Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Reinaldo Azevedo

‘Quero falar de muita coisa. Minha confusão, para quem souber ler, é método –- como diria Polônio sobre Hamlet, o príncipe basbaque. É verdade que o velhinho se deu mal atrás da cortina. Pretendo um fim mais digno. Vamos lá: Marilena Chauí, com seu silêncio buliçoso, me ajuda a fazer frases. Uma delas me rende inimigos de estimação, dos quais cuido com denodo: ‘Tudo o que é ruim para o PT é bom para o Brasil.’ Ela carrega aquela carga de preconceito sem a qual um homem não pode se orgulhar de ser de fato maduro. Crescer é ter direito a preconceitos.


Eu tenho muitos: não gosto de aviões, comida japonesa, comunistas, jazz, solo de saxofone, presidentes semi-analfabetos, especialista em vinhos, pão com gergelim e gente que faz passeata pela paz. Eu faria uma passeata contra a ternura que a classe média nutre pelo crime organizado. Bata branca na avenida é uma forma de covardia e flerte com nossos algozes. Sou um homem esquisito. Detesto tudo o que me seqüestra a vontade. Gosto é de Dostoievski: lutar, nem que seja inutilmente, contra a Providência ou o destino.


Tenho medo de me tornar um sujeito bonzinho, desses que assistem a ‘Sex and the City’ enquanto os filhos adolescentes transam no quarto. Sou freudiano ortodoxo e meio reacionário. Só acredito em repressão e transgressão. Um pai liberal é um risco à sobrevivência da espécie; é uma ameaça à civilização. Não acredito em Lacan, Jung e homens sensíveis. Até as escolas querem transformar os meninos em meninas que já não há. Preparam uma geração de infelizes e hesitantes. Querem domesticar os hormônios com psicologia feminista. Tudo pelo bem do próximo. Há tanta gente boa no mundo mau que esses bonzinhos querem mudar, que decidi ser mauzinho no mundo bom que quero conservar.


Chego ao ponto. Chauí me ajuda a pensar. Faço outra frase: ‘Direi sempre o contrário de tudo o que ela disser.’ Madame acredita nas tropas da SS (Salvação Stalinista) protegendo os pobres. Eu acredito que os pobres devem deglutir os stalinistas a exemplo do que os tupinambás fizeram com o bispo Sardinha. A última de Marilena é dizer que a reforma política era a salvação do Brasil desde o princípio do governo Lula. Obrigado. Descobri ontem que sou contra a reforma política porque ela significa uma afronta aos indivíduos e, portanto, um atraso. Só acredito em pessoas, enquanto ela aposta em partidos (na verdade, em partido) e em sistemas.


Madame quer a reforma política porque sua noção de democracia supõe excluir da decisão aqueles que acha ignorantes – os não-mobilizáveis para a sua causa. Lênin passou fogo nos imprestáveis para a causa, o que todo comunista lido sabe. Ela quer tornar o sufrágio universal uma burocracia cinzenta, com lista fechada e voto distrital, despersonalizando os processos de escolhas e transferindo para os sistemas as responsabilidades individuais. Até aqueles aos quais se chama ‘direita’ no Brasil entraram nessa conversa. Fazem o trabalho para a corriola intelectual de Madame e para o Apedeuta do Palácio.


Os crescentes meios eletrônicos de informação (a Internet já começa a chegar aos pobres), o celular na mão de 80 milhões de brasileiros, a universalização da televisão e do rádio, tudo isso, enfim, concorre para a individuação da escolha. Individuação de mão dupla: tanto o eleitor conta com mais recursos para escolher como o candidato pode dizer, com mais clareza, a que veio e quem é.


Marilena quer a reforma política. Então eu não quero. Infelizmente, para isso, não vão chamar um referendo. Os miseráveis inúteis de Lênin não entenderiam o debate. Melhor fazer a coisa sem eles. A presunção é de que devemos fortalecer os ‘partidos’. Os dois maiores, o PMDB e o PT, respondem por todos os desastres das últimas duas décadas. Temos é de enfraquecê-los, torná-los inúteis, fragilizar as burocracias e só respeitar competências. A esquerda diz que isso é fascista. Seria o primeiro fascismo com partidos fracos, sem duce , sem massa de manobra, sem açougueiros para amolar facas. E, bem, isso tudo é uma questão de método.’




Paulo Peixoto


‘Filósofo da USP apóia Chaui e diz que mídia não admite diferença’, copyright Folha de S. Paulo, 25/9/05


‘O professor de filosofia da USP (Universidade de São Paulo) Renato Janine Ribeiro seguiu a colega Marilena Chaui e criticou a atuação da mídia na cobertura do escândalo do ‘mensalão’. Janine disse que ela tem um discurso público que é ‘todinho feito por moral’ e que ‘não admite diferença’. ‘Se diverge, você é exposto à execração imediatamente.’


