Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Previsões e dúvidas sobre a TV Brasil

Leia abaixo a seleção de quarta-feira para a seção Entre Aspas.


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Folha de S. Paulo


Quarta-feira, 2 de janeiro de 2008


TV PÚBLICA
José Paulo Cavalcanti Filho


TV Brasil: o que será que será


‘NO ÍNTIMO de todos e cada um de nós, há duas dúvidas principais sobre a EBC (Empresa Brasil de Comunicação), mais conhecida como TV Brasil. 1) Ela vai fazer propaganda do governo? 2) Em país socialmente carente, como o nosso, vale a pena transferir recursos públicos para uma televisão?


A primeira dúvida é fácil de responder. E essa resposta é: não se sabe. Em mais vasto horizonte de tempo, ninguém poderá mesmo garantir que não possa estar a serviço de interesses políticos. Mas é também fácil dizer que não está sendo montada para esse fim. As biografias do ministro Franklin Martins; da presidente da TV, Tereza Cruvinel, e sua equipe; do presidente Luiz Belluzzo e dos demais membros do Conselho Curador não autorizam admitir que essa TV seja usada, hoje, como chapa-branca -assim se referem a ela alguns jornais.


Ocorre que, no fundo, a verdadeira independência da TV Brasil só será garantida com o rigoroso cumprimento do seu orçamento. Já se sabendo que restrições nos recursos corresponderão à morte da iniciativa. Ao menos, à sua morte como um projeto independente. E, nesse ponto, a sociedade será parceira para que funcione, não como TV estatal, mas verdadeiramente como pública.


A segunda questão é mais complexa. Que, em país de saúde e educação precárias, transferir recursos a uma televisão certamente produz (alguma) perplexidade. E a essa dúvida, mais ética que política, não se responde apenas fazendo uma boa televisão. Ou uma boa televisão independente.


É pouco. A TV Brasil tem que ser isso, claro. Só que deve ser mais. E, aqui, o futuro aponta em duas linhas de ação.


Primeiro, deve ser a cara do país. O Brasil deve se reconhecer nela, com todos os seus sotaques e cores. Compreendendo que tantas diferenças nos enriquecem. Funcionando à margem da ‘lógica de rede’, que preside a programação das grandes corporações privadas.


Na prática, já se vendo, não deve ser uma emissora do Rio ou de São Paulo que transmita programas das diversas regiões do país. Mas estimulando que programas sejam produzidos em cada um desses lugares. Integrando TVs educativas, culturas ou universitárias já presentes em (quase) todo o país. Aqui, a tentação de concentração deve ser fortemente evitada.


A segunda linha exige pensar grande. Começando por reconhecer que a lógica da informação mudou. Até a década de 90, era basicamente compreendida em sua dimensão nacional; sendo a principal preocupação as relações entre as corporações de comunicação e a democracia. Mas, agora, vale também como soberania. Importante sobretudo porque vivemos a internacionalização dessa informação.


Nesse campo, a resposta da TV Brasil deve ser buscar parceiros na América Latina, em ação mais ampla. A Federal Communication Commission americana, por exemplo, passou, nos anos 2000, a apoiar a formação de fortes conglomerados de mídia. Por compreender que o jogo se jogará, agora, fora dos Estados Unidos. O mundo é o mercado. Tudo sugerindo que o ambiente dos meios de comunicação vive mudança extrema, para a qual talvez nós não estejamos preparados.


Por tudo, cabe agora produzir conteúdo que expresse nosso verdadeiro rosto. E, para além, decidir também se vamos jogar esse jogo de uma mídia internacional ou continuaremos no papel passivo e subalterno que até agora exercemos. Decidir se estamos dispostos a fazer parte desse conjunto de extraordinárias transformações prometidas pelos meios de comunicação eletrônica. Um desafio que, bem visto, une interesses de TVs públicas e privadas brasileiras.


A TV Brasil está em seus primórdios, é certo; que só poderá se afirmar em um ambiente digital, ainda em formação no país. Belo projeto, concebido como espaço de afirmação dos compromissos previstos na Constituição Federal (artigo 221), com educação e diversidade cultural. Amanhã, poderemos até concluir não ter valido a pena. Mas é cedo para previsões pessimistas, senhores.


JOSÉ PAULO CAVALCANTI FILHO , 59, advogado, pós-graduado pela Universidade Harvard (EUA), é membro do Conselho Curador da TV Brasil. Foi presidente do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e da Empresa Brasileira de Notícias, além de secretário-geral do Ministério da Justiça (governo Sarney).’


 


DOCUMENTÁRIO
Ruy Castro


Nostalgia da roça


‘RIO DE JANEIRO – Em ‘A Casa do Tom’, o bonito documentário de Ana Jobim sobre seu marido, ouve-se em off a voz do maestro recordando a lagoa Rodrigo de Freitas de sua juventude. Sendo Tom de 1927, ponha 1940, por aí. Peixes e pássaros eram abundantes, diz ele. Podia-se atravessar a lagoa a nado. Os edifícios na orla eram raros e tudo parecia selvagem e mágico. Deduz-se que essa beleza não mais existe.


Só que, na tela, correm imagens deslumbrantes da lagoa de hoje. O que, aliás, pode ser conferido por quem a contorne, a pé ou de carro, ou alugue um pedalinho para passear por suas águas. A própria mortandade de peixes, uma velha praga, agora é rara de acontecer. Os manguezais às suas margens foram recuperados, trazendo de volta os socós e os biguás. A poeta Elisa Lucinda, ao passar por ali há tempos, observou: ‘Olha que coisa mais linda, mais cheia de garça’.


Em outro trecho, Tom fala da areia da praia na Ipanema de seu tempo: ‘Quando pisada, ela cantava cuin-cuin’. É verdade que os prefeitos do Rio fazem da praia um negócio e permitem toda espécie de violência contra a composição da areia e seus microorganismos, autorizando arenas esportivas, shows de rock, protestos de ONGs oportunistas etc. Mas acho que Tom gostaria de saber que a areia de Ipanema, apesar das agressões, continua a cantar cuin-cuin.


Numa coisa, ele tem razão: o Brasil de sua infância tinha 30 milhões de habitantes, 70% deles vivendo no campo. Hoje tem 190 milhões, a maioria asfixiando-se nas cidades. A cada minuto, metros de chão virgem são desmatados e levam por cima um monstro de concreto -um condomínio que se anuncia como um oásis, um paraíso no inferno urbano. O discurso, meio cínico, indica uma certa nostalgia da roça. Mas, na prática, o Brasil está sendo cimentado.’


