‘‘Não gosta de cachaça,/ Não entende de mulher/ O Larry Rohter, será que ele é?’, cantavam os puxadores do Imprensa que eu Gamo. E a galera respondia em uníssono, atualizando a ‘Cabeleira do Zezé’: ‘Bicha!’. A galhofa, ingênua como a década de 1960 em que João Roberto Kelly compôs a marchinha, foi vista por alguns Sãos Jorges de Bordel como um excesso de incorreção política, mas o fato é que no último sábado os jornalistas que compuseram o samba e levam o bloco há dez anos fizeram mais na rua do que nas páginas pelas descabidas polêmicas que vêm envolvendo o correspondente do ‘New York Times’.
É claro que ele, Larry, jamais vai entender como o Rei Momo pode ser o melhor ombudsman que já teve – mas aí é para não entender mesmo. O samba composto por Fabio Nascimento, João Pimentel e Marceu Vieira (que generosamente incluíram como parceiros o próprio Larry Rohter e até o Harry Potter) é, além de animado, uma deliciosa crônica. ‘Deu no ‘New York Times’/ que a Garota de Ipanema é fofa’, começam eles, para depois citar Aldir Blanc e Maurício Tapajós: ‘O Brazil não conhece o Brasil’/ O Lula é o presidente do barril?’. Uma maravilha.
Cá entre nós, só mesmo esta anarquia generalizada do carnaval para mostrar as coisas com mais clareza. De Rohter pode-se falar tudo, menos que é um correspondente acomodado, que reproduz o noticiário local em servil ‘recortagem’. Um exemplo avulso: em 2000, contou para os Estados Unidos (e para o mundo) que Luiz Alfredo Garcia-Roza era um excelente autor policial, de um tipo de policial que não macaqueava o americano. Detonou uma onda de traduções em todo mundo das histórias do detetive Espinosa – e o fez a partir de reportagem, conversas, opiniões.
Se errou na mão ao pintar Lula como um pinguço, nem imaginava as proporções de sua matéria: na terra dele, a mesma que gosta de invadir países para ‘restaurar’ democracias e cometeu as maiores violações de direitos internacionais das últimas décadas, o cidadão pode escrever o que quiser sem que um subcomissário governamental venha ameaçá-lo com expulsão. Vai dever eternamente ao Planalto a assessoria de imprensa gratuita.
No caso das gordinhas, seu principal problema foi a total falta de humor. É irretocável sua lógica de quem deve lançar um olhar estrangeiro sobre o país: no auge do debate sobre o Brasil obeso, foi dar uma checada se os quilos a mais tinham chegado a Ipanema. Concluiu, como resume o samba, ‘que a nossa musa agora é uma baleia/ Sereia de antigos carnavais’. O problema é levar tudo demasiado a sério – e, principalmente, ter ido à praia errada, é claro.
(Adam Gopnik, que foi correspondente da ‘New Yorker’ em Paris, sempre fez o mesmo. Reuniu as crônicas de sua estada francesa num livro saborosíssimo, ‘From Paris to the moon’. Numa delas, afirma que Picasso é um lixo. Isso mesmo. Que o artista catalão é supervalorizado pelo olhar parisiense, o mesmo que cria teses, segundo ele, incompreensíveis para tudo e onde alugar um apartamento é mais complicado do que pedir asilo político. Não consta que o então governo de esquerda tenha cogitado em expulsá-lo do Quartier Latin.)
Nas ruas de Laranjeiras, na Zona Sul carioca, o Imprensa que eu Gamo decidiu a parada no pragmatismo: quem imagina Lula um bebum e encontra mulher feia em Ipanema certamente não tem o álcool entre seus hábitos e pode ter seus parâmetros estéticos analisados no Fórum Mundial. Não vai nisso nenhuma ofensa, é tudo tão simples e leve como a lógica de Dorival Caymmi ‘Quem não gosta de samba/ Bom sujeito não é/ É ruim da cabeça/ Ou doente do pé’.
No desfile de sábado, só ficou faltando Larry Rohter. Que certamente entenderia melhor por que virou um personagem impagável no verão da cidade. Que, mal disfarçadamente, está afagando-o e convidando-o para um chope. Ou um suco. Só que, dessa vez, na praia certa.
