Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Paul Farhi

‘Philip Meyer, que há três décadas estuda a indústria jornalística, consegue ver a escuridão no fim do túnel. Se as atuais tendências dos índices de leitura se confirmarem, diz o professor da Universidade da Carolina do Norte, o último leitor de jornal diário desaparecerá em 2044. Outubro de 2044, para ser preciso. ‘Uso isso como recurso para chamar a atenção’, diz Meyer, cujo livro mais recente, The Vanishing Newspaper: Saving Journalism in the Information Age (O jornal em extinção: como salvar o jornalismo na era da informação), anuncia as más novas em detalhes. ‘É chocante, mas é o que dizem os números.’


Não é difícil compreender como poderíamos chegar a tal situação. A mídia vem cobrindo as más novas sobre jornais há anos. Essas reportagens retratam um setor que parece à beira da crise, e, possivelmente, à beira do abismo. ‘Em muitos mercados americanos, o jornal dominante é uma empresa em declínio’, escreveu o crítico de mídia da revista eletrônica Slate, Jack Shafer. ‘A longo prazo, nenhum jornal estará a salvo das tecnologias eletrônicas.’ Já o colunista do site Barron’s Online, Howard R. Gold, colocou a questão da seguinte maneira: ‘Uma crise de confiança combinou-se com outros dois fatores – uma revolução tecnológica e uma mudança econômica estrutural – para criar o que só pode ser descrito como uma perfeita tempestade… O modelo de negócios da imprensa escrita está implodindo na medida em que os leitores jovens vão atrás de notícias nos tablóides gratuitos e na mídia eletrônica.’ O Washington Post foi mais sucinto: ‘O jornal venerável está encrencado’, declarou, numa longa matéria especial publicada em fevereiro.


Esperem um pouco. Os jornais, que antecedem a fundação da República americana, estão ‘implodindo’, ‘encrencados’ e olhando para o vazio? O futuro será de fato tão tenebroso? É verdade que nada está tão bem como estava antes. A circulação, que tem caído regularmente há duas décadas, agora vem dando sinais recentes de queda livre: a circulação de jornais diários caiu 1,9% no ano passado, segundo números da Agência de Auditoria de Circulações. Leitores jovens são raros, os orçamentos das redações estão apertados e a competição continua inexorável. Os jornais saíram prejudicados de uma série de escândalos e confusões que solaparam sua credibilidade, das ficções de Jayson Blair ao imbróglio ao estilo Enron do ano passado, passando pelas matérias equivocadas de Judith Miller sobre armas de destruição em massa no Iraque. E a internet, com sua vastidão, energia e imediatismo, parece mesmo capaz de detonar o velho e sonolento jornal impresso.


E, no entanto, esses dados não levam em conta um cenário mais amplo e positivo. Os relatos da mídia sobre a ascensão e queda de jornais são muito exagerados, quando não totalmente equivocados. O argumento a favor da sobrevivência do jornal diário é ao menos tão forte quanto o de sua muito anunciada extinção. Considerando o furacão de mudanças que hoje fustiga todos os segmentos da mídia noticiosa, eu diria que nenhuma vertente desse setor está tão firmemente ancorada quanto a maioria dos jornais diários. Em vez de aceitar a própria mortalidade, os jornais podem ter melhor chance que qualquer outra mídia antiga de sobreviver no mundo das novas mídias.


DISTORÇÕES E FALHAS


Todas as avaliações pessimistas sobre o futuro do setor jornalístico convidam a uma simples réplica: em comparação com o quê? Todas as mídias tradicionais (jornais, revistas, rádio, TV) têm perdido gradualmente leitores, ouvintes e telespectadores. Portanto, avaliar qualquer meio de maneira isolada oferece um quadro distorcido e falho. Os jornais não estão se saindo pior que outros setores da mídia. E, em alguns aspectos, estão um pouco melhor que a concorrência, inclusive a internet.


Façamos uma rápida excursão.


