaladas no País (que segundo a Cultura chegam a 17 milhões). Quanto à defasagem tecnológica (no parque de equipamentos da TV Cultura ainda constam aparelhos com 30 anos de uso), Mendonça afirma que já foram comprados equipamentos para digitalizar o acervo da emissora. Mais equipamentos devem ser comprados para garantir a qualidade técnica prometida.

Infantil Marcos Mendonça contou ainda que foi criado um núcleo de animação dentro da TV Cultura. Essa unidade, voltada à programação infantil, não deve produzir séries na casa. ‘Esse núcleo vai articular novos programas com os produtores e os talentos espalhados pelo Brasil’, afirmou. Mendonça criticou ainda falta de produção específica para crianças no País. ‘Com excessão da Globo, com o ‘Sítio do Pica Pau Amarelo’, ninguém produz para crianças, exibindo apenas enlatados internacionais’, disse, lembrando que a TV Cultura já contratou mais de 50 episódios da série infantil ‘Cocóricó’.

Revista semanal

O programa ‘Silvia Poppovic’, anunciado nesta quarta, consiste em uma revista eletrônica semanal, onde o ‘viver bem’ será sempre o tema central. O programa contará com quadros apresentados por especialistas das mais diversas áres. Entre ele estão os quadros Corpo, Comida, Casa, Bichos Tecnologia, Espiritualidade, Viagem, Estilo e um esquete de humor com a atriz Grace Gianoukas (do espetáculo ‘Terça Insana’). Tudo amarrado pela apresentador que dá nome ao programa. Além disso, Silvia Poppovic conduzirá sempre uma entrevista e um debate, mas diferente dos que apresentava na Bandeirantes. ‘É um formato gasto’, diz a apresentadora sobre os debates polêmicos que apresentava nas tardes da TV Bandeirantes. O programa é, segundo a apresentadora, um exemplo dos programas que a TV Cultura pretende levar ao ar. ‘Algo que o mercado tenha interesse em apoiar’. O ‘Silvia Poppovic’ tem 1h30 de duração e vai ao às quintas, às 22h00, a partir do dia 31 de março. Duas cotas de patrocínio já estão vendidas: para a Bosch e para a marca de detergentes Ipê.’



TVE / CENSURA
O Globo

‘Censura na TVE’, copyright O Globo, 24/03/05

‘Dois programas da série Curta Brasil, exibida pela TVE, foram proibidos de ir ao ar por censura interna da direção da emissora. ‘Veludo & Caco de Vidro’ e ‘A lâmpada e a flor’, premiados em festivais, tinham cenas de masturbação. As associações de cineastas e documentaristas enviaram carta ao ministro da Cultura, Gilberto Gil, classificando a proibição de ‘violência grave contra o estado de direito democrático, que nos remete ao vergonhoso passado de autoritarismo militar’.’



TV & INFÂNCIA
Regina de Assis

‘Reflexões sobre crianças e o horário nobre na TV’, copyright Jornal do Brasil, 28/03/05

‘O fim das férias de verão trouxe uma estatística importante para quem se preocupa com as crianças brasileiras de 4 a 11 anos e o que elas gostam de ver na TV aberta, em horário nobre. A novela de maior audiência, Senhora do destino, que terminou há pouco na Globo, era a preferida. Em seguida vinham o Big Brother Brasil e os filmes apresentados pelo mesmo canal. Aos sábados, nossa criançada eleva também a audiência do humorístico Zorra Total.

As crianças não apontam os programas jornalísticos, os de auditório, os de entrevistas e os que apresentam documentários como seus favoritos, embora eles também sejam exibidos no horário nobre. O levantamento deixa claro também o tempo valioso que as crianças, entrevistadas pelo Ibope, passaram diante da TV nas, quando poderiam estar envolvidas em outras atividades. Estes dados apontam algumas questões que merecem discussão e tomada de decisões, pelo menos por parte das famílias e dos responsáveis pela produção e programação da TV aberta.

Dois aspectos chamam nossa atenção. Primeiro: as crianças estão, na maior parte das vezes, acompanhadas de adultos que, em geral, são os que decidem o que é assistido. Segundo: o público infantil manifesta preferência por programas que apresentam algum tipo de narrativa e bom humor.

Esta análise inicial permite que confirmemos, mais uma vez, a importância que a narrativa de histórias, por meio de produtos audiovisuais, têm para os seres humanos de qualquer idade. Conhecer, compreender e desvendar as relações e os conflitos humanos, identificar-se com personagens e constituir conhecimentos e valores é uma atitude vital e indispensável em nossa sociedade. Tem, inclusive, um efeito catártico para as frustrações, desejos ou ambições de um alto número de telespectadores, entre eles, nossas crianças.

