‘Nos idos de 1984, no Palácio dos Bandeirantes, Eduardo Muylaert e eu, assessores especiais do governador, dividíamos uma sala. A pedido do governador Franco Montoro, Eduardo determinou às policias Civil e Militar nos enviarem diariamente todos os casos de homicídio e lesões graves cometidas pelas polícias. Todo dia recebíamos os telex da Secretaria da Segurança em grandes envelopes.
Uma vez abri alguns envelopes. Ali estavam relatórios de assembléias sindicas, o cotidiano de líderes sindicais, transcrição de conversas -tudo elaborado pelo Dops. Enganaram-se de destinatário. Fechei os envelopes e os levei para o gabinete vizinho, onde havia uma enorme pilha de envelopes semelhantes, fechados. Montoro jamais se interessara pela espionagem do Dops.
Os relatórios do Dops eram praticamente iguais no formato àqueles da polícia que eu havia lido no arquivo do presidente Artur Bernardes, sobre o cotidiano dos parlamentares da oposição, a agitação operária, as greves. Em 1927. Que esses relatórios ainda existissem em 1984 não espanta, pois os dois primeiros anos do governo Montoro transcorreram sob o regime autoritário.
Ao lermos na Folha a entrevista do diretor-geral da Abin (Brasil, pág. A4, 5/ 12), damo-nos conta de que o governo federal, como há 80 anos ou há 20 anos, continua a espionar os movimentos sociais. Pouco parece ter mudado. O conceito que a Abin tem das organizações da sociedade civil se ajusta como uma luva às concepções autoritárias da Velha Republica ou da ditadura militar: ‘Eles [os movimentos sociais] nem sabem o que estão pedindo. Eles estão protestando. Estão querendo farra e bagunça’. Sob o pretexto de antecipar os fatos, ‘acompanha os movimentos’, conflitos, tensões: ‘Não fazemos infiltração, mas o governo quer saber onde há acampamentos e onde há milícias armadas’; acompanhar ‘uma situação de conflito no campo que é prejudicial ao Estado’.
Quer dizer que a Abin espiona gostosamente para o governo movimentos reivindicativos e legais? A agência coloca o MST no mesmo nível dos jagunços dos fazendeiros. Ora, espionagem sobre as organizações da sociedade civil é entulho autoritário e forma incompetente de se preparar para cenários futuros.
Na mesma toada de seu chefe, o ministro-chefe do Gabinete da Segurança Institucional, o diretor-geral da Abin adverte sobre os riscos se os arquivos do SNI forem abertos. Quem corre maior risco não são as vítimas do terrorismo do Estado, mas aqueles que espionaram ilegalmente, que obtiveram confissões falsas, aterrorizaram, seqüestraram, torturaram e assassinaram brasileiros durante 21 anos, como reconheceu a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos, sob o governo Fernando Henrique Cardoso, oferecendo reparação às famílias das vítimas.
Está na hora de abrir todos os arquivos da repressão, os do SNI, da Comissão Geral de Investigação e da Secretaria do Conselho Nacional de Segurança, inclusive do Cenimar e congêneres, como os do Ciex, Doi-Codi e Polícia Federal no período de 1964 a 1984.
O governo, afinal, mobilizado pelo Judiciário, deveria propor uma legislação ampla de acesso aos documentos cuja liberação não pode ficar adstrita às próprias agências. A idéia de uma comissão de averiguação e análise de informações é boa, desde que ali tenha assento o ministro dos Direitos Humanos. As mesmas regras devem ser aplicadas a todos os ministérios, inclusive aos da Defesa e das Relações Exteriores, que não devem se arrogar privilégio de ‘sigilo eterno’ para alguns documentos. Isso não existe em democracias.