 


MASP
Elio Gaspari


De Chatô@com para AdibJatene@org


‘DOUTOR JATENE,


Se o Antonio Carlos Magalhães souber que lhe escrevi esta mensagem, arrebenta minha cara, e com razão. O senhor botou um filé mignon no coração dele, dando-lhe 18 anos de vida. Como tenho a ousadia dos caetés que comeram o bispo Sardinha, não me intimido.


Por sua causa, passei enorme vergonha. Ontem ouvi um pedaço de conversa do Cândido Portinari. Ele reclamava do senhor. Cito-o: ‘Imagine, o Jatene disse que coisas como essa acontecem. Já sabiam do risco, mas não fizeram nada, e o doutor lembra que não faz parte da administração. Pior: diz que quem reclama quer denegrir a instituição’.


Interferi de pronto: ‘Cala a boca, comunista, o doutor Jatene sabe do que fala. Se o Hospital das Clínicas é o que é, deve muito a ele. Fez do Instituto do Coração uma catedral de competência numa terra de selvagens famintos e sacripantas vorazes. Quando ele falar, você tem que baixar a cabeça. De hospital, o Jatene entende. Houve um incêndio no HC? Preste atenção ao que ele diz’.


Portinari espantou-se: ‘Chatô, o Jatene não está falando do HC, mas do Masp, onde roubaram um quadro meu e outro do Picasso. De museu, quem entende somos nós’.


Senti-me um capadócio. À noite tive um pesadelo. Sonhei que meu filho Gilberto estava num hospital, sendo atendido pelo Pietro Maria Bardi. Como foi esse italiano peralta quem me ajudou a criar o Masp, assuntei com ele o sucedido. O Bardi é malvado e sustenta que a plutocracia paulista pratica no museu uma experiência de regressão antropofágica. Ela quer voltar ao Quinhentos, quando os habitantes do planalto de Piratininga viviam em casarios de bugres.


Doutor Jatene, seu percurso foi outro. Começou na floresta de Xapuri, no Acre. Suas opiniões a respeito da esculhambação do museu são tautológicas: os ladrões roubaram as telas porque eram ladrões e queriam roubar telas. As de alguns colegas seus, demenciais. Um deles queria gradear o vão livre do museu para afastar a choldra que fez do Brasil essa terra de gigantes. Deviam gradeá-lo. A Lina Bo, que projetou o prédio, teve um ataque de nervos. Salvou-a o Joaquim Eugênio de Lima, mostrando-lhe o projeto da avenida Paulista: o vão deriva de uma exigência dele, destinada a preservar a paisagem do belvedere.


Nunca se esqueça de que a história acerta suas contas. Eu era um paraibano filibusteiro e o conde Matarazzo parecia um pavão empalhado. Pois hoje a Paulista tem o Masp do Chatô, e o terreno onde estava a casa do conde é um estacionamento. O ACM trouxe daí um tijolo da ruína da mansão.


No ofidário do mercado de arte aprendi muita coisa. Falo assim porque comprei por US$ 350 mil um Van Gogh que hoje deve valer uns US$ 35 milhões. Houve um tempo em que os sibaritas da aristocracia italiana botavam ricas molduras renascentistas em cópias, ou mesmo em pinturas medíocres. Cobravam os olhos da cara aos milionários americanos. Acho que fizeram isso com o senhor. Jatene é uma magnífica moldura, mas a paisagem do Masp é de brechó.


Deixo-lhe um pedido: retire sua obra dessa exposição.


Do seu bajulador desinteressado,


Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello


P.S.: Não assine notas dizendo que há gente querendo ‘denegrir’ o Masp. O ‘Plantador de Café’ do Portinari é um negão.’


 


Mônica Bergamo


Contramão


‘O Masp está provocando novo ‘racha’ entre autoridades do governo José Serra: de um lado está a equipe de João Sayad, secretário da Cultura, que, liderada por Ronaldo Bianchi, secretário-adjunto, quer maior interferência do Estado no museu. De outro se posiciona José Henrique Reis Lobo, secretário de Relações Institucionais de Serra. Ele acha que uma maior interferência do governo vai ‘na contramão do que ocorre no mundo’. ‘Sou contra investidas de certas figuras do nosso governo em entidades privadas como a Fundação Bienal, o Masp e o MuBE (Museu Brasileiro da Escultura)’, diz Reis Lobo.’


 


Ombudsman


‘Para o secretário de Serra, ‘se o governo acha que tem fôlego para cuidar do Masp, deveria primeiro cuidar de seus próprios museus. E furto não é sinônimo de incompetência. Tanto é que a biblioteca Mário de Andrade [municipal] também já teve obras raras furtadas’. Lobo não ocupa cargo na área, mas tem funcionado como uma espécie de ‘ombudsman’ da Cultura dos tucanos. No ano passado, ele fez críticas ácidas a Andrea Matarazzo, secretário das Subprefeituras, por causa do MuBE, e à TV Cultura, por causa das demissões realizadas pela nova direção da emissora. Bianchi não foi encontrado para comentar.’


 


FUTEBOL
Tostão


Futebol no campo e na TV


‘O torcedor deveria ir mais aos estádios e ver menos jogos na TV. Já para o comentarista, há vantagens e desvantagens


RECENTEMENTE, o vice-presidente do Cruzeiro, Zezé Perrella, disse que eu não poderia criticar o time e o clube porque não ia aos treinos. Se fosse assim, comentarista de política e de economia que não estivesse em Brasília não poderia falar do governo.


Na verdade, Perrella reclamou das críticas de um ex-jogador e da minha ausência em eventos do clube. Ele confunde passado com presente. Não compreende que preciso manter um distanciamento físico e afetivo para ter total independência e liberdade no meu trabalho.


Os treinadores costumam criticar também os comentaristas pelo fato de não irmos aos treinos e de que vemos muito mais jogos pela TV que nos estádios.


Assim, não conheceríamos as jogadas ensaiadas durante os treinamentos, os problemas por que passam os técnicos para escalar e substituir e, pela TV, não teríamos boas condições para fazer uma análise tática e para ver o posicionamento e a movimentação dos atletas que estão fora do lance.


