‘A proposta do BNDES para o programa de ajuda às empresas de comunicação, pelo menos no que se refere às dívidas, é bem mais modesta do que se chegou a comentar. Segundo a proposta por escrito apresentada pelo presidente do BNDES, Carlos Lessa, aos senadores, serão R$ 2 bilhões ‘para a indústria de comunicação como um todo’, mais R$ 500 milhões específicos para a compra de papel nacional. Não haverá ajuda especial para investimentos, como pediam alguns grupos.
Em outros momentos, o BNDES chegou a falar em uma ajuda de R$ 4 bilhões. O documento com os detalhes da proposta foi apresentado nesta terça, 1º, aos senadores da Comissão de Educação.
Pelos termos colocados no documento, o apoio do BNDES trabalha em três linhas de apoio: para investimentos; para reestruturação de dívidas e; para compra de papel.
Oferta complicada
A oferta mais específica feita pelo BNDES às empresas de mídia diz respeito ao problema do refinanciamento das dívidas. O banco desenhou uma linha especial para financiamento de dívidas de curto prazo apenas. Serão sempre operações indiretas, ou seja, por meio de agentes repassadores, para que ‘as empresas da indústria de comunicações tenham independência dos órgãos do governo’. Será exigido ainda pelo banco a apresentação de um programa amplo e detalhado de renegociação dos débitos das empresas que comprove a ‘efetiva redução do montante total da dívida e/ou o alongamento médio das dívidas’. Segundo Lessa, no documento aos senadores, sua proposta é que sejam destinados R$ 2 bilhões para atender ‘a indústria como um todo’. Condições: nenhuma empresa ou grupo pode pegar com o BNDES mais do que 25% de sua receita operacional bruta para esse fim, nem nenhuma empresa individual ou grupo pode pegar mais do que R$ 500 milhões. A correção é com base na TJLP, mais juros de 5% ao ano mais a remuneração do agente financeiro, para ser paga em 60 meses com 12 meses de carência, e pagamentos mensais. O BNDES exige, ainda, auditoria anual nas empresas com revisão semestral; os créditos de acionistas das empresas deverão ser convertidos em participação acionária e; os demais credores de curto prazo deverão oferecer contrapartidas ao equacionamento das dívidas, mediante a conversão de seus créditos de curto prazo ‘segundo as mesmas características da renegociação com o BNDES’.
Além disso, o BNDES exige das empresas que optem por recorrer aos seus recursos para pagar dívidas de curto prazo que vedem operações de mútuo, aval ou garantias de empresas controladas para com os controladores; forneçam informações contábeis trimestralmente, incluindo demonstrações de fluxo de caixa das empresas individuais e do consolidado; publicação de balanço anual consolidado com parecer de auditoria; e explicitação das transações com partes relacionadas conforme as regras da CVM, em condições de mercado, dentro dos objetivos da empresa e atestadas pelos administradores. É, na prática, uma forma que o BNDES encontrou de garantir transparência e impor parâmetros de boa governança às empresas de mídia.
Segundo o documento entregue ao Senado, o BNDES considera ainda incluir entre as exigências para refinanciamento das empresas de mídia a apresentação de programas de desmobilização de ativos não operacionais e de programas de melhorias operacionais e administrativas; e ainda a possibilidade de estabelecimento de condições financeiras diferenciadas.
Ajuda padrão
No tocante a investimentos, o banco sinaliza com seus mecanismos de apoio tradicionais: Cartão BNDES, para capital de curto prazo de até R$ 50 mil, e o FINEM (Financiamento a Empreendimentos), que usa agentes financeiros para repasses menores do que R$ 10 milhões, com correção por TJLP mais 2,5% a 4% (para grandes empresas) e remuneração do agente financeiro, se for o caso. Segundo o BNDES, não é necessária a criação de um programa específico para esse tipo de apoio (a investimentos) à indústria de comunicações, já que o BNDES tem mecanismos que podem ser usados pelas empresas. Estão, portanto, desconsideradas as reivindicações das empresas de mídia em relação às dificuldades na oferta de garantias e ao custo do acesso aos recursos. Fica claro que, para investimentos, empresas de mídia serão tratadas como empresas de qualquer outro setor.
Papel nacional
Para o programa de ajuda à aquisição de papel, o BNDES não pretende abrir nenhuma linha especial para a aquisição de insumos importados. Mas abre a possibilidade de abrir uma linha para a aquisição de papel nacional para este ano. Seria uma linha cujo repasse também se daria de forma indireta, com teto de R$ 500 milhões ao todo, sendo que cada empresa poderia ter acesso a no máximo 80% do valor equivalente a um estoque de até três meses de papel nacional. As condições de pagamento seriam TJLP mais 5% ao ano, mais a remuneração dos agentes financeiros, com prazo de pagamento de 30 meses, sendo seis meses de carência. O BNDES entende que hoje o único fabricante de papel imprensa nacional (ou pelo menos instalado no Brasil) é a Norske Skog – Pisa, ‘cuja produção não atende a todo o mercado doméstico’. O banco imagina ser necessário ampliar a capacidade produtiva de papel no Brasil, e se dispõe a conceder estímulo a empreendimentos desse tipo.’
