Friday, 15 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Reinaldo Azevedo

‘O Parque dos Dinossauros da imprensa, a Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), está de volta. Ciente de que sua proposta de criação do Conselho Federal de Jornalismo, na forma original, encampada pelo presidente Lula, será rejeitada pelo Congresso, a entidade decidiu ser mais suave nos modos para ver se consegue o mesmo intento na ação. Elaborou um novo texto. Antes, propunha um conselho de ‘jornalismo’; agora, mais humana, mitigando a sua feição de mero apparatchik petista, pretende um conselho de ‘jornalistas’. Uma graça! Como estava, o texto tinha uma feição chinesa, burocrática, coletivista, coisa de politburo. Substituiu-se o substantivo abstrato ‘jornalismo’ pelo concreto ‘jornalistas’. Bacana essa turma da Fenaj: só aceita ditadura com face humana – afinal, as pessoas existem, não é?

A mudança no texto que mais me comoveu – e cheguei a verter uma furtiva lágrima – é aquela relativa às funções do conselho. Antes, meia dúzia de burocratas, tão estranhos a uma redação quanto o vácuo é à natureza, se propunha a ‘orientar, disciplinar e fiscalizar’ a atividade jornalística. Agora, insinuantes, sutis, céleres em adequar o discurso à realidade sem jamais alterar os propósitos, eles se propõem à ‘habilitação, representação e defesa dos jornalistas’ e à ‘normatização ética’ e disciplina do exercício profissional. Entendi: há nos fenajistas uma alma torturada de pai-patrão. Inicialmente, acreditavam que jornalista precisava de fiscalização; agora, eles se propõem a defendê-los. De quem? Caso essa nova proposta fosse aprovada, quem defenderia os jornalistas da ação da Fenaj?

Se existe alguma ameaça à profissão, ela deriva justamente daqueles que antes se ofereciam como seus censores e agora se apresentam como seus defensores. Os ‘companheiros’ antes achavam que éramos um bando de pervertidos ideológicos precisando de um corretivo; agora nos querem crianças sujeitas a alguma forma de assédio moral e por isso se propõem a nos pegar no colo e adular-nos com as calosidades de suas velharias políticas e de sua baba stalinista. Obrigado, tenho nojo! Quem é a Fenaj para falar em ‘normatização ética’? Em que fonte primitiva os companheiros a beberam? De que sarça ardente brotou a voz divina a lhes conferir os mandamentos? Ora, diabos!, vão ‘normatizar’ os que aceitem rezar pela sua cartilha e só sabem levar a vida de joelhos. Li na Folha de S.Paulo que o deputado José Carlos Aleluia (PFL-BA), líder do PFL na Câmara, já antecipou que não vai ‘examinar proposta nenhuma’. Faz muito bem!

Se havia alguma dúvida, dado o texto original, que o objetivo era mesmo impor controle sobre a atividade jornalística, ela desaparece agora, justamente quando a proposta vem em termos mais suaves. Ora, se a Fenaj queria o primeiro texto, não pode assentir com o segundo; se faz de conta que o aceita, é porque pretende usá-lo como porta de entrada para o primeiro. É o bode usando as vestes do anjo. Mas cheira como bode. Recende a enxofre. E tem chifre. Que os parlamentares continuem a proteger os jornalistas brasileiros da ação da Fenaj. A luta continua, excelências!

Sutilezas mastodônticas

Talvez supondo, sei lá, que o PT dava início a seu reinado de mil anos, a Fenaj, no texto original, não teve dúvida. Pediu logo de cara uma autarquia federal como aparelho para controlar os jornalistas e se ofereceu, ora se não, para compor a sua primeira diretoria. Eu mal podia esperar para ter um burocrata iletrado, formado na escola mental de um partido político não menos, a me ‘orientar e fiscalizar’ e, claro, a me punir por meus pecados. A julgar pelo padrão dos boletins que a entidade costuma tornar públicos, eu deveria começar por desaprender as regras básicas que regulam a inculta e bela, deixando de lado o esplendor e assumindo logo a sepultura. Também a proposta da autarquia pegou mal. Não conseguia esconder aquilo a que, de fato, se propunha.