Contra fatos há argumentos. Por falta de tempo é impossível ir aos treinos. Não sou comentarista de um único estado e muito menos de um único clube. Além disso, acompanho pelos jornais, rádios e TVs o trabalho diário dos repórteres. Estou bem informado.


Há também vantagens de assistir ao futebol pela televisão. Além da insegurança, do desconforto, da violência, do transporte ruim e do longo tempo para ir e voltar dos estádios, vejo em um dia vários jogos pela TV em horários diferentes e posso até assistir a duas partidas ao mesmo tempo -não tenho esse hábito. Não sou comentarista de melhores momentos, de repetir a opinião dos outros nem analisar somente por informação da internet.


Na TV, posso acompanhar as análises do pré e do pós-jogo, saber mais detalhes técnicos pelas repetições dos lances, ter mais informações sobre os jogadores, equipes e ainda aprender com alguns comentaristas.


Parafraseando Jô Soares e não querendo ser pretensioso, mas sendo, aprendi com o tempo a ver pela TV os pequenos detalhes táticos das duas equipes, a movimentação dos jogadores e a deduzir com segurança muitas coisas que não ficam claras no vídeo.


Para fazer isso, muito me ajudou a época em que trabalhei nos estádios como comentarista e os meus tempos de atleta, quando tinha a preocupação de conhecer a maneira de jogar das equipes.


Da mesma forma, alguns técnicos aprendem a ver detalhes coletivos do jogo, mesmo ficando na lateral do campo, de onde se vê pior que lá de cima.


Sinto falta da festa das torcidas, da emoção de uma partida real, e não da virtual que vemos pela TV.


Pretendo neste ano sair um pouco do conforto de casa, espantar a preguiça e ir mais aos estádios, principalmente nos grandes jogos e nos da seleção brasileira.


Por causa da exclusividade em várias competições, sou ainda obrigado a ver partidas em uma única emissora. Isso não é bom. Cansei do Galvão Bueno.


Deveria haver uma lei que permitisse a todas as TVs transmitirem as partidas do time brasileiro. A seleção nacional é um patrimônio público.’


 


ARTE
Fabio Cypriano


Casa das artes


‘Desde os anos 40, com a criação de instituições como o Museu de Arte de São Paulo, em 1945, por Assis Chateaubriand, e o Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 49, por Ciccillo Matarazzo, o Brasil não via uma ação nessa área do porte da que vai acontecer em 2008, quando for inaugurada a Casa Daros-Latinamerica, no Rio.


Com 10,8 mil m2, esse novo espaço irá ocupar o antigo Educandário Santa Tereza, um edifício do século 19, construído para acolher os filhos bastardos da corte, em Botafogo. Adquirido por R$ 16 milhões, com 200 janelas, dois andares -o pé direito de um deles mede sete metros-, o prédio passa reforma a cargo do arquiteto paulista Paulo Mendes da Rocha, que faz sua primeira obra na cidade. A previsão é que no segundo semestre seja aberto parcialmente, até que, em 2010, toda a área possa, enfim, ser ocupada.


A Daros é uma instituição de origem suíça, criada pelo casal Ruth e Stephan Schmidheiny. Nos anos 90, Stephan criou a Coleção Daros, constituída por obras do abstracionismo norte-americano, da arte pop e do minimalismo, além de pintura alemã dos anos 80, que tem em Zurique sua sede.


Em 2000, a Coleção Daros ganhou uma nova seção, dedicada à arte contemporânea latino-americana, criada pela mulher do empresário, Ruth, que tem como curador o alemão Hans Michael-Herzog. A nova casa no Rio irá expor obras das duas coleções, o que já ocorre na sede de Zurique.


Patrimônio


Aos 60 anos, Schmidheiny tem um patrimônio estimado em US$ 3,6 bilhões. Sua família era da área da construção civil, e ele foi membro da diretoria de empresas como ABB, Nestlé, Swatch e UBS. Com vários negócios na América Latina, é reconhecido também por ações de desenvolvimento sustentável, como as do grupo Avinas.


No Brasil, a Casa Daros é administrada pela jornalista brasileira Isabella Rosado Nunes e pelo curador cubano Eugenio Valdés Figueroa, que participa do projeto desde 2001. ‘Com essa coleção, queremos reposicionar a arte latino-americana no mundo, evitando o gueto’, diz Figueroa, em um barracão improvisado, que serve como administração da Casa Daros.


Segundo ele, a proposta é ainda ‘acompanhar os processos de produção local’, o que justifica a idéia de ter um espaço na América Latina. O Rio não foi o único local estudado para receber a instituição, e a cidade quase perdeu a chance para Cuba. ‘Já havíamos escolhido uma casa imensa em Havana, mas foi difícil negociar a compra com o governo e acabamos aqui, pois o Rio concentra artistas de todas as partes’, diz.


Atualmente, a coleção conta com cerca de mil obras de cem artistas, entre eles 17 brasileiros (veja lista ao lado). ‘Nossa proposta é reunir a poética de um artista. Se com uma obra isso já é possível, tudo bem, senão compramos muitas obras do mesmo artista’, afirma.


Um exemplo dessa política de aquisição é o argentino Guillermo Kuitca, que tem nada menos que cem obras na coleção, entre elas as apresentadas no Pavilhão da Argentina, na última Bienal de Veneza. ‘Esses trabalhos foram polêmicos, houve quem odiou e quem adorou, mas são significativos na carreira do Kuitca’, avalia.


Além da área expositiva, a Casa Daros carioca terá uma biblioteca, uma residência para artistas e uma loja. ‘No Rio não há uma biblioteca de arte contemporânea acessível. Pretendemos fazer como em Zurique, onde a biblioteca de arte latino-americana é considerada a mais importante da Europa’, conta Isabella Nunes.


Para ressaltar a importância de uma boa biblioteca, Nunes lembra que os curadores da prestigiosa Documenta de Kassel conheceram a obra da brasileira Iole de Freitas na biblioteca de Zurique -e a artista acabou indo realizar uma instalação na cidade alemã.’


Instituição cria projeto baseado em Paulo Freire


‘Dentre as ações que pretende implantar na Casa Daros, a que mais empolga o curador Eugenio Valdés Figueroa é a do setor de arte e educação. ‘Aqui, não vamos ter visitas guiadas, mas sim visitas artísticas; não vamos ter arte-educador, mas sim artista-educador’, conta.


