Friday, 15 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Pedro Doria

‘O Skype está se espalhando suavemente, discreto, como aconteceu em outros tempos com o Napster ou com o Orkut. De uma hora para a outra, as revistas semanais vão trazê-lo para a capa e decretar o fim das empresas de telefonia. Skype, o prezado leitor indaga? Skype.com, site onde se pesca gratuitamente – para Windows, Mac ou Linux – o programa que permite um bate-papo com alguém do outro lado da linha. Melhor: do computador, para quem tem caixas de som, microfone e banda larga. Custa o acesso à Internet, nem um centavo mais, é igual a telefone, e não importa se o interlocutor está no Tibete.

E, no entanto, quem sugerir o fim das empresas de telefonia estará provavelmente errado. Elas ainda têm o que outros lutam para construir: um fiozinho que liga uma casa à outra, uma cidade, um país – o mundo quase todo. Neste momento, em Brasília, lobbies discutem qual deverá ser o padrão brasileiro de TV digital – se o japonês, o norte-americano, o europeu ou algo próprio, talvez em parceria com a China. Não há nem rastro de decisão e, quando ela vier, ainda vai demorar uns dez anos para que a base instalada de televisores seja substituída por aparelhos digitais.

Seria bonito de ver: onde cabe um canal, caberão três, com possibilidades de interação, compra virtual dum casaco igual ao da mocinha da novela, além duns penduricalhos úteis que já existem em DVD: legendas em meia dúzia de línguas, dublagens idem. TV digital seria um DVD melhorado no programa que passa naquele momento. E, no entanto, quanto mais demora – no Brasil ou em todo o mundo – maiores as chances de que a TV digital nunca venha a existir. Porque mais rápido virá a IPTV.

IPTV: televisão via IP, pela Internet. Demora ainda, claro, não está pronta. Faltam duas coisas que caminham juntas, largura de banda e protocolos de compressão. Quanto maior a banda, mais informação pode ser enviada pelo fio. Isso quer dizer infra-estrutura física, fio enterrado no chão. Custa caro, uma fortuna, que o digam as endividadas empresas de televisão a cabo brasileiras. Boa compressão é o contrário: a habilidade de enfiar mais informação em menos espaço. Como banda aumenta e capacidade de compressão também, em algum momento dos próximos anos elas se encontrarão para permitir que imagem equivalente à da TV trafegue pela Internet. Há uns três anos, telefonia pela rede parecia coisa de vendedor de software, as promessas nunca cumpridas da tecnologia. Está começando a se popularizar. Em um ano, todo mundo no Brasil que usa a rede saberá do que se trata. E metade usará.

Os primeiros testes de IPTV estão marcados para ter início agora em 2005. SBC Communications, da Califórnia, Verizon – em Dallas e Los Angeles – e Bell South, no sul dos EUA, estarão oferecendo ao longo do ano para poucos clientes das vizinhanças o teste de um serviço que parece TV a cabo. Na aparência, estará lá a mesma caixinha preta com seletor de canais.

A diferença é que TV pelo IP é mais econômica. Não é preciso enviar todo o sinal de todos os canais como a TV a cabo atual faz; isso seria jogar espaço de banda fora. Basta enviar para o usuário aquilo que ele está pedindo, e mudar instantaneamente quando ele quiser outra coisa. Ligar essa caixa preta ao computador é também questão de escolha. Programar à distância o que passa para que um videocassete grave – ou um DVD recorder – pode ser questão de discar um código pelo celular. Ou de entrar numa página da web: afinal, se computador e caixa de TV estão ligados e online o tempo todo, as possibilidades são delimitadas apenas pela imaginação.

O que começa em 2005 são os testes. Demora ainda vários anos para que um serviço confiável esteja à disposição da massa de clientes. Mas não é à toa que empresas de telefonia estão mergulhando neste negócio. A maioria dos consumidores pode continuar achando que sua infra-estrutura serve para voz e uma coisa ou outra mais. A voz irá, fatalmente, para a Internet. A saída de sua sobrevivência não é lutar contra a rede, mas transformar-se em quem leva a rede. Isso quer dizer, também, que empresas de telefonia terão muito mais poder no futuro. E não por conta de telefonia.

Enquanto isso, cá no Brasil e também no exterior, as discussões sobre TV digital continuarão. Quanto mais continuam, menos chances têm de servir para qualquer coisa.’



Ana Paula Sousa

‘Nova tevê ou mais uma geringonça?’, copyright Carta Capital, 16/02/05

‘A linguagem cifrada que pontua as discussões sobre tevê digital faz com que o assunto pareça destinado, exclusivamente, àqueles afeitos à tecnologia. A briga que se trava em seus domínios, porém, é muito mais palpável do que se imagina à primeira vista. Para além da apregoada alta definição, essa tecnologia oferece a possibilidade de se criar um novo modelo de televisão aberta no Brasil.