Os pterodáctilos da ideologia decidiram optar pela sutileza. Já nem precisa mais ser autarquia. Eles se contentam com um ‘serviço público não-governamental’. Ah, bom, agora estou mais tranqüilo. Um serviço publico não-governamental com poder para ‘anular’ o registro profissional de um jornalista, mas não mais para cassá-lo (a punição limite do primeiro texto). Seria assim uma espécie de ONG, com a chancela do Congresso, com competência para ser uma polícia ética.

Essa gente não tem senso de ridículo? Acha que engana a quem? É assim tão desocupada que se abala a ir até Brasília para tentar, feito as sereias com corpo de corvo, seduzir os parlamentares com sua mistura de extravagância teórica e monstruosidade legal? Recomendo aos internautas que leiam uma reportagem que está na edição de dezembro da revista Primeira Leitura. Chama-se ‘A Conspiração das Teorias Conspiratórias’. Ali se evidencia como se formam alguns grupos ‘independentes’ que analisam as notícias de jornal e fazem medições para saber se tal ou qual partido são privilegiados na distribuição do espaço. Um deles é tão independente, mas tão independente, que tem a CUT entre os sócios-fundadores.

Seus estudos centimétricos são usados por aí por incautos (ou nem tão incautos assim) para tentar provar o adernamento ideológico da mídia. Ora, alguém que se propõe a testar a isenção alheia haveria de ser, quando menos, isento, não é mesmo? Antigamente, vá lá, a CUT era ao menos isenta de patrões. Hoje, mera correia de transmissão do projeto de poder do PT, nem isso. Mas a tal ONG segue firme em seu trabalho, bem vizinho à ‘normatização ética’ pretendida pela Fenaj, outro órgão sabidamente ‘independente’. Mas compreendo a gênese da tentação. Hugo Chávez acaba de aprovar uma lei que corresponde à suspensão da liberdade de imprensa, que ele acusa de burguesa, elitista e antipopular. A mesma crítica que certos setores fazem por aqui. Por isso, querem remédio idêntico, embora administrado inicialmente em doses mais modestas.

Não dá! Recomendo a essa turma que, como quer o presidente Lula, aposte no futuro do Brasil e no ‘espetáculo’ do crescimento. Vamos trabalhar, rapaziada! Haverá certamente nas redações algum serviço que vocês possam fazer. É pena que já não sejam mais necessários os ‘garotos do telex’. Muitos dos candidatos a censor poderiam, assim, ter um primeiro contato com a palavra impressa. Nunca é tarde, no entanto, para aprender a juntar lé com lé, cré com cré. A sintaxe da inculta e bela é difícil, mas não impenetrável. O trabalho oprime, é verdade, mas também pode libertar da indigência mental.

Cabeça desocupada é a morada do capeta!’



Ranier Bragon

‘Fenaj retira pontos polêmicos para salvar CFJ’, copyright Folha de S. Paulo, 10/12/04

‘A Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) elaborou uma nova proposta de conselho de jornalismo para tentar evitar a provável rejeição no Congresso do projeto que trata do tema. O novo texto suprime o ponto mais polêmico do texto original: a determinação de que o conselho serviria para ‘orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de jornalista e da atividade de jornalismo’.

Enviado pelo governo (com base em proposta da Fenaj) ao Congresso em agosto, o projeto de criação do Conselho Federal de Jornalismo sofreu várias críticas e foi visto por entidades como uma tentativa de submeter a produção jornalística ao controle estatal. Com esse argumento, o PFL liderou o movimento pela derrubada do texto. Ontem, o deputado Nelson Proença (PPS-RS) apresentou seu relatório sugerindo a rejeição e o arquivamento do projeto.

