‘O presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Carlos Lessa, defendeu ontem a participação indireta da instituição em um futuro programa de financiamento da mídia, o Pró-mídia.
‘Nossa posição é que não seja um programa direto, mas via agentes (do BNDES). Assim, as empresas negociariam com os 180 bancos existentes. O risco do BNDES não seria o da empresa, mas o risco-banco’, disse ele, em audiência pública na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio da Câmara dos Deputados.
Lessa deixou claro que a instituição ainda não definiu um programa de financiamento para o setor. ‘O BNDES não aprovou o programa, apenas lançamos o debate sobre o assunto’, afirmou. Na próxima semana, ele vai ao Senado para discutir o tema.
O presidente do BNDES insistiu que só vai desenvolver um programa para a mídia caso haja aprovação da sociedade. ‘Se a maior parte da sociedade disser não, não vamos fazer’, observou. A garantia de recebimento dos empréstimos também será um ponto-chave para o desenvolvimento do programa. ‘As regras do banco são muito claras. Só fazemos operações cercados da máxima segurança.’
Apesar da indefinição, Lessa afirmou que é preciso resolver a situação da mídia brasileira, que vive ‘uma debilidade brutal’. ‘O setor é um importante empregador e fundamental para o jogo democrático. Além disso, uma sociedade nacional precisa ter uma mídia nacional para projetar seus pontos de vista. Os conteúdos culturais de uma sociedade são debatidos pelo sistema da mídia e o País que perde essa voz perde sua personalidade’, justificou.
Ele aproveitou a audiência para responder às críticas da Rede Record. Em um programa em que foi discutido o financiamento para as empresas de mídia, a emissora teria classificado o BNDES de ‘ralo do dinheiro público’. ‘Sem termos formalizado nada, já fomos insultados por 37 minutos como ‘ralo do dinheiro público’. Estou indignado. Foi uma coisa espantosa.’
O deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) argumentou que as críticas da Record estavam dentro de um contexto de disputa com a TV Globo. Para Lessa, o argumento não é suficiente para aceitar o ataque. ‘É natural que organizações disputem mercado, mas não é autorizado a ninguém enxovalhar uma instituição que tem 50 anos de dignidade’, argumentou.’
Edson Sardinha
‘Imprensa alternativa quer verbas publicitárias’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 27/04/04
‘Às vésperas de anunciar as bases do socorro financeiro para a mídia, o governo recebe pressão por parte da chamada imprensa alternativa, que cobra uma fatia do bolo publicitário. Revistas e jornais ligados ao movimento social, sindical e partidário, rádios e TVs comunitárias se organizam para levar até o Congresso Nacional um abaixo-assinado no qual reivindicam a democratização das verbas públicas para os meios de comunicação.
Além de marcar posição contrária ao chamado Pró-Mídia, conduzido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o movimento propõe a criação de um Sistema de Comunicação Alternativo, nos moldes daquilo que é adotado na Venezuela, na Suécia e no Canadá.
Apesar de sua influência na derrocada da ditadura e na ascensão política de figuras hoje instaladas no poder, como o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a imprensa alternativa se ressente da falta de verbas e da perda de espaço desde a redemocratização do país.
Pluralidade
Os coordenadores do movimento alegam que a intenção é garantir ‘a pluralidade da informação e o direito das diferenças se verem representadas no noticiário do dia-a-dia’. Entre as propostas, está a constituição de um fundo especial de recursos publicitários para a imprensa alternativa, apontada como instrumento indispensável para o funcionamento da democracia.
Em circulação pela Internet (aqui) há quase um mês, o manifesto questiona o conceito de neutralidade propagado pela grande imprensa e a condescendência do poder público com a má gerência administrativa dos veículos de comunicação.
‘Os conglomerados midiáticos que cresceram e engordaram, cúmplices das ditaduras e amparados pela censura que destruiu concorrentes e adversários, agora posam de democráticos e, o que é pior, gozam de um poder como nunca antes. Principalmente, ninguém põe em discussão o que escrevem ou dizem’, assinala um dos trechos.
Em entrevista ao Comunique-se, um dos coordenadores do movimento, o jornalista Mário Augusto Jakobskind, defende critérios para a distribuição da verba publicitária, acusa a grande mídia de ser preconceituosa com os movimentos sociais e critica a relação do governo Lula com a imprensa. de oito livros e profissional com passagem por veículos tradicionais, como Folha de S. Paulo e Tribuna da Imprensa, Jakobskind é colaborador de quase uma dezena de veículos alternativos no Brasil e no Uruguai. Nos anos 70, foi colaborador de O Pasquim e integrou o conselho editorial do jornal alternativo Versus, a primeira publicação com enfoque latino-americano editada no país. Segundo Jakobskind, o fortalecimento da imprensa alternativa vai aquecer o mercado de trabalho no meio jornalístico.
