‘O que mais surpreendeu o escritor Fernando Morais não foi a ação impetrada pelo deputado Ronaldo Caiado (PFL-GO), mas sim o juiz Jeová Sardinha, da 7.ª Vara Cível de Goiânia, decidir pela apreensão de todos os exemplares de seu livro Na Toca dos Leões. ‘Esse fato constitui uma violência inédita, uma censura escandalosa, nunca vista nem mesmo nos anos mais negros da ditadura militar’, afirmou ontem em Paris.
Morais reuniu alguns jornalistas brasileiros para uma única declaração sobre o episódio, pois a sentença também o proíbe de falar sobre o caso e prevê multa de R$ 5 mil por cada manifestação. Ontem, seus advogados e da Editora Planeta pediram na Justiça a suspensão da liminar de apreensão dos livros. E os advogados estudam entrar na Justiça contra o juiz e Caiado, pedindo ressarcimento por danos morais e financeiros.
Morais está disposto a pagar a multa, quando chegar ao Brasil, no fim do mês. Diz que não quer desafiar a Justiça, mas não aceita ficar quieto para não ser conivente com ‘uma decisão tão truculenta e anticonstitucional’. Ele lembrou que a censura foi banida do País pela Constituição de 1988. ‘O que defendo é o direito à livre expressão.’
Na Toca dos Leões conta a história da agência de publicidade W/Brasil. Nele, Morais diz que em 1989, candidato à Presidência, Caiado procurou a W/Brasil para dirigir a campanha. A agência recusou e o escritor conta ter ouvido do sócio Gabriel Zellmeister que Caiado disse que, se eleito, ‘sabia como esterilizar as mulheres nordestinas’. O deputado entrou com ação, afirmando que a declaração denigre sua imagem.
Ontem, Morais disse que ouviu tanto de Zellmeister como de Washington Olivetto que Caiado disse que a solução para o problema do Brasil era ‘adicionar um produto químico na água consumida pelas mulheres nordestinas para torná-las estéreis’. O escritor explicou que, como eram pessoas responsáveis, dirigentes de uma agência que rejeita contas de campanha e estatais, considerou que não seria necessário ouvir o deputado.
Morais não conhece pessoalmente Caiado, jamais cruzou com ele e não julga necessário encontrá-lo, mas, se for preciso, por que não? Da mesma forma seu livro já foi lançado em dez grandes cidades, mas não ainda em Goiânia, onde todos sabem da influência e do poder da família Caiado. Mas, se for convidado por alguma livraria, diz que comparecerá sem nenhum temor para participar de uma noite de autógrafos.’
Deborah Berlinck
‘Morais: veto a livro é barbárie’, copyright O Globo, 12/05/05
‘O escritor Fernando Morais chamou ontem de ‘barbárie, censura e violação da Constituição’ a decisão do juiz Jeová Sardinha, da 7 Vara Criminal de Goiânia, que ordenou o recolhimento de exemplares de seu recém-lançado livro ‘Na Toca dos Leões’, depois de uma ação movida pelo deputado federal Ronaldo Caiado (PFL-GO). Um dos personagens do livro cita suposto projeto do deputado para esterilização em massa de mulheres nordestinas, como solução para a ‘superpopulação’ de pobres na região.
Surpreso e indignado com a notícia, Morais resolveu enfrentar ontem à distância o juiz goiano, que o proibiu de dar declarações à imprensa sobre o livro. Um ato que o escritor considerou truculento. Ele convocou jornalistas brasileiros para uma entrevista num hotel no centro de Paris, onde está hospedado, dizendo que não fazia isso para desafiar a Justiça, mas sim para impedir que ‘uma barbárie destas’ aconteça novamente:
– Fiquei estupefato, sobretudo com a decisão de me calar, que é algo jamais visto nem no auge da ditadura.
Morais disse que vai voltar ao Brasil no fim deste mês disposto a processar não apenas Caiado, como também o juiz por danos materiais e violação do artigo da Constituição que assegura o direito de expressão. Uma semana após o lançamento, em 1 de abril, o livro já estava em segundo lugar entre os mais vendidos e o escrito diz que terá prejuízo.
– Não tenho banco, boi ou indústria. Estou tendo prejuízo moral, e também material.
O escritor também disse que vai desembarcar no Brasil com dinheiro para pagar a multa de R$ 5 mil que o juiz decretou por cada declaração sua à imprensa.
– Pagarei a contragosto, mas certo de que estou fazendo algo em defesa de um princípio da liberdade de expressão – disse.
