‘Existe algo que precisa ficar claro: o direito de um repórter de cumprir o compromisso de manter suas fontes secretas não é um privilégio do repórter. É um privilégio de seus leitores. É com esse argumento que Myron Farber, 67, último repórter do ‘New York Times’ a ir para a cadeia por se recusar a contar quem lhe passara informações para uma reportagem, defende o sigilo.
‘No mundo real’, muitas vezes a informação necessária só pode ser obtida com a promessa de sigilo, e o maior beneficiado por esse acordo, no final, é a opinião pública, diz o jornalista.
A prisão de Farber, em 1978, impulsionou a aprovação em vários Estados norte-americanos de leis que dão aos jornalistas o direito de não revelar quem entrevistaram para suas matérias. Hoje mais de 30 Estados têm esse tipo de legislação, conhecida como ‘shield law’ (algo como lei-escudo), que vale apenas para casos estaduais, não federais.
Com a prisão de outra jornalista do ‘Times’ na semana que passou, Judith Miller, a discussão volta à tona. Farber compara a decisão de ir à prisão em vez de testemunhar à resistência pacífica liderada por Mahatma Gandhi.
‘Não testemunhar não o coloca acima da lei. O repórter está se submetendo à lei, está disposto a pagar o preço. É uma questão de desobediência civil em relação a uma lei com a qual você não pode concordar e espera mudar.’
O repórter, que trabalhou no ‘Times’ de 1966 a 1993, passou 40 dias numa prisão em Nova Jersey em 1978 por se recusar a entregar as fontes de uma apuração sobre um médico acusado de matar seus pacientes com veneno.
O médico acabou absolvido, e Farber foi o único a passar algum tempo preso pelo caso. O juiz condenou o jornal, que apoiou a decisão do repórter, a pagar US$ 286 mil em multas.
Na cadeia, Farber era vizinho de cela de um homem que matou a própria mãe, de um estuprador e de um traficante. Diz que o fato de não ser considerado ‘um dedo-duro’ o ajudou. Em sua opinião, Judith Miller não vai falar. Leia a seguir trechos da entrevista.
Folha – O juiz que mandou Judith Miller para a cadeia disse que isso pode fazê-la mudar de idéia. Qual sua opinião?
Myron Farber – Com certeza ela não vai mudar de idéia.
Folha – Por que não?
Farber – Isso não vai acontecer porque as circunstâncias que a levaram a aceitar a prisão, a pagar o preço por seus princípios, não vão mudar. Ela está protegendo fontes confidenciais que foram importantes para sua apuração. E isso não vai mudar.
Folha – Como o sr. explicaria a alguém que vale a pena até ser preso por isso?
Farber – Quando eu fui para cadeia, em 1978, centenas de repórteres estavam sendo chamados a depor nos tribunais. O ‘New York Times’, que tinha um departamento legal e editores com uma perspectiva mais ampla que a minha, acreditava que era necessário se erguer e lutar por nossos princípios. O que está em jogo não é um privilégio do repórter ao testemunhar, mas sim do público.
Folha – Mas por quê?
Farber – As leis que hoje protegem repórteres não foram feitas para que o ‘Times’ consiga ganhar mais dinheiro ou fazer o que bem entender. Existem para proteger o direito do público de ser corretamente informado em uma democracia. E acontece que é o jornalista quem carrega o fardo.
Há leis que protegem o testemunho de médicos, advogados, padres. Elas não beneficiam esses profissionais. Protegem pacientes, penitentes, acusados.
Folha – Como isso funciona?
Farber – No mundo real, repórteres às vezes têm de dizer: certo, você não vai me dar essa informação a não ser que seja confidencialmente, e eu aceito, porque preciso dessa informação. Esse é o mundo real. Existe muita confusão sobre como isso acontece.
