‘A entrevista de Lula exibida há pouco na TV Globo ficou com toda pinta de ter sido uma grande armação.
Quem é a jornalista que entrevistou Lula? A TV Globo sequer a apresentou direito. Disse apenas que adquirira os direitos de reprodução da entrevista. Ponto.
Onde trabalha a jornalista? Para quem trabalha?
Por que Lula disse aos jornalistas brasileiros que o acompanharam a Paris que só falaria sobre a crise política quando voltasse ao Brasil e, no entanto, acabou falando para uma jornalista desconhecida que ora o chamou de ‘você’, ora de ‘Vossa Excelência’?
E mais: para uma jornalista que só levantou a bola para que ele chutasse? Que não o apertou um só instante? Que nada perguntou direta e objetivamente sobre a crise e seus principais personagens?
Pareciam perguntas combinadas. Uma delas, por sinal, inesquecível: ‘O senhor acha que há males que vêm para o bem?’
Lula só disse o que quis dizer. E a jornalista não perguntou o que o mais bobo dos repórteres seria capaz de perguntar.
Foi a entrevista dos sonhos de qualquer autoridade em qualquer parte do mundo.
De fato, o melhor da entrevista é a história que ela esconde.’
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‘Sobre a entrevista de Lula’, copyright Blog do Noblat, 17/7/05
‘Para não ser mal entendido, esclareço: não disse que a entrevista foi armada pela TV Globo com o presidente da República. Disse que a entrevista pareceu uma armação – e, no caso, teria sido uma armação entre Lula ou os que o assessoram e uma jornalista que não sabe perguntar. Ou melhor: que só pergunta o que o entrevistado quer responder. E da melhor forma possível para o entrevistado.
A Globo fez muito bem em transmitir a entrevista assim mesmo. Afinal, foi a primeira vez que o presidente falou da crise política que ameaça desestabilizar seu governo.
Faltou apresentar melhor a jornalista que entrevistou Lula. E contar por que Lula resolveu conceder a ela a entrevista que negou aos jornalistas brasileiros que o acompanharam a Paris – alguns deles da própria Globo.’
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‘Entrevistas cronometradas’, copyright Blog do Noblat, 17/7/05
‘Em resumo, o que Lula pretendeu dizer com o pronunciamento que fez há pouco na TV Globo foi que ele nada tem a ver com o PT. Pelo menos desde que assumiu a presidência da República não se meteu mais com o PT.
Deixou mal a direção recém-substituída. Disse que ela se fragilizou com a ida para o governo de gente que até então tocava o partido. Quer dizer: salvou a cara do ex-ministro José Dirceu. E deixou a culpa no colo de Genoino, Delúbio e Sílvio Pereira.
Os dois movimentos feitos por Lula (declarar-se inocente e debitar a culpa na conta dos ex-dirigentes do PT) combinam à perfeição com os movimentos feitos antes por Delúbio e o empresário Marcos Valério.
Valério isentou Lula ao dizer que tomou dinheiro emprestado em bancos por ordem de Delúbio. E que o repassou a pessoas indicadas por Delúbio. Esse, por sua vez, disse, primeiro, que a culpa era só sua. Depois dividiu-a com a antiga direção do PT.
Lula deu a entrevista com pinta de armação na sexta-feira em Paris. Valério deu a entrevista à Globo na sexta-feira aqui. Delúbio deu a sua no sábado. Tudo cronometrado.
Dá para acreditar que Lula se manteve distante do PT desde que foi eleito? É claro que não. A antiga direção do partido sempre obedeceu às ordens dele.
Dá para acreditar que Lula tolera CPIs como ele sugeriu há pouco na entrevista?
É claro que não. Ele em pessoa assumiu o comando da operação para abafar a CPI dos Correios. Chegou a telefonar para o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) pedindo que retirasse a assinatura do requerimento que criava a CPI.