Caiado teria sugerido esterilizar mulheres pobres
O livro, que começou a ser escrito em 2001, conta a história da agência de publicidade W/Brasil. Num determinado trecho, um dos sócios da agência, o publicitário Gabriel Zellmeister, reproduz a frase que ele e o parceiro, Washington Brasil, teriam ouvido da boca de Caiado, quando foram procurados pelo político, em 1989.
– Os dois sócios me contaram separadamente, em dias diferentes, e sem saber que eu tinha falado sobre isso com o outro, que Caiado chegou à agência dizendo que tinha a solução para acabar com ‘estratos sociais inferiores’, que era adicionar produto químico esterilizante na água potável consumida pelas nordestinos para que diminuísse a população – disse.’
TOM WOLFE NO BRASIL
Ubiratan Brasil
‘O chique Tom Wolfe chega elogiando Freyre ‘, copyright O Estado de S. Paulo, 12/05/05
‘O terno branco é o mesmo, assim como o humor certeiro – o escritor americano Tom Wolfe promete não decepcionar seus fãs quando pronunciar hoje, às 18h30, a conferência de abertura da 12.ª Bienal do Livro. Wolfe é o nome mais cintilante de uma fileira de escritores internacionais convidados para o evento, franceses em sua maioria. ‘Gosto muito de Gustav Flaubert, mas minha preferência sempre foi para a obra de Emilie Zola, que escrevia algo mais próximo das minhas preferências’, disse Wolfe, que veio lançar seu mais novo romance, Eu Sou Charlotte Simmons (Rocco, 688 págs., R$ 65).
‘Preparem-se para o que vou dizer, pois vou dar minha opinião sobre como será a literatura nos próximos dez anos.’ Wolfe acostumou-se a ser o arauto do que se convencionou chamar ‘novo jornalismo’, técnica que utiliza recursos literários para narrar uma notícia e se tornou uma febre nos anos 1960 e 70. Lamenta, porém, que o recurso não seja mais usado, com exceção da revista Rolling Stones. ‘Hoje, o new journalism está mais restrito à literatura’, comentou Wolfe, revelando uma inesperada admiração pela obra do brasileiro Gilberto Freyre. ‘Não me lembro quando descobri sua obra, mas percebi que ele é alguém que tratou de assuntos importantes (distinção entre raças e organização social) de uma forma radical, o que me atrai muito. Adoro quando descubro alguém que transforma a vida em uma grande reportagem, como fez Freyre, a despeito dos conceitos sociológicos.’
Apesar de a literatura ser seu ofício, o escritor preferiu falar sobre política, especialmente a americana. Para Wolfe, George W. Bush é o nome certo para enfrentar a atual crise no Oriente Médio. ‘Bill Clinton é charmoso e seu envolvimento com Monica Levinsky trouxe os detalhes picantes que todos queriam saber. Já Bush é o próprio ‘soldado cristão’, como diz uma famosa canção americana, aquele sujeito que tem a determinação de um militar para lidar com os principais problemas.’
O escritor de 75 anos lembra que perdeu três grandes amigos nos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 e apenas um líder com o pulso firme como Bush saberia como lidar com a situação. ‘Clinton era hábil para falar em público, mas prefiro ver Bush no Ground Zero.’
Wolfe permanece no Rio até segunda-feira e, até lá, pretende conhecer todos os pontos turísticos da cidade. Hoje, por exemplo, vai passear no bondinho do Corcovado. E, no domingo, descobrirá o samba na casa Rio Scenarium, uma das mais famosas da cidade. ‘Uma das minhas expectativas ao vir ao Brasil era descobrir as diferentes formas de status que marca sua sociedade. Esse será o tema do meu próximo romance e estou animado para conhecer novos detalhes.’’
Marcelo Coelho
‘Tom Wolfe mergulha em sexo, bebida e videogames ‘, copyright Folha de S. Paulo, 12/05/05
‘Se você está seriamente preocupado com a decadência da vida universitária americana -todos aqueles estudantes que se afundam em sexo, bebida, palavrões e videogames-, o novo romance de Tom Wolfe é imperdível. Se não se preocupa, ‘Eu Sou Charlotte Simmons’ vai fazer o possível para que você passe a se preocupar.
O livro tem a mesma habilidade de ‘A Fogueira das Vaidades’, best-seller com que Tom Wolfe, um dos nomes mais importantes do ‘new journalism’, se lançou como romancista, em 1987.