Quanto ao que os documentos podem revelar sobre as violações de direitos durante a ditadura militar, o Brasil está muito atrasado em relação à África do Sul ou ao Chile e à Argentina, países que fizeram relatórios oficiais e onde as Forças Armadas reconheceram sua responsabilidade pelas violações passadas. No Brasil apenas temos na sociedade civil o formidável Brasil Nunca Mais, do cardeal Arns e do pastor Jaime Wright.
O governo federal deve seguir o exemplo daquelas democracias e abrir os arquivos -não apenas para as famílias das vítimas, pois a verdade interessa a toda a nação. Urge criar uma Comissão da Verdade, com membros independentes, que estabeleça a verdade individual, o conhecimento de casos individuais, mas também a verdade global, a análise das estruturas da repressão ilegal e o contexto em que as violações ocorreram.
É muito difícil, lembrava havia pouco o jurista Rodolfo Matarollo, que possa haver reconciliação nacional verdadeira sem respostas adequadas às demandas de justiça e reparação, fundadas no conhecimento pleno da verdade e no reconhecimento pelo Estado e pela sociedade. O Estado brasileiro, 20 anos após o fim da ditadura, deve promover o encontro com a verdade. Enquanto continuar a reprimir esses fatos, volta e meia eles voltarão à tona nos assombrando a todos. Paulo Sérgio Pinheiro, 60, é pesquisador associado do Núcleo de Estudos da Violência da USP e membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Foi secretário de Estado dos Direitos Humanos (governo Fernando Henrique).’
Saulo Ramos
‘Arquivos da ditadura’, copyright Folha de S. Paulo, 12/12/04
‘Neste abre ou não abre os arquivos do governo militar, as entrevistas dos governantes atuais advertindo que os perseguidos, isto é, as vítimas, serão mais comprometidos do que os perseguidores, esquerdistas dedos-duros, a decisão de um tribunal convocando reunião de ministros e comandantes militares para indicarem onde estão os corpos de guerrilheiros assassinados pelo batalhão Heróis do Jenipapo, pessoas pedindo transparência, militares achando que começou o revanchismo, a Lei da Anistia foi para os dois lados, gente pedindo paz, deixa disso, já passou, somos irmãos -em toda essa fervura ninguém toca, ninguém fala, ninguém diz nem uma palavra sobre o que de mais terrível tivemos naqueles anos de chumbo, segundo a definição de um historiador: o Ministério Público.
Quietinho, hoje mais ou menos herói nacional, sem jenipapo, com reais serviços prestados à sociedade e à lei, o Ministério Público não deve desejar que remexam no passado, porque, mais que os militares, seus membros, em grande parte, foram na época inquisidores fanáticos, arbitrários, subservientes, submissos à ditadura, terríveis.
Os militares abriam o IPM (Inquérito Policial Militar) e faziam barbaridades sustentadas pelo respaldo jurídico do respectivo Ministério Público. Depois, as peças do IPM eram remetidas à Justiça Comum (quando acabaram as auditorias de guerra) e caíam na mão do Ministério Público estadual, devidamente orientado e instruído pelo militar da área. Denúncias por ter assistido a filme da Checoslováquia, por ter lido um livro de conotações esquerdistas, por ser amigo de um primo de um sujeito que era parente de um comunista.
Criaram a doutrina do medo, que até hoje existe de certa forma: ameaçavam os juízes com cassação sem aposentadoria. Atualmente não existe mais a cassação, mas os juízes, por tradição, conservaram o medo. Sobretudo os federais. Sempre ressalvadas as honrosas exceções.
No caso do assassinato de Vladimir Herzog, nas masmorras do Doi-Codi, o Ministério Público sustentou a tese do suicídio com o maior cinismo. E fez mais: quando foi datilografada a sentença na ação proposta pela viúva, sra. Clarice Herzog, o Ministério Publico requereu mandado de segurança contra o juiz para impedi-lo de ler a sentença no dia marcado. No Tribunal Federal de Recursos, um ministro deu a liminar e me contou, depois, ‘ou a liminar ou a cassação’. A liminar foi mantida até a aposentadoria do juiz, um mês depois. O procurador da República envolvido ficou uma fera, porque o juiz substituto prolatou a sentença em favor de dona Clarice. Não teve medo nenhum.