Para montar uma CPI chapa branca destinada apenas a investigar o mensalão, Lula revogou uma Medida Provisória que trancava a pauta de votação da Câmara.
Se quiser, Lula pode descolar ou fazer de conta de que descola do PT. Mas não cola o discurso de que havia se distanciado dele desde que subira a rampa do Palácio do Planalto.
É melhor contar outra.’
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‘Quem entrevistou o presidente da República’, copyright Blog do Noblat, 17/7/05
‘Chama-se Melissa Monteiro a jornalista que entrevistou Lula na última sexta-feira. Ela foi aluna bolsista do colégio Universitas, em Santos, São Paulo. Ali, em 1993, se formou em segundo grau. Cursou faculdade no Brasil e na Europa (ainda não sei quais).
Acompanhou o correspondente internacional da Rede Globo Caco Barcellos na cobertura do atentado terrorista de 11 de março último em Madrid.
Encontrei essas informações no site www.universitas.g12.br/noticias
Melissa leva mais jeito de produtora free-lancer.’
O Globo
‘Lula: PT tem de explicar seus erros’, copyright O Globo, 18/7/05
‘O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem, em entrevista exibida pelo ‘Fantástico’, da Rede Globo, que o Partido dos Trabalhadores tem de explicar à sociedade brasileira os erros que cometeu na arrecadação de verbas para suas campanhas eleitorais. Lula afirmou que a sociedade precisa saber ‘onde o PT errou, por que o PT errou e como vai fazer para consertar aquilo que foi o erro cometido’.
Na entrevista, Lula procurou restringir ao seu partido as denúncias surgidas a partir das acusações do deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ), da existência de um esquema de pagamento a parlamentares aliados do governo. O presidente criticou a antiga direção do partido, comandada por José Genoino, trocada há duas semanas.
— Acho que o PT teve um problema, que é uma questão da direção, porque houve um tempo em que os melhores quadros da política no Brasil eram dirigentes do PT. Depois que ganhamos prefeituras, governos estaduais, elegemos deputados e eu ganhei a Presidência, grande parte desses quadros veio para o governo, e a direção ficou muito fragilizada, muito enfraquecida. Possivelmente por isso tenhamos cometido erros que outrora não tínhamos cometido.
Conversa gravada durante o dia
A entrevista de 11 minutos foi dada na sexta-feira à repórter brasileira Melissa Monteiro, que trabalha numa produtora de televisão francesa. A conversa foi gravada durante o dia. Como o fuso horário da França tem diferença de cinco horas a mais e o presidente deixou o país às 13h30m no horário da França, a reportagem foi feita antes da divulgação da entrevista do publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza, que disse ter tomado empréstimos bancários para repassar recursos a pessoas indicadas pelo ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares. No mesmo dia, Delúbio admitiu o esquema de caixa dois para financiar campanhas eleitorais do PT e de aliados em depoimento ao Ministério Público Federal.
Lula afirmou que o que a arrecadação ilegal de dinheiro para campanhas é freqüente no país.
— O que o PT fez, do ponto de vista eleitoral, é o que é feito no Brasil sistematicamente — disse o presidente. — As pessoas não pensaram direito no que estavam fazendo. O PT tem na ética uma de suas marcas mais extraordinárias e não é por causa do erro de um dirigente ou de outro que você pode dizer que o PT está envolvido em corrupção.
O presidente afirmou que o novo presidente do partido, Tarso Genro, deve explicações à sociedade, depois da auditoria que está sendo feita pela direção recentemente empossada. Também lamentou que as suspeitas tenham surgido num momento em que, segundo ele, ‘era o momento em que a gente estaria colhendo o que plantou em 2003’.
— Queria que (a situação) fosse diferente. Mas não é. — lamentou Lula. — Não estava previsto um erro político, mas aconteceu.