Milton Coelho da Graça
‘Bilhões do BNDES são curtos’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 7/06/04
‘Marcelo Beraba ainda não conseguiu corrigir o título da coluna de Nelson de Sá para ‘Toda a mídia’, em vez do equivocado ‘Toda Mídia’. Mas vem ampliando o foco da coluna do Ombudsman na Folha de São Paulo e esta semana nos deu dois ótimos comentários sobre a reunião da Associação Mundial dos Jornais em Istambul e a oferta do BNDES para o empréstimo solicitado pelas empresas de comunicação.
Entre outros dados importantes para cada um de nós pensar sobre o futuro da imprensa, Beraba chama nossa atenção para a queda de circulação dos 15 maiores diários brasileiros – 18,1% entre 2001 e 2003.
E as empresas de comunicação ainda estão refletindo sobre o que fazer diante da decisão do BNDES, generosa mas bem abaixo do que elas desejavam: R$ 2,5 bilhões em vez dos $ 5 bilhões desejados para o refinanciamento de dívidas (nesta parte do pacote a parte do leão se destina à Globo); taxa de 5% de juros (mais taxas dos bancos intermediários), e cinco anos de prazo para pagar, nos dois casos metade dos números sugeridos.
O valor máximo destinado a cada empresa será de 500 milhões de reais. Isso deverá satisfazer algumas empresas – inclusive talvez o Estadão e a Folha. Mas para as Organizações Globo, esse número está bem abaixo do necessário para enfrentar os atuais problemas.
O negócio é ruim? Mas tem quem goste
O Dia era o último dos ‘grandes’ jornais cariocas dirigido pelo próprio dono. Com a morte de Ary de Carvalho, a filha Ariadne havia substituído o pai no comando, mas suas duas irmãs aparentemente preferem uma herança em dinheiro vivo. A queda de Ariadne foi precedida pelas saídas de Ricardo Noblat, que estava escrevendo uma coluna semanal, e de Miranda Jordão – Noblat foi demitido e Jordão, o mais antigo diretor de redação em atividade nos grandes jornais do país, preferiu sair antes da cena final da tragédia.
Ronald Levinsohn, dono da UniverCidade (uma das maiores instituições privadas de ensino do Rio), teria colocado R$ 17 milhões para solucionar problemas financeiros imediatos do jornal e estaria negociando a compra. O fenômeno mundial do crescente controle de jornais por grupos empresariais de outras áreas também vai ocorrendo por aqui.’
Mônica Tavares
‘Lessa envia ao Senado proposta para empresas do setor de comunicação’, copyright O Globo, 2/06/04
‘O presidente do BNDES, Carlos Lessa, enviou carta ao presidente da Comissão de Educação do Senado, senador Osmar Dias (PDT-PR), informando que proposta de financiamento das empresas de comunicação levará para ser analisada pela diretoria da instituição financeira. Serão destinados R$ 500 milhões para financiamento de aquisição de papel imprensa e R$ 2 bilhões para a reestruturação financeira das empresas. Estão previstos também recursos para investimentos. O senador Osmar Dias disse que deverão ser destinados cerca de R$ 4 bilhões a todas as operações de empréstimo aos grupos de comunicação.
– A proposta está bem próxima das normas do BNDES quanto a prazo e condições. Mas ainda existe dúvida se será necessária uma linha de crédito própria para a reestruturação de dívida – disse o senador.
Empresas terão que se submeter a auditoria
Na proposta de Carlos Lessa serão criadas duas linhas de crédito novas do BNDES – reestruturação de dívida e aquisição de papel – e serão usados financiamentos já existentes para apoio a investimentos. Quem se candidatar à reestruturação das dívidas terá que obedecer a certas condições, como passar por auditoria anual com revisão semestral por empresa cadastrada na Comissão de Valores Mobiliários.
Além disso, a proposta prevê que todos os créditos de acionistas da empresa deverão ser convertidos em participação acionária e os outros bancos credores detentores de dívidas de curto prazo deverão oferecer contrapartida para equacionar a dívida.
As empresas terão ainda que se enquadrar, no prazo de seis meses, a algumas regras, com a vedação a operações de aval; necessidade de informações contábeis trimestrais; e publicação de balanço anual.
Projeto será analisado por comissão do Senado
Carlos Lessa afirmou, na carta enviada ao senador, que estava encaminhando a proposta para análise da Comissão. Segundo o senador, o objetivo do presidente do BNDES é ter o respaldo do Congresso.
