Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Rosane Pavam

‘O livro A Milésima Segunda Noite indica a existência de um artífice inventivo a executá-lo. Nas 742 páginas do volume sem ilustrações, o escritor, como parece ser a sina de todos os escritores, quer nos transformar em reis, já que ele se travestiu de Sherezade, disposto a prender nossa atenção dispersa em mil e um interesses. Fausto Wolff está sedento por conquistar a imaginação dos leitores que ele supõe existir, ou morrerá no início do dia, decapitado por eles. Para se livrar de uma sentença de morte, Sherezade jogou a lábia e outras coisas contra o soberano. Mas de que armas disporia Wolff contra nós?

Nascido na onda sessentista carioca de idéias e humor, amigo de intelectuais felizes como Jaguar e Millôr, Fausto Wolff teria se afastado do jornalismo por não suportá-lo subserviente na atualidade, mas isto não quer dizer que o jornalismo, como categoria morta, o tenha abandonado. O escritor carrega a imprensa para aonde vá. Este livro, bem dizendo, é como se fosse um grande jornal. Velho, por favor.

Há nele sessões de divertimento, de arte, de ciência, de política, de atualidade, de religião, há nele até mesmo tamanduás-bandeira lendo a New Yorker, em vários minicontos que parodiam as charges surrealistas pragmáticas da bíblia nova-iorquina. O Pasquim tornou o intelectualismo refrescante depois de ir até um ponto que a New Yorker não poderia alcançar. Fausto Wolff sabe que fez história com ele, e não está disposto a abrir mão do que conseguiu.

Então, seu livro está repleto daqueles encantamentos de um jornal antigo, mas com o propósito original de, parodiando a fórmula dos contos das Mil e Uma Noites, descrever a vida de seu autor. É isto o que torna este volume motivo de celebração: a aplicação de um velho formato universal para propósitos pessoais. O propósito de Wolff é que o conheçamos profundamente. Que leiamos sua biografia, cronológica, afetiva, profissional. Que compreendamos o multiplicar ou apagar de seus interesses. Que entendamos antes sua forma de pensar do que seus pensamentos.

Por esta razão, é pouco produtivo ler, salteadas, suas narrativas tão generosas. A Milésima Segunda Noite não pode ser o Jogo da Amarelinha de Cortázar, escritor que afinal propunha ao leitor uma ordem a seguir dentro do aparente caos de seu mais celebrado romance. Este livro de Wolff, pelo contrário, é da estirpe das autobiografias lineares de Henry Miller – mas, como estamos no século 21 e o romance se transformou em qualquer outra coisa estranha que desconhecemos, os Trópicos de Câncer e Capricórnio não são mais possíveis. Ainda assim, a capa milleriana-indecente do livro os evoca.

São 1.002 narrativas, às vezes grandes como contos, às vezes mínimas, que mostram as circunvoluções do pensamento de Wolff, sempre desembocadas numa indignação, claro, de lobo. Simbolicamente, o autor quer superar as Mil e Uma Noites originais, dando-lhe a coragem do homem que revela o próprio rosto. Ora ele se desencanta com o jornalismo e os resenhistas (então, para resenhar, é só preciso ler?), ora com o infanticídio (e se pergunta se o aborto não seria um), ora com as mulheres que trabalham e abandonam os filhos, ora com os governantes, ora com o atraso indiano, ora com os canalhas, senhores e senhoras de todo tipo. Mas não são indignações nominais. Sua imaginação faz com que a mulher de Kennedy o tenha matado, por exemplo. É tudo ficção, são visões no campo do real, tão próximas da verdade que a amplificam.

O entendimento do que lemos como um jornal se refaz a cada 100 ou 200 páginas. Ao fornecer o retrato dos pensamentos de um jornalista-escritor, Wolff propõe um documentário de seu tempo. Sabemos mais sobre o brasileiro contemporâneo ao percorrer A Milésima Segunda Noite do que ao enfrentar muitos livros-reportagem falsificados pela visão pobre de quem os escreve. E, infelizmente, os que escrevem são cada vez mais pobres.