Tornada questão de governo em 1998, a tevê digital (que, grosso modo, transforma som e imagem em dados de computador) se desenhou, por aqui, como um projeto de rascunhos e adiamentos. Até 2002, quem tinha as rédeas do processo eram as emissoras de tevê. Ao chegar ao poder, o governo Lula decidiu reorganizar as peças e recomeçar o jogo a partir da seguinte regra: o modelo brasileiro funcionará como uma ferramenta de inclusão social, com serviços, por exemplo, de educação, saúde e internet.

A partir dessa exigência, abriram-se as portas para o desenvolvimento de algo que até nome e sigla tem: o Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTD). A opção por um modelo nacional botou para trás aquilo que pautou as conversas iniciais, ou seja, a escolha entre os padrões de transmissão americano, europeu ou japonês.

Neste mês, após uma trabalhosa seleção, o Finep (empresa de financiamento ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia) deve liberar a primeira parcela de aproximadamente R$ 20 milhões dos R$ 80 milhões prometidos – destinados ao desenvolvimento desse projeto. Os trabalhos saíram de cerca de 30 instituições e mobilizaram mais de mil pesquisadores. A integração dessa montanha de idéias fica a cargo do CpQD, instituição sediada em Campinas contratada pelo governo.

‘Entraremos na fase de consolidação desse sistema. São 18 propostas paralelas, que reúnem o conjunto de tecnologias necessárias à implantação da tevê’, explica Ricardo Benetton, diretor de Televisão Digital do CPqD. Definida a tecnologia, se pensará no modelo e, então, em padrão, política industrial, acordos internacionais e mudanças regulatórias.

‘O padrão será escolhido de acordo com aquilo que se definir como necessidade para o Brasil’, diz Benetton. ‘Mas, no fundo, todos os padrões são uma colagem de várias coisas e também não têm como fugir do pagamento de royalties.’

Os reais impactos da digitalização desse setor gigantesco e influente ainda são desconhecidos. Mas é certo que a plataforma analógica (a tevê tal qual assistimos hoje) desaparecerá e que a alteração terá enorme impacto no mercado audiovisual. Em Berlim, a emissão analógica será desligada em 2006; na Itália e nos Estados Unidos, em 2007. No Brasil, falar em prazo é ‘chutômetro’. Mas, no ano que vem, o governo quer iniciar, pelo menos, uma transmissão experimental.

‘O que está em jogo é muito dinheiro, claro, mas há também a questão de se atrelar toda a produção ao sistema escolhido. É uma decisão a ser seguida por uns 50 anos’, diz Gustavo Gindre, diretor do Instituto de Estudos e Projetos em Comunicação e Cultura (Indecs) e doutorando pela Universidade Federal do Rio de janeiro.

‘Estamos reinventando a tevê. É algo muito maior do que a introdução da cor. Você pode mudar desde o conteúdo até a maneira de inserir um comercial em regiões diferentes e, o mais importante, desobstruir o espectro’; completa Gindre. Justamente na possibilidade de ampliação do espectro reside o pulo-do-gato.

Se, hoje, as emissoras ocupam um espaço de 6 MHz, com a digitalização a necessidade de freqüência pode diminuir e, nesse mesmo espaço, caberiam até outros quatro canais. No entanto, a posição das tevês abertas é de que os 6 MHz continuarão a ser necessários.

Explique-se. A tevê digital pode ser apresentada tanto no padrão standard (adotado na Europa) quando no high definiton (alta definição, utilizado nos Estados Unidos). A opção pela alta definição implica, de modo geral, na ocupação dos 6 MHz. ‘Mas é uma definição tão alta que seria preciso um upgrade no olho humano para que captássemos todos os detalhes. O padrão standard já é muito superior à tevê comum’; ressalta Gindre.

Com o padrão standard, porém, sobrará espaço no espectro da televisão terrestre. ‘E quem quer abrir o mercado?’; pergunta Gindre. ‘A própria Globo, quando fala em tevê digital, só fala em alta definição. Se o governo disser: `usem como vocês quiserem’, é óbvio que teremos alta definição.’

De acordo com Benetton, os projetos das universidades contemplam esse polêmico aspecto da tevê digital e muitos deles mostram que, cada vez mais, é possível comprimir a imagem sem perda da qualidade. `A tecnologia de compressão avança sem parar e, uma vez que a televisão é entendida como bem público, o governo poderia aproveitar o espaço restante para criar uma rede de emissoras públicas, por exemplo’; explica. ‘Mas isso será sempre uma decisão política.’

Sem uma decisão política que toque no modelo atual de tevê, essa tecnologia pode se transformar em apenas mais um produto que levará o consumidor a pôr a mão no bolso – para comprar um novo aparelho ou um conversor. E para quê? Para ver o Big Brother em alta definição?

‘Não se pode esquecer que o digital abre uma enorme possibilidade para a democratização do conteúdo. Mas, por enquanto, quando alguém quer dar um exemplo das vantagens da tevê digital, fala que dá para ver os óculos do Tom Cruise num filme e comprar na hora. Se deixar para o mercado, é esse tipo de conteúdo que vai ser produzido’; alerta Gindre.