Osmar Dias destacou que a comissão poderá fazer uma recomendação sobre o financiamento. Ele quer discutir se a linha de crédito para reestruturação das empresas de comunicação poderá ser ampliada a outros setores da economia. O parlamentar explicou que o Senado não tem respaldo para determinar ações a instituição financeira quanto aos financiamentos.
Está marcada para hoje uma reunião administrativa da comissão, conforme sugestão do senador Hélio Costa (PMDB-MG). Os senadores deverão discutir qual será o procedimento a ser adotado para a análise da proposta de financiamento da mídia pelo BNDES.’
Suely Caldas
‘BNDES: um poder paralelo no governo’, copyright O Estado de S. Paulo, 6/06/04
‘O mundo mudou, o Muro de Berlim caiu, os países do Leste Europeu e da ex-União Soviética viraram capitalistas sem detonar um único tiro, a globalização avançou – até agora em desvantagem para os países pobres. O Brasil também mudou, saiu da ditadura para a democracia, modernizou sua indústria, abriu a economia, revogou reservas de mercado, importar produtos deixou de ser pecado, eliminou subsídios às empresas, o Estado assumiu papéis de regulador e provedor de educação, saúde, segurança, programas sociais e deixou de intervir na vida privada dos cidadãos e das empresas.
Mudanças se processam empurradas pela evolução do progresso – econômico, tecnológico, científico, social. É um processo natural para o qual governos e governados devem estar abertos e preparados para enfrentá-lo no sentido do usufruto e bem-estar coletivo.
Sempre há, porém, os resistentes, os saudosistas, que grudam como carrapatos em modelos e métodos que podem ter sido adequados no quadro econômico do País dos anos 70 e politicamente amparados por uma ditadura militar autoritária e centralizadora, mas hoje estão ultrapassados, não fazem nenhum sentido. No governo Lula os resistentes e seus modelos estão presentes na direção do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Na última quinta-feira o vice-presidente do BNDES, Darc Costa, anunciou um novo plano estratégico para atuação do banco, cujo modelo – segundo ele próprio declarou – é baseado na experiência dos anos 70, quando o País era governado pelos militares e atos econômicos não passavam pelo Congresso, bastava a caneta do general ou do burocrata civil com poder de decisão.
Tempos em que o BNDES concedia créditos subsidiados (e sustentados por impostos pagos pela população), escolhia as empresas contempladas, deixando de fora outras, sem critérios esclarecidos de escolha porque não precisava dar explicações a ninguém. No estilo negado por André Lara Resende ao tomar posse na presidência do banco, em 1997: ‘Não vim aqui para escolher vencidos e vencedores.’
O orçamento do BNDES na época era alimentado por recursos do Tesouro. Ou seja, sem meios de controlar ou interferir, a população pagou por muitas decisões erradas. E pagou caro. A Ferrovia do Aço, por exemplo, sugou recursos bilionários do banco, sua construção arrastou-se por 20 anos e mesmo assim sem completar o trajeto original. Na Caraíba Metais o banco enterrou US$ 1 bilhão e nunca conseguiu atingir a megalômana meta de dar auto-suficiência em cobre ao País. A Vibasa, uma indústria de bens de capital, foi outro fiasco a consumir dinheiro público. A lista é grande, não cabe neste espaço.
Dinheiro farto e concedido sem controle, o banco não se preocupava com avaliações de risco: socorreu empresas falidas – as famosas operações hospital -, tornou-se sócio de empreendimentos exóticos (um hotel, por exemplo) e acumulou a maior inadimplência de sua história.
O plano estratégico de Darc Costa vai criar sete câmaras setoriais e 43 grupos de trabalho para cuidar de áreas econômicas específicas. Dessas cabeças iluminadas e poderosas serão extraídas decisões de aplicar vultosos recursos públicos e escolhas dos que serão e os que não serão premiados com créditos (os vencedores e os vencidos), segundo critérios que esses mesmos iluminados irão definir. Tem razão Darc Costa, no melhor estilo centralizador e intervencionista dos anos 70 e um método de tomar decisões intrinsecamente permeável aos erros do passado.
O vice-presidente não esclareceu se consultou ou não o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, para tocar seu plano estratégico. Mas no governo não é segredo que a diretoria do banco age e decide isoladamente, sem dar satisfações ao ministro a quem está subordinada. Como aconteceu em muitos outros episódios, inclusive na compra das ações da Valepar, onde o banco aplicou R$ 1,5 bilhão sem consultar Furlan nem o governo. É como se o BNDES tivesse recebido mandato (sabe-se lá de quem) para exercer um poder paralelo e discricionário para decidir o que bem entender, descolado do resto do governo.
Com seu plano de dividir o banco em sete câmaras setoriais, quer não só executar, mas também planejar uma nova política industrial para o País, ignorando completamente que o País já tem uma, aprovada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e definida pelos Ministérios da Fazenda, Desenvolvimento e Planejamento, depois de muita discussão no governo, inclusive com a participação do BNDES. Por qual das duas vai optar Lula?’