Por esta razão é tão difícil responder à primeira pergunta feita aqui, sobre as armas de Wolff contra nós, os leitores das ofertas editoriais contemporâneas. Embora queira nos seduzir, Fausto Wolff precisa antes nos enfrentar com força, qual reichiano diante das couraças, porque nem sempre pareceremos aptos a distinguir o lixo da arte entre tantas feiras e celebrações – e, portanto, a sentir liberdade para fruir este autor.

Não é difícil que tenhamos nos tornado cegos, literária e conjuntamente, incapazes de ver Wolff nas numerosas, sempre engraçadas, listas dos ‘dez mais’. Uma prova disso é que nos apoiamos (de forma inocente e sincera) em escrituras que evocam Guimarães Rosa ou Graciliano Ramos, mas raramente têm algo de seus originais – exceto o leve sabor de elevação – e jamais compreendem a violência, a pobreza, a ignorância e a pornografia que desejam revelar.

Fausto Wolff enfrenta o fato de sempre ser tido como um dos grandes escritores brasileiros, quando essa insígnia o aprisiona numa bolha. Seria bom que, de alguma forma, todos soubessem que se trata de um artista disposto a dizer o novo num espaldar de madeira antiga. Mas, então, seus leitores talvez se tornassem ainda menos numerosos.’



O HOMEM SECRETO
Merval Pereira

‘Última instância’, copyright O Globo in Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 1/08/05

‘No recém-lançado livro de Bob Woodward ‘O homem secreto’, sobre a verdadeira identidade do informante Deep Throat que o ajudou e a Carl Bernstein, repórteres iniciantes do ‘Washington Post’ a desvendarem o caso Watergate que levou o presidente Nixon à renúncia, Bernstein conta uma passagem exemplar que até hoje estava inédita.

Certo dia, quando os dois checavam as informações que haviam conseguido, chegaram à conclusão de que tinham elementos suficientes para identificar John Mitchell, que fora, entre outros cargos, advogado-geral da União, como uma das cinco pessoas que controlavam um fundo secreto do comitê de reeleição de Nixon.

Esse fundo financiava ações ilegais como a invasão do escritório do Partido Democrata no prédio Watergate, em Washington, que deu início à maior crise da história política recente americana. Quando se viram diante do fato de que estavam prestes a acusar o figurão Mitchell de criminoso, Berstein e Woodward ficaram chocados: ‘Meu Deus. Este presidente vai ser impichado’, exclamou Bernstein. ‘Jesus, acho que você está certo’, replicou um atônito Woodward. Naquele momento, os dois combinaram que jamais diriam ‘aquela palavra’ nas conversas na redação do ‘Washington Post’, para que ninguém pudesse colocar em dúvida a veracidade das informações que conseguissem.

‘Qualquer sugestão sobre o futuro do mandato de Nixon poderia minar nosso trabalho, ou o esforço do ‘Post’ de ser verdadeiro’, escreve Berstein. Essa conversa eles tiveram um ano antes que o Congresso dos Estados Unidos iniciasse o processo de impeachment, e 22 meses antes de Nixon renunciar.

A discussão sobre a possibilidade de a atual crise política vir a desaguar num processo de impeachment do presidente Lula, que freqüentava as conversas em voz baixa de políticos no Congresso, tomou corpo esta semana depois da atuação do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Nelson Jobim, junto a políticos de vários partidos. Ele assumiu informalmente uma articulação política para neutralizar qualquer iniciativa que possa levar a um processo de impeachment.

Segundo os relatos, Jobim alertou para o perigo de o país ficar ingovernável nos próximos dez anos caso a política se radicalize com o impedimento do presidente Lula. O ministro Jobim, que é um dos poucos remanescentes na vida pública dos ‘cardeais’ que faziam alta política no Congresso – ele foi relator da Constituinte de 1988 – deve ter tomado a iniciativa ao sentir a falta de rumo dos atuais líderes políticos.