No meu caso, o ‘Times’ me mandou à rua para investigar um assassinato de dez anos antes. Na maioria das vezes, depois de encontrar as pessoas envolvidas no caso, tive de persuadi-las a falar comigo. Muitas não queriam nem ver um repórter. É isso que acontece numa reportagem investigativa. E se não há confidencialidade, não há informação ao público.
Folha – E qual o o mal em revelar essas fontes?
Farber – Se um repórter não pode manter a confidencialidade, todo mundo que sabe de algo fica menos inclinado a falar.
Folha – Ao se recusar a falar, o repórter está acima da lei?
Farber – Não. Porque, se o repórter perder, mesmo assim tem a opção de ir para a cadeia. Isso não o coloca, ao contrário do que a revista ‘Time’ disse, acima da lei. Ele está se submetendo à lei. Está disposto a pagar o preço, é uma questão de desobediência civil em relação a uma lei com a qual você não pode concordar e espera mudar. Quando Mahatma Gandhi disse não às leis britânicas e foi preso, ele estava acima da lei? Não, estava tentando mudá-la.
Uma coisa é perder no tribunal e se esconder. Outra é perder e sentir que não concorda com aquilo, então se submeter à punição. Acho que, infelizmente, jornalistas ainda vão ter de fazer isso.
Folha – E como foi o seu tempo na prisão?
Farber – Havia pessoas esperando julgamento, havia condenados, de tudo um pouco.
Folha – E quais os crimes?
Farber – A pessoa que estava na cela à minha esquerda havia despedaçado a própria mãe, assassinado, e costumava bater na parede o tempo todo, mesmo à noite, dizendo que íamos todos morrer e que as inundações viriam e seríamos todos levados. O cara na minha frente tinha sido preso acusado de sodomia, era um alemão. O cara à minha direita era acusado de tráfico.
Folha – E como foi o contraste entre seus motivos e os deles?
Farber – Você não escolhe suas companhias. Tentei ser amigável, já que tínhamos contato. Muitos deles ficavam surpresos de haver um repórter lá. Acho que alguns ficavam confusos, outros, impressionados e outros, principalmente porque eu não estava dedurando ninguém, gostavam disso.’
Sérgio Augusto
‘A Martha Stewart do Quarto Poder’, copyright O Estado de S. Paulo, 10/7/05
‘Mártir? Heroína? Paladina da liberdade de imprensa? Será mesmo Judith Miller isso tudo? Ou será ela uma espécie de Roberto Jefferson da mídia americana?
Ao contrário da Fernanda Karina Somaggio, ela não conta nada, não abre a boca. Judith Miller é um túmulo. Queriam saber quem lhe passara uma informação, envolvendo a identidade de uma espiã da CIA, e ela, invocando seu direito a não revelar suas fontes, preferiu enfrentar os rigores da lei. Resultado: a menos que volte atrás e decida abrir o bico, ficará presa até outubro. Ela já disse que não voltará atrás. Seu jornal, o New York Times, solidarizou-se com ela. A grande imprensa americana e estrangeira também. Miller foi para o xadrez como Joana DArc para a fogueira, envolta em santidade.
Enquanto isso, o repórter da revista Time, Matthew Cooper, arrolado no mesmo inquérito, desfazia a mala que havia preparado para levar para o presídio e retomava suas atividades normais. Livrou-se do xilindró porque a Time decidiu entregar à Justiça as anotações da reportagem em que ele, com base em informação confirmada por um funcionário graduado do governo, identificara Valerie Plame como espiã da CIA e porque na véspera de sua ida ao tribunal seu informante o havia liberado do sigilo. Cooper ficou de quebrar seu silêncio a portas fechadas com o promotor encarregado do caso, Patrick Fitzgerald, e os 21 integrantes do júri de instrução.