Os personagens são nitidamente caracterizados, os pormenores se acumulam, e tudo parece verdadeiro, enquanto as páginas se viram como num best-seller. Mas a sensação de que o autor americano carrega nas tintas logo se torna predominante.
‘Mais ou menos uma dúzia de estudantes se esparramava em sofás, poltronas, sentados em cadeiras, nas janelas, a maioria de short cáqui e sandálias de dedo, assistindo ao programa de esportes da ESPN, num aparelho de televisão de tela plana, de 40 polegadas (…) Cerca de dez anos antes, um vazamento num banheiro no andar de cima arruinara a velha biblioteca (…). As prateleiras de nogueira, outrora elegantes (…), continham agora latas de cerveja vazias e caixas de pizza também vazias, exalando o cheiro horrível de queijo mofado. O único tesouro de conhecimento acumulado da humanidade que havia naquele momento na biblioteca era o aparelho de TV.’
Certamente, esta sala de convivência na fictícia Universidade Dupont não é um lugar que deva ser freqüentado por Charlotte Simmons, jovem especialmente talentosa, de origem humilde e rígidos padrões de comportamento. Logo nós estaremos torcendo para que a moça não perca sua virgindade.
Assim, o apelo da leitura não esmorece. A trama está a serviço, entretanto, das teses do autor, banalmente empenhado em denunciar o jargão politicamente correto e o declínio intelectual da ‘América’, valendo-se em sua análise, com certa estridência ‘fashion’, dos instrumentos do neodarwinismo e também da neurociência.
Ficção e reportagem
Embora eficaz na arte de pôr seus personagens em movimento, Tom Wolfe parece construí-los ainda como se escrevesse uma reportagem, e não um romance. A ‘ficha’ de cada um é dada de forma impecável -o estudioso rapaz judeu humilhado pelos grandões do basquete, a grã-fina anoréxica, o atleta intelectualmente confuso etc.-, mas suas ações carecem de autonomia, em meio ao determinismo que organiza não pouco das convicções do autor.
Reflexo disso é a pouca habilidade com que o monólogo interior dos personagens é reproduzido: marcas de ênfase, como palavras em itálico, não eliminam a sensação de certa irrealidade, de um ventriloquismo do narrador, sempre ansioso por aparecer.
Mas um ‘romance informativo’, misto de ficção e reportagem, não é gênero que se deva desprezar. Seria ótimo se, no Brasil, mais pessoas se inspirassem em Tom Wolfe para tratar, por exemplo, dos bastidores de Brasília ou do cotidiano de uma delegacia. Enquanto isso, as aventuras de Charlotte Simmons atraem a nossa atenção.
Eu Sou Charlotte Simmons Autor: Tom Wolfe Tradução: Pinheiro Lemos Editora: Rocco Quanto: R$ 65 (688 págs.)’
Folha de S. Paulo
‘Escritor faz conferência de abertura na Bienal ‘, copyright Folha de S. Paulo, 12/05/05
‘A Bienal do Livro começa hoje na voz de sua maior estrela. O norte-americano Tom Wolfe, em sua primeira visita ao Brasil, faz a conferência de abertura às 18h30, exibindo (provavelmente) um de seus clássicos ternos brancos no auditório Fernando Sabino.
Wolfe está lançando a edição brasileira (da Rocco) de seu mais recente livro, ‘Eu Sou Charlotte Simmons’, saga de uma jovem caipira que se deslumbra com o mundo de sexo, drogas, dinheiro e falso glamour de uma grande universidade americana.
Mas, como em qualquer lugar por onde passa, Wolfe terá de falar sobre os textos que fizeram a sua fama. Primeiramente, as reportagens dos anos 60 e 70 -como as que estão no livro ‘Radical Chique e o Novo Jornalismo’ (Companhia das Letras)- que o transformaram em um dos principais nomes do ‘new journalism’, o movimento que aplicou técnicas de narrativa literária à produção para a imprensa.
E, também, dos romances que o alçaram à condição de escritor best-seller e fotógrafo cruel da sociedade norte-americana: ‘A Fogueira das Vaidades’, ‘Os Eleitos’, ‘Um Homem por Inteiro’ e outros.
Tido como elitista e polemista, Wolfe mostra hoje no Rio a sua capacidade de provocar adorações e irritações entre os que o ouvem (ou o lêem).’
