Leia abaixo a seleção de domingo para a seção Entre Aspas. ************
Domingo, 21 de janeiro de 2008
MÍDIA & POLÍTICA
Dimitri do Valle
Requião critica ‘mídia paga’ e Judiciário
‘Após ser proibido pela Justiça de usar a TV Educativa do Paraná para promoção pessoal, ofensas à imprensa, a adversários e instituições, o governador Roberto Requião (PMDB) disse, em entrevista à Folha, que não pode ficar ‘ao sabor da opinião da mídia paga, da mídia subsidiada pelo capital’.
A entrevista foi feita na sexta-feira, horas antes de ele ser multado em R$ 50 mil por desrespeitar a decisão -terça passada, em seu programa semanal ‘Escola de Governo’, Requião cortou o som da própria voz e colocou um carimbo de ‘censurado’ sobre a imagem.
Durante os 50 minutos de conversa em seu gabinete, ele ficou irritado (‘Você não existe, rapaz, como jornalista’). Antes de iniciar, apontou para um gravador. Depois, disse que colocaria a gravação na íntegra na TV Educativa se a publicação não fosse fiel a suas palavras. Até ameaçou suspender a entrevista. Mas continuou para dizer que trabalha para ser ‘o melhor governador da história do Paraná’. O ranking de avaliação dos governadores do Datafolha, do final de novembro, apontou Requião como 5º mais bem avaliado entre dez pesquisados.
FOLHA – A Justiça proibiu o sr. de usar a TV Educativa para promoção pessoal e ofensas. A decisão será cumprida?
ROBERTO REQUIÃO – Nunca fiz propaganda pessoal. Quando vou à ‘Escola de Governo’, coloco uma idéia e estou me expondo. Não vou lá dizer que sou rei da cocada preta.
FOLHA – O sr. diz que é vítima de censura, mas já processou meios de comunicação e jornalistas que publicaram algo que o desagradou.
REQUIÃO – Se alguém não gostar do que eu digo, me processe. Posso provar que o que eu disse era exatamente o que acontecia. Censura prévia é um crime contra a Constituição.
FOLHA – Mas como o sr. lida com a situação antagônica?
REQUIÃO – Não há situação antagônica. [Só] na sua cabeça. E me perdoe a franqueza: está funcionando mal sua cabeça. Se você me difama, eu te processo, eu não te censuro. Não difamei ninguém. Tudo o que eu disse na ‘Escola de Governo’ eu posso provar. E não tem nenhuma ação contra mim.
FOLHA – Como o sr. avalia a programação da estatal do Paraná?
REQUIÃO – É a comunicação do governo com a população. Não posso ficar com o governo inteiro ao sabor da opinião da mídia paga, subsidiada pelo capital e pelos interesses. Não é o fato de eu ter me elegido governador que me tira o direito de opinião. Esperava que a censura contra a liberdade de opinião tivesse acabado no Brasil. Parece que não acabou. Só houve esse raio dessa ação [da Procuradoria] no dia em que expus os salários do Ministério Público.
FOLHA – Há ainda a questão do nepotismo no seu governo.
REQUIÃO – Quando eu me candidatei, eu disse na televisão, no horário do PMDB, que nomearia meu irmão Maurício como secretário da Educação. E não existe impedimento constitucional para se nomear pessoas competentes, sejam quais forem. Você não pode cercear uma pessoa pelo fato de ser seu parente. O nepotismo é uma coisa mais ampla: é nomear [pessoa] inadequada por um protecionismo de qualquer sentido em um lugar importante onde ela prejudica a administração pública.
FOLHA – O vínculo familiar não atrapalha as cobranças?
REQUIÃO – Não. Ajuda. Ele é meu parceiro político mais do que parente. O Maurício é o melhor secretário da Educação do Brasil. E outro irmão meu [Eduardo Requião], que está no porto de Paranaguá, transformou um porto falido no primeiro porto do país.
FOLHA – O sr. se recusa a conceder reajustes nos pedágios, que acabam sempre determinados pela Justiça. Vai continuar com essa oposição?
REQUIÃO – Evidente que vou continuar. A Justiça assumiu a administração do pedágio no Paraná. Agora, depois da licitação em que o governo federal licitou o pedágio 10, 11 vezes abaixo do preço do Paraná, você nem devia me fazer essa pergunta. Você devia me perguntar se eu acho que a Justiça vai continuar dando esse absurdo de aumentos absolutamente indevidos. Reverta a pergunta que fica melhor.
FOLHA – Governador, os contratos estão registrados.
REQUIÃO – Que maravilha. Acho que eu vou interromper essa conversa. Esse tipo de cabeça não existe. Você não existe, rapaz, como jornalista. Contratos estão registrados. Um governo corrupto faz um contrato absurdo, o povo é roubado, eu sou o governador do Paraná, eu tenho que dizer que o governo fez o contrato absurdo e o povo tem que continuar pagando. Não, tem que contestar isso.
FOLHA – Qual é o seu projeto político para o futuro?
REQUIÃO – Gostei da palavra. Eu trabalho por projeto. O meu projeto é fazer o melhor governo da história do Paraná outra vez porque eu já fiz na legislação passada. Eu não vou dizer a você que o Ministério Público Federal e o Judiciário não estejam me lançando nacionalmente e me obrigando a fazer uma campanha nacional contra a censura prévia e que isso não me promova no Brasil. Mas, ao mesmo tempo, dizer que ao lado dessa promoção quem está sendo agredido é o país, a democracia, a liberdade de expressão.’
MÍDIA & ECONOMIA
Vinicius Torres Freire
Celso Pinto retrata mudanças da economia
‘Celso Pinto nunca foi ‘pop’. Celso Pinto, porém, é o melhor jornalista de economia do país, talvez o melhor que já tivemos.
Uma coletânea de mais de duas décadas de seus textos jornalísticos está sendo lançada agora (‘Os Desafios do Crescimento -Dos Militares a Lula’). Mais do que memória ou crônica alentada e refletida do período mais longo de descaminhos e desastres da história econômica do país, o volume é uma série exemplar de artigos sobre o benefício das ‘certezas da dúvida’, para lembrar o nome de um velho livro de um grande jornalista, Paulo Francis, que nada em comum tinha com Celso.
Mesmo tendo sido autor de importantes ‘furos de reportagem’, Celso jamais cede à tentação ‘pop’, ao que é ou, melhor, parece mais espetacular. A sua informação nova e relevante é sempre contextualizada. O dado que poderia causar sensação nas mãos de um profissional menos refletido e informado é atenuado pelo reconhecimento das asperezas e complexidades do mundo real.