O presidente argumentou que as denúncias de corrupção estão se intensificando justamente porque as investigações ficaram mais rigorosas em seu governo:
— Estamos fazendo mais do que já foi feito em qualquer outro momento na História do Brasil. E tem um problema grave, porque toda vez que você combate a corrupção, ela aparece mais na imprensa e passa à sociedade a impressão que tem mais corrupção exatamente por causa do combate.
O presidente citou dados para reforçar sua argumentação.
— Nesses 29 meses de governo mais de mil pessoas foram presas no Brasil, ou seja, presas de verdade, por sonegação, por prática de corrupção, e vamos continuar utilizando todo o potencial que o Estado tem para fazer o que precisa ser feito — afirmou.
‘O povo está sabendo distingüir’
O presidente aproveitou para alfinetar os adversários com o resultado da última pesquisa CNT/Sensus.
— Eles devem ter ficado um pouco indignados porque todas essas denúncias de corrupção não chegaram ao governo, e pelo contrário, nas últimas pesquisas o governo teve crescimento. Significa que o povo brasileiro está sabendo distinguir bem o que é denúncia verdadeira, o que está apurando e o que é peça de discurso. Toda vez que alguém faz ilações sobre corrupção e não dá o nome concreto, fica difícil apurar. No Congresso tem uma CPI que vai funcionar até outubro. Então vamos ter ainda muita gente para ser ouvida, vamos ter ainda muita denúncia, algumas verdadeiras. Outras serão ilações que muitas vezes não há como apurar.
A entrevista terminou com uma pergunta sobre os planos do presidente sobre a reeleição:
— Não estou pensando ainda em 2006. Tenho um ano e meio de mandato ainda, que vai exigir uma capacidade de trabalho muito grande. Temos muita coisa acontecendo no Brasil, e precisamos cumprir o nosso mandato. Não discuti ainda a questão da reeleição, não tenho pressa de discutir.’
Daniela Fernandes e Laura Mattos
‘Lula atendeu meu pedido, diz jornalista’, copyright Folha de S. Paulo, 19/7/05
‘Ninguém a viu durante os três dias de cobertura jornalística da visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Paris, na semana passada, mas a produtora independente Melissa Monteiro, 29, até então desconhecida na mídia brasileira e dos jornalistas brasileiros residentes na França, conseguiu uma entrevista exclusiva com Lula na capital francesa.
Monteiro vive há seis anos em Paris, trabalha na produtora MPP e é free-lancer do canal de TV estatal France 2. Ela disse que estava havia cinco semanas no Brasil tentando realizar um documentário sobre Lula. ‘Tentei fazer a reportagem e não deu certo. Me propuseram então uma entrevista com o presidente em Paris durante sua visita à França. Eu não podia recusar’, afirmou.
Ela não especificou quem propôs a entrevista exclusiva concedida, segundo ela, na última sexta, às 10h45. Inicialmente, ela disse à Folha que o presidente havia lhe oferecido a entrevista como forma de substituir o documentário.
Mas depois, quando indagada se teria tido acesso a Lula no Brasil, deu a entender que assessores do Planalto teriam lhe oferecido a exclusiva, concedida na residência Marigny, onde o governo francês hospeda chefes de Estado e sua comitiva em visitas oficiais.
‘A matéria para o documentário não deu certo e acabei conseguindo então uma entrevista’, disse ela, que preferiu não dar mais detalhes, alegando que ‘jornalistas não dão entrevistas’ e dizendo ‘não entender’ o interesse da imprensa por ela. Monteiro afirmou ter oferecido a entrevista para o canal France 2, mas disse que desistiu da idéia de vendê-la para a emissora porque seriam transmitidos apenas 50 segundos.
A entrevista durou, segundo ela, entre 20 e 25 minutos. Além dos 11 minutos transmitidos pela TV Globo, nos quais Lula fez críticas ao PT e falou sobre a crise causada pelos escândalos de corrupção, Monteiro disse ter feito perguntas sobre o ano do Brasil na França, as relações entre os dois países e a política externa do governo Lula.
