‘Enquanto o governo federal enfrenta mais um round em sua briga com a Microsoft, numa polêmica sobre a possibilidade de o Windows ser excluído do programa PC Conectado, que vai oferecer micros de baixo custo com subsídio da administração federal, o sociólogo espanhol Manuel Castells, um dos maiores especialistas do mundo em cultura digital, não tem dúvida: ‘O software livre permite desenvolver aplicações próprias para cada sociedade’, afirmou Castells ao Estado.
A defesa do software livre, como o sistema operacional Linux, é uma das bandeiras do governo Lula. Ao contrário do software proprietário, como o produzido pela Microsoft, ele pode ser copiado e modificado livremente, sem o pagamento de licenças.
Professor da Universitat Oberta de Catalunya, em Barcelona, Castells é autor de uma trilogia chamada A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura, obra monumental, com cerca de 2 mil páginas, resultado de 12 anos de pesquisa sobre o impacto da tecnologia em vários aspectos da vida humana, em várias partes do mundo. A edição brasileira do primeiro volume, A Sociedade Em Rede (1997), teve prefácio do então presidente Fernando Henrique Cardoso, amigo de Castells de longa data. O professor participou do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, no mês passado.
Mas quais seriam as vantagens do software livre? ‘Em primeiro lugar, o software livre tem uma qualidade muito melhor do que seu equivalente comercial, como o da Microsoft’, enumerou Castells. ‘Ele favorece a inovação tecnológica. Os produtos são tecnologicamente superiores, têm menos vírus, menos problemas que os softwares da Microsoft. Em segundo lugar, o software livre está ligado a movimentos contraculturais e políticos, mas não é só isso. Também estão a favor do software livre grandes empresas, como IBM, como Oracle, como Sun Microsystems. Poderia dar uma lista de 20 multinacionais que fazem negócios não com o software livre, mas com aplicações e serviços a partir do software livre.’
Na visão de Castells, a ação do governo brasileiro está entre as mais importantes na adoção do software livre em todo o mundo. ‘Os governos, que buscam o desenvolvimento tecnológico do País, estão cada vez mais favorecendo o software livre’, explicou o sociólogo. ‘Primeiro, para não ter que pagar licenças. Segundo, porque quer incentivar o desenvolvimento de uma série de contribuições no Brasil de gente que pode trabalhar com o software livre, que permite criar aplicações próprias para cada sociedade.’ Além do Brasil, ele citou como exemplo Extremadura, uma região pobre da Espanha, que criou uma versão simplificada do Linux para mais pessoas tenham acesso ao sistema.
POSIÇÃO
A economia digital tornou-se o centro da economia global, de acordo com Castells. ‘A tecnologia digital e a internet são o equivalente ao que foi a eletricidade na sociedade industrial’, explicou o sociólogo. ‘A economia digital não é somente um setor da economia, mas a infra-estrutura da economia.’
Nesse panorama, qual seria o papel reservado ao Brasil? ‘Acredito que o País não teria grandes possibilidades no desenvolvimento de indústrias tradicionais de tecnologia, que cada vez mais dependem de custos baixos’, disse o sociólogo. ‘O Brasil tem custos baixos, mas não tão baixos quanto a China ou a Indonésia. O País pode competir com as tecnologias mais avançadas na gama média-alta de tecnologia. Não na mais alta, mas em parte na indústria de aviação, em parte nos automóveis mais avançados, em serviços de informática, em alguns tipos de computadores, em desenvolvimentos agroindustriais.’
Ele enxerga, porém, a educação como um obstáculo. ‘Não existe sociedade que possa gerar conhecimento se não há um bom sistema de educação e um bom sistema de universidade’, disse. ‘E isto, hoje no Brasil, é um grande ponto de interrogação. Há algumas universidades excelentes, como a Universidade de São Paulo, a de Campinas, mas, em seu conjunto, o sistema universitário brasileiro está muito para atrás dos países mais avançados. E o sistema básico de educação do Brasil conseguiu a escolarizar as crianças, mas não educá-las.’
SEM FIO
Apesar de tê-lo publicado somente há quatro anos, Castells identificou pelo menos um ponto em que atualizaria seu livro A Galáxia da Internet, incluindo a expansão mundial do celular e o acesso à internet por equipamentos móveis. ‘Neste momento, o celular é a tecnologia de comunicação que mais cresce. E que está mudando tudo’, ressaltou. ‘Por exemplo, na Espanha, neste momento, a proporção de pessoas com celular é de 102%. Existem mais celulares que pessoas. Neste momento, na China, há 380 milhões de celulares. É onde existem mais telefones móveis no mundo. A explosão do celular nos últimos anos, o grande desenvolvimento do acesso à internet pelo celular estão mudando a vida das pessoas e as possibilidades de fazer algo novo com a tecnologia.’ Atualmente, Castells trabalha em uma pesquisa sobre o tema, estudando os efeitos sociais e econômicos que dele decorrem.’
INTERNET
‘Piorou com a proibição’, copyright Veja, 2/03/05
‘Há pouco mais de um ano, o governo americano decidiu entrar para valer na guerra contra o spam, aquelas mensagens eletrônicas que ninguém quer receber e que acabam abarrotando as caixas postais. A principal arma da ofensiva é a lei anti-spam, que entrou em vigor em janeiro de 2004. Prevê pena de prisão e multa para quem envia mensagens comerciais não solicitadas. Não deu resultado. Em lugar de diminuir, a quantidade de lixo eletrônico multiplicou-se. O spam representa hoje 80% de todas as mensagens transmitidas pela internet, contra 60% em janeiro de 2004. O tropeço dos legisladores americanos mostra a dificuldade de barrar a praga que ameaça destruir as comunicações na internet. Pela lei, mensagens comerciais devem oferecer ao destinatário a opção de informar que não deseja mais receber esse tipo de correspondência. A maioria dos e-mails comerciais passou realmente a conter essa opção. Mas se estima que em apenas 3% dos casos o sistema é para valer. Nos outros 97%, trata-se de opção ilusória. Quem pede para não receber novas mensagens na prática confirma seu endereço e passa a receber uma quantidade ainda maior.