Desde agosto, um grupo de 24 jovens artistas já tem participado de uma série de oficinas em um dos barracões ao lado da nova sede, com palestras de artistas como Cildo Meireles, Rosângela Rennó e Luis Camnitzer. ‘Buscamos estimular a jovem geração carioca, refletindo sobre novas práticas artísticas, entre elas da própria arte-educação’, diz Figueroa. Para ele, ‘isso é o resgate de uma tradição brasileira de repensar a comunicação da arte, como em todas as experiências de Lygia Clark ou Hélio Oiticica’.


O método utilizado por Figueroa é a proposta do educador brasileiro Paulo Freire (1921-1997). ‘Ele dizia que a educação é um processo inconclusivo de comunicação horizontal, e como a arte contemporânea vive na tensão entre um objeto concluso e um objeto inconcluso, a concepção dele é totalmente adequada ao nosso projeto’, diz a gerente-geral da Daros-Latinamerica no Rio, Isabella Rosado Nunes.’


 


JORNAIS E PREVISÕES
João Pereira Coutinho


O ano que não vai existir


‘POBRES LEITORES de jornais. No final de um ano, começo do outro, os jornais deixam de ser jornais. As notícias do mundo não ajudam, claro, mas os jornalistas também não. Existem duas hipóteses. Primeira: reciclar notícias de 2007 e fazer um ‘balanço do ano’ (com fotos, claro). Segunda: fazer ‘previsões’ de 2008 que não são ‘previsões’, mas repetições de fatos incontornáveis (exemplo: dia 25 de dezembro será Natal novamente).


No primeiro caso, existe preguiça. No segundo, existe preguiça ou presunção. Exceto generalidades, ninguém faz a mais pálida idéia do que vai suceder em 2008. Desistimos?


Obviamente, não. Podemos não saber o que vai acontecer em 2008. Mas é possível dizer o que não vai acontecer. A revista americana ‘Business Week’, por exemplo, dedicou um número recente à indústria dos negócios e do espetáculo, prevendo quem não vai ganhar Oscar, quem não vai falir, quem não vai faturar na bolsa etc. O exercício é pedagógico e pode ser aplicado ao mundo inteiro com resultados modestos, mas seguros. Querem experimentar?


Politicamente, 2008 será marcado pelas eleições presidenciais americanas. Isso é fato. Mas o que não vai acontecer é os americanos elegerem uma mulher (Hillary), um negro (Obama) ou um mórmon (Romney) para a Casa Branca. O mesmo para a Rússia e para o Zimbabwe, com eleições no mesmo mês (março). Isso é fato. Duplo. Mas o que não vai acontecer é o partido de Vladimir Putin perder as eleições na Rússia. Ou Mugabe perder as dele no Zimbabwe. Ou seja, a Rússia não será mais democrática e o regime de Mugabe não será menos torcionário. Isso não vai acontecer.


Mas o ano não se limita a eleições. Teremos Jogos Olímpicos em Beijing. Isso é fato. Mas o que não vai acontecer é a China libertar os presos políticos, tolerar os dissidentes ou renunciar às suas pretensões sobre Taiwan. O mesmo para o Irã, que não vai abandonar o processo de enriquecimento de urânio e a busca da bomba. E se vocês acreditam que o Estado de Israel, nos 60 anos da sua fundação, será finalmente reconhecido pelo radicalismo islâmico, por favor, não se iludam: isso também não vai acontecer.


Aliás, o radicalismo islâmico não vai desaparecer. Muito menos no Iraque. Qualquer jornal do mundo dirá que em 2008 passarão cinco anos sobre a invasão americana. E daí? Isso é fato. Mas o que não vai acontecer é a retirada das tropas, independentemente do vencedor nas presidenciais americanas de novembro. E se o Iraque não terá paz, sobretudo porque o entendimento entre sunitas e xiitas também não vai existir, as reformas econômicas e sociais de Sarkozy em França não vão trazer paz ao país. E o namoro do Presidente com Carla Bruni, mais nova do que ele, também não vai trazer paz ao próprio.


De resto, é possível afirmar com segurança que Saramago não vai escrever um bom livro, Oliver Stone não vai dirigir um bom filme e Rod Stewart não vai gravar uma boa música. E o presente cronista? O presente cronista talvez não acerte em todas as não-previsões. O que seria bom. Essa é a única hipótese de Portugal vencer mesmo a Eurocopa.’


 


TELEVISÃO
Mônica Bergamo


Prova de amor


‘A parceria entre a TV Record e a TV Azteca, do bilionário mexicano Ricardo Salinas -que pretende se associar à emissora do bispo -deve começar até antes de as duas empresas se entenderem quanto a valores. A TV Azteca já negocia a compra dos direitos para produzir as novelas ‘Vidas Opostas’ e ‘Prova de Amor’ no México.’


 


Laura Mattos


Programa trata bichos como gente


‘Já faz tempo, mas ninguém esquece. Em 1991, flagrado ao utilizar um carro oficial para levar sua cadela ao veterinário, o então ministro do Trabalho, Antonio Rogério Magri, deu a célebre declaração: ‘Cachorro também é ser humano’.


É essa também a filosofia do ‘Pet.Doc’, programa escolhido pelo GNT dentre cem candidatos em processo de pitching -no qual produtoras independentes apresentam seus projetos a uma banca formada por diretores do canal.


‘É um programa que vai tratar o pet [animal de estimação] como se fosse gente’, afirmou à Folha Leonardo Edde, sócio da produtora carioca Urca Filmes, responsável pelo projeto.


‘Vamos tratar o animal, seja um cachorro, um rato ou um papagaio, sempre pelo nome, como um ser humano, mostrar a importância dessa ‘pessoa’ e contar suas histórias’, diz.


Em sua opinião, esse tom irá diferenciar o ‘Pet.Doc’ de outros programas sobre animais exibidos na TV aberta e fechada ‘que mostram campeonatos de cães e as melhores rações’.


Edde afirma que a Urca optou por esse tema após analisar pesquisas que apontam que mais de 70% da população brasileira possui um pet.


Segundo Edde, ‘Pet.Doc’ é baseado no livro ‘Nós e Nosso Cães’ (ed. Globo), de Cacau Hygino. ‘São várias histórias de como o cachorro mudou a vida de pessoas, de gente que era triste e arrumou um motivo para viver’, afirma o produtor.


‘A idéia do programa é baseada no jeito como os donos tratam seus pets. Eles falam dos animais e agem com eles como se fossem filhos’, aponta.