Globo
A jornalista já atuou também como produtora da Globo na Europa, segundo o site do Colégio Universitas, de Santos (litoral de São Paulo), onde ela estudou.
A escola se orgulha da ex-aluna que ‘acompanhou o correspondente internacional da Rede Globo Caco Barcellos durante o atentado terrorista em Madri no dia 11 de março’ (de 2004, quando atentados em trens da cidade mataram 119 pessoas).
A Central Globo de Comunicação (CGCom) não quis comentar esse trabalho nem confirmar se Monteiro é uma colaboradora assídua de seus telejornais. Respondeu à Folha apenas que ‘ela não trabalha na TV Globo’.
Segundo a CGCom, não houve encomenda à repórter. Foi ela que ofereceu a entrevista ‘depois de pronta’, disse a Globo, que afirmou também não ter autorização da jornalista para divulgar o valor pago pelo material.
Segundo a emissora, a jornalista havia dito à equipe do ‘Fantástico’ que a entrevista seria exibida em uma rede de televisão francesa, conforme anunciaram os apresentadores do programa, mas o conteúdo acabou sendo exibido só na Globo.
‘Achei, do ponto de vista jornalístico, que a divulgação de apenas um pequeno trecho da entrevista na France 2 não seria uma boa reportagem’, disse Monteiro, que também filmou a entrevista. ‘Trabalho sozinha e sou videorrepórter. Uso duas câmeras, uma comigo e outra em um tripé.’
As declarações de Monteiro não coincidem com as do jornalista francês Giles Robin, do canal France 2, que acompanhou a visita do presidente Lula a Paris e já trabalhou com a brasileira.
Ele disse que Monteiro ligou para a emissora na quinta-feira e que o canal não se interessou em comprar a entrevista ‘porque ela não tinha nada de diferente a ser acrescentado’ à reportagem que ele estava preparando, um balanço da visita de Lula, que foi transmitida em telejornal da emissora.
‘Estava fazendo uma reportagem com um objetivo bem definido, o de que todos querem ser amigos de Lula, sejam os políticos de esquerda ou os de centro-direita do governo, e já tinha muito material. Usaríamos apenas um trecho da entrevista e não achamos necessário’, disse ele.
Mas Monteiro, segundo o jornalista francês, não falou à emissora que o presidente comentava a crise política na entrevista. ‘É óbvio que se ela tivesse dito que tinha uma entrevista com o presidente Lula sobre o escândalo de corrupção no Brasil nós teríamos comprado o material.’
Segundo Robin, Monteiro já ‘está filmando Lula há vários meses para realizar um perfil do presidente’. O jornalista disse ainda ‘que ela tem contatos com membros do governo’. A brasileira não foi clara sobre o documentário que diz ter tentado realizar sobre Lula, durante a conversa com a Folha.
A assessoria de imprensa do France 2 não foi localizada para comentar o assunto.
Neste ano, a TV francesa passou dois documentários realizados pela brasileira: um sobre a igreja evangélica no Brasil (transmitido pela France 2) e outro, de 52 minutos, sobre a Rocinha, que passou no Canal Plus.
Monteiro afirmou ter estudado na Escola Superior de Jornalismo de Lille, uma das mais conceituadas da França, e ter cursado engenharia na Escola Politécnica de São Paulo. Colaborou Silvana Arantes.’
Laura Mattos, Ana Flor e Eduardo Scolese
‘Segundo Singer, crise não estava prevista em pauta’, copyright Folha de S. Paulo, 19/7/05
‘O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi ‘surpreendido’ pelas perguntas sobre a crise política brasileira feitas pela jornalista Melissa Monteiro em Paris, segundo André Singer, secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência da República. Ele negou também que Lula soubesse que seria exibida por algum veículo brasileiro.