CULTURA EM DEBATE
Mauro Ventura
‘O Brasil na pauta de discussão dos artistas’, copyright O Globo, 12/05/05
‘Como bem notou o produtor Luiz Carlos Barreto, a classe artística resolveu deixar de discutir só o próprio umbigo. A frase foi dita durante encontro na noite de anteontem com o chefe da Casa Civil, José Dirceu, no apartamento da produtora Mariza Leão e do cineasta Sérgio Rezende.
Dirceu falou durante quase três horas, assistido por cerca de 40 convidados, como o compositor Chico Buarque, o dramaturgo Augusto Boal, o ator Paulo Betti, o cantor Lulu Santos, a jornalista e atriz Scarlet Moon, os cineastas Andrucha Waddington e Roberto Farias e a atriz Maria Padilha. Em sua explanação, o ministro fez uma detalhada radiografia da situação em que o PT encontrou o Brasil – ‘O Estado brasileiro estava se desmilingüindo’ – e narrou tudo o que o governo tem feito. A idéia partiu do presidente da Funarte, Antonio Grassi, que quer agendar agora reuniões da classe com os ministros da Fazenda, Antonio Palocci, e da Educação, Tarso Genro.
Ministro ressaltou amizade com Gil e Flora
A cultura não foi o prato principal do encontro. Grassi explicou que não era uma reunião de governo, e disse que a idéia era trazer à pauta outras discussões que não só a produção cultural. Dirceu frisou que não queria pôr o foco no assunto, ressaltando que é muito amigo do ministro da Cultura, Gilberto Gil, e de sua mulher, Flora:
– Falei para ela: ‘Não vai achar que eu vou conspirar contra vocês.’
Feitas as ressalvas – havia informações de que o encontro se transformaria num palanque de críticas a Gil, o que não aconteceu – o ministro acabou reconhecendo que a política do Estado brasileiro para a cultura é amadora, principalmente em relação ao cinema. Ele falou dos problemas nas várias áreas, mas admitiu:
– No caso da cultura, pelo estado de espírito do ministro, vai ter que resolver, senão vai virar uma crise. A hora é de aproveitar e fazer uma mobilização, um debate mais público, provocar alguma coisa. Está se chegando a um mal-estar muito grande. Há um sentimento de que as coisas não estão bem. Temos que pôr o dedo na ferida e vamos enfrentar o problema.
A produtora Gláucia Camargos observou que o governo PT passa a sensação de que a cultura não é vista como estratégica, no que foi endossada por outros convidados. Ela disse que o tema não pode ser encarado só como uma questão orçamentária. O ministro respondeu que o presidente considera as relações exteriores fundamentais, e o Itamaraty tem as mesmas queixas da cultura.
Depois que o ministro se foi, os convidados elogiaram a iniciativa – ‘foi a primeira vez que alguém do governo prestou contas a nós’ – aplaudiram a franqueza com que ele falou do país e ressaltaram o fato de Dirceu ter reconhecido que o governo está agindo amadoristicamente em relação à cultura.
O ator e diretor Hugo Carvana disse:
– Ele nos deu uma deixa para um trabalho mais político, propôs isto nas estrelinhas. Balizou-nos: ‘Organizem-se e cheguem a nós.’
O diretor Paulo Thiago resumiu de outra forma:
– Ele apontou um norte: está faltando uma proposta de política cultural anexada a desenvolvimento econômico e integração latino-americana. O ministro frisou a importância de uma América Latina integrada.
Hora de deixar de lado propostas corporativas
Também ficou clara a importância de união entre as várias áreas culturais.
– Não temos que pensar segmentadamente nem fazer propostas corporativas – disse um dos presentes.
Os convidados ficaram impressionados com os dados fornecidos pelo ministro. Ele contou que o governo arrecada R$ 459 bilhões, mas 80% são para pagamento de pessoal, previdência e juros. No fim das contas, sobram pouco mais de R$ 11 bilhões para investir. Dirceu disse que o Brasil passou a ter planejamento, mas falou das restrições orçamentárias. Como a arrecadação não vai aumentar este ano e como o governo priorizou transferência de renda e reforma agrária, alguém vai pagar a conta do que vai faltar – e aí não é só a cultura que sofre, mas também ministérios como os da Agricultura, Turismo, Esporte e Minas e Energia. Diante dos imensos desafios que o país tem pela frente, confessou:
– Qual o meu estado de espirito hoje? Eu não consigo dormir tranqüilo.
No fim da noite, às 2h30m, os artistas foram para a cama elogiando a iniciativa, mas certos de que muitas reuniões ainda virão pela frente.’