Ciente da articulação para pôr fim à proposta, a Fenaj se apressou em enviar aos líderes partidários a minuta do novo projeto, que muda o nome do conselho (não mais ‘de Jornalismo’, mas ‘dos Jornalistas’) e exclui os pontos mais polêmicos. O objetivo de ‘orientar, disciplinar e fiscalizar’ a profissão e a atividade jornalística dá lugar à ‘habilitação, representação e defesa’ do jornalista e à ‘normatização ética’ e disciplina do exercício profissional.

Para Proença, as duas propostas restringem a atividade jornalística. Co-proprietário de uma rádio, ele rebateu a avaliação da Fenaj de ele que não poderia relatar o projeto: ‘Qualquer pessoa de bom senso sabe que ser co-proprietário de uma rádio não me impede de ser isento ao tratar do tema’.

Como forma de afastar a crítica de que o órgão seria um braço governamental de censura, a nova proposta da Fenaj altera ainda o caráter jurídico do conselho, de autarquia para ‘um serviço público não-governamental’. ‘Conversei com o líder do PSDB, Custódio Matos, e ele manifestou apoio à discussão do projeto. Da mesma forma, conversamos com o líder do PPS e do PMDB’, disse Aloisio Lopes, primeiro-secretário da Fenaj, que apela para que a proposta não seja sepultada sem discussão mais aprofundada.

‘Não vou examinar proposta nenhuma, o acordo é para rejeitar. O projeto veio com espírito de Revolução Cultural, de tutela e censura das empresas jornalísticas’, declarou o deputado José Carlos Aleluia (BA), líder da bancada do PFL.’



O Globo

‘Relator pede derrubada do conselho de jornalismo’, copyright O Globo, 11/12/04

‘A Câmara dos Deputados deverá rejeitar, na próxima semana, o projeto que cria o Conselho Federal de Jornalismo. A rejeição da proposta enviada ao Congresso pelo Executivo a pedido da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) foi negociada entre o governo e a oposição em troca da liberação da pauta de votações na Câmara.

O deputado Nelson Proença (PPS-RS), relator do projeto na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, já apresentou seu parecer a favor da rejeição. Os líderes vão apresentar um pedido de votação em urgência da proposta, para que ela seja debatida e votada no plenário, depois da votação da Lei de Falências, primeiro item da pauta.

Proença fez o relatório com base tanto na proposta da Fenaj quanto no projeto de autoria do deputado Celso Russomano (PP-SP) que cria a Ordem dos Jornalistas do Brasil. O relator argumenta que a profissão de jornalista já está regulamentada por um decreto de 1969 e que os crimes de imprensa, como os que atentam contra a honra, estão previstos na Lei de Imprensa e são julgados pela Justiça.

Para o relator, não é cabível aplicar aos jornalistas normas de conduta e ética aplicadas a outras profissões como médico ou engenheiro. Segundo Proença, o compromisso do jornalista ‘é com a denúncia, com a apuração dos fatos que surjam no subsolo da sociedade, nas engrenagens do Estado, nos corredores sinuosos do poder’.

Numa crítica ao texto de Russomano, que estabelece regras sobre como jornalistas devem se vestir, o relatório ironiza: ‘O jornalista tem a liberdade de questionar, agredir, comportar-se mal, vestir-se mal, romper com as normas, se isto trouxer, aos olhos da opinião pública, a garantia de que não há segredos que não possam ser desmascarados, de que a imprensa investiga, confirma e divulga, de forma independente, os desvios de conduta a que os poderosos estão sujeitos. Perigosos são o bom-mocismo, o respeito exacerbado às normas, o temor diante da autoridade’.

O relator disse que, muitas vezes, ele e outros políticos se irritam com os questionamentos de jornalistas, mas que esse é um preço menor a ser pago em nome da liberdade de imprensa.