Mas, assumindo uma ação ostensivamente política, se expôs a críticas como as do presidente da OAB, Roberto Busato, que lembrou que o Judiciário ‘não pode se misturar com a crise pois poderá ser chamado a desempenhar o seu papel constitucional nela’, referindo-se ao fato de que, caso o processo de impeachment aconteça, quem preside a sessão do Senado é o presidente do STF. Busato, no entanto, já foi criticado severamente pelo ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, quando, no início da crise política, deu uma entrevista no exterior já falando sobre a possibilidade do impeachment.

Banalizar o impeachment, que o historiador americano Arthur Schlesinger classifica de ‘instrumento de última instância’, é um dano para a democracia brasileira que foi muito cultivado pelo PT, que agora se fere com a maneira radical de fazer política que sempre adotou. Desde o movimento exitoso de destituição do presidente Fernando Collor de Mello, iniciado em 1991, o PT adotou a tática de acirrar os ânimos oposicionistas, e passou os oito anos dos governos de Fernando Henrique pedindo o impeachment do presidente, pelas razões mais diversas.

Arthur Schlesinger diz que um país deve ter um impeachment de 50 em 50 anos, para os governantes ficarem atentos, para o presidente não abusar dos seus poderes, não querer prevalecer sobre os demais poderes. Mas ele ressalta que o custo para o sistema político é gigantesco, lembra o cientista político Amaury de Souza, que escreveu um trabalho intitulado ‘O impeachment de Collor e a reforma institucional no Brasil’, publicado no livro organizado por Keith S. Rosenn e Richard Downes, ‘Corrupção e reforma política no Brasil: o impacto do impeachment de Collor’, editado pela Fundação Getulio Vargas em 2000.

Amaury de Souza diz que ‘dificilmente vai aparecer alguma coisa que possa ligar Lula diretamente a esse esquema de corrupção’. Para ele, ‘é preciso que apareçam pelo menos indícios veementes, senão provas irrefutáveis, do envolvimento do José Dirceu’. Dependendo do que ocorrer com o Dirceu, ‘pode ficar igualmente difícil negar que Lula pelo menos sabia. Chefe da Casa Civil não é um ministro qualquer, é da copa e cozinha do presidente’. As investigações chegando ao José Dirceu ‘vai ser necessário muita negociação para que se consiga manter a versão, que hoje é consenso entre os principais atores políticos e econômicos, de que Lula não está envolvido’.

O cientista político Amaury de Souza tem uma tese para a existência de um consenso tão forte sobre a necessidade de preservar Lula. Segundo ele, há duas datas históricas que explicam isso: a primeira é 29 de setembro de 1992, o dia em que o Senado fez o julgamento do Collor, e o povo foi para as ruas comemorar. A outra é 24 de agosto de 1954. Getulio se suicidou de madrugada e houve um quebra-quebra nas ruas. ‘O custo político e social de um impeachment pode ser gigantesco, não dá para arriscar’, adverte ele. ‘No caso do Collor, era todo mundo de um lado só, contra ele, mas na época do Vargas todos estavam contra ele e a situação mudou, com o choque da notícia’, ressalta Souza.’



INTERNET
Folha de S. Paulo

‘Ações de ‘Google chinês’ quadruplicam’, copyright Folha de S. Paulo, 6/08/05

‘As ações do maior site de buscas da China, o Baidu.com, mais que quadruplicaram ontem na oferta pública inicial da empresa nos Estados Unidos. Foi a melhor estréia de uma empresa estrangeira no mercado americano.

O Baidu.com atraiu investidores de todo o mundo com sua mistura ‘irresistível’ de China e internet. A empresa é vista como uma espécie de Google chinês.

Mesmo os analistas mais otimistas, porém, se surpreenderam ao ver as ações do site, lançadas a US$ 27, subirem a US$ 151,21 em seu primeiro dia na Nasdaq.

‘Foi impressionante. Pode ser entusiasmo exagerado, um reflexo da trajetória das ações do Google, mas, obviamente, há muitos investidores especulativos que acham que esse pode ser o Google asiático’, disse Sal Morreale, analista da Cantor Fitzgerald.’