No caso da Panair, o Ministério Público executou a intervenção decretada pelos militares e acabou com a companhia. Praticou todas as ilegalidades possíveis. Quando era muito acintoso o ato contrário à lei vigente, providenciava para que fosse feita outra e os militares baixavam decreto-lei atendendo ao pedido do fiscal da ordem jurídica.
Quando a Panair, em processo de falência, demonstrou que seus ativos eram maiores que o passivo, requereu concordata suspensiva para evitar a dilapidação de seu patrimônio entregue ao Ministério Público. A pedido da nobre instituição, o governo baixou o decreto-lei nº 669, de 3 de julho de 1969, dispondo que ‘não podem impetrar concordata as empresas que, pelos seus atos constitutivos, tenham por objeto, exclusivamente ou não, a exploração de serviços aéreos de qualquer natureza ou infra-estrutura aeronáutica’. Na medida exata.
Felizmente a nova geração do Ministério Público, tanto do federal, como dos estaduais, melhorou muito, aprendeu um pouco de democracia, acabou entendendo o que é Estado de Direito, tem se conduzido com austeridade no combate ao crime. Mas ainda cai em tentação política quando abusa de suas competências em ações civis públicas, e alguns -poucos, é verdade- servem a interesses que nada têm que ver com a defesa da lei. O arquivamento dos casos de abusos de policiais militares, noticiado pela Folha, faz, de certa forma, lembrar os velhos tempos. Pode ser que sim, pode ser que não.
Mas, se abrirem os arquivos da ditadura, a surpresa maior, para os historiadores e famílias das vítimas, será a atuação dos procuradores da República e dos promotores públicos.
Os militares, sobretudo os antigos e velhos, são aquilo que nós conhecemos. Gostavam de golpe legal, chamavam juristas para fundamentar seus atos de arbítrio, acreditavam piamente estar defendendo a pátria contra os comunistas e subversivos, que era ético matar a liberdade em nome da segurança contra a ameaça soviética, tinham a cabeça feita pelos Estados Unidos e queriam que tudo fosse praticado dentro da lei, inclusive a tortura e as mortes, embora não tivéssemos lei que as autorizasse.
O Ministério Público interpretava a lei de acordo com esse desejo, para que a consciência da ditadura dormisse em paz. Se abrirem os arquivos, todos vão ter surpresas, menos nós, os velhos advogados. José Saulo Pereira Ramos, 75, é advogado. Foi consultor-geral da República e ministro da Justiça (governo Sarney).’
Rafael Cariello e Iuri Dantas
‘Para historiadora, sigilo eterno é retrocesso’, copyright Folha de S. Paulo, 11/12/04
‘A historiadora Célia Maria Leite Costa, da Fundação Getúlio Vargas do Rio, criticou ontem a manutenção do instrumento de ‘sigilo eterno’, que considera um retrocesso, na nova legislação para o sigilo de documentos oficiais editada ontem pelo governo Lula.
Costa discorda da atribuição à Comissão de Averiguação e Análise de Informações Sigilosas da decisão pela ‘permanência ou ressalva’ ao acesso a documentos ‘enquanto for imprescindível à segurança da sociedade e do Estado’, sem a especificação de prazo. ‘O erro é esse’, disse ela: atribuir tal poder a uma comissão interministerial. ‘Isso é uma questão de Estado, e não de governo. Por que é que Lula, ou quem quer que seja, ou os ministros de Lula vão decidir o que é que a sociedade pode ler ou não ler?’, questiona.
‘Você tem que ter parâmetros definidos por técnicos, pessoas especialistas no assunto. Não é pelo fato de você ser ministro que você se torna especialista em legislação.’ Além disso, disse Costa, ‘nada pode ser subtraído da possibilidade de os cidadãos conhecerem’. Sobre os novos prazos de sigilo, ela considerou ‘condizentes com os prazos internacionais’.
