‘O artista plástico Glauco Paiva, de 32 anos, pinta computadores usados no Parque Escola, em Santo André. ‘As máquinas chegam detonadas, com o gabinete sujo, ralado’, conta Paiva. ‘Depois que recuperamos, sai um micro novinho e personalizado. A idéia é descaracterizar o processo industrial, criando um artesanato digital.’
Ele faz parte do grupo MetaReciclagem, que participa de um projeto da prefeitura de Santo André e irá trabalhar também com o governo municipal de São Paulo na recuperação de computadores usados e na transformação de sucata digital em micros, para serem usados por quem hoje não tem acesso à internet. A prefeitura é parceira do governo federal no projeto Computadores para Inclusão Digital, para reciclagem de micros com software livre, como o sistema operacional Linux.
O software livre pode ser usado gratuitamente. Seu código-fonte – conjunto de instruções de programação – é aberto, e pode ser modificado de acordo com a necessidade de quem usa. Isto dá a programas como o Linux uma flexibilidade muito grande, permitindo que eles sejam adaptados para funcionar com computadores antigos e de poucos recursos.
‘O software livre é uma prioridade do Comitê de Inclusão Digital’, afirma o secretário-adjunto de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Rodrigo Assumpção. ‘O problema não é econômico, mas de manter os computadores sempre atualizados, sem constrangimento. Não ter que comprar licenças de atualização é uma complicação a menos.’
Liberdade – Ao conceito de software livre, o engenheiro Dalton Martins, de 26 anos, do grupo MetaReciclagem, agrega o conceito de ‘hardware livre’. ‘O computador novo vem com uma etiquetinha do fabricante, que não pode ser rompida, se não a máquina perde a garantia’, explica Martins. ‘A idéia de reciclar a sucata digital é de quebrar esta barreira, para que se possa desenvolver o conhecimento.’
O governo federal está instalando cinco Centros de Recondicionamento e Reciclagem de Computadores (CRC), em cinco cidades brasileiras: São Paulo, Belo Horizonte, Brasília, Rio de Janeiro e Porto Alegre. O trabalho deve começar em três meses e a meta é reciclar 20 mil máquinas por mês, doadas pelo próprio governo e pela iniciativa privada, além de peças apreendidas pela Receita Federal. Os micros serão destinados a escolas, telecentros (centros comunitários de acesso à internet) e bibliotecas. O governo federal espera implantar 6 mil telecentros até o fim de 2006.
Em São Paulo, o centro de reciclagem funcionará no Cine Olido, na região central da cidade, onde será instalado também um telecentro. Além disso, o pessoal da MetaReciclagem irá treinar catadores de rua no Projeto Oficina Boracea, na Barra Funda, para separar o lixo eletroeletrônico. De acordo com cálculos do governo federal, um computador reciclado com Linux sairá, em média, por R$ 142, comparados ao custo estimado de US$ 700 de um computador novo.
Negócio – A reciclagem de micros serve até como alternativa de negócio, incentivando o surgimento de pequenas empresas de informática. André Galvão, de 28 anos, trabalha como autônomo, com editoração eletrônica, e recebeu treinamento em reciclagem de micros em um projeto da prefeitura de Santo André. ‘Para pessoas de baixa renda, é um produto que cairia muito bem’, explica Galvão, que recebe agora assessoria em administração, para montar uma empresa com o colega Eric Bento, de 20 anos.
O plano de negócios de Galvão prevê vender máquinas com preços a partir de R$ 350. ‘É um desafio muito grande’, conta. ‘Existem clientes, mas, ao mesmo tempo, a situação deles não é das melhores. Precisamos encontrar alguém que financie os clientes, para conseguir vender.’ A expectativa de atendimento é de 50 a 56 máquinas por mês, entre venda e manutenção. A empresa deve ser aberta no próximo mês. Galvão e Bento moram e trabalham em Sacadura Cabral, bairro de baixa renda de Santo André.