Foi sempre assim ao longo de sua carreira -como repórter da antiga ‘Gazeta Mercantil’, como colunista desta Folha ou como diretor do jornal ‘Valor Econômico’.
O melhor jornalismo é uma tentativa sempre precária de errar menos na tarefa cotidiana, e hoje em dia quase horária, de separar o que é novo do que meramente causa sensação, com o fim pretenso de publicar novidades importantes que sejam tanto de interesse público como da curiosidade pública. É uma atividade, pois, quase inviável. No jornalismo econômico, sob um aspecto essa tarefa é ainda mais difícil.
Há um jorro diário de indicadores econômicos, estudos e projetos governamentais e privados, além da fábrica de ‘papers’ acadêmicos ou a linha de montagem de estudos econométricos que diariamente ‘provam’ isso ou aquilo (para não mencionar o lobby travestido de ciência e técnica econômicas). No entanto, a vida e o mundo são menos sensacionais e mais lentos que muito jornalismo e a profusão de dados querem fazer crer.
A diversidade de fontes a que Celso tem acesso, a peneira contra bobagens de sua boa formação técnica e o painel de informações que apresenta em seus textos acabam por colocar os dados em seu lugar. O resultado desse trabalho é mais reflexão, menos sensação.
Isto posto e obviamente, Celso não é um ente de pura razão, nem o observador neutro num ponto ideal. Fica fácil reconhecer, ainda mais à distância de 20 anos, como o jornalista ainda jovem se empolgou demais com o Plano Cruzado, como aliás praticamente todo o país, em 1986 (Celso tinha então 33 anos). Mas, ao longo do livro, o que se vê com regularidade é a dúvida, é a crítica suscitada por perguntas e questionamentos certeiros. E pelas investigações certas.
Celso é um caso raro de repórter, especial por combinar o conhecimento técnico e a paciência do estudo com a agilidade de perceber a grande notícia. Um de seus melhores momentos foi a cobertura das dificuldades do Plano Real com o câmbio valorizado, quando, entre outras coisas, revelou as operações então desconhecidas do governo no mercado futuro de moedas, com o que ganhou a inimizade tola de um ou outro membro da equipe econômica de FHC. Rara inimizade, diga-se, pois Celso tem acesso a fontes pesadas e diversas. ‘A capacidade de Celso de escutar e peneirar o que disseram economistas de diversos matizes alimenta os diálogos em que se baseiam os artigos aqui reproduzidos’, diz a economista Eliana Cardoso num dos prefácios.
Celso é tido como um ‘liberal’, muito próximo ou amigo mesmo de muitos economistas que formularam o Real, como Pérsio Arida e André Lara Resende. Aliás, como conta Arida noutro prefácio do livro, Celso foi convidado pelo próprio Arida, com a anuência de FHC, para se integrar à equipe econômica, em 1994, não como assessor de imprensa, mas no papel de memorialista crítico, digamos, da empreitada. Celso declinou o convite, preocupado em manter a independência jornalística.
Seja lá o que signifique o rótulo ‘liberal’, Celso fez parte de uma geração que se frustrou com vários aspectos das experiências heterodoxas de controle da inflação e que, ao longo dos anos 80, se desencantou mais e mais com a capacidade do Estado de conduzir a economia. Que se indignou com a extraordinária baderna fiscal brasileira, tema explícito ou implícito de muitas páginas do livro.
Mas, dentre as pessoas que se ocupam de economia, acabou na prática por se alinhar ao ‘consenso central’ do que fazer com a política econômica, comunhão que se estruturou nos anos FHC. Não que escrevesse manifestos, longe disso.
Mas é possível perceber sua posição pelo tipo de questionamentos que faz a seus interlocutores. De resto, Celso é muito mais um repórter analítico e ponderado do que um crítico estridente de tal ou qual política ou linhagem econômica.
O livro relata com muito detalhe uma série de momentos críticos, desde a formação do governo Tancredo ao governo Lula; mostra a política da formação das diretrizes e equipes econômicas da Nova República, de Collor, de Lula. Termina em 2003, com o refluxo da crise cambial e de explosão da dívida pública que ocorrera na eleição de 2002 (Lula versus Serra). Celso não tem escrito mais, pois convalesce de uma parada cardiorrespiratória.
As histórias de ‘Desafios do Crescimento’, por fim, provocam sentimentos contraditórios a respeito do percurso econômico do país nos últimos 25 anos -e certo alarme, dada a proximidade de nova crise mundial (velharias e maluquices e antigos choques voltarão?).
Por um lado, o relato das intricadas crises brasileiras e do exotismo de muitos instrumentos de política econômica utilizados entre os anos 80 e 2000 suscita um certo alívio e estranhamento. Parecem velharias abandonadas: operações exóticas entre o Banco Central e a Fazenda, controles cambiais complexos e ineficazes, discussões bizantinas sobre base monetária, a ‘privatização’ antes ainda maior de políticas públicas, as negociações tétricas da dívida externa e os calotes. Alívio: parece que o país melhorou.
Mas soa infelizmente muito atual a recorrência, no livro, da discussão sobre o descontrole fiscal, o persistente ‘problema’ do câmbio, a lembrança da existência de entulhos da era inflacionária; sobre a indeterminação do papel de instituições-chave como o Banco Central e a ‘captura’ de políticas do Estado, seja por empresários, economistas ligados às finanças ou outros grupos de interesses muito particulares.
OS DESAFIOS DO CRESCIMENTO – DOS MILITARES A LULA
Autor: Celso Pinto
Editora: Publifolha/Valor
Quanto: R$ 39 (400 págs.)’
TELEVISÃO
Laura Mattos
Matheus Nachtergaele como o jornalista Tito, em ‘Queridos Amigos’
‘Matheus Nachtergaele, 39, não tem celular. Motivo: ‘Não aceito ser roubado sistematicamente pelas operadoras’.
Nisso, acredita, se parece com Tito, jornalista radical de esquerda que interpretará na minissérie ‘Queridos Amigos’, da Globo, a partir de 18 de fevereiro. Ex-exilado político, ele se depara com um país em grave crise econômica e tem de afogar, em uma revista pornográfica, todo o talento que pretendia usar para mudar o mundo.
A história, de Maria Adelaide Amaral, se passa em novembro de 1989, fim da campanha Lula x Collor. Tito, é claro, votou em Lula, apesar de não considerar, já naquele tempo, o petista tão de esquerda assim. Esse foi também o voto de Nachtergaele, mais esperançoso que seu personagem, triste por ver a família inteira ajudar a eleger Collor. Em 1989, o ator morava na França, mas voltou ‘a tempo de ver o debate final’ entre os candidatos e ‘assistir de camarote ao governo Collor’.
