Estive nesta terça-feira (19/7) no programa Entre Aspas, da Globo News. Rupert Murdoch acabara de comparecer ao Parlamento britânico para dar respostas aos deputados, na esteira das revelações lamacentas que envolvem métodos de investigação jornalística de seus jornais, o finado News of the World na berlinda.
Monica Waldvogel queria saber se Murdoch tinha se saído bem. Eu e Ricardo Gandour, do Estadão, nos propusemos a analisar o caso.
Tudo que veio à tona nos últimos dias extrapola, de longe, todo o pior que se pode esperar de um jornal comandado pelo clã dos Murdoch.
Keith Rupert Murdoch é figura conhecida dos críticos da mídia. Em 1981, por exemplo, saiu a primeira edição do livro Power without Responsibility, ou Poder sem Responsabilidade, de James Curran, cuja capa original mostra Murdoch espetando o globo terrestre. Repare: essa imagem tem 30 anos.
Há três décadas se discute os métodos do australiano que ganhou um jornal do pai na cidade de Adelaide e, desde os anos 50, expandiu os domínios construindo um império de comunicação na Europa e nos EUA.
Preenchendo as lacunas
A expressão cunhada por Curran – poder sem responsabilidade – define bem o tipo de jornalismo praticado pelos Murdoch , que vai da extrema direita (Fox News), passando por uma tentativa de aquisição de respeitabilidade (Wall Street Journal) e desaba nas cloacas inglesas (The Sun, News of The World) que exploram em especial a fofoca, as traições, as revelações íntimas de celebridades, o bas-fond da política.
Se as pesquisas de mercado mostram um vácuo de publicações no jornalismo conservador, Mudorch lança uma emissora de TV conservadora. Se há mercado para algo mais liberal, ele compra o Wall Street Journal. Se o público adora futrica, então é com ele mesmo, espalha tabloides por todos os cantos. Para conseguir a futrica, não importa que sejam necessários métodos que ele diz desconhecer, praticados por subordinados seus que se viram enganados pelos próprios subordinados – numa bem estruturada sequência de respostas ensaiada com a ajuda de seus advogados.
Ele tem muito poder com as suas publicações – daí ser recebido pela porta dos fundos no gabinete do primeiro-ministro britânico, outro poderoso bastante chamuscado com este caso.
Ou seja, Murdoch tem poder, não tem nenhuma responsabilidade. Nas duas acepções: a da responsabilidade direta nos grampos e a substantiva responsabilidade do publisher frente à acuidade ética na captação e divulgação da notícia, do que é notícia.
O filho James – responsável pelas empresas do pai na Europa, eis aí mais um reforço do substantivo responsabilidade – estava ao seu lado no Parlamento. Não conseguiu explicar por que sua empresa continua pagando os advogados do detetive particular que o tabloide contratara e do jornalista igualmente grampeador. Se deplora o que foi feito, por que ainda sustenta a sua defesa? Não explicou.
Murdoch começou o depoimento de paletó é gravata, fez questão de interromper o filho para exclamar ser aquele o dia “mais humilhante” de sua vida, respondeu a todas as questões e, quase no final, levou uma “tortada” de creme de barbear lançada por um humorista desconhecido, Jonnie Marbles. Tirou o paletó, manchado de creme, e continuou seco e direto nas respostas. No final, Rupert Murdoch se saiu bem no Parlamento – há quem diga que esta batalha ele teria ganho.
Ritmo acelerado
O que chama atenção neste caso é a velocidade com a qual as notícias se espalharam mundo a fora, em especial no ambiente da internet. Foi no começo de julho que o jornal inglês The Guardian mostrou evidências de que as escutas telefônicas eram generalizadas no News of the World e que sua empresa-mãe pagara mais de 1 milhão de libras esterlinas para resolver os casos jurídicos ligados a esta prática.
Detalhe: o tal Jonnie Marbles, por exemplo, tinha mil seguidores no Twitter. Ganhou 14 mil na sequência da “tortada”, ação antecipada no microblog: “It is a far better thing that I do now than I have ever done before”. Algo como: “De longe, o que eu farei agora é a melhor coisa que jamais fiz”. Wendi Deng, a jovem esposa de Murdoch que saiu em sua defesa contra o agressor, acabou a noite de terça-feira listada nos trending topics (a lista dos assuntos ou de nomes em maior evidência) do Twitter, chamada de “ninja”, em alusão à sua origem asiática e a rapidez com que partiu pra cima de Marbles.
Cloaca aberta, responsabilidade maior negada, o que sobra disso tudo?
A preocupação é a de que a obsessão legisladora recrudesça em todo o mundo. Há uma idéia, generalizada, difusa, da necessidade de “controle”. No entanto, o Reino Unido deu uma lição ao mundo. Ali existe tanto a regulação unindo Estado e sociedade civil no Ofcom (o Office of Communications), quanto a autorregulação, via Press Complaints Commission (a comissão de queixas à imprensa), órgão criado e mantido pela própria imprensa. Ambas as instituições estão sendo criticadas por terem sido negligentes neste caso.
No entanto, atente para o fato de que foi um jornal, o Guardian, quem levantou o assunto de novo agora (ele existe desde 2002 quando a menina Milly Dowler foi assassinada e seu celular grampeado pelo jornal de Murdoch) e o colocou no pé que está.
Em duas semanas, as ações da News Corp baixaram, um jornal foi fechado, investigação parlamentar foi aberta, prisões foram feitas, um jornalista morreu, as responsabilidades estão sob investigação policial e o mundo acompanha online o caso, livremente.
Sem liberdade de expressão, sem liberdade de imprensa, sem concorrência, sem imprensa preocupada em incomodar os poderosos, não existiria nada disso. O toque macabro é que nada parece indicar que a imprensa que chafurda no esgoto esteja condenada – os outros tabloides passaram a vender mais depois do fechamento do News of the World.
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[Caio Túlio Costa é jornalista]