O ‘Pet.Doc’ deverá realizar um jogo de adivinhação com os telespectadores. Vai falar o nome do animal, contar suas histórias, mostrar seus donos, sempre o tratando como uma pessoa. Só ao final, revelará ao público qual é o bicho.


Os donos famosos terão preferência (‘são interessantes para a mídia’), mas anônimos com histórias interessantes também serão mostrados.


O piloto (episódio teste) foi gravado com Caco Ciocler, Marília Pêra e Vivianne Pasmanter. A atriz é dona de um cachorro que atuou ao lado de sua personagem na novela ‘Páginas da Vida’, da Globo.


O autor de novela Ricardo Linhares (‘Paraíso Tropical’) e sua cadela Zoca, que estão na foto ao lado, também serão mostrados. ‘Nossa intenção é desmitificar a celebridade, como fazemos com o ‘Tira Onda’, do Multishow [famosos assumem profissões diferentes por um dia]’, explica Edde.


A estréia do ‘Pet.Doc’ deverá ocorrer no meio deste ano.’


 


Mariana Botta


Fim do mundo é tema de reportagem


‘Considerado um dos melhores programas jornalísticos de seu tempo, o ‘Documento Especial’ volta a ser exibido pelo Canal Brasil a partir de amanhã, em nova temporada. A reportagem de estréia é ‘Apocalypse Now’, que investiga as diferentes crenças sobre o fim do mundo. A equipe de jornalistas investigativos do programa explora a região central de São Paulo e entrevista, além de moradores de rua, pessoas de diferentes religiões que oferecem a salvação das almas pelas ruas do centro da cidade.


A atração também mostra como cada religião conta a história do fim do mundo, do budismo ao islamismo, passando pelo catolicismo, candomblé e crenças evangélicas. Há também uma citação do que a ciência diz sobre o final dos tempos.


Tipo de ‘pai’ do programa ‘Profissão Repórter’ (Globo), de Caco Barcellos, o ‘Documento Especial’ foi exibido pela TV Manchete (de 1989 a 1992), SBT (1992-1994) e Bandeirantes (1997-1998). Apresentado por Roberto Maia, o jornalístico sempre tratava de temas polêmicos.


Nesta nova temporada, o Canal Brasil exibe 26 das 560 reportagens produzidas para o programa, em versão reduzida. Nas semanas seguintes, os temas são as tribos urbanas, Nelson Rodrigues, a ida de brasileiros aos EUA e situações do dia-a-dia que são consideradas ‘micos’.


DOCUMENTO ESPECIAL


Quando: amanhã, às 23h30


Onde: Canal Brasil’


 


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Marcelo Coelho


A foice e o martelo


‘CONFORME os anos vão passando, acho que aumenta nossa capacidade de compreender algumas coisas: os próprios limites, por exemplo, e o misto de surpresa e previsibilidade de que é feito o comportamento de nossos semelhantes.


Ao mesmo tempo, crescem à minha volta os sinais de que o mundo se torna mais enigmático, e começa a falar uma linguagem que já não consigo dominar.


Dou alguns exemplos do cotidiano. As tecnologias do telefone celular: desisti de entendê-las, e na verdade nunca me interessei muito por elas. Mas entre um bluetooth e blackberry, não sei nem mesmo se se trata de duas coisas ou de uma coisa só. E será que isso tem algo a ver com a opção, que sou constantemente instado a fazer, entre Vivo, Tim e Telefônica? Quem compete com o quê?


Não conheço anúncios mais chatos do que os de planos de telefonia móvel. As vantagens se superpõem e acumulam, e parece que até dão dinheiro para a gente quando compra um celular desta ou daquela marca.


E como vem aí uma internet 3 ou nova banda larga, não sei bem, prefiro não fazer nada, esperando a poeira baixar. Ela já se acumula, felizmente, sobre meu velho telefoninho Toyota (ou será que um G.E.?) que agora entrou em mudez definitiva, e conhece o destino da minha bicicleta ergométrica e da churrasqueira de teflon.


Mas os anúncios de celular não são os únicos a me deixar, como se diz, ‘fora da área de comunicação’.


Uma rede de TV a cabo e conexão de banda larga tem apresentado, há bons meses, um garoto-propaganda que desafia minhas capacidades de interpretação. É um russo, com o peito coberto de medalhas, em estado de permanente e dançante entusiasmo, convivendo na tela de TV com uma multidão de ‘clubbers’ ou não sei bem o quê. O lema dos anúncios diz que ‘o mundo é dos nets’.


Qual o sentido daquele simpático e enlouquecido soviético? Fiquei pensando que ‘niet’, em russo, quer dizer ‘não’. Estaríamos, assim, diante de um exemplo refinado de dialética marxista? Desenvolvo o raciocínio. Uma das supostas ‘leis’ dos manuais de materialismo histórico estabelecia que tudo se dá pelo mecanismo da ‘negação da negação’.


Teríamos, portanto, um burocrata soviético -exemplo clássico de falta de modernidade tecnológica-representando a Net, exatamente pelo fato de negá-la. É o ‘não’ à modernidade que se veria portanto negado, na medida em que, em vez de ‘niet’, ele simboliza a ‘net’…


Haveria interpretações ainda mais remotas do que essa. Podemos pensar que o ‘nerd’, o maluco por tecnologia, é um tipo bizarro, uma exceção exótica num ambiente aerodinâmico, veloz e de cabeça fresca como o proposto pelos anúncios dos meios de comunicação.


Nosso burocrata russo seria, portanto, símbolo de originalidade. E também de autocrítica, quem sabe. A concorrência feroz entre sistemas de telefonia e banda larga traz consigo, por parte das empresas interessadas, uma provável nostalgia dos tempos de monopólio.


Há também a registrar as dificuldades, que todo usuário desses sistemas já experimentou, de comunicação com os sistemas de atendimento on-line… As filas de abastecimento dos antigos sistemas socialistas foram substituídas pelos longos minutos de espera ao telefone ouvindo musiquinhas, antes que uma voz humana se disponha a nos ouvir.


Vejo que estou cavocando, entretanto, em camadas de significado pedregosas demais para persuadir quem quer que seja; e meus raciocínios talvez sejam ‘nerds’ demais da conta. Quem sabe tudo tenha uma explicação mais simples. Imagino que a publicidade contemporânea esteja investindo em símbolos que já não têm relação com o produto a ser vendido. Importa que a marca seja memorável, e a estranheza, mais do que a adequação, seria mais útil a esse objetivo.


