‘‘Bom dia. Hoje é feriado, dia de ficar em casa e fazer faxina. A situação em Bagdá está tensa, explosões se tornaram acontecimento cotidiano. Noite e dia eu peço a Alá para mandar sua vingança sobre os responsáveis.’
Esta é a mãe, Faiza.
‘A transição do governo aconteceu num pequeno abrigo num dos porões da Zona Verde. Bremer, o novo e feio ‘presidente’ iraquiano, o ‘primeiro-ministro’ agente da CIA e alguns poucos outros perdedores…’
Este é o filho mais velho, Raed.
‘Estou finalmente em Amã. Uma viagem longa, 1.000 km, e tivemos de parar na alfândega jordaniana por seis horas…’
Este é o filho do meio, Khalid.
‘Como você se sente quando sabe que sua vida está prestes a sofrer uma grande mudança? Fiz esta pergunta hoje, quando terminei a prova de química.’
Este é o caçula, Majid.
Desde que o uso de internet foi liberado no Iraque, em maio de 2003, houve um pequeno boom de blogueiros escrevendo seus diários on-line, os web logs (blogs na abreviação), a partir principalmente de Bagdá. Apenas a família Jarrar responde por 10% dos que estão no ar.
A mãe assina ‘A Family in Baghdad’, que ela escreve do PC de sua casa, num dos bairros classe média da capital. Xiita, Faiza é casada com o engenheiro Azzam, responsável pelo serviço de abastecimento de água em Bagdá. Como disse à Folha, ‘meu marido é o único da família não-interessado na rede’.
O primogênito, 26, assina o ‘Raed in the Middle’ e é o que goza de mais prestígio, por ser o interlocutor do mais famoso blogueiro de Bagdá, Salam Pax, pseudônimo de um arquiteto iraquiano que a certa altura da guerra viu seu diário virar a única fonte autóctone de notícias.
Fecham a lista Khalid (autor de ‘Secrets in Baghdad’), 21, que é sunita, fato raro entre famílias de pais xiitas, e o caçula Majid, 17, que atualiza diariamente o seu ‘Me Vs. Myself’ e gosta de assinar ‘thE MajiTriX’ (‘já percebeu que sou fã, né?’).
Ao colocarem as agruras e alegrias de seu cotidiano disponível on-line para o mundo inteiro ler, os Jarrars mostram uma outra face do conflito iraquiano, que a imprensa ocidental falha em capturar. A de uma família de classe média que, como outras, entre carros-bomba e retaliações, só quer viver em paz.
Assim, Faiza gosta de entremear suas entradas diárias com fotos banais como uma vitrine de loja de roupas femininas, um estande de celulares novos à venda e mesmo o gerador particular da família -amarelo.
Hoje, há cerca de 20 cibercafés em Bagdá, que cobram 1.500 dinares iraquianos (ou US$ 1) pela hora de uso. Os Jarrars recebem 50 e-mails cada um por dia -com uma média de 3.000 visitantes diários.
No começo da semana, Majid respondia a uma das perguntas mais comuns, sobre Saddam: ‘Pelo menos, ele era um ditador nacional. É melhor do que um fantoche iraquiano controlado por um ditador americano’.’
O Estado de S. Paulo
‘Internet torna-se veículo favorito dos terroristas’, copyright O Estado de S. Paulo, 5/07/04
‘Grupos terroristas ligados à Al-Qaeda e seus simpatizantes transformaram a internet em seu canal de comunicação preferido. Em semanas recentes, sites e salas virtuais exibiRam fotos e vídeos de americanos decapitados na guerra do Iraque. Apesar de as empresas que hospedam essas páginas eliminarem o material, não demora muito sua reprodução em outros portais. E as agências de segurança têm feito pouco para acabar com esses sites, já que os portais podem oferecer aos investigadores pistas muito importantes. ‘É mais eficaz usá-los para coletar dados de inteligência que fechá-los’, acredita o ex-diretor de segurança de rede do FBI Michael Vatis. (Associated Press)’
ELEIÇÕES / EUA
‘TV dos EUA faz ‘reality show’ eleitoral’, copyright Folha de S. Paulo, 3/07/04
‘Não é de hoje que críticos do processo eleitoral americano dizem que o sistema se reduziu a um espetáculo midiático. Mas a próxima eleição dos EUA dará um passo à frente e se transformará, literalmente, em um ‘reality show’: se depender dos planos do canal de TV por cabo Showtime, o presidente George W. Bush e o senador John Kerry vão enfrentar a concorrência de um candidato ‘do povo’ no dia 2 de novembro.