A dificuldade da polícia é provar que isso vem ocorrendo. Até agora, só houve uma punição mais severa, a do americano Jeremy Jaynes, que chegava a distribuir 10 milhões de mensagens comerciais por dia. Ele foi condenado a nove anos de cadeia, no mês passado. ‘A ironia é que a lei americana, em lugar de coibir, legalizou o spam e atraiu mais gente para o negócio’, diz o inglês Steve Linford, diretor da Spamhaus Project, associação que combate a proliferação de mensagens indesejadas na rede. A ineficiência da lei americana afeta a internet em escala global, pois metade de todo o spam é originada nos Estados Unidos. Se o negócio continua crescendo é porque, ainda que todo mundo o odeie, o spam funciona. De acordo com uma pesquisa, três em cada dez brasileiros lêem as mensagens comerciais que recebem e metade desses compra produtos anunciados por elas.
A avalanche de e-mails não é apenas um aborrecimento pessoal para quem usa mensagens eletrônicas. Uma estimativa mostra que, em escala global, pode custar 50 bilhões de dólares por ano às empresas. Essa soma inclui o que, para dar conta do volume de mensagens indesejadas, é gasto a mais com acesso à internet, com energia elétrica, com o arquivamento de informações inúteis e com sistemas de segurança ineficientes. Cada trabalhador perde cerca de uma hora por mês apagando mensagens comerciais. De pouco adiantam os programas usados para filtrar os e-mails: eles só conseguem barrar, em média, 98% dos spams. O que passa – 14 bilhões de mensagens por mês – é o suficiente para lotar os correios eletrônicos.’
Folha de S. Paulo
‘Gates diz que Microsoft investe US$ 2 bilhões em combate ao spam e a vírus’, copyright Folha de S. Paulo, 23/02/05
‘Em uma apresentação na conferência de segurança RSA, o fundador da Microsoft afirmou estar investindo pesado contra o spam, os vírus e o phising (golpe que envolve o roubo de identidade virtual).
No evento, Bill Gates anunciou o lançamento da nova versão do navegador Internet Explorer e demonstrou novas tecnologias desenvolvidas para combater programas espiões.
Baixado por mais de 6 milhões de pessoas, segundo a Microsoft, o Windows AntiSpyware (www.microsoft.com/athome/security/
spyware/software/default.mspx) continuará a ser gratuito. Outra novidade apresentada no evento foi o Spynet, um sistema para gravação de dados que promete contra-atacar invasões.
As novidades são reflexo da compra das produtoras de antivírus Giant Software e Sybari Software, que foram adquiridas pela Microsoft em dezembro do ano passado e em fevereiro, respectivamente.’
INCLUSÃO DIGITAL
‘‘Abismo digital’ diminui, diz Banco Mundial’, copyright Folha de S. Paulo, 26/02/05
‘O ‘abismo digital’ entre países ricos e pobres está diminuindo rapidamente, afirmou o Banco Mundial ontem, questionando uma campanha da ONU (Organização das Nações Unidas) para levar telecomunicações de alta tecnologia ao mundo em desenvolvimento, que teria custo muito alto.
Cerca de 1.700 especialistas de vários países vão se reunir em Genebra para a Cúpula Mundial sobre Sociedade da Informação da ONU (WSIS, na sigla em inglês). Em resposta, o Banco Mundial divulgou um relatório que diz que os serviços de telecomunicações estão crescendo a taxas explosivas nos países pobres.
‘As pessoas no mundo em desenvolvimento estão ganhando acesso à tecnologia com uma rapidez incrível -muito mais rápido do que elas tinham acesso a novas tecnologias no passado’, segundo o relatório.
Metade da população mundial tem acesso a um telefone fixo, diz o relatório, e 77% têm acesso a uma rede de telefonia móvel, ultrapassando o objetivo da campanha do WSIS, que quer 50% de acesso até 2015.
O relatório mostra ainda que existem 59 milhões de linhas fixas na África, o que contradiz a declaração de que existem mais telefones em Manhattan do que em toda a África, feita pelo presidente do Senegal, Abdoulaye Wade, em uma coletiva de imprensa da ONU no ano passado. ‘A não ser que os nova-iorquinos e seus amigos de outras cidades [que trabalham em Nova York] tenham 12 telefones cada uma, a África já tem mais telefones que Nova York’, diz o relatório.
Campanha
O objetivo da campanha da ONU é aumentar o acesso à tecnologia em países pobres como forma de erradicar a pobreza e construir democracias estáveis.
Países em desenvolvimento, especialmente da África, devem repetir seus apelos amanhã, em Genebra, por um ‘Fundo de Solidariedade Digital’ para financiar a infra-estrutura necessária para diminuir o abismo digital.
A indústria de telecomunicações, porém, já entrou em ação nesses mercados, onde muitas vezes o número de celulares já ultrapassa o de telefones fixos. As empresas têm interesse em investir em novos mercados para contrabalançar o crescimento lento em países ricos.
Um exemplo dessa tendência é que a fabricante de celulares Motorola anunciou neste mês que vai lançar um modelo de celular por menos de US$ 40, dirigido aos mercados emergentes.’