Novelas, por mais folhetinescas que sejam, trabalham com a matéria-prima da vida, em todas as suas nuances e desdobramentos, e mesmo um reality show, apesar da sua aparência tosca e medíocre, narra a saga de heróis, heroínas ou vilões em busca de vitórias e prêmios. Isto só se alcança por meio da imaginação, da argúcia, da atenção, da vingança, do ardil, da dominação, da traição e também da superação do fracasso, da solidão, da pobreza e do sofrimento, em direção ao estrelato e à fama, nem que seja por 15 minutos, ou longas semanas e meses.

Rir, mesmo que do ridículo e do grotesco, alivia tensões e diverte. Crianças mais novas, ainda sem uma visão crítica desenvolvida, são presas fáceis do humor barato, com apelo popular. Não se pode esquecer ainda que tudo que se vê e ouve no horário nobre é permeado pela venda avassaladora de produtos que atribuem sucesso e modernidade a quem os adquire ou os deseja, mesmo sem poder comprá-los.

Várias pesquisas evidenciam que a produção audiovisual tem o poder de estimular os dois lados do cérebro: o tecido neocortical, responsável pelas funções superiores do raciocínio, tais como a constituição do significado de palavras e ações; e o sistema límbico articulador dos instintos, da intuição, dos desejos, afetos e emoções. O cérebro das crianças é por isto cooptado, com facilidade, pelos programas de TV, que tanto exercem atrações sobre seu raciocínio, quanto sobre seus sentimentos, desejos e afetos.

O professor Geoff Beattie, do Departamento de Psicologia da Universidade de Manchester, na Inglaterra, constatou que as pessoas retêm mais informação quando esta é apresentada por meios audiovisuais, que lidam com aspectos prazerosos. Esta tese também é comprovada em outros estudos realizados ao longo dos últimos anos, nos Estados Unidos e na Escandinávia, onde foram pesquisados programas de televisão de alta qualidade educativa, cultural e de entretenimento. É o caso, por exemplo, de Vila Sésamo, assistido nos últimos 36 anos em 120 países, que adapta o seu conteúdo ao contexto das crianças de cada região.

Uma das produções da Multirio que alcança maior sucesso com as crianças, premiada e reconhecida no Brasil e no exterior, é a série Juro que vi, que revisita mitos de nosso folclore, como o Curupira, o Boto e a Iara. Produzida com crianças e professores de uma escola da Prefeitura do Rio, ela também vem alcançando êxito devido, em grande medida, ao fato de lidar com arquétipos universais, que tratam do medo, da coragem, da feiúra, da beleza, do poder, da covardia e de outras qualidades e limitações humanas.

Portanto, a TV, ao veicular produtos audiovisuais que provocam encantamento, desejo, medo, esperança ou confiança, entre outras emoções, tem um poder de convencimento e dominação. O que traz, inexoravelmente, responsabilidade a quem produz e divulga, um dos temas mais abordados durante a 4ª Cúpula Mundial de Mídia para Crianças e Adolescentes, realizada no Rio de Janeiro em abril de 2004. Na ocasião, foram elaboradas duas Cartas de Princípios para a Mídia de Qualidade, referendadas por profissionais de mídia, educação, cultura, políticas públicas e 150 adolescentes dos cinco continentes.

Diante do panorama traçado, algumas discussões são urgentes: as famílias e os responsáveis acompanham suas crianças na hora em que elas assistem às novelas, aos reality shows, aos filmes e aos programas humorísticos? Conversam sobre o que está sendo visto? Alimentam críticas ou buscam alternativas em outros canais e atividades distintas quando as cenas são ofensivas à dignidade, à ingenuidade e ao desconhecimento das crianças?

As emissoras de grande audiência, que vendem seus espaços comerciais e faturam com a exploração da violência, da perversidade, do deboche, da banalização das relações sexuais, do voyeurismo, embora também busquem enfatizar valores familiares e a diversidade cultural e social, podem dizer que exercem o autocontrole, que sempre alardeiam, em respeito aos direitos de crianças, adolescentes e suas famílias por um entretenimento de qualidade?

Os canais de TV educativos e culturais, subsidiados por verbas governamentais, portanto, sem necessidade de submissão às regras do mercado, têm tido a capacidade de oferecer alternativas inteligentes, criativas e atraentes?

Afinal, o que é qualidade nos programas de TV? É o que diverte, encanta, inspira para a solidariedade e a compreensão? Ou é o que dá audiências, lucros e prêmios? É possível unir estes objetivos em horário nobre? O ritual de reunir a família ao redor da TV, a cada noite, em horário nobre, exige de todos os protagonistas – os que produzem e divulgam e os que assistem e interagem – um verdadeiro compromisso ético, estético e político, que respeite os direitos de nossas crianças e adolescentes e proporcione, à sua capacidade de imaginar, conhecer e se divertir, uma programação de maior qualidade.’