Assim, surgiu uma agência de publicidade que, em vez de adotar um nome que conotasse os habituais signos de ‘eficiência’ (‘JPK’, ‘Módulo’ etc.) passou a chamar-se de ‘África’. Por quê? Nada é automático nessa escolha. O fenômeno já vinha de antes. Uma das marcas mais bem-sucedidas do mundo é a ‘Apple’. O que uma maçã tem a ver com modelos de computador? O arbítrio, na verdade, impera. Eles sabem que, martelando bastante, tudo pega na mente do consumidor. É o jeito, na briga de foice da concorrência global. Não deixa, entretanto, de ser um bocado soviético.’


 


TECNOLOGIA
Folha de S. Paulo


TVs e estúdios apostam no celular


‘DO ‘NEW YORK TIMES’ – Quando a CBS Mobile lançou o ‘Daily Delivery’, um vídeo de curta duração para celulares destacando as lojas da moda em Los Angeles e os equipamentos eletrônicos mais transados, experimentou um desastre. Mas a unidade da rede de TV encarregada de criar conteúdo para telefones observou que o interesse aumentava quando apareciam celebridades.


Os executivos abandonaram a idéia inicial e retornaram com um programa atualizado duas vezes ao dia e dedicado a fofocas sobre gente famosa e a notícias bizarras. Virou um dos programas originais da rede mais vistos na tela dos celulares.


‘Com freqüência, vemo-nos obrigados a matar nossos próprios bebês’, disse Cyriac Roeding, vice-presidente-executivo da CBS Mobile. O lançamento do iPhone mostrou a um público mais amplo -e mais velho- que os celulares podem ser aparelhos multimídia. E o sistema Google Phone deverá permitir o acesso a uma gama ainda maior de produtos de entretenimento.


Como resultado, várias empresas, entre as quais a Disney e a NBC, criaram apetite por explorar essa nova tecnologia da mesma forma como fizeram quando os DVDs tornaram-se populares, na década de 1990.


Rodopiando dentro desse furacão de experimentações e elaboração de acordos comerciais encontra-se a pergunta sobre como alguém conseguirá faturar com essa nova plataforma.


Acordos e parcerias


Os estúdios de cinema e as redes de TV estão sob pressão para fazer dinheiro da forma como puderem. Além disso, precisam selar parcerias com empresas de telefonia móvel, pressionadas atualmente para abrir mão do controle financeiro exercido sobre os usuários de suas redes.


Na CBS Mobile, Roeding negocia acordos complicados com parceiros como a AT&T e a Verizon Wireless, bem como supervisiona os jogos e as propagandas para os celulares.


Tomemos, por exemplo, o ‘Big Brother’. Em agosto, uma versão para celular do programa da CBS foi exibida 24 horas por dia no canal que ela possui dentro da rede MediaFLO, da Qualcomm, incluída nos aparelhos da Verizon Wireless.


A CBS exige atualmente que seus executivos participem da apresentação do ‘Wireless 101’, feita por Roeding. O empresário criou uma nova divisão com chamadas e notícias para os celulares a fim de conquistar os usuários jovens. Os atores, diretores e roteiristas também desejam garantir sua fatia do bolo.


Cooptação


Ashley Hartman, 22, por exemplo, uma atriz parecida com Jessica Simpson, que representa o rosto da área de entretenimento da CBS Mobile, tem conseguido tanto destaque atuando como VJ do serviço quanto obteve ao participar do seriado ‘The O.C.’, da Fox.


E Roeding está cooptando nomes consagrados da CBS.


Ele janta mensalmente com Anthony Zuiker, produtor da série ‘CSI: Crime Scene Investigation’, a fim de conversar sobre jogos para celulares, entre os quais o novo ‘CSI: Miami’.


Zuiker, porém, mostra-se um tanto desconfiado em relação à nova mídia e, até agora, encara os jogos para celulares e outros conteúdos do tipo como produtos meramente promocionais.


‘Eu deveria levar as pessoas de volta à TV’, afirmou.


Roeding, um ex-consultor da McKinsey que se parece muito com o ator Cary Elwes no filme ‘A Princesa Prometida’, não se deixa abater pelo desafio; pelo contrário, diz-se empolgado com a possibilidade de atingir um grande universo de consumidores. ‘Não faz sentido lutar por um negócio que ainda não existe’, disse. ‘Primeiro, devemos criar algo que os consumidores gostariam de ver.’


Ou, nas palavras de Quincy Smith, chefe de Roeding e presidente da CBS Interactive: ‘Precisamos evoluir para deixarmos de ser uma empresa de conteúdo para sermos uma empresa de audiência.’


Tradução de RODRIGO CAMPOS CASTRO’


 


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O Estado de S. Paulo


Quarta-feira, 2 de janeiro de 2008


CINEMA
Luiz Carlos Merten


O sorriso de Alice


‘Ela já é a jovem atriz brasileira de maior sucesso no exterior. Alice Braga vai aparecer nas telas em 2008 ao lado de astros como Will Smith, Jude Law, Harrison Ford, Sean Penn, Mark Ruffalo e Rodrigo Santoro


Seu sorriso luminoso denota imediatamente que Alice Braga está de bem com a vida. Muito bem. A mais internacional das atrizes brasileiras veio ao Brasil para passar o Natal em família. Mas foi bate e volta. Alice já está retornando ao Canadá, para dar prosseguimento à rodagem do novo filme. Se você pensa que ainda é Blindness, é bom ir corrigindo. Depois da adaptação que Fernando Meirelles fez do livro Ensaio Sobre a Cegueira, do Prêmio Nobel José Saramago, Alice participa, no Canadá, de uma ficção científica estrelada por Jude Law. ‘Ele é muito boa gente’, ela diz do seu parceiro em Repossession Mambo, de Miguel Sapochnik, e a definição também poderia se aplicar a Will Smith, que estrela a nova versão de I Am Legend, clássico de Richard Matheson, já filmado com Vincent Price e Charlton Heston.


Pela primeira vez, o filme leva o título do texto que lhe deu origem, Eu Sou a Lenda. A estréia brasileira deve ocorrer no dia 18. No fim de semana anterior, o astro Will Smith, o roteirista e produtor Akiva Goldsman, vencedor do Oscar por Uma Mente Brilhante, e o diretor Francis Lawrence, de Constantine, são esperados no Rio. Como Alice não estará disponível nesta data, a distribuidora Warner aproveitou os poucos dias da atriz no Brasil, em seu recesso natalino, para realizar algumas entrevistas. Alice é uma estrela em ascensão. Falando de seu papel em Eu Sou a Lenda, o crítico do The New York Times disse que ela consegue dar densidade e sutileza a uma personagem que outra atriz menos talentosa talvez transformasse numa figura puramente decorativa.