P.S. necessário: Este aniversário de dez anos da mui leal agremiação Imprensa que eu Gamo entrou para a História. No árduo trajeto de um quarteirão, o bloco teve muita novidade: gente bonita e jovem, animação incansável e até um solitário pitboy, procurando alguém para arrumar uma confusão. Resultado: gigantismo. Proponho que ano que vem o bloco saia em horário secreto de um dia incerto. Rebatizado como Cordão do Boitachato.’
Clarissa Thomé e Paulo Sotero
‘Tcheca é retratada como brasileira obesa pelo ‘NYT’’, copyright O Estado de S. Paulo, 28/01/05
‘A tcheca naturalizada italiana Milena Suchopárková diz que pretende processar o jornal The New York Times por ter publicado foto dela e de duas amigas de biquíni, na Praia de Ipanema, sem autorização. A imagem das três estrangeiras ilustrava uma matéria do polêmico repórter Larry Rohter sobre a obesidade do brasileiro, publicada no dia 13.
Das três, a única que permanece no Brasil é Milena, de 58 anos. Localizada pelo jornal O Globo em Foz do Iguaçu, ela contou que virou alvo de chacota dos amigos. Milena desembarcou ontem no Rio e se surpreendeu com a quantidade de repórteres. ‘Por um pouco de carne fui parar nos jornais. Me parece um pouco de exagero’, reagiu, com bom humor.
A reportagem de Rohter ‘Praias para esbeltos, onde as calorias estão à mostra’ foi baseada em pesquisa do IBGE, segundo a qual 40% dos brasileiros adultos estão acima do peso. Rohter, no entanto, não entrevistou as mulheres fotografadas.
Milena disse que não se ofendeu por ter aparecido numa reportagem sobre obesidade, mas pelo fato de a fotografia ter sido tirada sem seu conhecimento. ‘Me considero uma pessoa simples, comunicativa, não sou racista. Mas odeio pessoas mal-educadas. Para mim, eles (Rohter e o fotógrafo John Maier) foram mal-educados porque publicaram minha foto sem autorização.’
Ela disse que assim que voltar a Praga vai procurar um advogado, já que enviou uma carta para o New York Times e ainda não recebeu resposta. A amiga brasileira Claudia Parsans sugeriu que Milena exija como recompensa passagens e um mês de spa no Brasil. Milena sorriu, reconhecendo que está acima do peso. ‘Mas não me considero obesa’, disse ela, que tem 1,75 metro e 90 quilos. ‘Sou de constituição robusta.’
A tcheca disse ainda que sua intenção ao chegar ao Brasil era emagrecer um pouco, mas não resistiu aos churrascos e às caipirinhas. ‘Eu como de tudo.’
Milena vem ao Rio há três anos passar férias. Desta vez, trouxe duas amigas, Ludmila Kamberskaed e Hanna Seidlerova, também fotografadas na praia. Hanna engordou nos últimos cinco anos depois de sofrer uma disfunção hormonal e ficou abalada com a reportagem. ‘Todos sabem que aqui há belas meninas. Ele que vá buscar a garota de Ipanema, e não a mim, uma pobre velha.’
No ano passado, Larry Rohter escreveu uma reportagem sobre o suposto alcoolismo do presidente Lula, que chegou a pedir o cancelamento do visto de trabalho do correspondente, mas acabou revendo a decisão.
O NYT publica em sua edição de hoje uma nota na qual lamenta o equívoco de ter identificado como brasileiras as mulheres européias. O jornal exime seu repórter de qualquer responsabilidade no incidente. Rohter estava no Chile quando as fotografias foram feitas. O diretor de Relações Públicas do NYT, Toby Usnik, reiterou ao Estado ‘a plena confiança’ do jornal em seu correspondente.’
Arnaldo Bloch
‘Fat is beautiful’, copyright O Globo, 28/01/05
‘Uma das mais interessantes repercussões do caso Garotas Tchecas de Ipanema é a constatação do horror absoluto que a maioria do povo carioca, principalmente o da Zona Sul, tem à obesidade feminina.