Hoje, Nachtergaele se decepciona por Lula não ter o hábito de aparecer na TV e dizer claramente: ‘Olha, gente, o que está acontecendo é o seguinte: eu queria fazer isso, mas não estou conseguindo porque a empresa tal está dificultando etc. etc.’.
Nachtergaele confessa ter dificuldades para ‘perceber o que se passa na política’. E acredita que Amaral acertou em dar ‘essa ré pequena para entender um passado dolorido que a gente, que era jovem, não consegue compreender bem’. Dos anos 80, diz se lembrar ‘da morte de Elis, da Aids e da sensação clara de que o capitalismo tinha vencido no mundo’.
‘Queridos Amigos’, na sua opinião, ‘vai ser uma minissérie como há muito tempo não se via, com uma coragem que desapareceu da TV, de muito culhão, para ser vulgar’.
‘Depois de ‘Os Maias’ [Maria Adelaide Amaral, 2001, com Nachtergaele, boa de crítica e ruim de ibope], houve um certo pânico, e as minisséries viraram novelas de época. A TV ficou com medo’, analisa. ‘Queridos Amigos’, diz, vai ‘colocar o dedo na ferida’ ao citar ‘Lula, Collor, Sarney, Ulysses Guimarães’ e mais figurões.
Menina morta
Se, na TV, Nachtergaele será um radical com quem guarda certa semelhança, no cinema promete radicalizar de vez.
Neste ano, estréia como diretor com ‘A Festa da Menina Morta’, protagonizado por Daniel de Oliveira. Para se ter uma idéia da obra, vale contar o que Cláudio Assis, diretor dos nada convencionais ‘Amarelo Manga’ e ‘Baixio das Bestas’, disse a Nachtergaele após uma sessão privada: ‘O filme deve passar por dificuldades no Brasil’. Segundo o ator, o longa-metragem ‘é livre, de autoria, não se encaixa em um modo de narrativa que seja facilitador e vai causar estranheza’.
Ele teve a idéia da história quando filmava a minissérie ‘O Auto da Compadecida’ (1999).
‘Estava perto de Cabaceiras [PB] e saí para ir a um forró. Acabei caindo em uma cerimônia religiosa na qual o povoado rezava para restos do vestido de uma menina morta que havia sido encontrada por uma família muito católica. As pessoas pediam coisas para os trapos. Eu mesmo rezei’, conta.
Em ‘A Festa…’, Daniel de Oliveira é quem encontra o vestido e se torna o santinho de uma seita. O filme começa a rodar festivais internacionais a partir de abril, e o lançamento no Brasil é previsto para o final do ano. Fora isso, Nachtergaele deve participar da série ‘Os Amadores’, da Globo, no segundo semestre.’
Sérgio Salvia Coelho
Ator representa todos os tipos brasileiros
‘O que há em comum entre um mártir bíblico e um homossexual de novela, um soldado expressionista alemão e uma mosca? Um ator, é claro, mas um que atenda pelo nome de Matheus Nachtergaele.
Rara unanimidade entre críticos e platéias de teatro, cinema e televisão, escolhido pelo exigente Ariano Suassuna como o melhor intérprete de João Grilo, do ‘Auto da Compadecida’, levou a crítica Aurora Miranda Leão a escrever: ‘Ver Matheus Nachtergaele interpretando é ter a certeza da existência de Deus’.
Talvez tenha sido essa mesmo a sua função em ‘O Livro de Jó’ (1995), do Teatro da Vertigem, de Antônio Araújo. Já havia tido sua vocação atiçada por Antunes Filho -e sua formação na Escola de Arte Dramática o havia feito entrar na companhia uma montagem antes, em ‘Paraíso Perdido’-, mas foi em ‘Jó’ que se consagrou. Nu, banhado em sangue, Nachtergaele passou a espantar pela força, um atleta afetivo artaudiano que nunca se poupa, seja enquanto ‘Woyzeck, o Brasileiro’ (2003), o soldado anti-herói do expressionista Büchner na releitura de Cybele Forjaz, seja no frágil Treplev da ‘Gaivota’ de Tchekhov, na montagem de Daniela Thomas (1998).
Contracenando com Fernanda Montenegro, nesta montagem de elenco ‘all-star’, ou único profissional em ‘Cidade de Deus’ (2002), filme de Fernando Meirelles, sempre se destacou pela seriedade com que se aprofunda nos papéis. Fez o Rato em ‘Castelo Rá-Tim-Bum – O Filme’ (2000), de Cao Hamburger, e dublou uma mosca no filme americano ‘Deu Zebra’ (2005), com auto-exigência enorme, observando os ritmos dos animais.
Entrou na casa do grande público como Cintura Fina, da minissérie ‘Hilda Furacão’, renovando estereótipos da televisão. E agora pode tudo.
Nachtergaele representa todos os brasileiros.’
Barbara Gancia
De onde tiraram a idéia de que Jack Bauer glorifica a tortura?
‘Com exceção de George W. Bush e dos poucos admiradores que ainda lhe restam, ninguém discute que Guantánamo e os episódios de tortura ocorridos na prisão de Abu Ghraib tiraram dos EUA o privilégio de se considerar uma liderança moral neste mundão de meu Deus. O que eu gostaria de entender é de onde a imprensa tapuia extraiu a noção de que a prática da tortura e a detenção ilegal são glorificadas em um seriado de TV.
No domingo passado, o excelente Fernando Bonassi escreveu nesta Ilustrada um texto fictício centrado em cima de Jack Bauer, o personagem principal de ‘24 Horas’, em que deduzia que Bauer só pode ser republicano. Como será que Bonassi chegou a essa conclusão? Que eu saiba, ao longo dos seis anos da série, o maior aliado de Jack Bauer sempre foi o presidente David Palmer, um negro, democrata, com pinta de Barack Obama.
E, por acaso, democratas, quando estão na presidência, são menos belicosos do que republicanos? Basta lembrar dos ataques realizados na gestão Clinton contra uma fábrica de produtos farmacêuticos no Sudão para saber que não.
Não é de hoje que meus colegas (muitos dos quais admitem nunca ter assistido a nenhum ano completo da série) insistem em dizer que ‘24 Horas’ defende as ações do governo americano na chamada ‘guerra contra o terror’.