Aos 24 anos – completará 25 em abril -, Alice Braga é a primeira a se surpreender com sua ascensão vertiginosa. Depois de sua pequena participação em Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, ela fez Cidade Baixa, de Sérgio Machado – e recebeu o prêmio de atriz da APCA, a Associação Paulista dos Críticos de Artes. No ano passado, fez A Via Láctea, de Lina Chamie. ‘Lina diz que eu sou uma atriz que se entrega aos papéis como aos diretores. Não acredito no cinema de outra forma. É tão difícil fazer um filme que eu acho que não se pode levar essa profissão pela metade. A entrega tem de ser total.’


É, no fundo, o que ela acha que está impulsionando sua carreira internacional. Depois de Só Deus Sabe, de Carlos Bolado, com Diego Luna, e Journey to the End of the Night, do norte-americano Eric Eason, rodado em São Paulo, Alice fez Redbelt, de David Mamet, com Rodrigo Santoro; Crossing Over, de Wayne Kramer, com Harrison Ford e Sean Penn; Blindness (com Mark Ruffalo e Julianne Moore) e agora Repossession Mambo. ‘O filme se baseia num livro de Eric Garcia e se passa num futuro próximo, quando órgãos humanos podem ser comprados a crédito. O problema é que, se você não paga em dia, as empresas podem confiscar seus órgãos e matá-lo. É o que ocorre com o personagem do Jude (Law). Ele passa a ser perseguido e tem de correr para salvar a vida.’ Jude Law, que já foi considerado o homem mais sexy do mundo pela revista People, é apenas um dos astros internacionais com quem Alice tem contracenado.


Will Smith, de Eu Sou a Lenda, é hoje uma top star nos EUA. Mais de uma publicação especializada o considera o número um de Hollywood, na atualidade, e o sucesso de Eu Sou a Lenda apenas referendou sua posição privilegiada. Eu Sou a Lenda bateu o recorde de O Retorno do Rei, fecho da trilogia O Senhor dos Anéis, e se transformou no filme de maior sucesso de bilheteria lançado no mês de dezembro, nos cinemas norte-americanos. ‘Will é muito bacana. E é um sujeito simples, muito centrado no trabalho. É fácil contracenar com ele. Em momento algum me senti intimidada. Pelo contrário, todo mundo fez questão de me deixar confortável e até foi criada uma explicação para a minha personagem, que vem de São Paulo.’


Na versão com Charlton Heston – A Última Esperança da Terra, de Boris Sagal, de 1971 -, o herói escapa ileso de uma hecatombe nuclear que elimina toda vida na Terra. Os raros sobreviventes viram mutantes que atacam à noite. Numa cena, para realçar a solidão de Heston, ele entra num cinema e assiste a um filme – Woodstock, de Michael Wadleigh. A cena é impactante. Heston se emociona ao ver aquela explosão de sexo e música, no documentário que celebra os três dias de realização do festival de rock que entrou para a história. Na nova versão, Will Smith acolhe na sua casa Alice Braga e o filho, que também sobreviveram à disseminação de um vírus que, originalmente, deveria combater o câncer. O garoto assiste a um DVD, Shrek. Smith repete os diálogos na ponta da língua. ‘Em todo o mundo, adultos e crianças transformaram Shrek numa referência de coisa inteligente e, mesmo que seja um desenho, humana’, ela diz.


É difícil para Alice representar em inglês? ‘Ah, sempre é, mas a gente termina por desenvolver um método. Trabalho com instrutores, que me ajudam a vivenciar o inglês. Tenho de ler e absorver o roteiro. Não poderia falar aquelas coisas traduzindo para o português e vertendo de novo para o inglês. Tenho tido sorte, porque os diretores me permitem, se necessário, fazer pequenas mudanças nos diálogos para que eu tenha mais facilidade em dizer as frases.’ Alice filma atualmente no Canadá. Ela fez Eu Sou a Lenda em Nova York e Redbelt em Los Angeles. Vive como cigana.


Ela está ganhando muito dinheiro? ‘Não posso me queixar’, desconversa, mas deixa claro que, se as coisas materiais são importantes, a experiência e a troca continuam a ser valores sem preço para ela. ‘Estou aprendendo muito. É uma fase muito rica da minha vida.’ E o amor? ‘Cadê tempo?’, ela responde à pergunta com outra pergunta. Concluída a filmagem de Repossession Mambo, Alice volta ao Brasil. ‘Vou fazer o longa de estréia de Marco Ricca na direção.’ Ela adorou contracenar com ele em A Via Láctea. Cabeça a Prêmio baseia-se em livro de Marçal Aquino. ‘Os diálogos são minimalistas e os personagens bem consistentes. Acho que o Marco poderá fazer um grande filme.’’


 


Tomás Eloy Martínez


O desafio de saber contar a guerra


‘Redacted (‘Editado’, numa tradução livre), o último filme de Brian de Palma, confundiu a maioria dos críticos americanos desde que estreou em Nova York em meados de novembro. Ele cria limites tão sutis entre o real e o fictício que os espectadores ficam desconcertados e se remexem incomodados nas poltronas.


O episódio central do filme é o estupro de uma garota de 14 anos, Abeer Qasim Hamza, em Samarra, um povoado a 125 quilômetros ao norte de Bagdá. Os culpados são cinco soldados americanos que vigiam um posto de fronteira. Eles não só a estupram. Eles a matam junto com toda sua família.


O fato é verdadeiro, mas é contado com uma linguagem de ficção. E a ficção, por sua vez, emprega as ferramentas usadas no mundo real: um diário de guerra escrito com uma câmera de vídeo, fragmentos de noticiários em língua árabe, páginas de internet, entrevistas reais com iraquianos ultrajados pelo Exército invasor, um documentário francês sobre o tenso aborrecimento da vida no posto de fronteira.


