‘‘Vocês são uns canalhas.’ A frase foi dita em tom exaltado por Anthony Garotinho às 8h30 de ontem no Ciep (Centro Integrado de Educação Pública) Nilo Peçanha, no bairro da Lapa, em Campos. Ele se dirigia aos jornalistas que tentavam entrevistá-lo.
Acompanhado da mulher, a governadora Rosinha Matheus (PMDB), e de assessores e seguranças, Garotinho seguia para a seção eleitoral onde votaria quando foi abordado pelos jornalistas.
‘Governador, o senhor fala com a gente?’, perguntou o repórter Edmilson Ávila, da Rede Globo. Ríspido, Garotinho disse: ‘Nem pensar. Vocês são uns canalhas’.
Em seguida, dirigindo-se diretamente ao repórter da Globo, o ex-governador do Rio e ex-prefeito de Campos, sua cidade natal, afirmou: ‘A matéria do ‘Jornal Nacional’ é mentirosa. Vocês falaram que tinha cheque-cidadão’.
Garotinho se referia à apreensão de R$ 318.200 e documentos variados, como títulos de eleitor, pela Justiça Eleitoral, Ministério Público Estadual e Polícia Militar, na noite de sexta-feira, na sede do diretório do PMDB em Campos.
Entre os documentos recolhidos havia dezenas de cheques-cidadãos, segundo o oficial de Justiça Francisco de Assis Rodrigues.
O cheque-cidadão é o principal programa assistencial do governador. Vale R$ 100 e pode ser trocado por comida em mercado. Ação no TRE (Tribunal Regional Eleitoral) apura se o programa foi usado em Campos para beneficiar o candidato dos Garotinho, Geraldo Pudim (PMDB).
No tumulto, também em tom agressivo, a governadora disse ao repórter da Globo: ‘Quero que você prove’. A seguir, ela e os assessores tentaram, sem sucesso, acalmar o ex-governador.
Após a votação, ainda dentro da escola, Garotinho voltou a criticar os jornalistas. ‘Vocês não têm educação, não?’, perguntou aos repórteres, fotógrafos e cinegrafistas. Ele se referia ao empurra-empurra entre jornalistas, seguranças e eleitores que, inadvertidamente, ficaram no meio da confusão. À tarde, a assessoria de Garotinho passou a telefonar para os repórteres que estão acompanhando a votação em Campos a fim de pedir desculpas pelo ocorrido.’
Nelson de Sá
‘Na reta final, dois profissionais’, copyright Folha de S. Paulo, 30/10/2004
‘O formato do programa, do ‘town hall meeting’, encontro com a comunidade, não tem enraizamento histórico no Brasil como nos EUA. Mas José Serra e Marta Suplicy até que se adaptaram bem.
O tucano andava demais e, de sua parte, a petista quase trombou com ele. Mas ambos chegaram à ‘última chance’, na descrição da Globo, com discursos mais seguros -e nada dispostos à agressão além da conta.
Com as perguntas dos eleitores, o formato esfriou o conflito, preso a detalhes administrativos. Mas houve certa ‘emoção’, promessa do âncora Chico Pinheiro, no debate direto entre os dois.
A petista, de sua parte, mencionou até Gilberto Kassab -e procurou, sobretudo, deixar a marca da descontinuidade dos CEUs e demais programas no adversário. O tucano insistiu na relação com Geraldo Alckmin e buscou deixar na prefeita a marca de não ter avançado em saúde e outras áreas -e de que não pode culpar para sempre os antecessores.
Sobretudo, dirigindo-se a Marta pelo nome, Serra chegou perto de tirar dela a imagem de vítima, ainda assim realçada pela prefeita em sua despedida, no final.
Marta bem que tentou, chegou perto, mas não conseguiu chorar, como tanto temiam os tucanos. Serra não esmagou a oponente, mas não era disso que precisava, com sua vantagem. Ele até se disse um avô. Com ‘netinhos’.’