– A atividade de jornalismo tem que ser completamente desregulamentada. É o melhor para a categoria, a liberdade de imprensa e o Brasil.’

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‘Jurisprudência’, copyright O Globo, 11/12/04

‘O PARECER do deputado Nelson Proença sobre a proposta de criação do Conselho Federal de Jornalismo atende a todos os requisitos de um bom texto jornalístico.

NO RELATÓRIO do projeto de lei de instituição do CFJ, Proença consegue ser objetivo, claro e conciso na rejeição à idéia do conselho.

USA ARGUMENTOS irrespondíveis: o conselho é ocioso como órgão regulador da profissão porque já existe lei para tal; é descabido na tentativa de estabelecer normas e um código de ética para o jornalista porque a imprensa depende da liberdade para funcionar na plenitude —- além de o jornalista já responder à legislação específica. Por tudo isso, o CFJ é uma ameaça à sociedade.

APROVADO, COMO precisa ser, o texto do relatório merece ser lembrado toda a vez que se tentar cercear a imprensa sob o disfarce de normas regulatórias.’



Agência Estado

‘Acordo enterra projeto que cria Conselho Federal de Jornalismo’, copyright Agência Estado (www.agestado.com.br), 11/12/04

‘Um acordo patrocinado pelo presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), com os líderes dos partidos aliados e de oposição prevê a derrubada do projeto de lei que cria o Conselho Federal de Jornalismo (CFJ) e os Conselhos Regionais de Jornalismo (CRJs). Enviado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no início de agosto, a proposta tem por objetivo fiscalizar o exercício da profissão de jornalista, mas foi mal recebida no Congresso tanto por governistas quanto por oposicionistas.

Pelo acordo firmado com os parlamentares, o projeto será votado e rejeitado na Câmara, logo depois que for apreciada a nova Lei de Falências e seis medidas provisórias que estão trancando a pauta do plenário da Casa. ‘O Palácio do Planalto viu que não tem jeito e concordou com a derrubada da proposta’, disse ontem o líder do governo na Câmara, deputado Professor Luizinho (PT-SP).

Para conseguir limpar a pauta da Câmara, João Paulo negociou com os líderes da base aliada e da oposição a rejeição. Foi a condição imposta pelos parlamentares para concordar em destrancar a pauta do plenário da Câmara, repleta de medidas provisórias à espera de apreciação.

Mas desde o início, quando a proposta foi enviada ao Congresso, o presidente João Paulo se posicionou contra o Conselho Federal de Jornalismo. O PFL e o PSDB também exigiram a inclusão do projeto na pauta da Câmara para que pudesse ser derrubado o mais rápido possível. Com isso, os oposicionistas quiseram ter a garantia de que a proposta será enterrada de vez, sem chances de ser posta em votação no futuro.

A idéia era derrubar o projeto ontem à noite. Mas as votações no plenário na Câmara emperraram na apreciação da medida provisória que dá isenção de PIS/Confins. A sessão acabou por falta de quórum e as votações só deverão ser retomadas na semana que vem.

Na exposição de motivos que acompanha o projeto do Conselho Federal de Jornalismo, o ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, lembrou que atualmente não há nenhuma instituição competente para normatizar, fiscalizar e punir as condutas inadequadas dos jornalistas. O projeto prevê punições para os jornalistas que cometerem irregularidades, que poderão ser advertência, multa, censura, suspensão do registro profissional, por até 30 dias, e cassação definitiva do registro. O projeto estabelece que caberá aos conselhos ‘orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de jornalismo e a atividade de jornalismo, zelar pela fiel observância dos princípios de ética e disciplina da classe em todo o território nacional, bem como pugnar pelo direito à livre informação plural e pelo aperfeiçoamento do jornalismo’. Entre as atribuições dos conselhos está a fixação de normas sobre a obrigatoriedade de indicação do jornalista responsável por material de conteúdo jornalístico publicado ou veiculado em qualquer meio de comunicação.’