Janine exemplificou sua tese recorrendo à própria Chaui e ao cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, o primeiro intelectual a apontar em artigos um suposto ‘golpe branco’, do qual seria vítima o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.


Chaui, por sua vez, em duas falas públicas recentes e numa carta dirigida a seus alunos da USP, defendeu o presidente Lula e criticou a mídia, acusando-a genericamente de ‘construir’ o seu silêncio a respeito da crise.


‘É claro, as pessoas se exaltam. Wanderley Guilherme escreve de maneira exaltada. Agora, o que é dito dele, o que é dito da Marilena na imprensa nesses tempos é absolutamente inaceitável, é desrespeitoso’, afirmou Janine Ribeiro.


As declarações foram feitas em palestra sobre ‘O Cientista e o Intelectual’, na sexta-feira à noite, na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), que faz parte do ciclo ‘O Silêncio dos Intelectuais’, que começou em agosto.


Janine Ribeiro criticou a Folha por ter publicado a carta de Chaui. Ele se declarou ‘pasmo’ com a sua divulgação e defendeu que a carta era ‘privada, por mais que circule’. Faltou pedir autorização à autora, disse.


‘Não há o que dizer, não há mais o que dizer, em absoluto. Quando um texto, que é uma carta, que é algo que pertence à pessoa, é expropriada dessa maneira, não há mais ética alguma nesse horizonte’, disse Janine Ribeiro.


O palestrante também defendeu a necessidade de o país meditar sobre a atual crise, ‘sem defender o indefensável’, mas também sem repetir os erros no curso da crise política que levou ao impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello, em 1992. Para ele, o país não tirou boas lições daquele episódio.


‘Ficou a convicção de que o presidente Collor foi afastado por ter faltado com a ética. Não foi. Ele foi afastado na verdade porque a política econômica dele não deu certo, porque não tinha apoio e sustentação política’, disse.


Ele afirmou que não está, com isso, defendendo os que apoiaram Collor: ‘Estou apenas fazendo um balanço um pouco triste. A sociedade brasileira não se mostrou tão ética assim. Não foi um corte na história do Brasil. Foi um corte no sentido de que afastamos dentro da lei. Mas na verdade o discurso ético se construiu. E aí se reforçou uma coisa muito negativa no Brasil: todo o nosso juízo sobre a coisa pública passa pela moral’.


Ele citou alguns exemplos dessa distorção: ‘Um governante pode ser uma calamidade. A acusação a ele vai dizer que ele é indecente. Um governante pode fazer um erro de análise terrível e causar um desastre ao país, mas não ter colocado um centavo no bolso. Vão dizer: ‘Ah, o nosso dinheiro foi roubado, ele é um ladrão etc.’


Silêncio


Janine disse que há silêncio de alguns intelectuais. Mas avaliou que a esquerda está ‘falando bastante’. Disse que ela pode estar com muitas dúvidas, mas isso é bom. ‘Acho um momento extremamente precioso para nós, porque é um momento de discussão e de colocar a limpo um monte de coisas que ficaram durante muito tempo guardadas, diante de vergonha de fazer determinada colocação, que poderia parecer reacionária.’ Janine defendeu a legitimidade de quem se mantém em silêncio no primeiro momento.’




PT E IMPRENSA
Carlos Alberto Di Franco


‘O PT e a imprensa’, copyright O Estado de S. Paulo, 26/9/05


‘Numa resolução de 13 itens, aprovada por unanimidade, a Executiva Nacional do PT iniciou o que chama de ‘reação ao golpismo midiático que pretende inviabilizar o mandato legítimo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva’, dirigindo fortes críticas à imprensa e à oposição. O documento fala em processo de ‘criminalização do PT’ e diz que os petistas não podem ‘assistir a esta formidável chantagem pública contra sua existência, que hoje alcança uma dimensão manipulatória só semelhante àquela que elegeu Collor em 89’. Para a direção do PT, o momento aponta para um ‘festival denuncista com finalidades claras’. Tais finalidades, segundo a cúpula petista, são ‘excluir o PT do cenário político nacional, esmagar as esperanças de que partidos de esquerda podem governar com sucesso e fazer o povo esquecer a corrupção sistêmica que eles (a oposição), como elite, implantaram historicamente no país’. A teoria conspiratória, lançada pelo ex-ministro José Dirceu e repetida no palanque do presidente Lula, rebrota com novo vigor.