Pois, na minha modestíssima opinião, é justamente o contrário. A série coloca em pauta uma questão da hora: posto que hoje existem armas químicas, terroristas suicidas e que armas nucleares podem ter saído da antiga União Soviética e caído nas mãos de criminosos, é legítimo que um país que esteja sob ataque use métodos que contrariam a Convenção de Genebra para se defender?
Jack Bauer é um cruzamento entre o capitão Nascimento, de ‘Tropa de Elite’, e o James Bond de Daniel Craig. À medida que a série avança, ele vai se tornando uma figura trágica e tem de arcar com as conseqüências dos métodos que usou contra inimigos de Estado. No último ano da série, esses inimigos eram todos empresários de ultradireita.
Na sexta temporada, descobrimos que os árabes detidos em um campo de prisioneiros são todos inocentes e que a prisão deles foi ilegal. Estranho isso numa série que promove os ideais de Bush, não?
Diziam também que ‘24 Horas’ incitava jovens soldados americanos no Iraque a imitar os métodos de Jack Bauer. Ora, que bobagem! O chamado ‘atirador de Washington’, Lee Boyd Malvo, que participou do assassinato de dez pessoas em 2002, não afirmou que estava vivendo dentro de ‘Matrix’?
Esse pessoal que fala mal de ‘24 Horas’ sem assistir tem a mesma atitude da Marilena Chauí quando ela nega a existência do mensalão. Jack Bauer é republicano na mesma medida em que o PT é forçosamente um partido de gente impoluta. E a realidade que se exploda.
Um conselho aos meus colegas ‘marilenistas’: se querem mesmo pegar no pé de Bauer, que tal falar do ator que o interpreta, Kiefer Sutherland, preso por dirigir embriagado pela quarta vez, enquanto o comercial em que ele dirige um Citroën continua a ser veiculado como se nada fosse?’
Bia Abramo
O ‘BBB’ como balão de ensaio
‘ALÉM DE principal fonte de receita publicitária da TV Globo nesse período meio morto que antecede o Carnaval, o ‘Big Brother’ deve estar se constituindo como um importante balão de ensaio para a emissora testar a recepção do público ao que se chama de baixaria.
‘Baixaria’ é daqueles vocábulos muito flexíveis da linguagem coloquial brasileira que são, ao mesmo tempo, genéricos e específicos. A generalidade se dá pela variedade de situações em que se aplica -fala-se de baixaria em relação a costumes sexuais, a comportamentos sociais, a conflitos entre pessoas. Basicamente, qualquer situação de interação humana está sujeita à baixaria. Ao mesmo tempo, quando se fala em baixaria, há uma sinalização clara de que algum limite do socialmente aceitável foi ultrapassado.
Assistir à degradação alheia excita a curiosidade -e boa parte da lógica do espetáculo é regida por essa curiosidade humana sobre as formas da decadência. Quando tudo o mais se mostra ineficiente, nada como uma dose extra de baixaria e miséria para reconectar o público (e não só o da TV, diga-se). Só que o tamanho, a regularidade e a composição exata da dose não são fáceis de definir -se de menos, não fazem efeito, se em excesso, assustam e afastam.
O ‘Big Brother’ versão brasileira, a partir das últimas edições, é um campo privilegiado para se testar quantidades, freqüências e elementos. Desde que a escolha dos participantes excluiu gente mais velha, mais pobre e mais mestiça, de maneira que os 14 eleitos pertençam ao plantel genético e social aceito como ‘bonito e atraente’, o programa induz à formação quase automática de ficantes, paqueras e até mesmo casais ‘apaixonados’ até a página dois.
Com isso, testa-se a tolerância ao sexo total ou parcialmente não romântico. Mais: na mesma tacada, investiga-se o quanto da armação romântica parece verossímil o suficiente para justificar os agarros e a exibição de erotismo.
Nem se pode mais falar em ‘personagens’ ou em alguma espécie de narrativa, uma vez que todas as fichas foram jogadas na ambientação para que aflorem as ‘escorregadelas’ etílicas, sexuais e éticas.
Nesta oitava edição, parece haver um alerta. Em apenas pouco mais de uma semana, já houve meio de tudo: porre, mão na bunda, pegação no chuveiro, saída (e volta, e saída de novo) do armário, ‘cachorra’ preterida, paixão automática e muita, mas muita, conversa mole e burra. Nem com uma dancinha protagonizada por moças com seios cobertos por espuma a audiência reagiu.
Talvez queira dizer que só baixaria é muito pouco.’
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O Estado de S. Paulo
Domingo, 21 de janeiro de 2008
MÍDIA & POLÍTICA
O Estado de S. Paulo
Desembargador multa Requião em R$ 50 mil
‘O desembargador Edgard Lippmann Júnior aplicou multa de R$ 50 mil ao governador do Paraná, Roberto Requião (PMDB), por ofensas à Justiça. Também mandou que a Rádio e Televisão Educativa do Paraná veicule a cada 15 minutos, no dia 22, nota de desagravo da Associação dos Juízes Federais. Lippmann havia proibido Requião de atacar desafetos pela RTVE. Na terça-feira, a TV veiculou imagens de Requião com a tarja ‘censurado pelo desembargador Lippmann’.’
Eugênia Lopes
Radialista lidera a disputa em Salvador
‘A pouco menos de nove meses das eleições municipais de 5 de outubro, um fenômeno eleitoral desponta no cenário da política baiana: o radialista e apresentador de programa popular de televisão Raimundo Varela, do PRB do vice-presidente José Alencar. Varela aparece em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto para a Prefeitura de Salvador.
À frente de nomes de peso, como o ex-prefeito Antonio Imbassahy (PSDB), o deputado Antonio Carlos Magalhães Neto (DEM), os petistas Nelson Pelegrino e Walter Pinheiro, e o atual prefeito de Salvador, João Henrique (PMDB), candidato à reeleição, Raimundo Varela não tem tradição política, nunca ocupou cargo eletivo e migrou, em setembro do ano passado, do PTC para o PRB. Passou a contar, então, com o respaldo da Igreja Universal, dona da Rede Record, onde Varela tem um programa diário de TV, e de José Alencar para a sua candidatura.
‘Ele tem um programa diário no rádio e na televisão e, portanto, é normal que o nome dele apareça em primeiro lugar nas pesquisas’, diz Walter Pinheiro, pré-candidato do PT à Prefeitura de Salvador. ‘Mas não acredito que sua candidatura se sustente quando acabar essa exposição diária na mídia’, completa. ‘Acho que é um fenômeno transitório’, afirma o deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA), que abdicou de sua candidatura à prefeitura em favor de ACM Neto. ‘É uma pessoa muito conhecida em Salvador. Tem programa de rádio há quase 30 anos e vamos trabalhar para elegê-lo’, diz o presidente do PRB da Bahia, Valdir Trindade.