Primeiro, foi a indignação provocada pela publicação das fotos no ‘New York Times’. Aquelas terríveis imagens (fêmeas humanas obesas) nos jornais brasileiros e no site do NYT arranhavam o lustro do nosso grande símbolo, a Garota de Ipanema, expressão definitiva do corpitcho lindo da cidade. Para o carioca de Ipanema, a praia é um jardim suspenso apolíneo, onde a aparição de uma mulher obesa é espectral.
Agora que o vexaminoso erro do ‘New York Times’ foi descoberto pelo fotógrafo Marco Antônio Cavalcanti, do GLOBO, uma nuvem de alívio parece refrescar a cidade junto com as chuvas da semana.
Todos sabemos que há gordas no Rio dourado de sol e sal. As que têm coragem de ir à praia procuram pontos menos expostos que os points de Ipanema.
Mas, no fundo, no fundo, é como se fosse ilusão, como se a essência do Rio fosse curvilínea e sem gordura, violão perfeito e moreno ressoando e fazendo as ondas quebrarem com mais graça.
Acontece que é lá no fundo que estão as gordas do Rio. No fundo dos corredores, em seus quartos, com medo de enfrentar a repulsa que causam nas patricinhas frígidas, nos machões anabolizados e broxas, nas lipoaspiradas disformes.
Vamos imaginar que todas as gordas cariocas resolvessem seus problemas com a alma da cidade (e com a própria alma) e fossem a Ipanema no domingo de sol, disputar atenção (e o já exíguo espaço) com as gostosas, as saradas e as bulímicas vomitadoras de chocolate? Daria um belo ensaio fotográfico.
‘Mulher gorda’ tornou-se, para muitos e muitas, sinônimo de feia, problemática, chata, sem interesse. Pensar nas gordas como um universo múltiplo e rico está sempre fora de moda, apesar de esforços das lojas especializadas. Mas, numa escala que começa nas falsas-magras, passa pelas cheinhas e gordinhas, e termina nas gordonas, há toda uma gama de formas, estilos e psiques.
As quase-gordinhas e as gordinhas são muitas vezes mulheres sensacionais, de sensualidade e fogo intensos, e com uma beleza à parte para os que apreciam mais pele que ossos. As gordonas, se menos palatáveis à maior parte dos gostos em vigor, têm seus afetos cativos quando sabem se transar.
E até aqui só falamos de estética e sensualidade. Mas podemos mencionar aquelas gordas que se transformam em divas, com seus vestidos longos e seus leques, suando charme nos salões, enquanto patricinhas idiotizadas não conseguem contar de um a dez.
Mas quem está querendo saber de conversa? Quem está à cata de ironia, charme, conteúdo? Experimente chamar uma loura burra de burra. Às vezes nem precisa: é comum, ultimamente, a antinha se antecipar e ir avisando:
– Olha, eu sou completamente loura burra, viu?
Agora, tente dizer que nas últimas semanas a sua burrinha ganhou um pneuzinho nas arestas cansadas. A porrada vai comer, seu zé.
Não se trata aqui de fazer apologia da obesidade, até porque para muita gente ela é um problema de saúde que interfere na qualidade e na quantidade de vida.
Ainda assim, mesmo quando obesidade é doença, quem está ali é gente, com personalidade, voz, humor, jeitão. E quando um gordo ou uma gorda chutam o balde, qualquer festa fica mais animada.
Vivam as gordas. Inclusive as gordotas de Ipanema, tão humilhadas e ofendidas ao longo da história. Ponham o biquíni ou o maiô, mulheres de peso. Saiam às ruas. Misturem-se às garotas do Posto Nove, e às outras, do morro, do Ceará, da Bahia, do Brasil e até da República Tcheca.’
Luiz Fernando Vianna
‘Foto do ‘NYT’ é humilhação, diz professora’, copyright Folha de S. Paulo, 26/01/05
‘Uma suave caminhada no calçadão da praia de Ipanema provocou um maremoto na vida de Juddy Hoolliday de Jesus, 41. Uma foto da professora carioca feita por John Maier, contratado pelo ‘New York Times’, saiu no jornal americano em 13 de janeiro, ilustrando reportagem sobre uma suposta ‘epidemia de obesidade’ no Brasil.