TV a cabo de notícias? Sem o surto de interesse no fim do ano passado por conta da eleição presidencial, os três canais de notícias – Fox News Channel, CNN e MSNBC – provavelmente teriam registrado seu terceiro ano consecutivo sem crescimento. De qualquer forma, as tendências do público no que diz respeito aos canais de TV a cabo de notícias não são promissoras. Em primeiro lugar, a assistência dos canais de notícias é extremamente volátil – as pessoas entram e saem, levadas ao aparelho pelos assuntos empolgantes, mas dando uma atenção apenas esporádica no resto do tempo. Mais importante: as televisões a cabo e seus canais especializados em notícias atingiram a saturação. O público de TV a cabo cresceu ao longo da última década em parte como conseqüência de uma expansão da distribuição – à medida que mais lares recebiam Fox News ou CNN, mais pessoas as assistiam. No entanto, o cabeamento nos EUA é quase total agora. Com isso, as provedoras de serviços a cabo tiveram de buscar novas maneiras de crescer. E o estão fazendo com a expansão do número de canais disponíveis a seus clientes. Isso só pode significar mais fragmentação da audiência. Como os novos espectadores não estão tão ansiosos para assistir aos canais de notícias (e o público destes programas é pequeno, entre 2 milhões e 3 milhões de pessoas de uma vez), a única maneira que uma rede tem de crescer é canibalizando a audiência das concorrentes. Um cenário pouco promissor.


As redes abertas e estações locais? Elas vêm perdendo espectadores há anos. Não são apenas as programações de entretenimento em horário nobre que vêm vacilando: esportes, novelas, talk shows e shows de jogos também. Nas duas últimas décadas, a programação noticiosa das redes abertas perdeu telespectadores em ritmo mais acelerado do que aquele em que os jornais vêm perdendo leitores. As Três Grandes ainda prendem a atenção de aproximadamente 29 milhões de pessoas a cada noite da semana – mas isso representa uma queda de 10 milhões, ou 26%, em relação a meados dos anos 90.


Diferentemente da TV a cabo, as redes abertas ainda têm um público de massa e, por isso, ainda têm muito para onde cair. Mas as redes de TV são hipersensíveis até mesmo a pequenas variações dos índices Nielsen (pesquisa de audiência). É fácil lamentar, mas não é difícil compreender as decisões da ABC sobre o programa Nightline. Na última década, a atração perdeu quase 40% de sua audiência, apesar de ainda registrar uma média de 3,8 milhões de espectadores por noite. Jornalistas podem estremecer com o possível cancelamento de Nightline, mas competência e prestígio já não são garantias de sobrevivência numa rede de TV aberta.


O rádio? Há muito tempo, em uma América mais antiquada e lenta, o rádio era uma fonte significativa de informações e notícias. Mas desde a desregulação e consolidação, centenas de estações comerciais acabaram com seus programas noticiosos, mesmo aqueles mais rudimentares, de notícias curtas. A audiência de estações de rádio só de notícias continuou relativamente estável. No caso de estações com programação da NPR (a rádio pública nacional dos EUA), até cresceu. Mas o rádio convencional por radiodifusão parece estar agora na mesma situação em que a televisão aberta se encontrava havia um par de décadas – à beira de uma enorme mudança. Novas tecnologias – rádio via satélite, rádio terrestre digital multicanal, podcasting, telefones celulares – já estão começando a mordiscar a audiência de rádio em carros.


Revistas? Também estão perdendo seu apelo no cada vez mais curto espaço de tempo dedicado pelos americanos à leitura. Uma pesquisa do Centro Pew para o Povo e a Imprensa informa que apenas um quarto dos americanos disse ter lido uma revista ‘ontem’, contra um terço, no levantamento feito em 1994. As revistas sempre viveram num mundo de feroz competição e fragmentação. São fáceis de criar e podem ser moldadas para leitores interessados em quase qualquer tema. Mas o segmento de revistas está entre os economicamente menos saudáveis da mídia. Basta observar que, de 1999 para cá, caiu em um terço o número de títulos publicados, segundo o Guia Nacional de Revistas.


O caso mais interessante e complicado é o da chamada Nova Mídia Noticiosa. Apesar da badalação, a internet não está devorando tudo em seu caminho. Apenas 2% das pessoas pesquisadas pela Pew no ano passado disseram que a internet era sua única fonte regular de notícias. O apetite por notícias na internet está crescendo, mas é apenas parte de uma dieta diversificada. Segundo dados da Pew, o americano médio obtém notícias em diversas fontes – online, TV ou rádio, jornais e revistas. A internet é apenas uma pequena parte do processo; a quantidade média de tempo gasto lendo noticiosos online foi de sete minutos por dia em 2004. Não há dúvida: a publicidade na internet está crescendo rapidamente, mas a partir de uma base que, há poucos anos, era quase nula.