O programa de Varela na TV Itapoan, repetidora da Record, tem o mesmo formato que o de Wagner Montes (PDT), também em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto à Prefeitura do Rio. No Balanço Geral, o apresentador baiano, que não é da Igreja Universal, segue o mesmo script da maioria das atrações populares: distribui remédios, consegue cirurgias e faz denúncias contra tudo e todos. Pela legislação eleitoral, seus programas terão de sair do ar, caso realmente se candidate nas eleições de 2008. Ele ficará sem um palco diário para fazer sua campanha calcada na ajuda à população necessitada.
Aos 60 anos, Raimundo Varela já fez transplante de rim e esta semana ficou internado em São Paulo para curar-se de uma forte gripe. Em nota oficial, a direção da TV Itapoan informa que o apresentador ‘retorna às atividades’ esta semana.
CENÁRIO INÉDITO
A candidatura de Varela sobressai em um cenário político inédito na Bahia: é a primeira eleição no Estado, nos últimos 50 anos, sem a presença do senador Antonio Carlos Magalhães, que morreu em julho do ano passado.
Depois de perder em 2006 para o PT uma hegemonia de 16 anos no governo da Bahia, o DEM prepara-se agora para tentar recuperar terreno e voltar a comandar a Prefeitura de Salvador, a mais importante do Estado. Escolheu para a empreitada o herdeiro político do senador, o deputado ACM Neto.
A Prefeitura de Salvador ficou nas mãos do DEM durante oito anos, entre 1996 e 2004, com o hoje tucano Antonio Imbassahy. Em 2004, o grupo de ACM perdeu a disputa para João Henrique, hoje no PMDB e que aparece em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto para a prefeitura.
O DEM aposta na divisão dos partidos de esquerda para conseguir chegar ao segundo turno. Além do PT, o PSB e o PC do B também têm pré-candidatos nas eleições municipais. Com essa pulverização de candidaturas, as chances de segundo turno são maiores. ‘O correto é tentar compor uma frente que seja a mais próxima possível da que está no governo do Estado’, diz Walter Pinheiro.
Nas mãos do petista Jaques Wagner, o governo baiano tem entre seus aliados o PMDB do prefeito João Henrique. ‘Se fizermos um bloco do PT com o PMDB é difícil perdermos as eleições’, observa Pinheiro. ‘Agora se cada um resolver sair candidato, pode até ser que dê o Raimundo Varela nas eleições de Salvador’, prevê o petista.’
INTERNET
Andrei Netto
Museus e bibliotecas de Paris suspendem uso de Wi-Fi
‘O uso de hotspots de internet sem fio (Wi-Fi) em museus e bibliotecas da capital francesa está suspenso até o mês de fevereiro. A moratória decretada pelo Conselho de Paris visa a esclarecer a origem de distúrbios de saúde declarados por funcionários das instituições, supostamente vinculados às emissões de radiofreqüência das estações de base.
A decisão reabre a controvérsia em torno dos riscos – ainda não comprovados, nem descartados – à saúde gerados pela exposição excessiva às ondas de internet, telefonia celular e microondas, entre outras.
Desde junho, 60 bibliotecas e museus mantidos pela prefeitura vinham sendo equipados com estações de base, aparelhos que emitem as ondas captadas pelos microcomputadores. Com o passar dos meses, funcionários de quatro bibliotecas pediram a intervenção da Federação Sindical Unitária (FSU) junto à prefeitura.
A moratória foi decidida pela Direção de Assuntos Culturais de Paris, a pedido do Comitê Higiene e Segurança, depois que mais de 40 funcionários públicos descreveram problemas de saúde como dor de cabeça, mal-estar, vertigem e dor muscular. Os supostos distúrbios chamaram a atenção por terem características semelhantes aos diagnosticados por pessoas que se sentiam prejudicadas por antenas de retransmissão de sinais de telefonia celular.
A causa foi encampada não apenas pelos sindicalistas mas também por ambientalistas e organizações não-governamentais (ONGs) que já haviam militado contra o que consideram ‘instalação indiscriminada’ de antenas de telefonia celular. ‘O grande problema é que a questão segue em aberto. Não temos certeza sobre a existência ou não de riscos à saúde. O que há é um ‘risco potencial’ que precisa ser analisado. Daí a necessidade da moratória’, afirma Stéphen Kerckhove, da ONG Agir pelo Ambiente.
Outra ONG, a Priartem (na sigla em francês, para Regulamentação das Implantações de Antenas de Telefonia Celular) se vale de estudos em laboratório para embasar o temor. De acordo com Janine le Calvez, presidente da associação, com sede em Lion, há pesquisas acadêmicas que indicam o efeito genotóxico – alterações genéticas nocivas – provocado pelas ondas de radiofreqüência de 2.450 MHz, as utilizadas pelas redes sem fio de internet. ‘Esses resultados convergem com os estudos epidemiológicos sobre a telefonia móvel e mostram um aumento no risco de tumores’, diz.
INDICAÇÕES
Encerrado há dois anos, o relatório Reflex, estudo supervisionado pela Comissão Européia, baseou-se em quatro anos de experiências realizadas por 12 grupos de pesquisa em sete países, ao custo de 3 milhões (cerca de R$ 8 milhões). Segundo o texto, ondas eletromagnéticas podem, em tese, quebrar o DNA de células humanas expostas de forma sistemática e por longos períodos (18 horas) a raios de baixa freqüência, gerando alterações. A pesquisa, porém, não é conclusiva e ressalta que ainda não é possível afirmar que haja danos à saúde humana.
Outro estudo epidemiológico internacional, o Interphone, também estimula a discussão na Europa. Ainda em curso em 13 países, o levantamento – específico sobre telefonia celular – indica que a exposição excessiva à radiofreqüência pode dobrar o ‘risco relativo’ de tumores cerebrais, como gliomas, meningiomas e neurinomas, entre outros.
Em Paris, o tom das discussões é ainda mais acalorado porque a cidade tornou-se a metrópole mais conectada por redes Wi-Fi da Europa. Bertrand Delanoë, prefeito de Paris, vem implantando um projeto de ‘cidade digital’, o Paris Wi-Fi, que consiste na implantação de hotspots (pontos de internet sem fio de livre uso), uma forma de democratizar o acesso à rede mundial.