As declarações foram transmitidas anteontem pelo ‘Fantástico’, que diz ter ‘comprado os direitos’ para veiculação. Durante a conversa, a jornalista intercalou a forma de tratamento ao presidente. Usou ‘você’, ‘senhor’, ‘Vossa Excelência’ e voltou ao ‘você’.
Segundo Singer, a entrevista havia sido solicitada pela rede de TV France 2 em maio.
A solicitação foi enviada à Presidência, segundo Singer, por meio de carta assinada pelo redator de serviço estrangeiro do canal. Singer disse que Monteiro foi ao Brasil para gravar com Lula, o que não foi possível por questões de agenda. Ainda de acordo com o secretário, a jornalista foi escolhida pela importância da France 2 na TV francesa.
Singer diz ter conseguido incluir a entrevista na agenda de Lula no final da visita oficial à França, na última sexta.
Entre quarta e sexta da semana passada, Lula se recusou a falar sobre a crise política com os jornalistas que o acompanharam em Paris. A Monteiro, porém, atacou a antiga direção petista, eximiu o governo de culpa e afirmou que o PT é vítima de seu crescimento.
Essa foi a 31ª entrevista exclusiva concedida pelo presidente desde que assumiu o cargo, em janeiro de 2003. Até agora, a média é de uma entrevista nesses moldes a cada mês. Dos 31 casos, 16 foram a jornalistas estrangeiros. Apenas uma entrevista coletiva formal foi concedida, em abril deste ano, e vários veículos tiveram seus pedidos de entrevista exclusiva recusados, entre os quais a Folha.’
Fábio Victor
‘‘Pareceu encomenda’, diz Fernando Gabeira’, copyright Folha de S. Paulo, 19/7/05
‘O deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) disse ontem que viu indícios de ‘encomenda’ na entrevista com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva veiculada anteontem no ‘Fantástico’, da TV Globo.
Segundo ele, o fato de Lula corroborar a versão do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares e do publicitário Marcos Valério de Souza sobre o esquema de caixa dois para financiamento de campanhas do partido, somado ao tom ameno das perguntas e ao que considerou falta de preparo da entrevistadora, reforça a sua suposição.
‘Pareceu uma entrevista encomendada. A moça [Melissa Monteiro] era uma amadora de quinta categoria, não parece jornalista. Tive a impressão de que foi uma matéria produzida por eles dentro de um contexto que começou com a entrevista do Valério ao ‘Jornal Nacional’, depois a do Delúbio no mesmo espaço e por último a do Lula no ‘Fantástico’, disse Gabeira, que é jornalista.
‘Ela começou muito dura, chamando o Lula de você, e terminou suave, chamando ele de Vossa Excelência. E ainda apresentaram dizendo se tratar de um programa para a TV francesa comprado pela Globo. Por que a TV francesa faria isso para depois vender à brasileira?’, questionou.
Crítico contumaz do governo, especialmente após sua saída do PT, em 2003, o deputado ironizou a versão de que Valério emprestou dinheiro ao PT para saldar dívidas de campanha.
‘Admite-se que emprestar algum aos aliados torna o dinheiro limpo, mesmo fora da lei eleitoral. Mas, como diria o Garrincha, eles esqueceram de combinar com os russos’, afirmou.
Num trocadilho com o programa da TV Globo, o primeiro vice-presidente da Câmara, José Thomaz Nonô (PFL-AL), classificou a reportagem como ‘uma entrevista de realismo fantástico’.
Já o deputado tucano Luiz Carlos Hauly (PR) definiu a entrevista como um ‘avant-première da Radiobrás Internacional’, numa alusão à estatal de comunicação do governo federal.’
LULA EM PARIS
‘Visita presidencial: calor e silêncio’, copyright No Mínimo (www.nominimo.com.br), 16/7/05
‘Luiz Inácio Lula da Silva chegou com o rosto amarfanhado à Sorbonne. Na platéia, umas trezentas pessoas. Poucos professores e alunos porque começaram as longas férias de verão. O presidente pega um maço enorme de folhas para ler o seu discurso. Para alívio geral, diz que ninguém deve se assustar porque há apenas um parágrafo por página. Explica que tem medo de avião, que dormiu pouco durante o vôo, e espera que a platéia não durma durante a sua fala.