Diferentemente da TV, que criou fortunas instantâneas e permanentes, os pioneiros da notícia na internet ainda estão, dez anos depois, buscando um modelo de negócios sustentável. Somente alguns sites noticiosos ganham para se manter – e destacam-se nesta lista as versões online de jornais impressos. Isso não quer dizer que a internet, com sua velocidade e custo de distribuição quase zero, não dominará algum dia o fornecimento de notícias. Pode ser. Mas ainda é difícil dizer como chegaremos lá. As pessoas pagarão por conteúdo online ou o modelo gratuito é um fato estabelecido? Se for, haverá publicidade suficiente a preços altos o bastante para sustentar os muitos repórteres e editores que hoje integram até mesmo um pequeno jornal? Será que os jornais online conquistarão visitantes suficientes para atrair assinantes perdidos pela imprensa escrita e a publicidade local? E, com as pessoas gastando poucos minutos por dia em sites noticiosos, será que alguém ficará sentado na frente do computador por tempo suficiente para chegar a ver um anúncio?


NOÇÕES EQUIVOCADAS


Dois aspectos deste panorama mutante da mídia parecem claramente exagerados, ou talvez apenas mal noticiados. Um é que os jovens não lêem jornais. Os dados são de fato chocantes: segundo a pesquisa da Pew, apenas 23% das pessoas com menos de 30 anos disseram ter lido um jornal no dia anterior ao que foram entrevistados. Mas eis a outra parte do quadro: a mesma pesquisa mostra que o desinteresse dos jovens é geral, ou seja, não estão largando os jornais e migrando para a internet. O tempo gasto por adultos de menos de 30 anos vendo ou lendo notícias caiu cerca de 16% na última década. O advento de noticiosos online não ajudou a reverter a tendência.


O maior medo dos jornais é que os jovens de hoje não se transformem na próxima geração de leitores. É uma preocupação cabível, mas as evidências sugerem que seu foco é estreito demais. Se os jovens estão menos interessados em consumir notícias de qualquer espécie, esse não será um problema para as organizações noticiosas de todos os tipos, inclusive as da Web? Parte do problema do ‘leitor jovem’ pode se corrigir sozinho: as pessoas tendem a ficar mais interessadas no mundo que os cerca na medida em que compram casas, pagam impostos, criam famílias e se estabelecem. Alguns desses jovens provavelmente lerão jornal algum dia. Onde os demais buscarão notícias e informações? Que tal a internet? Neste caso, os jornais estarão tão bem posicionados quanto qualquer outro no momento de oferecer o pacote mais abrangente de notícias diárias locais e matérias na Web. Esqueçam papel e tinta: jornalistas (e editores) precisam estar preparados para fornecer os bens por quaisquer sistemas de entrega que os ‘usuários finais’ escolherem.


A outra peça de informação enganosa é do tipo espalhado pela blogosfera sobre a própria blogosfera. Apesar de seu papel na ventilação de algumas histórias importantes (como a reportagem furada de Dan Rather no programa 60 Minutes sobre o serviço militar prestado pelo presidente Bush), os blogueiros parecem quando muito uma parte do futuro da mídia noticiosa, e não o futuro todo. No momento, a maioria das pessoas nem sequer ouviu falar de blogs. Segundo uma pesquisa feita pela CNN/USA Today/Gallup, 56% de todos os adultos disseram, em fevereiro, que não tinham nenhum conhecimento de blogs; e apenas 32% se declararam muito ou um pouco familiarizados com eles. Apesar de toda a auto-adoração e de sua crítica (freqüentemente útil) da Velha Mídia, muitos blogueiros ficariam sem ter o que fazer sem a mídia tradicional. Os blogs extraem seu sangue vital da matéria bruta servida todos os dias pelas organizações noticiosas convencionais.


VANTAGENS


Então, como os jornais se encaixam nesse cosmos dinâmico? Muito bem, eu diria. Considerem-se algumas vantagens únicas de que os jornais ainda dispõem:


– Condição de monopólio. Mais de uma centena de anos de competição deixaram a maioria das cidades americanas com apenas um jornal. Isto é de longe a maior vantagem competitiva de um jornal e fonte de gordos lucros até para o menor dos jornais.


– Poder de coletar notícias. Os jornais locais ainda contam, tipicamente, com equipes de reportagem maiores que qualquer outro meio noticioso, eletrônico ou impresso, o que permite a um jornal produzir um leque de notícias diárias e matérias especiais mais amplo do que qualquer outro sistema de notícias. Num mundo especializado, ainda há grande valor e conveniência num pacote geral como esse. Pensem na analogia do varejo: algumas pessoas preferem comprar em butiques e lojas especializadas, mas muita gente ainda é cliente regular de supermercados e lojas de departamento.