PUBLICIDADE
Carlos Franco

‘Música volta a ser reverenciada nas campanhas publicitárias’, copyright O Estado de S. Paulo, 8/08/05

‘A publicidade brasileira está redescobrindo a força do som – seja uma música, jingle ou ruído -, que durante anos emprestou bossa aos comerciais do rádio. Aquilo que os gregos chamam de mnêmico, ou que fica mais facilmente na memória e acaba por identificar uma marca, um produto ou um serviço. Um movimento que ocorre mundialmente e que tem a ver com a redescoberta do rádio, que já passou, este ano, a ser categoria com direito a premiação no Festival Internacional de Publicidade de Cannes.

O presidente da agência de publicidade DM9DDB, Sérgio Valente, diz que a força do som – a atenção às trilhas, o fortalecimento dos jingles de rádio -, ‘não é uma tendência que se vê unicamente aqui, é algo que se percebe em todo mundo. Em Londres, em Nova York e em Cannes.’ O que não significa que os publicitários tenham de se voltar exclusivamente para o rádio, mas criar com sonoridade, diz Valente.

Não é sem motivo que, desde ontem, os brasileiros passaram a ouvir ‘Me aperta. Me cheira. Me chama de Mon Bijou’, na voz do cantor Wando, para marcar a volta do amaciante de roupas à mídia, num investimento de R$ 15 milhões da Bombril, dona da marca. Angélica Armentano, diretora da agência de publicidade DPZ, que cuidou da estratégia, diz que Wando rompe, com a música, a barreira do brega, ‘ao criar um clima de novela, de romance e de fácil memorização, que pode envolver a dona de casa e chegar ao rádio, aos shows do cantor e até a celulares e telefones.’

Valente afirma que ‘uma mensagem chega aos ouvidos do consumidor sem que seja preciso trilha sonora’. Mas sugere que, com uma bela trilha, ela chega ao coração. ‘O bom jingle fica para sempre na memória. As pessoas se lembram, anos depois das campanhas terem saído do ar, dos jingles do jeans US Top, dos biscoitos São Luiz. Quem não se lembra da Pipoca com Guaraná, dos Mamíferos, sucessos de oito, dez anos atrás, da DM9?’, diz.

Washington Olivetto, da W/Brasil, faz a mesma aposta para a marca Rider, que fez sucesso com o conjunto mineiro Skank cantando ‘Vamos fugir’ e volta, a partir do próximo mês com ‘Além do horizonte’, de Roberto Carlos e Erasmo Carlos, numa releitura da banda Jota Quest.

O publicitário Lula Vieira, da VS Propaganda, integrante do primeiro júri de Cannes de rádio, diz que, em todos os comerciais que assistiu no festival deste ano, havia a preocupação com a capacidade de um som identificar prontamente uma marca. ‘É muito mais que apenas aquele jingle ‘Melhoral, Melhoral’, é uma busca por coisas únicas, que possam passar essa idéia, como dois toques na madeira, uma nota ou duas, um ruído, que viram sinônimo da marca.’

O presidente da agência Africa, Nizan Guanaes, também aposta na força do som para dar vida às campanhas. Para Brahma, ele chegou a buscar o ‘nhã, nhã, nhã!!!’, que virou febre nos ringtones ( toques de celulares) e, desde ontem, testa o ‘olé’, que é a nova identidade da marca. Guanaes também vê o som invadindo a internet e os celulares.

Afinal, sem uma diferenciação, as intervenções nos computadores e nos aparelhos celulares acabariam disputando espaço com informação em tempo real, sem ter uma identidade própria.

Em Cannes, Vieira também percebeu uma preocupação em revigorar o rádio, de forma mais acentuada e em extremos opostos: atingir cidades de interior e grandes metrópoles, onde o pico de audiência é proporcional ao dos congestionamentos. É pela porta do rádio também que o agronegócio está entrando na propaganda, sobretudo a voltada aos rincões.

Como dos R$ 23 bilhões gastos em publicidade no País em 2004 (número do Ibope/Monitor que leva em conta apenas grandes agências), 66% foram para meios sonoros (televisão com 61% e rádio com 5%), a força do som tem ecoado mais forte na comunicação.’