Já a representante dos familiares na Comissão Especial dos Mortos e Desaparecidos Políticos, Criméia Almeida, 58, criticou os prazos e disse ser ‘contra o sigilo eterno para os crimes em geral’: ‘Acho um absurdo que o prazo de 30 anos para documentos ultra-secretos possa ser renovável’. Ela afirmou que ‘deveria haver um adendo prevendo que crimes contra direitos humanos não poderiam ter sigilo’: ‘As pessoas interessadas poderiam determinar se querem sigilo ou não’, disse.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou uma medida provisória e um decreto regulamentando o acesso a documentos sigilosos do governo. O Planalto divulgou uma versão errada dos textos por volta das 20h de anteontem. Cerca de uma hora depois, o Planalto voltou atrás e só liberou a versão final às 0h55 de ontem.
Os ministros envolvidos acompanharam as discussões até o início da madrugada, quando o subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil, José Antônio Dias Toffoli, fechou o texto. Segundo o ministro Márcio Thomaz Bastos, houve erro na divulgação: ‘Não foi atropelo. Foi feito com um pouco de pressa, e as pessoas estavam longe umas das outras, mas hoje, com telefone, com fax, isso se acerta. Haverá de ter acontecido de uma versão que não era final, que as pessoas souberam e tomaram como versão final, mas na verdade não era’, declarou.
A principal novidade é a criação de uma comissão composta por seis ministros, que dará a palavra final sobre a divulgação de papéis e arquivos. O grupo será coordenado pela Casa Civil e formado pelos ministérios da Justiça, Defesa, Relações Exteriores, Advocacia Geral da União, Gabinete de Segurança Institucional e Secretaria Especial dos Direitos Humanos. A comissão poderá vetar o acesso a documentos mesmo após o término do prazo de sigilo.’
Iuri Dantas
‘Decreto não prevê sigilo eterno, afirma Nilmário’, copyright Folha de S. Paulo, 11/12/04
‘O secretário especial dos Direitos Humanos, Nilmário Miranda, afirmou que a medida provisória e o decreto editados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ontem regulamentando a questão do sigilo de documentos oficiais não prevê o ‘sigilo eterno’.
‘Essa possibilidade está afastada em relação aos arquivos da ditadura militar’, afirmou.
A declaração de Nilmário se choca com o inciso 2 do artigo 6º do decreto, que permite o veto ao acesso a documentos enquanto sua divulgação puser em risco a segurança do Estado e da sociedade, sem definir regras para isso.
Segundo Nilmário, o avanço na legislação foi a possibilidade de a Comissão de Averiguação e Análise de Informações Sigilosas revisar a classificação de arquivos e, eventualmente, torná-los públicos. Com isso, o que hoje um governo classifica como ultra-secreto, com prazo mínimo de 30 anos de sigilo, poderia ser divulgado pelo governo seguinte.
‘Quando muda a conjuntura, pode mudar a avaliação. Regulamentamos a Constituição para evitar arbítrio. Essa é uma medida benigna’, afirmou.
Para o ministro, o estopim da discussão sobre documentos no governo foi a pressão pela abertura de arquivos da ditadura (1964-1985). Com o decreto e a MP, sempre segundo Nilmário, falta apenas a parte prática. ‘A partir desse decreto, não haverá óbices à abertura dos documentos. Agora é a questão prática. É uma regra estável, para tudo. O que provocou essa discussão foi a necessidade de uma base legal para a abertura dos arquivos’, disse.’
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‘Lula revoga lei de FHC e cria novo sigilo eterno’, copyright Folha de S. Paulo, 9/12/04
‘A regulamentação que o governo federal prepara sobre a divulgação de arquivos e documentos classificados mantém a possibilidade do sigilo eterno de papéis produzidos pelo governo.