– Localismo. Os leitores sempre desejarão saber sobre escolas, governo, empresas, impostos, entretenimentos e equipes esportivas mais próximos de casa. Nenhuma organização noticiosa está melhor equipada física e profissionalmente para suprir essa informação que um jornal.


– Os melhores consumidores. Os jornais geralmente vencem sua concorrência direta tanto em quantidade de consumidores (leitores) como em sua qualidade (demografia). Mesmo com a circulação declinante, essa vantagem permanece relativamente estável. Como os anunciantes tradicionais em jornais – companhias aéreas, cadeias de varejo, bancos, vendedoras de automóveis – estão sofrendo sua própria transformação, a publicidade em jornais continua sendo uma das maneiras mais eficazes de atingir números relativamente grandes de pessoas instruídas e ricas. Jovens podem não ler muito jornal, mas em termos estritamente comerciais isso é irrelevante. Os anunciantes sabem disso. Compram espaço em jornais para atingir uma multidão mais velha e endinheirada.


– Muita atenção. Os jornais já não desempenham o papel principal na vida diária das pessoas, mas estão longe de ser irrelevantes. Cerca de 42% dos adultos entrevistados pelos pesquisadores da Pew em 2004 disseram que haviam lido um jornal ‘ontem’ (uma cifra que cresceu ligeiramente em relação a 2002). Com exceção dos noticiosos de TV locais, nenhuma outra fonte noticiosa atinge tantas pessoas num mesmo dia.


– Reconhecimento de marca. Jornais grandes e pequenos gastaram milhões de dólares ao longo dos anos explicando sua atividade às pessoas. Isso criou uma reserva vasta, ainda que difícil de medir, de reputação para os jornais e representa uma importante vantagem estratégica sobre, por exemplo, o mais recente folheto de vendas ou site vistoso. Isso explica em parte por que, mesmo hoje, ninguém foi capaz de criar um site de notícias local que atraia mais audiência que o site do próprio jornal. E Microsoft e America Online bem que tentaram.


– Lucratividade histórica. Graças a tudo o que foi dito acima, as empresas jornalísticas desfrutam margens de lucro impensáveis pela maioria das outras mídias noticiosas. Segundo Lauren Rich Fine, da Merril Lynch, os jornais obtiveram cerca de 23 centavos de dólar de lucro para cada dólar que faturaram no ano passado. As receitas e lucros dos jornais estão crescendo, apesar da deserção de leitores. Isso poderia estar acontecendo porque os jornais estão elevando preços ao mesmo tempo em que se furtam de investimentos de longo prazo em instalações e pessoal.


Evidentemente, a alta lucratividade do setor jornalístico tem prós e contras, como muitos diretores de redação sabem. A obrigação de manter essas margens, para satisfazer as exigências de curto prazo de acionistas e analistas de Wall Street, compele algumas empresas a reduzir a contratação, a rede de coleta de notícias ou o espaço reservado às notícias. Isso pode criar um círculo vicioso: à medida que a quantidade de notícias diminui com a busca de aumento dos lucros, os leitores se decepcionam e se afastam, solapando assim a base para o crescimento dos lucros.


O editor-adjunto do Washington Post, Robert G. Kaiser, co-autor de The News about the News: American Journalism in Peril, considera arbitrárias e perniciosas as margens enormes de lucro desfrutadas por jornais. Segundo Kaiser, no início dos anos 80, quando os veículos começaram a alcançar esses níveis de lucros, muitos executivos passaram a não aceitar nada menos, começando a enxugar as redações para mantê-los. ‘O que é um lucro adequado para um jornal? Essa é a pergunta que precisamos fazer’, diz Kaiser. ‘Se você fosse a uma reunião de publishers de jornais em 1975 e lhes dissesse que seus jornais poderiam realizar lucros de 15%, eles ficariam exultantes. Agora, o padrão é 20%, 30%. Por quê? Porque é possível, nada mais.’


Mas a questão é: lucros obscenamente altos são muito melhores que lucro nenhum. Para jornais, eles podem ser a semente que vai permitir a colheita de amanhã. Sabiamente reinvestidos, os lucros de hoje poderiam evitar o dia que Philip Meyer acredita estar chegando. A bem da justiça, muitas companhias jornalísticas estão em paz. Fortaleceram suas ofertas na Web e expandiram seu ‘pé’ na internet comprando sites independentes. A Dow Jones adquiriu recentemente o MarketWatch.com; o New York Times abocanhou o About.com, e a Washington Post Co. comprou o Slate da Microsoft. Grandes operadores do setor também estão englobando mídia étnica (especialmente em língua espanhola) e publicações de nichos, como vendas imobiliárias.