Enquanto Miller era condenada por ‘desacato à Justiça’ e Cooper liberado por colaborar com a promotoria, Robert Novak continuava solto. Colunista ultraconservador do Chicago Sun-Times, Novak foi quem primeiro entregou Valerie Plame como espiã da CIA, segredo que lhe teria sido passado por duas autoridades governamentais. Cooper, a rigor, apenas repercutiu o que Novak publicara em sua coluna. Miller, por sua vez, nem chegou a escrever a reportagem que planejara. Conversou com altos funcionários do governo, mas ficou só na intenção.
Pela lógica, Novak deveria ter sido chamado a depor, antes mesmo de Miller e Cooper. Pela lógica, Novak, e não Miller, é quem deveria estar no xadrez. A menos que o promotor Fitzgerald já tenha sabido através dele quais os dois altos funcionários da Casa Branca responsáveis pelo vazamento. Mas, se o promotor já os identificara, por que continuou pressionando Miller e Cooper? Estaria ele atrás de mais alguém especificamente? E Novak? Como explicar que um puxa-saco do governo Bush tenha feito algo que, afinal, pode abalar os alicerces da Casa Branca?
Não há muita lógica nesse imbróglio. Que, aliás, só medrou porque não existe nos EUA uma lei federal protegendo jornalistas contra pressões oficiais para revelar suas fontes. O direito ao sigilo só é garantido por lei em 49 Estados e no distrito de Colúmbia. Segundo David Corn, colunista do semanário The Nation, nem sequer Novak merecia ser aporrinhado pela Justiça, pois a Lei da Identidade dos Espiões – a que realmente está em jogo nesse episódio, além, é claro, da questão do perjúrio – não prevê punição para jornalistas que revelem a identidade de agentes secretos americanos. Ela atingiria somente funcionários do governo.
Se foi mesmo o maligno e intrigante Karl Rove quem vazou a informação para Novak, conforme confidenciou Michael Isikoff, na Newsweek da semana passada, seus dias no poder e na impunidade podem estar contados. E o outro informante? Não eram dois? As suspeitas recaem sobre Lewis ‘Scooter’ Libby, grão-vizir do vice Dick Cheney.
Fiquei sabendo pela imperdível coluna de Argemiro Ferreira, na Tribuna da Imprensa, que a Lei da Identidade dos Espiões não livra a cara dos jornalistas, até porque teria sido sancionada no governo de Ronald Reagan justamente para enquadrar (e eventualmente pôr na cadeia) os editores da CounterSpy e CovertAction, revistas que se esmeravam em revelar nomes dos espiões da CIA. Criada por pressão da direita, a lei, lembra Argemiro, ‘foi questionada à época por grupos de defesa da liberdade de imprensa, que não conseguiram sensibilizar a mídia corporativa. Ironicamente, é usada agora contra os que a inventaram e contra a mídia que se omitiu’.
Há uma diferença entre o que a CounterSpy, a CovertAction e o ex-agente Phillip Agee faziam e os informantes de Novak, Cooper e Miller fizeram. Pelo menos de intenções. Os primeiros queriam expor e desmoralizar a CIA, os segundos estavam fazendo o jogo sujo da Casa Branca. Cooper e Miller não são propriamente heróis, são cúmplices. Compará-los aos perseguidos pela inquisição macarthista dos anos 40-50 é um despropósito. O silêncio de Cooper e Miller nada tem a ver com a liberdade de expressão. Eles estão apenas acobertando criminosos do governo e por isso não merecem, a meu ver, o privilégio do sigilo.
Tudo começou em janeiro de 2003, quando Bush afirmou que os EUA haviam tomado conhecimento de que Saddam Hussein tentara obter urânio para armas nucleares em Níger, na África. Para confirmar e trazer provas da bombástica revelação, o governo americano enviou a Níger o senador Joseph Wilson, que de lá voltou de mãos abanando: a história do urânio não tinha fundamento. Nem por isso Bush tirou-a de seus discursos belicistas. Em março, os EUA invadiram o Iraque. Em 6 de julho, indignado com a invasão, Wilson publicou artigo no New York Times, contando tudo sobre sua viagem a Níger. Tudo menos um detalhe aparentemente sem importância, que Robert Novak, salivando de prazer, traria à tona em sua coluna, oito dias depois: Wilson teria sido indicado para a missão por sua mulher, Valerie Plame, espiã da CIA há 20 anos. Wilson caiu em desgraça e Valerie perdeu o emprego. Quem irá provar que o furo de Novak não foi um ato de vingança do governo Bush, executado por um sicário com livre trânsito na Casa Branca?