Em São Paulo, a prefeitura vai oferecer treinamento nos telecentros para o recondicionamento de micros. ‘A idéia é que os meninos dos telecentros virem representantes e atendam a pessoas da comunidade’, conta a coordenadora do Governo Eletrônico do governo de São Paulo, Beatriz Tibiriçá. A seleção dos primeiro grupo está sendo feita pela empresa Planac Informática, parceira da IBM.
Entre outras atividades, a Planac faz reciclagem de computadores. Até agora, a empresa já reciclou entre 15 mil e 20 mil máquinas. A prefeitura enviou 100 máquinas usadas para a Planac, que vai recondicioná-las. Hoje, um computador reciclado, com Linux, é vendido por cerca de R$ 650 pela Planac.
Com Windows, a mesma máquina sairia por R$ 1 mil. O motivo da diferença seria o pagamento da licença de software.’
SOFTWARE & GOVERNO
‘Setor de software terá menos imposto’, copyright Folha de S. Paulo, 30/06/04
‘O governo anunciou ontem, na primeira reunião do CNDI (Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial), que em até dez dias implementará uma nova política tributária para o setor de softwares, que prevê a redução de impostos.
O setor é um dos quatro considerados estratégicos pelo governo. Os outros são de semicondutores, de fármacos e de bens de capital. O segmento, avalia o governo, foi prejudicado com as novas regras de cobrança da Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social).
‘A renúncia fiscal não será muito acentuada’, disse o coordenador do Grupo Interministerial de Política Industrial, Alessandro Teixeira. A nova política tributária para o setor pretende incentivar a produção de programas de computadores no Brasil.
Teixeira também divulgou dados sobre o Prosoft, programa de financiamento do BNDES para o setor, que revelam uma boa procura por parte dos empresários. Segundo ele, em menos de 60 dias, já foram aprovados empréstimos de R$ 25 milhões. A verba do programa é de R$ 100 milhões.
No Profarma, para o setor farmacêutico, o BNDES já aprovou financiamentos de R$ 125 milhões e estão em análises projetos que somam R$ 95 milhões. O programa conta com R$ 500 milhões.
O CNDI, do qual participam 11 ministros e 11 representantes do setor privado, foi criado para garantir a implementação das diretrizes da política industrial, anunciadas no primeiro trimestre deste ano. É um canal institucional entre a iniciativa privada e o governo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva preside o conselho.
Renúncia fiscal
Na próxima reunião do grupo, um dos pontos centrais da pauta será a redução de custo para novos investimentos no país. ‘Parece que há espaço [para renúncias fiscais]’, afirmou o presidente da Gradiente, Eugênio Staub, um dos representantes da iniciativa privada no CNDI.
Segundo Staub, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, disse na reunião que estava disposto a analisar proposta para a redução de impostos. ‘Estar disposto a ouvir propostas não é habitual na Fazenda’, disse Staub.
Teixeira, que é do governo, confirmou a disposição em discutir reduções de carga tributária. Ponderou, no entanto, que as reduções não podem ser para todos os setores, pois há restrições fiscais.
No encontro marcado para agosto, deverão ser listados os instrumentos e os setores que se beneficiarão das medidas. Na pauta estará a redução do IPI para máquinas e equipamentos, que o governo prometeu zerar até 2006, e novas regras para a cobrança de Cofins de bens de capital.
Até o final do ano, haverá um total de quatro reuniões do CNDI. Uma das preocupações da iniciativa privada é a falta de agilidade do governo em tomar decisões. ‘Temos que ter mais velocidade’, disse Staub.
Teixeira também anunciou a implementação de um centro de pesquisa em nanotecnologia (desenvolvimento de dispositivos na escala do milionésimo de milímetro), até o final deste ano. A criação do centro já estava prevista. Ontem, foi montado um conselho diretor provisório para trabalhar na criação do laboratório.
Outro tema da reunião foi a informalidade de empresas. Teixeira anunciou que, em breve, o governo divulgará um novo tipo de empresa, que pagará impostos de forma mais simplificada.’