O Showtime está produzindo um programa em que os dez participantes serão ‘candidatos’ à Presidência. A partir de agosto, os concorrentes vão simular todas as etapas de uma campanha presidencial. A cada semana, por meio de votações pela internet ou por telefone, competidores serão eliminados até restar apenas um.
A idéia de um ‘reality show’ desse tipo não é nova. Na Argentina, em 2002, já houve um programa similar, ‘O Candidato do Povo’, em que o vencedor ganhava apoio para disputar uma vaga no Congresso.
O vencedor da disputa embolsará US$ 200 mil, terá conseguido uma enorme exposição em todo o país e, caso deseje seguir em frente, poderá inscrever de verdade seu nome na disputa.
O produtor R.J. Cutler afirma que a seleção dos candidatos procurou montar um arco variado de opções no que diz respeito a idade, sexo, raça, educação, origem socioeconômica e ideologia.
Ajuda profissional
As campanhas terão a ajuda de marqueteiros profissionais -incluindo Matt Bennett, ex-diretor de comunicações da pré-candidatura do general Wesley Clark- e terão veiculação nos intervalos da programação do canal.
Além de querer criar um sucesso de audiência, Cutler -responsável pela produção de um dos melhores documentários políticos já feitos nos EUA, ‘The War Room’ (1993)- afirma ter objetivos nobres com seu projeto. ‘Esperamos que isso engaje as pessoas. Temos um grande problema neste país: as pessoas não ligam. Elas preferem assistir a coisas ruins na TV a levantar e ir votar.’
‘As campanhas já são por demais um gênero de entretenimento nos EUA. Qualquer coisa que contribua para a ‘hollywoodização’ da política americana piora ainda mais uma situação que já é ruim’, analisa Reuben Cohen, co-autor do livro ‘Shooting People: Adventures in Reality TV’ (filmando -ou matando, há um trocadilho com a palavra ‘shooting’- pessoas: aventuras na TV da realidade).
Cohen também não se convence com o argumento de ‘engajamento’: ‘Encoraja uma abordagem que coloca a personalidade acima da política e aumenta o controle já horrível que a TV exerce sobre as eleições americanas’.
Mesmo que o programa seja um grande sucesso da televisão americana, serão ínfimas as chances de os EUA virem a ser governados por alguém do calibre de um Kléber Bambam.
O Showtime não atinge uma grande parcela dos lares americanos -é visto por cerca de 12 milhões de telespectadores (Bush foi eleito com 49 milhões de votos), e o próprio Cutler afirma que ficará bastante contente com uma audiência de 5 milhões. Além disso, apenas para citar uma dificuldade técnica, requisitos legais vão impedir que o nome do candidato apareça impresso nas cédulas de muitos Estados.
Isso não quer dizer, no entanto, que o programa não possa ser um fator decisivo na eleição. Se Ralph Nader, que teve apenas 2,9 milhões de votos em 2000, não tivesse concorrido, o presidente americano hoje seria Al Gore (pesquisas mostraram que a imensa maioria dos que votaram no candidato independente escolheria o democrata como segunda opção).
Alheio às críticas, o produtor Cutler rejeita qualquer afirmação de que sua criação vai vulgarizar o sistema eleitoral: ‘O que poderia ter depreciado o processo eleitoral seria Richard Nixon ter abusado do cargo e usado o FBI contra seus inimigos. O que poderia ter depreciado o cargo seria a omissão de Ronald Reagan, que permitiu a Oliver North montar um governo secreto. O golpe que o Congresso republicano tentou dar em Bill Clinton por causa de pecadilhos pessoais. Essas coisas poderiam depreciar o processo político e a instituição da Presidência. E sabe de uma coisa? Elas não depreciaram porque o processo é muito resistente, mais poderoso do que qualquer programa de TV’.’