O mercado mais quente do momento são os jovens leitores. Em Dallas, o Morning News criou o Quick, um jornal gratuito de fácil leitura. Em Chicago, tanto o Tribune como o SunTimes têm jornais parecidos. O Washington Post derrubou um novo tablóide chamado Washington Examiner, entregue de graça a famílias ricas, ao lançar o Express, dedicado aos jovens. Os críticos discutem a qualidade desse tipo de jornal, mas sua existência diz algo sobre as perspectivas da imprensa. The Examiner, por exemplo, é criação do bilionário Philip Anschutz, que reviveu o moribundo San Francisco Examiner e registrou a marca Examiner em 70 cidades por todo o país. Apesar do mistério sobre as ambições editoriais de Anschutz, sua iniciativa coloca uma questão maior: por que um bilionário acha que investir em jornais é uma boa idéia neste momento? Da mesma maneira, executivos da Lee Enterprises, que passa por forte crescimento, vêem os jornais como um setor em expansão.


Enfim, alguns no setor acreditam que os jornais precisam repensar como sobreviver. Um recente relatório da Associação de Jornais da América sugeriu, entre outras coisas, publicar edições menores em alguns dias da semana e cobrar tarifas de assinatura maiores para compensar as perdas publicitárias. Kaiser diz que a solução pode ser mais simples do que isso. A melhor defesa, diz ele, é uma grande ofensiva. Colocar mais dinheiro nas redações é aumentar o poder de fogo jornalístico e a credibilidade da comunidade, que muitos jornais vêm dilapidando há anos.


Ele não será questionado por Phil Meyer sobre isso. A premissa do último livro de Meyer é que o jornalismo de alta qualidade – preciso, claro e profundo – tem forte correlação com o êxito comercial. Ele se pergunta, porém, se a qualidade será suficiente para salvar os jornais. Meyer esboça um cenário-’limite’, que apressaria o fim – o dia em que a queda de um jornal for tão prolongada e profunda que uma massa crítica de anunciantes concluirá que não vale mais a pena sustentá-lo. Talvez. Mas o erro cometido pela turma que defende a morte dos jornais é acreditar que as tendências apresentadas continuarão na mesma direção para sempre. Vale lembrar que novos meios de comunicação raramente eliminam os antigos. Os antigos simplesmente se adaptam para acomodar os novos. Assim, o cinema não eliminou o romance literário. E a TV não eliminou o cinema ou o rádio.


Poderia ser igualmente provável, portanto, que o pior cenário não se torne realidade. Talvez os jornais encontrem estabilidade e equilíbrio com um grupo de leitores fiéis e demograficamente atraente. Velhos hábitos são duros de matar. Num mundo de opções em constante expansão, muitas pessoas – pressionadas pela falta de tempo e em busca do confiável e do familiar – podem se aferrar ao que já conhecem e respeitam.


Sem dúvida, os jornais vão precisar de habilidade, visão e criatividade para sobreviver. Mas eu apostaria mais no sucesso que no fracasso. Pode ser que os jornais sejam dinossauros. Mas, vale lembrar, os dinossauros circularam pela terra por milhões de anos.


Paul Farhi é repórter do Washington Post’


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‘Entenda’, copyright O Estado de S. Paulo, 3/07/05


‘Em 2003, o repórter norte-americano Jayson Blair enganou leitores e colegas do The New York Times com textos supostamente enviados de Maryland, Texas e outros Estados quando, na verdade, não havia saído de Nova York. Ele fabricou comentários de ‘entrevistados’. Inventou situações, retirou material de outros jornais e de agências de notícias. Para passar a impressão de que havia estado em determinados lugares e visto certas pessoas, pinçava detalhes de fotografias. As matérias fabricadas tratavam de temas variados, dos ataques de franco-atiradores em Washington ao sofrimento de famílias em luto por soldados mortos no Iraque. Em resposta às acusações, o New York Times promoveu uma investigação interna e publicou a conclusão em um artigo de quatro páginas, em que reconhecia a culpa de Blair.