A prisão caiu do céu para Miller. Ela só não andava mais por baixo no New York Times do que Jayson Blair, aquele repórter demitido por mentir adoidado em suas reportagens. Foi ela quem primeiro vendeu ao jornal a leréia das armas de destruição em massa, a principal justificativa de Bush para invadir o Iraque. Suas reportagens tendenciosas saíam sempre na primeira página e foi sobretudo por causa delas que o Times pediu desculpas a seus leitores, meses atrás. Por que não puniu a repórter? Perguntem à direção do jornal, que agora se viu obrigada a defendê-la em editorial, como ela fosse a reserva moral da liberdade de expressão. Miller é apenas uma celebridade em vias de enriquecer publicando suas memórias e fazendo palestras a peso de ouro. A Martha Stewart da imprensa.’
Alberto Dines
‘A prisão de Judith Miller é apenas o começo’, copyright Último Segundo, 7/7/05
‘É inédita mas não chega a surpreender a prisão da jornalista Judith Miller do ‘New York Times’ por recusar-se a revelar as fontes de uma matéria que sequer foi publicada.
Quando a Corte Suprema na semana passada recusou as apelações da repórter e do seu colega, Matthew Cooper (da revista ‘Time’) ficou evidente que o juiz Thomas Hogan deveria despachá-los em seguida para o xilindró. Cooper, assustou-se e autorizado pela fonte, abriu o bico: revelou o seu nome.
Judith Miller, ao contrário, não apenas insistiu na manutenção do sigilo como desafiou o magistrado pronunciando-se de forma candente contra a violação à liberdade da imprensa. Sua pequena declaração entrará certamente para a história da liberdade de expressão nos EUA: ‘Meritíssimo: neste caso, não posso quebrar o meu compromisso [com a fonte] apenas para livrar-me da cadeia. O direito à desobediência civil baseado na consciência individual é fundamental para o nosso sistema e tem sido honrado ao longo de nossa história.’
O caso Judith Miller vs. Casa Branca é apenas um lance do grande confronto que está sendo travado nos EUA entre a democracia liberal e a democracia formal. É preciso não esquecer que nos EUA a luta política trava-se no Congresso mas a luta ideológica transferiu-se para a Suprema Corte onde há cinco anos Bush Jr. ganhou o seu primeiro mandato e vai tornar-se ainda mais renhida com a substituição de três magistrados.
Convém registrar que a repórter Judith Miller, especialista em armas de destruição em massa e guerra bacteriológica, estava incluída entre aqueles que defendiam uma guerra preventiva contra Saddam Hussein. Portanto, ela não é uma ‘perigosa terrorista’, é uma liberal, mas para os teocratas e conservadores americanos, o perigo está no liberalismo e nos defensores intransigentes do Estado de Direito.’
Helena Celestino
‘‘A liberdade de imprensa não é absoluta’’, copyright O Globo, 10/7/05
‘A prisão de Judith Miller, do ‘New York Times’, por não revelar suas fontes, é mais uma barreira criada para proteger os segredos do governo Bush, o mais cheio de ações clandestinas desde Nixon. A análise é de Todd Gitlin, professor da Faculdade de Jornalismo da Columbia University e intelectual polêmico. Ele acha que a ‘Time’ foi covarde ao revelar a fonte de seu repórter.
Que efeito a prisão da repórter do ‘New York Times’ pode ter?