Neste ponto, vale recortar o trecho de um artigo do jornalista Nelson Hoineff, publicado no Observatório da Imprensa, a propósito da ausência de um debate sério sobre o conteúdo da tevê digital. Ele alerta que, se o governo não acelerar o passo, a tevê digital trará, para a população, o mesmo que a tevê a cabo:

– A tevê por assinatura no Brasil transformou-se num parque de diversões das grandes redes internacionais, praticamente não aumentou a oferta de produção brasileira para os brasileiros, teve impacto quase nulo sobre a diversificação e regionalização da produção, estancou em 7% de cobertura.

São as tevês a cabo as pioneiras do digital no Brasil. Livres para agir a regulamentação abarca só a tevê aberta -, os canais pagos dão seus passos. A DirecTV/Sky foi a primeira e, no fim de 2004, Net e TVA lançaram seus pacotes digitais, com cerca de cem canais. O da Net tem taxa de adesão entre R$ 399 e R$ 499 e uma mensalidade de R$ 129,90.

Por ora, as atrações se resumem a: `Apertando uma tecla, você interage com o produto. Se você mudar de canal e pegar um programa no meio, pode acionar uma tarja e descobrir que programa é, a que horas começou. Tem ainda o mosaico, em que aparecem 12 telas com os canais de cada segmento’; cataloga Ciro Kawamura, diretor de marketing da Net.

A toada da entrevista com os executivos da TVA é essa também. Amilton de Lucca, diretor de Novos Negócios da empresa do Grupo Abril, explica: ‘90% do conteúdo que oferecemos já é produzido em formato digital, mas o que temos de fazer é agregar serviços a esse conteúdo’: Entre esses serviços inclui-se, por exemplo, a transferência do conteúdo da revista Minha Novela para a tevê.

Tanto Net quanto TVA preparam, para os próximos meses, o lançamento do gravador DVR, uma espécie de videocassete que permite não só gravar a programação como fazer download de filmes e pausar ou retroceder transmissões ao vivo.

As tevês a cabo, caso o governo decida futuramente por um padrão incompatível com o que utilizam, terão de vender um conversor aos usuários. Enquanto isso, vão aprimorando seus sistemas.

Como diz Benetton, se o governo não se ocupar desse assunto, o mercado se ocupará e, em breve, todos acreditarão que tevê digital é sinônimo de tevê de alta definição e ponto. ‘Você pode até dizer: `Com tanto problema, o governo vai se preocupar com tevê digital?’ Mas o governo não pode abrir mão dessa discussão e precisa dar respostas rápidas. A sociedade tem de enxergar o projeto de outra forma.’

Em outras palavras, num país em que a tevê tem tanto poder quanto no Brasil, não se pode achar que a tevê digital será apenas mais uma geringonça tecnológica.’



Marcela Canavarro

‘TVA prepara digitalização de rede’, copyright Jornal do Brasil, 21/02/05

‘De olho no potencial da faixa de freqüência utilizada pelas TVs pagas via microondas (MMDS), a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) divulgou para consulta pública alterações na regulamentação deste segmento. O objetivo é incentivar as operadoras a digitalizar seus serviços e liberar parte da faixa de freqüência utilizada pelo MMDS para outros serviços.

– Esta faixa é potencialmente favorável para qualquer serviço e visada, por exemplo, para a definição de uma faixa uniforme em todo o mundo para a terceira geração de celular – afirma Maria Lucia Bardi, gerente de Regulamentação e Planejamento de TV por assinatura da Anatel.

O principal incentivo dado pela agência será a mudança das normas de oferta de serviços, cujas restrições atendiam a uma limitação técnica da época da resolução, em 1997. Pela regras, a internet via MMDS deve estar atrelada ao serviço de TV paga, ou seja, a operadora não pode oferecer os serviços separadamente.

Apesar dos altos investimentos exigidos das operadoras, a digitalização é uma tendência na televisão, já que aumenta a variedade de serviços, oferta de canais e a qualidade da transmissão.

A TVA, única operadora do Rio de Janeiro a utilizar o MMDS, já aprontou seu projeto e pretende implementá-lo em meados deste ano. A primeira cidade a ter a infra-estrutura digitalizada será São Paulo, seguida do Rio de Janeiro.

– Com a evolução de tecnologias como o cabo e o satélite, o MMDS tem perdido espaço. A digitalização é a maneira de torná-lo competitivo – acredita Amilton de Lucca, diretor de Novos Negócios da TVA.

Com 295 mil assinantes em sete cidades do Brasil, com serviços a cabo e via MMDS, a primeira etapa da digitalização nas duas principais capitais vai atingir 87 mil clientes. A parte mais cara do processo é a substituição do aparelho decodificador na casa dos clientes e que custa US$ 150.

– O MMDS não permite manter o serviço analógico e o digital simultaneamente. Toda a infra-estrutura tem que ser substituída ao mesmo tempo – afirma de Lucca.

Com a mudança, a TVA deve ampliar a oferta de 31 para 80 canais de vídeo, além dos 40 canais de som e pelo menos 12 pay-per-view.

Para de Lucca, o incentivo da Anatel é interessante, mas não é o que determina a decisão pelo investimento.

– Nosso objetivo é oferecer a TV por assinatura, telefonia digital com voz sobre IP e internet banda larga.’