Em maio de 2003, uma nova polêmica atingiu o New York Times, agora protagonizada pela repórter de bioterrorismo Judith Miller. Em uma série de textos, publicados desde 2001, ela defendia a presença de armas de destruição em massa no Iraque. Até que o chefe da sucursal de Bagdá do jornal, John Burns, a censurou por publicar um texto, em sua opinião, falho, sobre o assunto, sem antes checar informações com ele. Descobriu-se então que sua principal fonte para os artigos era Ahmad Chalabi, controverso líder exilado que é próximo a altos funcionários do Pentágono. O fato levou a uma nova investigação: a direção do jornal assumiu erros em 12 matérias, 10 escritas por ela. E, em um editorial, escreveu: ‘Revisando centenas de artigos escritos durante o prelúdio para a guerra e nos estágios iniciais da ocupação, encontramos uma quantidade enorme de jornalismo do qual não nos orgulhamos.’


O caso Enron foi um dos principais temas utilizados pela oposição democrata nas últimas eleições à Presidência dos Estados Unidos. O governo americano teria cortado verbas de pastas, como segurança e educação, para cobrir um rombo financeira da empresa, ex-gigante americana do setor elétrico. Entre a publicação de leis que justificariam o redirecionamento das verbas e a descoberta de que executivos teriam fraudado, usado informações privilegiadas e mentido sobre a situação financeira da empresa, o caso teria sido mal coberto pela imprensa norte-americana.


Em 2004, pelo menos 25% dos telespectadores dos EUA não puderam assistir ao programa Nightline da rede ABC, no qual seriam lidos os nomes dos 700 soldados americanos mortos no Iraque. O Grupo Sinclair, dono das estações filiadas à ABC, prometeu boicotar o programa por considerá-lo de ‘motivação política’. Pouco depois, a ABC começou a estudar a transformação do programa noticioso em um show com foco no público jovem, afastando o seu apresentador por quase 25 anos, Ted Koppel.


Em março deste ano, outro ícone do jornalismo americano também deixaria seu programa. Dan Rather foi acusado de ter utilizado, no período da campanha à Presidência dos EUA, documentos forjados ao preparar uma reportagem, veiculada pelo programa 60 Minutes, sobre a falta de pleno cumprimento por George W. Bush das obrigações com o serviço militar no início dos anos 70. Os cinco produtores da divisão de Jornalismo da CBS acabaram demitidos e o âncora Dan Rather foi forçado a antecipar seus planos para deixar o comando do principal noticiário da rede.’




EUA / LIBERDADE DE IMPRENSA
Katharine Q. Seelye


‘Ameaça de intimações se intensifica, dizem jornalistas’, copyright Último Segundo (www.ultimosegundo.com.br) / New York Times, 4/07/05


‘Em 1991, quando Timothy Phelps, um repórter da Newsday, e Nina Totenberg, uma repórter da National Public Radio, reportaram que Anita Hill havia acusado Clarence Thomas, um então nomeado à Suprema Corte, de assédio sexual, um conselho especial do Senado tentou obter os registros telefônicos dos repórteres para desmascarar sua fonte confidencial.


As acusações causaram uma segunda rodada de altamente contenciosas audiências de confirmação, mas os líderes do Senado se recusaram a dar ao conselho especial uma permissão para obter os registros, e eventualmente o caso foi abandonado.


Phelps, que hoje é o chefe da sucursal de Washington da Newsday, lembrou seu caso na semana passada depois de dois tribunais, incluindo a Suprema Corte, darem suas determinações em dois casos similares contra jornalistas.


‘Parecia que tínhamos um forte apoio pela nossa decisão, da comunidade jornalística, da comunidade legal, da comunidade de direitos humanos, do público’, afirmou. ‘E eu não sinto isso hoje, mesmo na comunidade jornalística. A atmosfera legal, a atmosfera corporativa e a atmosfera pública mudaram’.


Os advogados da mídia dizem que o clima legal para aqueles que querem proteger as fontes confidenciais está indiferente, com mais intimações sendo emitidas para repórteres. Não há um banco de dados que acompanhe estas intimações, e alguns promotores contestam a indicação de que elas estão aumentando.


Mas uma série de casos envolvendo fontes confidenciais colocou a mídia no seu limite.


‘Parece que a temporada está aberta’, afirmou Laura Handman, uma advogada da Primeira Emenda em Washington. ‘Há mais exemplos de tribunais ordenando a revelação das fontes confidenciais’, disse, acrescentando que acredita que a ênfase do governo Bush à discrição é parcialmente responsável. ‘Isso leva a mais inquéritos de vazamento, o que, em troca, leva a mais intimações’.