RINGTONES
‘Ringtones tiram gravadoras do abismo’, copyright Folha de S. Paulo, 4/07/04
‘Se o telefone é bom para Syang, é bom também para a indústria da música. Desnorteado com o crescimento do comércio pirata e ainda combalido pelos efeitos dos programas de troca de arquivos de MP3, o mundo fonográfico enxerga a saída do buraco nos toques de celulares, os ringtones.
Nenhum outro setor que envolve música se desenvolveu tanto e tão rápido quanto esse. Em 2003, o mercado de ringtones faturou US$ 3,5 bilhões no planeta -esse número chegará a US$ 4,5 bi neste ano, segundo estimativa do instituto americano Juniper Research Mobile Music and Ringtones.
A Folha ouviu executivos de telefonia, gente ligada à indústria fonográfica no Brasil e no exterior e até o finlandês que ‘inventou’ os ringtones (leia texto abaixo) sobre esse fenômeno que está mudando os hábitos de entretenimento dos (principalmente, mas não só) adolescentes.
‘É impossível quantificar o quanto esse mercado está crescendo, mas definitivamente podemos dizer que está crescendo muito rápido’, diz Matt Phillips, diretor da British Phonography Industry, o órgão que regula a indústria fonográfica no Reino Unido. Na Inglaterra e na Alemanha, a venda de toques personalizados de celulares já é maior do que a de CDs singles.
No Brasil, a situação não é muito diferente. Há aqui 51 milhões de celulares (no mundo são 1,5 bi). No ano passado, foram comercializados no país cerca de 22 milhões de ringtones, e a previsão para 2004 é que chegue a 70 milhões. A gravadora Universal criou uma gerência especial para celulares. A Trama, por sua vez, está renegociando contratos com artistas, pois atualmente eles não prevêem esse tipo de negócio.
‘O que acontece é que a indústria fonográfica percebeu que trabalha com música, e não com suporte, com o CD’, diz André Szajman, presidente da Trama. ‘O mercado de ringtones é o que mais cresce mesmo. O potencial de mercado é absurdo, pois o ‘custo’ você teve ao produzir o disco do artista. O que vem com o ringtone é apenas lucro.’
Com todos esses números e informações, veio também a pergunta: por que alguém se dispõe a pagar para colocar a melodia de uma música como toque de seu celular, mas deixa de comprar, por preço semelhante, um CD single (os ringtones chegam a custar de US$ 1 a US$ 4, nos EUA, e de R$ 2 a R$ 4 no Brasil)?
‘Por alguns motivos’, explica Marcia Elena Almeida, da Universal. ‘O celular está com o consumidor 24 horas por dia, ao alcance da mão; o celular é um item de diferenciação e integração social; o usuário compra ringtones não só para ele ouvir, mas também para outros ouvirem; o celular deixou de ser um aparelho de comunicação para se transformar quase num vício entre os adolescentes; a curiosidade inata do ser humano para tudo o que é novidade.’
A maioria dos celulares no Brasil está habilitada a comportar um ringtone em qualquer um de seus três tipos: monofônico (que toca apenas um timbre); polifônico (que pode tocar até 32 timbres); ou o chamado truetone (a reprodução original de uma música).
Pode-se adquirir um desses toques através da operadora do celular ou de empresas fornecedoras de ringtones. ‘Alguns artistas chegam a disponibilizar um ringtone antes mesmo de lançar o disco’, afirma André Mafra, gerente de conteúdo da Vivo. ‘É muito simples de comprar e é muito simples de oferecer. Alguém que não sabe mexer direito no telefone consegue baixar um ringtone’, diz Andrea Ortenzi, gerente de ofertas de serviços da Tim.
Como são produzidos a partir da melodia de uma canção, os toques monofônicos e polifônicos geram pagamento de direitos apenas ao compositor da música (ou à editora que detém o direito). Já os truetones aumentam a receita também das gravadoras, pois utilizam o fonograma original.