Ontem, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, justificou esse mecanismo com base em um inciso da Constituição sobre informações relacionadas à segurança do Estado e da sociedade. ‘Há de haver algum caso em que o sigilo possa ser prolongado [indefinidamente]’, disse.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve assinar hoje um decreto revogando outro, editado por Fernando Henrique Cardoso em 2002, que pela primeira vez permitia a renovação por tempo indeterminado do sigilo de documentos. Revogado este decreto, voltam a valer os prazos criados em 1997, também por meio de um decreto de Fernando Henrique.
Está prevista ainda a edição de uma medida provisória que mudaria o método da classificação e desclassificação dos documentos. Segundo o texto ainda em estudo no Planalto, será criada uma comissão de ministros responsável por analisar os sigilos. A avaliação será feita com base em circunstâncias políticas e econômicas vividas pelo país, por exemplo.
Hoje, um comandante militar pode classificar um arquivo como ultra-secreto, e seu sigilo poderá ser renovado indefinidamente. Com a mudança pretendida pelo governo, caberá ao colegiado de ministros a definição do tempo de sigilo, que poderá ser menor, maior ou até eterno. Os arquivos do regime militar que desencadearam o debate sobre o sigilo de documentos públicos contêm papéis classificados como ultra-secretos e secretos. Não está claro, porém, que tipo de informações se tornará disponível mais rapidamente com a nova legislação.
Farão parte da comissão os Ministérios da Justiça, Defesa, Casa Civil e Relações Exteriores, além da Secretaria Especial de Direitos Humanos, do Gabinete de Segurança Institucional e da AGU (Advocacia Geral da União).
Segundo o Ministério da Justiça, o objetivo do governo é flexibilizar os arquivos e tornar mais fácil a divulgação de documentos. Bastos disse que não daria detalhes, mas confirmou que será mantida a possibilidade de deixar documentos sob sigilo indefinidamente. Militares e diplomatas pressionam para que alguns documentos nunca venham a público.
Constituição
A justificativa para o sigilo eterno de documentos seria o inciso 33 do artigo 5º da Constituição de 1988, segundo Bastos. O item assinala que ‘todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado’.
Na interpretação do governo, essa ressalva diz respeito tanto ao conteúdo dos documentos, quanto aos prazos para que sejam divulgados: estaria implícito na Constituição que algumas informações não deveriam nunca ser divulgadas para proteger o país.
O decreto editado por FHC em 1997, e que voltará a valer com a revogação do decreto de 2002, estabelece apenas uma regra temporal: os arquivos relacionados à segurança do Estado e da sociedade ficariam sigilosos por 30 anos, prorrogáveis por outros 30. Depois, deveriam se tornar públicos. O governo Lula credita a FHC a criação do mecanismo de sigilo eterno dos documentos.
Na mesma entrevista coletiva, o ministro Álvaro Ribeiro Costa (AGU) afirmou que o governo cumprirá a decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que determinou a abertura de arquivos sobre a guerrilha do Araguaia. Será encaminhado à Justiça o relatório da comissão ministerial criada em 2003 sobre o caso.
Costa sugeriu que talvez as informações levantadas pelo governo não sejam as desejadas pela Justiça: ‘Pede-se informação, basicamente isso. Saber se a informação é satisfatória ou não depende da Justiça’. Bastos negou-se a dizer se a comissão localizou ossadas de militantes ou papéis inéditos: ‘Não posso responder isso, porque está sob sigilo. A comissão fez o máximo que podia’.’
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‘Governo solta MP do sigilo, mas depois recua’, copyright Folha de S. Paulo, 10/12/04
‘O governo envolveu-se em uma trapalhada na tentativa de estabelecer, ainda ontem, uma nova legislação para o sigilo de documentos oficiais. O texto de uma medida provisória e um decreto chegaram a ser divulgados no início da noite, mas, uma hora depois, após reclamações de pelo menos dois ministros, o Planalto informou que os papéis seriam reescritos -e estarão hoje no ‘Diário Oficial’.