No final, Lula responde a três perguntas. Stephane Monclaire, professor, refere-se ao ‘problema da corrupção’ na sua questão. Na resposta, o presidente falou sobre a Venezuela, o Haiti, e nenhuma palavra sobre corrupção.
Um integrante da comitiva me disse depois que o presidente dormiu no máximo duas das treze horas de vôo. Ficou conversando com seus ministros sobre a crise política. Amargo, reclamou das reportagens sobre os negócios de seu filho Fábio. Disse que a empresa do rapaz não pode ser colocada no mesmo balaio do mensalão e de malas de dinheiro.
Na saída da universidade, há um ônibus para levar a imprensa até o próximo compromisso de Lula, um almoço com empresários no Bois de Boulogne, no restaurante Le Pré Catalan. Há também um carro oficial para o presidente e um mini-ônibus para os ministros e seus assessores. Como quem não quer nada, entro no mini-ônibus, sento ao lado de Tarso Genro e converso com Luiz Dulci e Gilberto Gil. É uma da tarde. No Brasil são oito da manhã, horário nobre na rádio em que trabalho, a Bandeirantes. Ligo para São Paulo e conto que estou com três ministros. Minha chefe me pergunta se eles topam ser entrevistados ao vivo, imediaamente. Eles topam. Meu celular passa de mão em mão e os ministros respondem as perguntas dos colegas.
Quando chegamos no Pré-Catalan, Lula está terminando o seu discurso. O almoço com os empresários é a portas fechadas. O presidente senta ao lado de Ernest Antoine, barão de Seillière. Sobre o que conversarão? Um garçom fecha a cortina da parede de vidro de onde os observamos.
***
Somos, os repórteres, levados para o centro de imprensa montado pelo governo brasileiro no hotel Bristol, na rua do Faubourg Saint-Honoré. A região é chique e cara. Acho nas imediações um botequim em conta. Almoço com um diplomata. Comento que o aluguel do salão no Bristol deve ter custado os olhos da cara. Ele me explica que não foi tão caro. O hotel fez um preço reduzido na esperança que, nas próximas viagens, o governo brasileiro hospede lá mais e mais ministros. A diária no Bristol é de 700 euros.
Vamos para o Conselho Econômico e Social, na praça d’Iéna. Lula irá encerrar ali, no fim da tarde, um fórum de ONGs sobre ‘sociedade civil’. Os debates parecem animados como os de um velório. O tempo não passa. Não almoçamos e não há nem água para beber. Enquanto Lula discursa, converso com um integrante da comitiva. Perco o discurso do presidente. Não perdi nada, dizem-me os colegas.
Seguimos para o Hotel de Ville, onde o prefeito Bertrand Delanoë oferece uma recepção ao presidente e à comunidade brasileira. O salão principal está lotado de gente. As janelas, fechadas. Faz um calor de matar. O presidente e o prefeito se demoram numa sala anexa, enquanto a multidão, se abanando, o aguarda. Encontro Paulo Coelho. Dessa vez, ele se adianta e pergunta:
‘Não vai fazer a piada?’
‘Vou’, respondo. ‘Trouxe o fumo, Paulo?’
Lula, Delanoë e um bando de brasileiros entra no palco. E tome discursos. O prefeito chama Lula de ‘camarada’, o jargão tradicional da esquerda.
Gravo minha matéria para a televisão na frente do Hotel de Ville. Não há muito a contar. Até porque a grande atração do dia, o show de música brasileira na praça da Bastilha, só começará dali a algumas horas. Mas como é preciso aproveitar a luz, faço a reportagem. Com isso, perco o ônibus e vou a pé para a Bastilha. A rádio e o Bandnews telefonam. Querem que atualize as informações. Transmito os boletins, redigidos à mão, em ruas transversais.