TODD GITLIN: Acho que é sério. A mídia está lidando com o governo americano mais cheio de ações clandestinas desde a época de Nixon. O governo (Bush) vem dificultando o trabalho de jornais e televisões e agora a mídia terá ainda mais razões para ficar tímida ao fazer investigações nos bastidores do governo. Com a decisão de mandar a repórter para a cadeia, foi erigida uma nova defesa para proteger os segredos do governo contra a imprensa.
O senhor acha que a prisão de Judith Miller é uma ameaça à liberdade de imprensa?
GITLIN: Acho que é um encorajamento contra a liberdade de imprensa.
O juiz está agindo com uma motivação política?
GITLIN: Ele acha que um crime foi cometido por Karl Rove (assessor de Bush) ou por alguém mais na Casa Branca. Alguém próximo ao governo violou a lei ao revelar o nome da agente secreta da CIA, provavelmente como parte de uma campanha política contra o marido dela, um crítico do governo. Na verdade, não era uma denúncia construtiva. Os jornalistas que defendem a repórter consideram o caso um potencial precedente para infringir a liberdade de imprensa. Não é errado ver assim, mas muitos não concordam com a tese de que jornalistas sempre têm de proteger as fontes em todas as situações.
Por que a Primeira Emenda da Constituição americana não protegeu Judith Miller?
GITLIN: Acredito que o argumento é que a liberdade de imprensa não é absoluta. Quando existe um crime, o jornalista tem a mesma obrigação que qualquer outro cidadão. Em outras palavras, a proteção à liberdade de imprensa não é absoluta.
Qual a sua posição na discussão sobre o uso ou não de informações sigilosas?
GITLIN: Certamente o off (informação dada com a condição do anonimato) tem sido usado exageradamente, mas trata-se de uma garantia para fontes que fazem um trabalho útil ao passar uma informação sigilosa. Muitas coisas que os governos gostariam de manter secretas devem ser reveladas. Com freqüência é impossível conseguir que pessoas façam revelações sem a garantia do anonimato. Mas é preciso ter discernimento no uso do off , muitos jornalistas usam esse recurso para servir ao governo. Informações importantes só foram passadas por pessoas do governo por causa do off , como no caso dos Documentos do Pentágono ou em Watergate. Não é algo do qual se deva abrir mão de maneira radical.
‘Time’ teria sido subserviente, diz professor
Jornalistas dizem que cada vez mais são ameaçados de processos por pessoas que têm interesses contrariados por informações que divulgam. O que acha disso?
TODD GITLIN: Acho que é verdade, está acontecendo. Tem um outro jornalista em prisão domiciliar por causa de reportagem sobre atividades criminais na região onde mora. Certamente os tribunais estão reagindo ao declínio da legitimidade da imprensa aos olhos do público. Estão achando mais conveniente e mais justificável mandar jornalistas para a cadeia. Ou pelo menos processá-los.
O que achou da decisão da ‘Time’ de entregar o nome da fonte e do firme apoio do ‘New York Times’ a sua repórter?
GITLIN: A atitude da ‘Time’ foi covarde e teve a intenção de economizar dinheiro — o juiz ia multar a revista em mil dólares por dia. É também uma demonstração de subserviência ao governo. Nenhum dos dois motivos honra o jornalismo. O ‘New York Times’ fez um editorial em defesa da repórter um pouco simplista. Mas acho importante que uma instituição jornalística tenha tomado uma posição firme para manter a independência da imprensa. É um caso difícil, porque realmente foi cometido um crime ao se revelar o nome de um agente secreto. O governo Bush, ao não se incomodar com o vazamento da informação porque ela lhe interessava, criou uma situação difícil para os jornalistas. Quem vazou a informação é que deveria ser punido, mas o governo não está interessado nisso.
Por que a imprensa americana está vivendo um momento tão ruim?