O documento do PT pode parecer surrealista. Mas não é. Trata-se, na verdade, de uma peça de notável coerência. A ética do PT é a ética do poder a qualquer preço. O fim justifica os meios. Daí o despudor com que se mente nas CPIs e a tranqüilidade com que, mais uma vez, se investe contra a imprensa, instituição básica da sociedade democrática. É curioso, caro leitor, como o pragmatismo político acaba unindo os contrários. O vitimismo do ex-prefeito Paulo Maluf se aproxima, e muito, da síndrome conspiratória petista. Sentem-se, malufistas e petistas, perseguidos pelo Ministério Público e pela mídia. Ambos, no fundo, convergem para um denominador comum: o afã de poder. Independentemente de quaisquer balizas ou limites éticos. Há no Partido dos Trabalhadores, como é lógico, pessoas sensíveis e com valores. É uma pena que suas vozes não sejam ouvidas e que prevaleçam os critérios da práxis.


Há menos de dois meses, o presidente do PT, Tarso Genro, num discurso firme e moralizante, prometera promover a ‘refundação’ do partido. Ora, a expressão indicava a consciência da extrema gravidade da situação. O PT chegara ao fundo do poço. Agora, Genro, redator da recente resolução de contraataque, afirma que o partido é vítima de ‘chantagem pública’ promovida pelo ‘golpismo midiático’. A autocrítica foi substituída pela urgente necessidade de ‘iniciar mobilizações regionais articuladas’ para ‘esclarecer a opinião pública sobre os objetivos dos denuncismos em curso, inclusive estabelecendo diálogo com órgãos de comunicação que não estejam inseridos voluntariamente nesta campanha de massificação totalitária da opinião contra o governo Lula e o PT’. Quer dizer: a proposta de ‘refundação’ foi arquivada. O PT continua imaculado. Tudo não passa de uma armação da mídia, do Ministério Público e das elites. E, ademais, se quisermos estar bem informados, não devemos ler este ou qualquer outro jornal, revista ou telejornal dos grupos chamados conservadores. A Voz do Brasil pode ser a solução. Eis a receita do PT. É fantástico, caro leitor, mas é assim.


A cúpula petista está subestimando duas coisas: a inteligência do povo e a força da democracia brasileira. Alguns caciques do partido se comportam com a mentalidade que, há décadas, tem dominado a política nacional. Daí a boa convivência com os inimigos do passado. Daí o vale-tudo em nome da governabilidade. Encarnam o que sempre criticaram. O poder matou o sonho. O pragmatismo manietou a consciência. Tais comportamentos, no entanto, estão destinados ao fracasso. A sociedade brasileira não suporta mais a mentira. Venha de onde vier. O ataque ofensivo à imprensa é uma clara demonstração de fraqueza. Sabem, no fundo, que os indícios de crime praticados por inúmeros integrantes da agremiação acabarão se transformando em evidências irrefutáveis. É só uma questão de tempo. Na verdade, o partido está desabando. O País, queiram ou não os poderosos de turno, está virando uma página de sua História.


A imprensa brasileira, sem as mordaças que alguns têm defendido e livre de quaisquer tentativas de cooptação, tem um papel decisivo no processo de purificação dos nossos costumes políticos. A mídia não é antinada e não está a serviço de nenhuma legenda partidária. Causam-nos profunda repugnância quaisquer tentativas de engajamento. Nosso compromisso é com a verdade e com a liberdade. Como já sublinhei neste espaço opinativo, nosso cliente não é o poder. É você, caro leitor.


Corrupção, intriga, vingança e mentira, muita mentira, compõem a receita de um enredo policial. No Brasil, a vida superou a ficção. Os escândalos envolvendo membros do governo Lula e do PT reúnem os ingredientes de um best seller. O presidente da República, chefe do governo, e não apenas do Estado, se protege com o manto de uma omissão clamorosa. Não sabe nada. Na viu nada. E ninguém no partido do presidente discute seriamente o caminho para aprofundar a investigação dos delitos. Debate-se, ao contrário, a estratégia mais adequada para uma operação de abafa. A transparência informativa, de que a cúpula do PT não gosta, representa, contudo, o elemento essencial para a renovação do Brasil. O eleitor, certamente frustrado, vai ganhando crescente discernimento. O ostracismo das urnas já será um grande passo, mas não basta. A conseqüência do delito, independentemente da ideologia e da manipulação semântica das velhas raposas, deve ser a punição cabal e exemplar. A imprensa, no cumprimento de sua missão de informar, não frustrará a expectativa de milhões de brasileiros. Buscará a verdade. E nada mais.? [Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo, professor de Ética da Comunicação e representante da Faculdade de Comunicação da Universidade de Navarra no Brasil, é diretor da Di Franco – Consultoria em Estratégia de Mídia Ltda. E-mail: difranco@ceu.org.br]’