Uma multidão ocupa a Bastilha. No dia seguinte, jornais brasileiros dirão que o público era de cem mil pessoas. Os franceses se fixam em cinquenta mil. Para mim, a diferença não importa, pois é gente o suficiente para me impedir de chegar ao palco. Acho que há mais brasileiros que franceses na platéia. Várias bandeiras brasileiras e camisetas verde-amarelas. Não há como conferir. O ambiente é bem comportado. Crianças, velhos, jovens, há de tudo. O show substitui o tradicional baile em comemoração da revolução francesa. O 14 de julho é uma festa popular. E não muito comportada: naquela noite, duzentos carros foram queimados na grande Paris. A cifra, que nos parece estrondosa, é igual à dos anos anteriores.
Gil chama Delanoë ao palco. Há um princípio de vaia. Gil se apressa e chama Lula. Aplausos, verdadeira ovação. O prefeito, que é bom de palanque, fala da revolução, de igualdade, liberdade e fraternidade, elogia o operário e sindicalista que virou presidente. Nenhum aplauso. Lula agradece ao prefeito, ao povo de Paris e é aplaudido com entusiasmo. Mas o grande ovacionado da noite foi Gil. Especificamente, quando fez o elogio da ‘mestiçagem’ brasileira. Num país onde filhos de imigrantes, negros e muçulmanos, se sentem discriminados, era de se esperar. Para eles, a mestiçagem brasileira é um valor positivo.
***
No dia seguinte, 14 de julho, Lula assistiu ao lado do presidente Jacques Chirac a parada militar nos Champs-Elysées. O desfile foi aberto pela Banda de Fuzileiros Navais e pelos cadetes da Academia Militar de Agulhas Negras. Fizeram bonito, desfilaram direito. Mas uma francesa fez a um amigo uma observação certeira: ‘Pelos cadetes, percebe-se que o povo brasileiro não é militarista’.
Em seguida, há o ‘garden party’ no Eliseu, o palácio presidencial. É uma instituição francesa. O presidente recebe umas duas mil pessoas, ‘representantes’ da França. Na verdade, cadetes das escolas militares, eleitores dos ministros. Todos com roupas de domingo. Nos jardins, são armadas barracas, que servem produtos típicos das diversas regiões. Os convidados sentam no chão para comer, dançam. Todos se divertem enquanto Chirac faz a sua ‘alocução de 14 de julho’, onde ele fala sobre o estado da França. A fórmula varia. Ou é um discurso ou uma entrevista a duas redes de televisão. Dessa vez, foi a entrevista, transmitida em telões e vídeos nas salas. Ninguém prestou atenção. Também pudera: foi a décima-primeira alocução de Chirac. Ninguém o aguenta mais. Nem os seus eleitores.
Esperamos no jardim. Trinta e cinco graus. Esperamos perto do estrado onde Lula e Chirac dirão algumas palavras e, ato contínuo, farão o que tudo político adora: tomar um banho de multidão. É a ocasião propícia para tentar se aproximar de Lula para fazer-lhe alguma pergunta. Até agora, os repórteres foram impedidos de entrevistar o presidente. Suamos em uníssono.
Os presidentes finalmente aparecem. Falam lá as coisas deles. Duas baianas, Lucicleide e Rosemary, em trajes típicos, são chamadas ao palco. Amarram fitinhas do Senhor do Bonfim nos pulsos presidenciais. As imagens dos noticiários da televisão e as fotos dos jornais do dia estão garantidas.
Chirac e Lula se jogam na multidão. Mas cercados por dezenas de seguranças. O público avança. Tremendo empurra-empurra. Como o tema deste 14 de julho foi a solidariedade aos deficientes, havia centenas de paralíticos de cadeiras de rodas, cegos de bengalas brancas, idosos. Quase caio em cima de uma cadeira de rodas. Consigo chegar perto do presidente. Ele me reconhece. Sou afastado por um tranco de um segurança.