No final de 2007, 260 pontos da cidade, como parques, monumentos, prefeituras distritais, museus, bibliotecas e centros associativos – entre os quais o Campo de Marte, onde se situa a Torre Eiffel, e o Hôtel de Ville, a sede do Executivo municipal – já contavam com 400 estações de base Wi-Fi.
Diante da incerteza, os cientistas apelam ao uso comedido de telefones portáteis. Quanto às redes sem fio de internet, a medida preventiva é o uso a uma distância mínima de 50 centímetros da estação de base.’
TELECOMUNICAÇÕES
Ethevaldo Siqueira
O novo estilo de ouvidoria petista na Anatel
‘Imagine, leitor, a confusão de papéis de um ombudsman que parte para a condenação radical da própria instituição em que trabalha, de sua ética, de suas bases legais e do comportamento de seus dirigentes. Pois é exatamente isso que ocorre com o ouvidor da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Aristóteles dos Santos.
A agência tem, realmente, muitas falhas, em especial aquelas já apontadas diversas vezes nesta coluna, resultantes da interferência político-partidária e da nomeação de dirigentes não qualificados. Mesmo assim, ainda é a melhor (ou a menos ruim) das agências reguladoras.
Bem diferentes de nossas críticas são as acusações feitas pelo ouvidor à agência e encaminhadas na semana passada em relatório ao presidente da República. Muito além da defesa dos usuários – missão que lhe compete como ouvidor – Aristóteles Santos parte para o ataque político-ideológico ao modelo institucional vigente no setor.
O relatório é, na verdade, um panfleto inteiramente afinado com o discurso dos sindicalistas da Federação Interestadual dos Trabalhadores Telefônicos (Fittel), entidade a que pertencia o ouvidor. Aquela federação se notabilizou em 1998 por liderar dezenas de ações na Justiça em defesa do modelo estatal e até agredir fisicamente investidores nos leilões de privatização da Telebrás.
O ouvidor Aristóteles dos Santos sabe que a maioria dos problemas da Anatel decorre de nomeações políticas, inclusive de sindicalistas, totalmente despreparados para o trabalho na agência.
Sem orçamentos mínimos adequados, degradada e desprofissionalizada pelo próprio governo Lula, a Anatel é agora apontada pelo ouvidor como prova da inadequação do modelo privatizado. Nenhuma palavra sobre os resultados extraordinários desse modelo, traduzidos no aporte de mais de R$ 170 bilhões de investimentos em infra-estrutura e o aumento da densidade porcentual de míseros 14 acessos telefônicos por 100 habitantes, em 1998, para mais de 80, atualmente.
Em telefonia móvel, o País saltou de apenas 5,2 milhões de celulares em julho de 1998 para 120,9 milhões hoje, um crescimento de 2.480%. E, resumindo: só em 2007, os investimentos privados em telecomunicações foram maiores que os do PAC em todas as áreas.
O ouvidor não se limita a analisar com isenção e objetividade os problemas da agência. Prefere discorrer sobre a economia setorial, confundindo faturamento com lucro, dando aulas sobre tarifas (sem mencionar a hipertributação de mais de 40%) e defendendo a criação de uma megaconcessionária nacional, a partir da fusão entre Brasil Telecom e Oi.
Sobre essa fusão, é preciso deixar bem claro que nenhum brasileiro pode ser contra a criação de uma grande concessionária privada nacional de telecomunicações. Mas uma operação desse tipo deve responder previamente a duas perguntas básicas: para quê e em benefício de quem?
Não há dúvida de que, para a nova empresa, haverá benefícios de escala. Difícil, no entanto, é provar que a fusão de duas empresas aumenta a competição ou que a nova tele será mais forte numa competição com a Telefônica ou a Embratel.
A fusão das concessionárias ou a aquisição de uma por outra, no entanto, tem que seguir trâmites legais rigorosos e apoiar-se em negociações livres entre as partes. Não é o que ocorre até aqui nesse casamento arranjado pelo governo, que mais parece uma aquisição com promessa de ajuda, de empréstimo e participação direta do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e dos fundos de pensão das estatais no capital da nova empresa.
Que tipo de empresa privada será essa, com a injeção de bilhões do BNDES e dos fundos de pensão? Além disso, o governo reivindica uma golden share – ação que lhe dará poder de veto na nova concessionária -, que apavora qualquer investidor privado porque politiza a administração de qualquer empresa.
Do ponto de vista legal, a fusão só pode ser concretizada depois da elaboração de um novo Plano Geral de Outorgas (PGO) pela Anatel e de sua sanção por decreto do presidente da República. Tudo teria que começar na Anatel, a partir de estudos específicos, com um grande debate nacional, em audiências públicas, terminando com o texto do decreto submetido à sanção presidencial. Nada disso foi ou está sendo feito. O carro caminha, portanto, adiante dos bois.
MUDANÇA DE REGRAS
O Brasil só conseguirá a confiança de investidores privados com regras duradouras, em ambiente de completa isonomia e sem critérios discriminatórios quanto à origem do capital das concessionárias. O que vemos hoje nas telecomunicações é um claro retrocesso, com recaída nacionalista e a volta do discurso xenófobo e estatizante.
Em lugar de aperfeiçoar o modelo ou formular políticas públicas bem pensadas, ministros e sindicalistas propõem a seu bel-prazer mudanças de nítida inspiração populista, sem maior debate com a sociedade, com especialistas e com o Congresso.
Será que vivemos uma epidemia da metamorfose ambulante nas telecomunicações?’
TELEVISÃO
Patrícia Villalba
A Portelinha vê a Portelinha
‘A favela da Portelinha, de Duas Caras, seria um exagero da ficção não fosse a existência da comunidade de Rio das Pedras, que está aí para provar que existe, sim, um lugar de gente humilde e trabalhadora, onde a paz e o respeito são leis. E deve ser por isso que a gente anda pelas suas ruelas com a sensação de estar no Projac, fantasiando que pode ouvir o ‘epa, epa, epa’ de Antônio Fagundes a qualquer momento. ‘Tenho muito orgulho de morar aqui. Meus filhos têm uma educação ótima, não vêem drogas nem armas’, diz Lúcia Rodrigues. Ela chegou há 14 anos de Fortaleza, vendeu cosméticos, progrediu e hoje tem um salão de beleza.