A reportagem, assinada pelo correspondente do jornal no país, Larry Rohter, repercutiu na imprensa brasileira, e a foto de Hoolliday foi reproduzida por ‘O Globo’ no dia seguinte. ‘Foi um tsunami na minha vida. O telefone não pára. Nas ruas, as pessoas me param e perguntam em tom debochado: ‘Você não saiu no jornal?’. É uma forma de humilhação’, diz ela, que tem 112 kg.
Hoolliday consultou um advogado e diz pretender entrar com um processo contra ‘The New York Times’ e ‘O Globo’. Segundo ela, o fato de a foto ter saído no jornal carioca foi mais prejudicial à sua vida do que a publicação no diário norte-americano.
‘Se o ‘New York Times’ lançou a semente do preconceito, quem regou foi ‘O Globo’. Eu não moro nos Estados Unidos, moro aqui no Rio, trabalho aqui’, afirma ela, que pensou que o fotógrafo era um turista comum.
A professora se queixa especialmente da legenda de ‘O Globo’, na qual as duas primeiras palavras saíram com letras maiúsculas, por causa do projeto gráfico do jornal: ‘Mulheres gordas na Praia de Ipanema: o jornal americano só mostrou fotos de brasileiras obesas’. ‘Se pelo menos a legenda fosse mais respeitosa… Mas foi muito pejorativa’, diz ela.
O editor-executivo de ‘O Globo’, Luiz Antonio Novaes, afirma que ‘o jornal, absolutamente, sem qualquer preconceito, apenas cumpriu seu dever de informar’. Já o escritório do ‘New York Times’ no Rio afirmou que só se manifestará se o caso chegar à Justiça.
Antes mesmo de voltar a dar aulas de -por ironia- língua inglesa numa escola pública da zona norte da cidade, Hoolliday diz estar sendo alvo de gozações, por e-mail, de alguns alunos. Outros manifestaram solidariedade. Seu medo maior está voltado para 14 de fevereiro, quando as aulas recomeçam.
‘Quem é professor de adolescentes de escola pública sabe como é difícil controlar suas emoções. Eu sempre ensino que eles não devem tratar os outros com desrespeito, com zombaria, e de repente vêem alguém fazendo isso comigo’, afirma.
Hoolliday diz que também se sente mal por ter, involuntariamente, envolvido na história uma amiga que estava deprimida e fora à praia com ela para se animar. ‘Tentando fazer bem, acabei prejudicando. Ela, que nem gorda é, saiu na foto e ficou pior do que estava’, conta.
A obesidade foi algo com que Hoolliday diz ter aprendido a conviver na vida. Todo o aprendizado está abalado. ‘Sei que sou diferente, é um fato. Mas conseguia gerenciar minha vida. Agora está muito difícil. A reação das pessoas é que está me causando dificuldades. Perdi as rédeas’, lamenta.
O humor ela não perdeu de todo. Ao ressaltar que não tem nenhuma vontade de desfrutar desses 15 minutos de fama, Hoolliday diz que só quer ‘ser mais uma gorda anônima’.
Sobre seu nome, posto por causa da atriz americana Judy Holliday (Oscar de 1950 por ‘Nascida Ontem’), ela diz, brincando, que seu pai dobrou as letras porque ‘desconfiou que o peso também ia ser em dobro’.’
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‘‘Há espaço’ para ação’, diz advogado’, copyright Folha de S. Paulo, 26/01/05
‘Ouvido pela Folha, o advogado Luiz Paulo Viveiros de Castro acredita que cabe uma ação de Juddy Hoolliday de Jesus contra o ‘New York Times’.
‘Se a foto fosse um plano geral da praia, em que aparecessem 300 pessoas e uma se sentisse ofendida, seria altamente discutível. Mas o jornal selecionou pessoas com determinadas características, para ridicularizá-las, dizer que eram anti-Garota de Ipanema. Se ela [Hoolliday] se sentiu atingida, há espaço para uma ação’, disse.
Já contra ‘O Globo’, Viveiros de Castro considera mais difícil o sucesso de uma ação, já que o jornal não é autor da reportagem.’