‘Estamos há quatro meses negociando valores com as operadoras’, disse Glória Braga, superintendente do Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição). ‘A previsão é que a arrecadação com ringtones seja metade da conseguida com as TVs abertas e as rádios.’
O computador no celular
A oferta de ringtones cresce exponencialmente, motivada pelo hábito compulsivo dos usuários de celulares. ‘Este é um mercado que dificilmente terá esgotamento. Pessoas entre 12 e 28 anos geralmente pegam dez ringtones nos primeiros dois meses após a compra do celular. Depois disso, a média fica entre um e três ringtones por mês’, afirma Ralph Simon, diretor para as Américas da Mobile Entertainment Forum (www.mobileentertainmentfo rum.org), associação internacional responsável pela criação da parada de ringtones na Inglaterra.
Nos EUA, teme-se até o aparecimento de um ‘Napster dos ringtones’. A empresa Xingtone (www.xingtones.com) oferece tecnologia para ‘transportar’ os arquivos musicais de um computador para o celular por US$ 15 dólares; foi motivo de extensa reportagem do ‘New York Times’.
Já a revista ‘Business Week’ chama a atenção para o que acontece na Coréia do Sul, país que está tecnologicamente, segundo Ralph Simon, ‘três anos na frente dos EUA’. Lá já existem desde o ano passado os chamados ‘ringbacks’: ao ligar para uma pessoa que tem esse serviço, ouve-se uma canção em vez do toque de chamada ‘normal’.
Em bem pouco tempo, o telefone celular será um novo iPod.’
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‘‘Idéia surgiu a partir de ressaca’, diz ‘criador’’, copyright Folha de S. Paulo, 4/07/04
‘Hoje um negócio de bilhões de dólares, o ringtone foi ‘inventado’ em 1997 por um garoto que mal havia completado 20 anos, que estava de mal humor por causa de uma ressaca.
O ‘inventado’ está entre aspas porque os toques celulares já existiam na época, mas a idéia de transformá-los em melodias conhecidas surgiu com Vesa-Matti ‘Vesku’ Paananen.
Atualmente cursando mestrado em matemática, Vesku ficou rico com sua invenção: ele é proprietário de uma empresa que desenvolve softwares para celulares e passa boa parte do ano viajando e praticando kitesurfe (uma versão do windsurfe que possui uma vela parecida com um pára-quedas de alta performance).
Vesku conversou com a Folha por telefone, de Helsinque, na Finlândia, sobre o fenômeno que ajudou a criar.
Folha – É verdade que você estava de ressaca quando teve a idéia de personalizar o ringtone?
Vesa-Matti ‘Vesku’ Paananen – Sim, é verdade. Era uma manhã de quinta-feira, no inverno. Na noite anterior, tinha ido a uma festa e acordei com uma ressaca forte. Quando meu celular tocou, fiquei irritado com aquele típico e irritante toque e decidi que aquilo tinha de mudar. Eu trabalhava com tecnologia de telefonia, então passei a investigar um meio que possibilitasse a substituição daquele toque horrível para alguma melodia legal. Levou seis meses.
Folha – Hoje podemos ouvir música e assistir a vídeos no celular. Como será o futuro desse setor?
Vesku – Poderemos fazer mais e mais coisas. Os técnicos estão estudando formas de ‘canibalizar’ as funções de um celular e transformá-las em um centro de entretenimento: tocador de música, agenda, acesso a cartão de crédito, câmera de vídeo, acesso a jornais, filmes, conteúdos adultos, rádio, TV etc. O maior problema será a duração da bateria.
Folha – A indústria da música sofre bastante com pirataria na internet. Esse tipo de problema pode ocorrer com os ringtones?
Vesku – É difícil, mas não impossível. Mas a indústria deve olhar esse mercado com uma outra perspectiva: se fizer um serviço bom e por um preço justo, não há por que alguém piratear um ringtone. Esse é o desafio. O problema com os CDs é que eles são velhos… Por isso as pessoas estão dispostas a gastar dinheiro em outras formas de entretenimento.’