É uma história que o autor Aguinaldo Silva conhece bem. Ele acompanhou de perto o nascimento da comunidade, formada por retirantes nordestinos a partir dos anos 70. ‘Eu morava num condomínio, que ficava no final da Estrada Velha de Jacarepaguá, em meio à qual foi criada a favela. Como passava por ali todo dia, acompanhei todo o processo, de invasão, criação e crescimento da favela’, explica. E quando decidiu ambientar sua nova novela na Barra da Tijuca, adivinhe de qual comunidade ele se lembrou? ‘Na hora pensei naquela favela que eu conhecia tão bem – Rio das Pedras’, explica.
O que mais há em Rio das Pedras é cabeleireiro e botequim. Neles, não se fala em outra coisa, senão os mandos e desmandos de Juvenal Antena (Antônio Fagundes). O personagem é comparado a Félix dos Santos Tostes, assassinado no ano passado e que seria o chefe de uma milícia que atuaria no local – embora a existência do grupo não seja confirmada por ninguém ali. ‘Há quem diga que a paz daqui venha das milícias, mas eu prefiro acreditar que é Deus’, observa o pastor Amós Rubens Teixeira. ‘Aqui todo mundo é muito unido. E, por isso, aos poucos, o povo de fora aprendeu a respeitar quem é de Rio das Pedras’, completa o comerciante e músico César Dias.
Dois caras
Juvenal Antena é o tal, mas quem faz sucesso mesmo em Rio das Pedras é Evilásio. E mais do que ele, o ator Lázaro Ramos é um exemplo, um verdadeiro herói para os moradores. ‘Comparo a trajetória dele com a minha. Somos negros, filhos de empregadas domésticas, batalhamos pelo sonho. Ele realizou o dele, e eu vou conseguir realizar o meu também’, promete o músico e comerciante César Dias, de 29 anos, nascido e criado em Rio das Pedras, como Evilásio é nascido e criado na Portelinha – e tão popular quanto.
Vocalista e compositor da banda Altivez, de pop rock e eletrônica, que chega a fazer show na comunidade para 10 mil pessoas, César compôs a música O Novo Rumo em homenagem ao ator. Em breve, deve apresentá-la na Câmara Municipal do Rio, quando Lázaro receberá uma comenda. ‘Sonhei com o Lázaro se defendendo num tribunal, daí veio a inspiração – eu durmo sempre com um gravadorzinho ao lado da cama, para aproveitar as idéias. Já fico imaginando como vai ser o clipe’, diz ele, que começou a trabalhar aos 12 anos de idade e já foi de motorista de ônibus a paraquedista.
Fiéis de verdade
Rio das Pedras tem uma rádio de poste, uma Mãe Setembrina e até um Evilásio. Mas a Portelinha não tem um pastor evangélico como o pastor Amós Rubens Teixeira. Terno risca-de-giz impecável e um ar de trompetista de jazz, ele está à frente do primeiro templo fundado na comunidade – há 47 deles -, freqüentado por cerca de 700 fiéis. ‘Estamos recebendo hoje a reportagem do Estadão, eu até já dei entrevista. Fiquem tranqüilos, representei bem vocês. E por que o Estadão está aqui?’, pergunta ele de cima do altar. ‘Por que Jesus mandou!’, responde um mar de fiéis, igreja cheia numa manhã de domingo.
Amós comanda um culto animado, com músicas modernas e palmas, muitas palmas, e que em nada lembra o carrancudo e extinto núcleo evangélico de Duas Caras. Sim, extinto. Aguinaldo Silva diz que foi obrigado a abandonar a história do Pastor Lisboa (Ricardo Blat). ‘Tive de tirar essa trama da novela, porque ela era a única que me obrigava a ser politicamente correto’, justifica o autor. ‘Essa é uma novela politicamente incorreta, e os crentes da novela, de tão perfeitos, ficaram chatos.’
Por motivos distintos, o pastor Amós não aprovou o núcleo evangélico da novela. Mas não proibiu seus fiéis de vê-la. ‘Eu mesmo não vejo a novela, mas sei que tem um pastor. Pelo que me contaram, somos motivo de chacota e nossa religião é mostrada de maneira superficial’, lamenta.’
Mário Viana
Ninguém pensa em mudar de canal?
‘O governo federal e os fabricantes de TV precisam firmar um acordo urgente para ensinar a população a usar controles remotos. Pelo visto, o uso do equipamento ainda é um enigma para muitos brasileiros. Só pode ser essa a explicação para que tanta gente tenha recorrido ao Ministério Público e reclamado do excesso de bebidas alcoólicas e de vulgaridade em um dos primeiros episódios de Big Brother Brasil 8.
Caso não tenha sido uma armação orquestrada para atrair o público fugitivo – leio que a audiência tem sido bem inferior a outros anos -, o fato de tanta gente reclamar do programa prova uma coisa: existe um ditadorzinho dentro de cada um. De nada adiantaram as lutas pela volta da democracia, nos anos 70 e 80. Quando se sente ofendido por um programa, o Tirano ressurge e inicia uma campanha para tirar o tal evento do ar.
Acontece que o tal tirano está sentado confortavelmente ao lado de um espírito subserviente, daqueles que dizem sim para tudo e não conseguem decidir se querem água com gás ou sem. Vamos chamá-lo de Frouxinho. Irmão do Tirano, ou muito íntimo, o frouxinho aceita qualquer bobagem que o programador da TV coloque no ar. Ele não questiona, não rejeita. Prefere se aliar ao tirano e pedir que a tal bobagem saia do ar.
Frouxinho e Tirano devem desconhecer a tecla do controle remoto que muda os canais. E nem se fala naquela outra tecla, colorida, que desliga o aparelho. Até onde eu sei, ninguém é obrigado a assistir Mais Você, Caminhos do Coração, Superpop ou Programa Raul Gil. Ninguém precisa nem mesmo seguir a estapafúrdia inauguração do restaurante na favela de Duas Caras.
E, principalmente, ninguém é forçado a se ofender com as baixarias de Big Brother Brasil. Basta mudar de canal, alugar um DVD ou botar as crianças na cama. Os leitores podem me considerar um marciano, mas até hoje, de sete edições do BBB, devo ter visto um total de 20 minutos do programa. O formato do show não me atrai e, sinceramente, estou pouco me lixando para o que pensam – se é que o fazem – meia dúzia de siliconadas e bombados, tão desinteressantes quanto um rodízio de chuchu. Tranquem-se e sejam felizes, mas não achem que sou obrigado a assisti-los. Quem quiser, fique à vontade. O País é livre.’
Keila Jimenez
Silvio Santos ressuscita Aqui Agora
‘Imagens tremidas, repórteres que choram de emoção com seus entrevistados, notícias ao estilo ‘espreme, sai sangue’. Silvio Santos quer desenterrar o Aqui Agora. Sucesso nos anos 90, o noticiário pode retornar à emissora repaginado, mas sem perder o tom popularesco.