No último ano, mais de duas dúzias de repórteres em todo os EUA foram intimados ou questionados sobre suas fontes confidenciais em casos judiciais, de acordo com Newspaper Association of America. Paul J. Boyle, vice-presidente sênior da associação, acredita que ‘as intimações, bem como as cartas e ligações que as companhias de mídia recebem de promotores, está crescendo’.


Kurt Wimmer, um advogado de mídia cuja empresa, a Covington & Burling, representa 45 estações de TV em 40 Estados, disse que teve mais intimações contra jornalistas nos três primeiros meses deste ano do que em todo o ano passado.


Ele disse que as intimações são inspiradas pelo prospecto dos últimos meses de que Judith Miller, do New York Times, e Matthew Cooper, da revista Time, poderiam ser presos por se recusarem a testemunhar em uma investigação sobre a revelação da identidade de uma agenda da CIA, Valerie Plame.


Na semana passada, a Suprema Corte se recusou a aceitar o apelo dos repórteres, intensificando uma das maiores disputas entre a mídia e os tribunais em uma geração. ‘Quando a Suprema Corte diz que não há nada de errado em forçar repórteres a testemunharem e irem para a cadeia, outros advogados pensam, ‘Por que não intimar um repórter?’, afirmou Wimmer.


Outros duvidam do aumento das intimações recentemente, dizendo que pode parecer isso porque alguns casos se tornaram tão importantes. Eles afirmam que independentemente dos números, não há nada de errado em pedir justiça se um repórter foi manipulado por uma fonte e publicou uma informação errada.


Em outro caso na semana passada, um tribunal de apelações em Washington determinou ordens de descaso contra quatro repórteres que se recusaram a revelar suas fontes ao dr. Wen Ho Lee, um cientista atômico que era suspeito de passar segredos para os chineses, mas admitiu culpa para acusação menor. Ele está processando o governo por dar informação sobre ele aos repórteres, violando sua privacidade.


Brian A. Sun, um advogado de Los Angeles que representa Lee, disse que apesar de não ver um aumento na emissão de intimações, apenas mais publicidade em torno delas, ele concordou que o caso Miller-Cooper ‘pode encorajar outros promotores a utilizarem as ferramentas que estão em suas mãos’.


Para Sun, o que está por trás destes casos são pessoas que têm ‘motivos menos que altruístas’ e estão usando os repórteres, enquanto os jornalistas, em troca, buscam um furo em uma grande história.


O elevado interesse pelas questões de segurança nacional desde os ataques terroristas de 11/09 atraiu atenção para alguns casos, disse Martin London, um advogado de Nova York que litigou vários casos de mídia e intimou uma dezena de repórteres em 1972 em nome de Spiro T. Agnew, o ex-vice-presidente.


Ao mesmo tempo, afirmou, grandes escândalos em várias organizações de notícias, inclusive no New York Times e CBS News, subestimaram a confiança na mídia.


‘Eu não acho que há um aumento no número de intimações’, afirmou. ‘O caso Miller-Cooper é bem incomum, ele tem muitos desdobramentos extraordinários. Mas é perfeitamente razoável que em um mundo pós-11/09, o governo esteja preocupado sobre a segurança das informações da CIA’.


John Nowacki, um porta-voz do Departamento de Justiça, disse que o departamento não comentaria o uso de intimações contra repórteres.


Boyle e outros disseram que houve uma mudança após uma determinação, em 2003, escrita por Richard Posner, um influente juiz do tribunal de apelações de Chicago, que disse que os tribunais menores vêm mal-interpretando a decisão da Suprema Corte de 1972, Branzburg v. Hayes.


Este caso, na verdade, rejeita a idéia de proteções da Primeira Emenda para repórteres, mas advogados da mídia nas últimas três décadas conseguiram convencer os juízes do contrário.


‘Ele parece ter libertado alguns de seus colegas para reterem este privilégio’, afirmou Sandra Baron, diretora-executiva do Media Law Resource Center.’




DIREITO À PRIVACIDADE
Eric Lichtblau


‘Washington monitora usuário de biblioteca’, copyright Folha de S. Paulo / The New York Times, 3/07/05


‘Agentes da polícia fizeram, desde outubro de 2001, pelo menos 200 pedidos formais e informais de informações a bibliotecas americanas sobre materiais de leitura e outros assuntos internos, de acordo com um novo estudo que torna ainda mais ácido o crescente debate no Congresso sobre os poderes de combate ao terrorismo conferidos ao governo.