Essa oscilação entre o imaginado e o verdadeiro deixa o público intranqüilo, inseguro sobre o terreno onde pisa. Ao sair do cinema, na escada para a rua, ouvem-se algumas discussões sobre Redacted. Dois casais se perguntam se a descrição do mal ajuda a conjurar o mal ou se essa exposição é um simples ato de vaidade do cineasta. Como se De Palma tivesse dito: ‘Eu tenho coragem diante do horror. Não me detenho.’ Mas, ao afirmar isso, ele se esquece de que falar do horror, mesmo com a linguagem mais eloqüente, não se assemelha a estar dentro do horror, a ser uma de suas vítimas. O tema tem sido debatido há décadas sem que se encontre uma saída convincente.


Ele já foi explorado por Susan Sontag em Diante da Dor dos Outros (no Brasil, pela Companhia das Letras, 2003). Ali, ela adverte que a representação visual do atroz é também uma forma de corrupção: reflete o corrupto e pode corromper quem o reflete.


Essa última obra de Brian de Palma é uma reescritura de Pecados de Guerra (1989) no qual o diretor contava o estupro de outra adolescente durante a guerra do Vietnã. A história em ambos é a mesma e muitos episódios se repetem como em um espelho. O fato de Brian de Palma insistir no tema, arriscando-se a um desolador fracasso comercial – como comprova o escasso público de Redacted – indica que seus móveis vão além do estético, que está obedecendo a um impulso moral.


Nos dois filmes, os soldados envolvidos no estupro não sabem por que estão onde estão, perto das investidas do Vietcongue em um caso e ao norte de Bagdá no outro. A guerra, para eles, é apenas ‘um trabalho que deve ser feito’, um caminho no qual avançam às cegas supondo-se donos absolutos dos territórios ocupados. Eles sentem-se no direito de dispor dos corpos que têm ao seu alcance: velhos, recém-nascidos, meninos, mulheres, até mortos. Tudo que foi derrotado ou submetido lhes deve submissão. Eles se acreditam todo-poderosos, se sabem impunes. Estão convencidos de que a guerra os situa além de todo erro e de toda consciência.


No final dos dois filmes, quando são julgados por tribunais militares por juízes do mesmo Exército que os impeliu a matar, eles supõem que se são sancionados também são atraiçoados. O fato de os castigarem equivale para eles a colocar-se do lado do inimigo.


‘Estão fazendo o jogo do Vietcongue’, dizem em um caso, E, no outro, como num eco: ‘Estão colaborando com os insurgentes iraquianos.’ Em Pecados de Guerra, os estupradores eram quatro: um deles se convertia em cúmplice por covardia. O quinto se recusava e denunciava os demais. Em Redacted são dois os que estupram e três os que se recusam: um, porque permanece na barraca, outro porque quer documentar o que acontece; o último porque decide contar o que aconteceu.


Os personagens são mais complexos que no filme de 1989. O que não sai do refúgio é um leitor infatigável dos romances de John O’Hara. O outro, um hispânico que filma em vídeo tudo que vê, tem a esperança de que esse diário visual lhe abra as portas de uma escola de cinema documentário, talvez de Hollywood. O quinto procura explicar inutilmente que o que eles tramam é desalmado, bestial. Os dois restantes se atiram, cegos, no centro da tragédia.


Em seu posto de vigilância eles observam e registram todos os dias a garota de 14 anos que se dirige à escola levando pela mão a irmã menor. Eles não suportam que ela vá e venha. As mulheres são seus objetos de caça. Elas lhes pertencem, devem aceitar a brutalidade de seus desejos.


Eles não concebem os demais como seres humanos porque tampouco se pensam como pessoas. Elegem um alvo e a ele se atiram. Eles tratam apenas de aniquilar, saciar-se, seguros de que ninguém vai puni-los por seus instintos. Na guerra, tudo se degrada, tudo se despedaça, tudo deixa de ter sentido. Entra-se na guerra com um fim, um objetivo. E geralmente se sai com as mãos vazias, convertido em alguém que já não será o que foi.


A violência impiedosa das guerras cria a atração hipnótica que se vislumbra às vezes nas fotos e nos filmes. Quando é real, quando golpeia na vida, essa violência é tão atroz que não consegue ser narrada. Narra-se apenas a sua fealdade, como em Redacted. Mas, o que os espectadores querem ver é a impossível beleza da violência, a degradação, a enfermidade da qual se crêem a salvo.


TRADUÇÃO DE CELSO MAURO PACIORNIK


Tomás Eloy Martínez é o autor de O Romance de Perón, Santa Evita e O Vôo da Rainha, que conquistou na Espanha o prêmio Alfaguara de novela, e O Cantor de Tangos. Também atua como diretor do programa de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Rutgers’


 


ARTE
O Estado de S. Paulo


No MinC, MAM e Masp têm planos barrados


‘O Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) pediu autorização à Lei Rouanet para tentar a aquisição, em 2008, de obras dos artistas Miguel Rio Branco, Ricardo Basbaum, Felipe Barbosa e Letícia Parente. As peças, cujo valor é estimado em R$ 293 mil, seriam incorporadas ao acervo do museu. O Ministério da Cultura, no entanto, pediu ‘complementação de documentos’ para autorizar a transação. Outro museu paulista que tem projeto na mesma situação é o Masp. O museu, que teve um Picasso e um Portinari furtados no último dia 20, pediu R$ 519 mil para o ‘Prêmio Masp de Artes Visuais’. O projeto foi retirado da pauta.’


 


TELEVISÃO
Keila Jimenez


Machos na Record


‘A Record já está produzindo a substituta de Caminhos do Coração. A próxima trama da emissora, de Lauro César Muniz, será Machos, folhetim que tem como base uma novela chilena homônima, exibida pela Sony na América Latina.


A Record, que tratou de negociar com a Sony os direitos da trama, contará com Paloma Duarte como uma das protagonistas. A novela também marca a estréia do diretor Ignácio Coqueiro na emissora. Ignácio deixou a Band após discordar dos rumos tomados pela dramaturgia do canal, com o lançamento da novela Dance, Dance, Dance.


Machos vai contar a saga de um patriarca e seus sete filhos, todos homens e muito machistas. Cada um deles vai se envolver com mulheres independentes e modernas, o que renderá situações inusitadas.


Lauro César e Ignácio Coqueiro estão procurando locações para a trama.


Marcelo Serrado também integra o elenco do folhetim, que começa a ser gravado em fevereiro e deve estrear em abril.


Com isso, Caminhos do Coração, que teria inicialmente 200 capítulos, teve sua duração esticada para 250 capítulos.’


 


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