Pasquale Cipro Neto
‘Debate teve atuações teatrais’, copyright Folha de S. Paulo, 30/10/2004
‘Bloco vai, bloco vem, e a temperatura oscila: vai do frio para o morno, do morno para o frio, e, às vezes, do frio para o gelado. Em muitos momentos, parece que se está vendo o repeteco de algo conhecido, com perguntas já feitas e respostas já (não) dadas.
Essa foi a tônica do debate de ontem, cujo formato -americano- em muitos momentos fez Serra e Marta lembrarem Bush e Kerry. Um tanto teatrais, o tucano e a petista se esmeraram em pirotecnias administrativistas, que nunca deixam claro quem tem razão: é o governo do Estado que boicota a Prefeitura, ou é a prefeitura que não sabe o que fazer com o dinheiro que recebe dos munícipes e do Estado?
Em termos de linguagem, cabe assinalar que, mais uma vez, Serra e Marta se expressaram no padrão lingüístico que lhes é peculiar -a norma urbana culta.
Merece destaque a expressão (‘com todo o respeito’) com que Serra pediu ‘licença’ para falar mal de projetos de Marta. E Marta lembrou Collor (nos debates com Lula), ao afirmar que Serra a considerara preconceituosa em relação aos deficientes físicos. É isso.’
Chico de Gois e Catia Seabra
‘Platéia vip ignora script da TV e é censurada’, copyright Folha de S. Paulo, 30/10/2004
‘Numa platéia integrada por ministros, senadores, secretários, deputados e até pelo governador Geraldo Alckmin, o que sobressaiu foi o rígido modelo de disciplina imposto pela TV Globo.
No único momento em que a platéia fugiu ao scprit acertado com as campanhas e repassados pela direção da emissora, o apresentador Chico Pinheiro, mediador do debate, pediu para os presentes se calarem.
O ‘pito’ ao vivo ocorreu no terceiro bloco. José Serra (PSDB) falava sobre um projeto para distribuir remédios a pacientes crônicos. ‘Acho bom que a prefeitura gostou tanto da idéia que até começou a pôr em prática esse programa’, dizia Serra. ‘É que Marta faz’, gritou, da platéia, o vereador eleito Paulo Fiorillo (PT).
Pinheiro, então, pediu para que se respeitasse o silêncio, como havia sido solicitado. Do lado do PSDB, alguém berrou: ‘Foi o PT quem gritou.’ E Pinheiro: ‘Não importa se foi do PT ou do PSDB.’ E fez-se silêncio.
O formato do debate seguiu padrões norte-americanos. Os fotógrafos foram chamados 30 minutos antes do início para fotografar os candidatos. No palco, um diretor orientava. ‘Pode entrar, Marta’. ‘Agora é a sua vez, senador Serra.’ Foram dez minutos de fotos. Por duas vezes os candidatos trocaram um aperto de mãos, a pedido dos fotógrafos. Quando pediram para repetir o gesto mais uma vez, o diretor interveio: ‘Vamos, gente, tem pouco tempo’.
Até mesmo o aplauso aos candidatos ao entrar no estúdio foi previamente acertado.
Na platéia, Alckmin, que pela primeira vez foi presenciar o debate na TV, ficou irritado com os números citados por Marta. ‘Ela está confundindo tudo e citando números totalmente errados’, dizia. Ao lado de Alckmin, o secretário estadual da Segurança Pública, Saulo de Abreu Castro. Quando a prefeita citou o deficiente físico que cobrou Serra na propaganda de Paulo Maluf (PP), a platéia tucana reagiu: ‘Baixaria!’
Do lado petista, os ministros José Dirceu (Casa Civil), e Luiz Gushiken (Secretaria de Comunicação), estreavam nos debates. Dirceu se disse indignado por Chico Pinheiro ter interrompido Marta quando ela pedia desculpas pelo bate-boca travado com o jornalista em 2003. ‘Foi uma grosseria.’
Ao final do debate, Dirceu foi reclamar de Pinheiro com Carlos Henrique Schroder (diretor da Central Globo de Jornalismo) e Ali Kamel (diretor-executivo de Jornalismo). Houve bate-boca. Os executivos Globo disseram que o ministro não poderia responsabilizar a TV caso Marta perca.’