O próximo compromisso é uma visita a uma exposição de arte e artesanato brasileiro no Carreau du Temple. Tomo água e como pão de queijo. Aguardamos. O presidente está atrasado. Lula é recebido por Elba Ramalho, que canta ‘Sandália de prata’, de Ary Barroso. Um colega, de ouvido musical nulo, entende que o samba se chama ‘Medalha de prata’ e é um hino militar. A visita demora.
Na saída, no meio de um outro empurra-empurra, consigo finalmente fazer uma pergunta sobre a situação política brasileira ao presidente. Ele responde que o Brasil não merece o que está acontencendo, que o país merece coisa melhor. Pergunto como ele reage às notícias sobre os negócios de seu filho Fábio. Ele não responde e os seguranças me afastam novamente.
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Vou a Marigny, a residência do governo francês para hóspedes oficiais. É um palácio suntuoso, decorado com mobiliário, tapetes e tapeçarias pesados. Muito vermelho e dourado. Encontro um ministro que está saindo para fazer compras. Livros, esclareça-se. Não tem dinheiro em espécie. Ofereço-me para empresar algum. Ele topa.
Encontro com um integrante da comitiva que conhece Lula há anos. Com a garantia de que não escreverei a respeito, ele me conta muita coisa sobre o funcionamento interno do governo, sobre como as denúncias de corrupção repercutiram no Planalto, sobre as perspectivas imediatas e a médio prazo.
Peço que resuma o que Lula pensa, o que pretende fazer, qual o seu projeto político. Ele diz que o presidente considera o Brasil um grande país, que por estar encalacrado em uma série de gargalos produtivos, não consegue progredir. Lula busca dissolver esses gargalos, e promover uma ampla ‘conciliação de classes’, para que o país possa ter as bases para se desenvolver de maneira consistente durante décadas.
Nesse raciocínio, ele considera ‘impossível’ que o presidente parta para o confronto, que divida a sociedade e jogue uma parte contra a outra – como Hugo Chávez faz na Venezuela.
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Em casa conto a Lina que ‘meu herói’, Chirac, lhe mandou um beijo. Ela quer saber como é a casa dele. ‘Grande, bonita, com um belo jardim’, respondo. Lula e Chirac aparecem na televisão. Ela observa que Chirac é alto e magro, e o brasileiro, baixo e gordo.
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Novamente com Delanoë, Lula assiste ao espetáculo de fogos de artifício na torre Eiffel. É um espetáculo bonito. Muito diferente da queima de fim de ano em Copacabana. Na praia, o que vale é a intensidade: a barulheira, as luzes simultâneas. Nos Champs de Mars, predomina o senso da coreografia, a variação dos fogos no tempo, o silêncio. Como fundo sonoro, houve Astrid e João Gilberto cantando ‘Garota de Ipanema’. Saudades de João.
No último dia da visita, finalmente Lula e Chirac aceitam responder as perguntas dos repórteres, numa entrevista coletiva no Eliseu. Depois que ambos discursam, e trocam elogios a mais não poder, uma colega, Débora Berlinck, do ‘Globo’, lhes diz que, sob o risco de ‘estragar a festa’, gostaria de saber como Chirac reage à sua crise de popularidade (só três em cada dez franceses ainda acreditam no seu presidente) e o que Lula pensa das denúncias de corrupção no Brasil, que decapitaram a direção do PT e provocaram uma reforma ministerial.
Macaco velho, Chirac se diz ‘encantado’ com o interesse da repórter nos acordos franco-brasileiros. ‘Nunca falo sobre assuntos internos franceses em reuniões internacionais’, diz. Lula concorda com Chirac. E diz que falará ‘com prazer’ sobre a situação brasileira. Mas só no Brasil. Eles saem para almoçar. E nós ficamos com o calor parisiense e o silêncio da crise.’