GITLIN: É uma mistura de problemas econômicos e da continuada queda na circulação. Estas duas coisas estão criando um sentimento de preocupação e até de pânico em relação à erosão da influência dos jornais a longo prazo. A mídia de direita criou a fama falsa de que a maioria dos jornais é de esquerda e, com isso, deixou-os numa atitude defensiva. O resultado é uma perda de confiança na missão pública do jornalismo. A maioria das empresas jornalísticas já é parte dos grupos de entretenimento e não tem mais compromisso com os princípios jornalísticos. O caso do diretor da ‘Time’ que entregou a fonte é típico, ele não atuou como jornalista, mas como homem de negócios.’
Folha de S. Paulo
‘Assessor de Bush vazou informação, diz revista’, copyright Folha de S. Paulo, 11/7/05
‘Karl Rove, o principal estrategista político do governo de George W. Bush, foi apontado ontem pela revista ‘Newsweek’ como a fonte da revista ‘Time’ para a informação de que Valerie Plame, mulher do diplomata norte-americano Joseph Wilson, era agente secreta da CIA.
Wilson havia discordado publicamente de Bush acerca da Guerra do Iraque e disse que a ocupação de sua mulher fora ‘vazada’ à imprensa em represália à sua discordância. A informação sobre Plame foi publicada pela primeira vez na coluna do jornalista Robert Novak, em jornais norte-americanos, em 2003, que citava funcionários do governo não identificados como fonte da notícia.
Dois outros repórteres, Judith Miller, do ‘New York Times’, e Matthew Cooper, da ‘Time’, investigaram a história e teriam recebido a mesma informação. Miller nunca escreveu sobre a ocupação de Plame, e Cooper fez menção ao caso depois de Novak.
Os dois, no entanto, foram intimados pela Justiça americana a revelarem suas fontes no caso, já que divulgar a identidade de um agente secreto nos EUA é crime -o que gerou debate sobre suposto desrespeito às garantias constitucionais de liberdade de imprensa, que incluiriam o direito a manter o segredo sobre a fonte de notícias.
Miller se recusou a dizer como -ou de quem- havia recebido a informação, e está presa. Cooper entregou suas anotações e documentos sobre o caso à Justiça.
Foi num dos e-mails do repórter que a ‘Newsweek’ descobriu a informação de que Rove, ideólogo de Bush, seria sua fonte. Em mensagem a seu chefe, o jornalista da ‘Time’ informa que Rove lhe teria fornecido a informação sobre a identidade de Plame.
Segundo a ‘Newsweek’, Rove sempre ‘escolheu cuidadosamente as palavras’ ao tratar do caso. ‘Eu não ‘vazei’ o seu nome’, ele disse em entrevista à rede CNN quando questionado se tinha algo a ver com a revelação da condição de Plame.
‘Na semana passada’, diz o texto publicado ontem, ‘seu advogado confirmou à ‘Newsweek’ que Rove o fez [‘vazou’ a informação] -e que Rove era a fonte secreta que, a pedido do advogado de Cooper e do promotor, deu a Cooper a permissão para testemunhar [sobre o caso].’
No e-mail, de fato, Cooper nunca diz que Rove tenha usado o nome de Plame nem que tivesse intenção de, deliberadamente, revelar que ela era uma agente secreta para prejudicá-la. Cooper escreve que Rove o alertou para ‘não se afastar muito de Wilson’, o marido de Plame, em suas investigações sobre as divergências entre o diplomata e a Casa Branca.
Disse que uma viagem do diplomata à África, para investigar suposta venda de urânio ao Iraque -e Wilson usaria as informações aí conseguidas para desmentir o governo Bush, negando que tal transação tivesse ocorrido-, tinha sido autorizada por ‘sua mulher’, que ‘aparentemente trabalha na CIA com armas de destruição em massa’.
A conversa, diz a revista, ocorreu antes da publicação da informação sobre a identidade de Plame por Novak. A Justiça americana agora deve investigar se Rove conversou com outros repórteres sobre a identidade da agente secreta da CIA.’