Em alguns casos, os agentes empregaram intimações ou outros mecanismos formais de demanda a fim de obter informações como listas de usuários que retiraram livros sobre Osama bin Laden. Outros pedidos eram informais e, às vezes, não eram atendidos pelas bibliotecas, afirmou a Associação Norte-Americana de Bibliotecas, que promoveu o estudo.


A associação, que vem pressionando pela redução dos poderes do governo para obter informações das bibliotecas, disse que o estudo, realizado a um custo de US$ 300 mil, é o primeiro a examinar a questão central do debate sobre o chamado Patriot Act: com que freqüência os governos federal, estaduais e municipais vêm pedindo registros às bibliotecas?


O governo de George W. Bush diz que, embora seja importante que os policiais recebam informação das bibliotecas caso precisem delas para investigações sobre terrorismo, eles ainda não empregaram os poderes que lhes foram conferidos pela lei para solicitar registros.


O estudo não diz diretamente se a lei foi usada para investigar bibliotecas. Segundo a associação, perguntas diretas sobre a lei não poderiam ser feitas devido às cláusulas de sigilo, sob as quais o entrevistado que respondesse poderia estar cometendo um crime. A lei federal de informações proíbe as pessoas que recebem determinados pedidos de informação ou documentos de contestar os pedidos e mesmo de contar a alguém que os receberam.


Assim, o estudo tentou determinar com que freqüência as investigações policiais vinham acontecendo, sem detalhar sua natureza. Mesmo assim, os organizadores alegam que os dados sugerem que investigadores solicitaram informações às bibliotecas com freqüência muito superior à admitida pelo governo Bush.


‘O que isso nos diz é que agentes estão indo às bibliotecas e solicitando informações em nível significativo, contrariando completamente as tentativas do Departamento da Justiça de convencer o público do contrário’, diz Emily Sheketoff, diretora-executiva da associação em Washington.


Kevin Madden, porta-voz do Departamento da Justiça, disse que o órgão ainda não estudou as conclusões e que não poderia fazer comentários específicos. Mas questionou a relevância dos dados para o debate sobre o Patriot Act, apontando que os tipos de pedido de informação indicados pelo levantamento poderiam se relacionar a uma ampla gama de investigações policiais não relacionadas ao terrorismo.


‘Qualquer conclusão de que as agências policiais federais têm interesse extraordinário nas bibliotecas é completamente fictícia e resulta de desinformação’, disse.


O estudo, que pesquisou 1.500 bibliotecas públicas e 4.000 bibliotecas acadêmicas, usou respostas anônimas para evitar problemas judiciais. A maioria dos entrevistados disse não ter sido contatada por nenhuma agência policial desde outubro de 2001, quando o Patriot Act entrou em vigor.


Mas houve 137 pedidos ou exigências formais de informação no período, sendo 49 de funcionários federais, que, às vezes, empregaram agentes locais ou forças-tarefa conjuntas de combate ao terrorismo para conduzir investigações em bibliotecas.


Além disso, a pesquisa concluiu que 66 bibliotecas haviam recebido pedidos informais da polícia, sem ordem legal específica, entre os quais 24 pedidos federais. Dirigentes da associação dizem que os resultados da pesquisa, se extrapolados com base nas 500 bibliotecas que responderam, indicariam um total de cerca de 600 pedidos formais de informação de 2001 para cá.


Uma das bibliotecas que disse ter recebido um pedido de consulta a registros foi a do condado de Whatcom, na região rural no noroeste de Washington.


Em junho passado, um usuário de biblioteca retirou o livro ‘Bin Laden: The Man Who Declared War on America’ (Bin Laden: o homem que declarou guerra à América), no qual encontrou uma anotação dizendo que ‘a hostilidade aos EUA é um dever religioso e esperamos ser recompensados por Deus’, e procurou o FBI. Os agentes do FBI, por sua vez, pediram à biblioteca nomes e dados de todos os leitores que haviam retirado o livro desde 2001.


Os advogados da biblioteca recusaram o pedido, e os agentes voltaram com uma intimação. Joan Airoldi, diretora da instituição, declarou que ficou particularmente alarmada depois que uma busca na internet revelou que a anotação era uma citação freqüentemente mencionada de Bin Laden, incluída no relatório da comissão sobre o 11 de Setembro. A biblioteca contestou a intimação, e o FBI retirou seu pedido.


‘Uma tentativa leviana como essa parece antiamericana para mim’, disse Airoldi. ‘A questão é quantas liberdades essenciais estamos dispostos a perder em nome da guerra ao terror, e quem são as verdadeiras vítimas?’’