Veja os principais trechos da entrevista concedida por e-mail:
Perda de espaço
‘A resposta não é tão difícil de dar. Os mais apressados dirão que é pelo fato de a imprensa noticiar tudo, o que não acontecia naquele período. Não é verdade, a grande mídia hoje não tem essa característica. Ela tem as suas preferências e prioridades. De um modo geral, sobretudo a mídia eletrônica, criminaliza o movimento social, criando preconceitos e estereótipos.’
Tratamento igualitário
‘A imprensa alternativa precisa ter o mesmo tratamento que os grandes meios de comunicação, como, por exemplo, ter acesso a verbas publicitárias públicas sem restrições. Sem recursos, fatalmente ficará restrita a um pequeno público, sem condição de criar meios capazes de estabelecer um canal de comunicação diária, um mínimo necessário nos tempos atuais. É preciso, portanto, que a sociedade se organize e pressione no sentido de que a balança da mídia não fique desequilibrada em favor de apenas poucos veículos, como acontece hoje. Pode-se discutir, por exemplo, a criação de um fundo especial de recursos advindos da publicidade para contemplar a imprensa alternativa.’
Pró-Mídia
‘Nós não temos preconceitos contra a grande mídia, queremos que a imprensa alternativa não tenha tratamento diferenciado. Aliás, ela deve ser promovida pelo Estado democrático, já que foi um dos fatores fundamentais para a conquista da democracia. No caso da chamada Pró-Mídia não tem absolutamente sentido que o poder público contemple um setor naturalmente privilegiado com verbas para sanar deficiências resultantes da má gerência administrativa ou falha de previsões. Ser empresário sem correr riscos, sabendo que na hora ‘h’ vem o Estado para neutralizar a sua incompetência, é fácil.’
Governo Lula e Comunicação
‘O atual governo está repetindo práticas tradicionais de anteriores gestões, práticas essas que favorecem apenas o conservadorismo, o mesmo setor que nos últimos anos tem defendido o enfraquecimento do Estado. Ou seja, defendem um Estado mínimo, mas ao mesmo tempo querem que o mesmo Estado venha em seu socorro nos momentos de dificuldades.’
Sistema de Comunicação Alternativo
‘A forma prática de constituição de um Sistema de Comunicação Alternativo está em discussão. Primeiramente, é necessário o cumprimento de algumas exigências mínimas. O governo sueco, por exemplo, fornece subsídios a toda a imprensa, do movimento social às entidades associativas e à mídia de um modo geral. Mas, vale assinalar, isso só acontece depois da comprovação, muito bem comprovada, desde o número de assinaturas e de leitores, até a venda propriamente dita e a abertura de suas contas.’
Critérios para distribuição dos recursos
‘Um critério adequado poderia ser o de conceder recursos aos movimentos sociais ou conglomerados de entidades representativas capazes de apresentar o número oficial de seus filiados, isto é, o seu público-alvo preferencial e assim sucessivamente. Outro ponto talvez ainda mais relevante é o concernente às contas da publicação. Ou seja, um sistema de audiência pública verificaria a contabilidade das empresas que aspirariam os recursos públicos. Entendemos ser essa questão tão importante que deveria ser estendida para toda a mídia, seja ela pequena, média ou grande.’
Geração de empregos
‘Uma imprensa alternativa forte também gera empregos. E o atual governo ao tomar posse prometeu criar 10 milhões de empregos. Não é que só com a imprensa alternativa se criarão 10 milhões de empregos, mas o fortalecimento desse setor poderá modificar o quadro, segundo a Fenaj, de 17 mil jornalistas fora do mercado de trabalho. Uma empresa jornalística necessita também de outros profissionais para cuidar da administração e finanças. Um jornal, rádio ou TV sem isso não sobrevive.’
Espaço para a imprensa alternativa
‘Neste país continente há espaço para todos, do Oiapoque ao Chuí. É uma questão de vontade política e de organização. Para se conseguir isso é preciso que a sociedade se organize nesse sentido. Vamos chegar lá! O que não queremos mais é que os que não têm vez e voz permaneçam eternamente num gueto. Isso é a antítese da democracia, que no fundo é um produto do neoliberalismo.’’