Plano antigo de SS, a volta do Aqui Agora começou a ganhar força no final do ano passado e início deste ano. Pilotos (programa teste) com César Filho, Analice Nicolau e Afanasio Jazadi no comando da atração foram gravados. Mas Silvio não gostou do resultado. Queria mesmo é Datena na bancada, no melhor estilo Cidade Alerta. Ficou na vontade. Enrolado com multas contratuais, Datena ainda permanece na Band.
Marcelo Rezende, da Rede TV!, chegou a ser cotado para a vaga, assim como Faccioli, da Record. Mas nada ainda foi fechado.
Silvio segue em busca de um âncora que tope qualquer parada. Porque essa era a cara do Aqui Agora.
No ar de 1991 a 1997, o noticiário teve entre os seus comentaristas Jacinto Figueira Júnior e ninguém mais que o locutor do caos, Gil Gomes. Inovou bastante, como quando apostou no uso do gerador de caracteres ao exibir manchetes escandalosas sobrepostas às imagens.
No YouTube é possível ver o melhor do noticiário, que beirava o circense. Do homem da previsão do tempo ao comentarista de economia – cargo ocupado por Maguila – tudo fugia propositalmente do padrão Globo de qualidade.
Entre as pérolas do Aqui Agora na web há uma reportagem com Angélica, com alguns quilos a mais e um vídeo do então repórter Celso Russomanno defendendo os direitos de um consumidor bastante irritado. A chamada da matéria: ‘Faltou empada na festa.’
Mas além das piadas e dos picos de audiência, o Aqui Agora colecionou também processos. Exibiu muitos tiroteios, perseguições policiais, mas passou da conta mesmo quando colocou no ar um suicídio, ao vivo. A inovação deu lugar ao abuso. Aos poucos deixou de ser ‘sensacional’ para se tornar ‘sensacionalista’, no pior sentido da palavra. Caminho curto rumo ao fim .
Colaboradores do caos
Felisberto Duarte ( Feliz)
Nunca a previsão do tempo foi tão divertida. Feliz encenava o clima do dia: ‘piririm, pororom’
Maguila
O noticiário era tão ‘ousado’ que colocou o ex-boxeador Maguila como comentarista econômico
César Tralli
Hoje estrela Global, César Tralli correu atrás de muito bandido nos seus tempos de Aqui Agora
Celso Russomanno
Começou como repórter de defesa do consumidor. Bordão: ‘Estando bom para ambas as partes…’
Cristina Rocha
Além de apresentadora, a loira também foi comentarista dos mais variados assuntos’
Gustavo Miller
‘Na MTV, posso até falar palavrão’
‘Lembram do filme Manequim – A Magia do Amor, que sempre passava nas sessões da tarde da Globo, nos anos 90? Nele, um decorador de vitrines liberta o espírito de uma mulher, que estava dentro de um manequim há mil anos.
Ao conversar com Mariana Lima, de 25 anos, a MariMoon, foi impossível não lembrar do filme. Pela primeira vez eu ouvi a voz de uma menina que há cinco anos faz um sucesso absurdo na web, com suas fotos pra lá de estilosas.
A partir do dia 28, outras pessoas terão a mesma experiência. A manequim virtual ganhará vida como a nova VJ da MTV.
Por que você acha que virou VJ ?
Eu já tinha aparecido no canal antes, no Vidalog, quando tinha cabelo azul, e cheguei a participar do Ya! Dog. Então acho que eles meio que estavam de olho em mim. Também tenho um link bom com o público jovem por causa do fotolog, que é uma comunicação com a cara da MTV. Eu sou totalmente: ‘Oi, sou jovem, quero viver a minha vida, ser alegre, ouvir música e curtir cultura.’
Você virou uma referência para os adolescentes, como a MTV?
A MTV é um dos únicos canais que mais ouvem o público, eles ficam muito de olho no que o pessoal está falando. Um canal comum só fala e você escuta, aqui não. A internet tem muito esse lado, de todo mundo ter a possibilidade de dar a sua opinião. No meu programa, que será de segunda a quinta-feira, as pessoas vão falar bastante, ele será totalmente aberto, como um blog.
Como assim?
No blog você pensa: ‘Hoje eu vou falar de algum assunto, como algo que saiu no jornal.’ O programa é a mesma coisa: ele terá o tema do dia, que dará o rumo do que vai rolar naquela meia hora de duração. O entrevistado será relacionado a este tema e irá responder às perguntas que eu e a galera vamos fazer. No meio disso terá coisas engraçadas, tipo dica de receita, de balada, de filme, notícia de música… Como um blog.
Como que é ir da web para a TV?
Todo mundo está hoje na internet, as pessoas existem. Você, como jornalista, para conseguir um emprego antes sofria, tinha de correr atrás dos jornais… Agora você abre um blog e, se for bom, logo será descoberto. Nos EUA já tem ator de YouTube! Qualquer um pode ter o seu espaço na internet, e cabe à mídia tradicional se dar ao trabalho de olhar para essas pessoas.
Quase ninguém conhece sua voz.Você está fazendo alguma preparação especial?
Não, apenas algumas dicas. Eu falo muito rápido, às vezes erro no português, e também tenho de falar menos cantado. A MTV não poda, eles dizem que eu estou lá por ser quem eu sou. Não é para eu emagrecer, pintar o cabelo e usar a roupa e maquiagem que pedirem. Posso até falar palavrão.
Nos créditos finais do programa irá aparecer ‘MariMoon veste MariMoon’?
(Risos) Eu falei que vou usar as roupas que eu crio, mas também de outras marcas. Hipocrisia seria não usar as peças que eu faço, pois as uso e comecei a fazê-las para mim.
Ela tem até uma loja virtual
Quem é ela?
Mari é dona do fotolog (www.fotolog.com/marimoon) mais popular do Brasil. Seu sucesso se deve basicamente ao estilo que criou em torno de sua imagem: o cabelo mutante e as roupas diferentes, uma coisa meio O Estranho Mundo de Jack com anime (ex-estudante de moda, ela mesma desenha as peças).
A combinação desses dois fatores fez dela um modelo de ‘atitude’ e ‘rebeldia’, para o público pré-adolescente. Logo virou sex symbol, para os meninos,e inspiração para as meninas, que queriam usar as mesmas roupas de suas fotos. Isso a fez abrir sua própria loja virtual (www.marimoon.com.br/loja), no ar desde 2007.’
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