A MP e o decreto foram distribuídos por volta das 20h, com teor diferente do que havia sido anunciado no dia anterior pelo ministro Márcio Thomaz Bastos (Justiça) e Álvaro Augusto Ribeiro Costa, advogado-geral da União. A principal mudança: o decreto de Fernando Henrique Cardoso, que entre outras coisas criou o mecanismo de sigilo eterno, não seria revogado, apenas modificado em dois artigos.
Segundo a Folha apurou, além de Bastos e Costa participaram das discussões sobre o texto do decreto e da medida provisória os ministros Celso Amorim (Relações Exteriores), José Alencar (vice-presidente e Defesa), Nilmário Miranda (Direitos Humanos) e José Dirceu (Casa Civil).
O texto divulgado pelo Planalto, porém, era diferente do que havia sido combinado com os ministros, o que provocou imediata reação e pressão de Bastos e Nilmário. O ministro dos Direitos Humanos ligou para a Casa Civil, pedindo mudanças no texto para o subchefe de assuntos jurídicos, José Antônio Dias Toffoli. Bastos, por sua vez, reclamou diretamente com o presidente Lula.
Por volta das 21h, o Planalto informou que a MP e o decreto divulgados estavam incorretos. Às 23h, equipes dos dois ministérios ainda tentavam descobrir se o problema estava na versão divulgada, que seria diferente da correta, ou se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva havia decidido assinar uma versão diferente.
A Folha apurou que Lula deu seu aval ao texto final de um decreto e de uma medida provisória, apresentados por Toffoli, mas não havia certeza se o teor dos dois era o mesmo divulgado pelo Planalto horas antes.
A principal expectativa sobre a nova regulamentação de documentos produzidos pelo governo diz respeito a relatórios da ditadura militar. O Itamaraty também pressiona o Planalto para manter sob sigilo documentos relacionados a negociações comerciais e questões territoriais.
Havia uma diferença nos prazos de sigilo entre o combinado entre os ministros e a versão divulgada. Na versão anterior, os prazos seriam menores para alguns tipos de papéis classificados.
O decreto editado por FHC em 2002 estabelecia prazo de 10 anos para documentos reservados, 20 para os confidenciais, 30 para os secretos e 50 para os ultra-secretos, podendo estes últimos serem renovados por tempo indefinido.
Os prazos anteriores ao decreto, estabelecidos por FHC em 1997, eram de 5 anos para os reservados, 10 para os confidenciais, 20 para os secretos e 30 para os ultra-secretos. Todos poderiam ser renovados apenas uma vez.
No texto divulgado ontem, os prazos ficariam num meio termo. Os documentos reservados e confidenciais permaneceriam com os mesmos prazos fixados em 2002. Os secretos teriam prazo menor do que no decreto de 2002, mas maior do que previa o texto de 1997. E os ultra-secretos voltariam a ter 30 anos de sigilo. Na versão divulgada pelo Planalto o sigilo poderia ser renovado uma vez apenas, como em 1997.
Os textos divulgados ontem previam a criação da Comissão de Averiguação e Análise de Informações Sigilosas, que será responsável pela autorização final antes da divulgação, será composta por seis ministérios e coordenada pela Casa Civil.
A medida provisória previa o ‘sigilo eterno’ de documentos, mas deixava isso nas mãos da comissão, sem especificar se os papéis seriam classificados como reservados, confidenciais, secretos ou ultra-secretos.
O texto da medida provisória regulamentava o inciso 33 do parágrafo 5º da Constituição de 1988, que prevê o acesso a arquivos do governo, ressalvadas a segurança da sociedade e do Estado. O texto de Lula estabelece que qualquer pessoa poderá solicitar à Casa Civil a revisão do sigilo de documentos classificados. Colaborou KENNEDY ALENCAR, da Sucursal de Brasília’