Leia abaixo a seleção de sexta-feira para a seção Entre Aspas.
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Folha de S. Paulo
Sexta-feira, 5 de setembro de 2008
SUSPENSÃO
STF prorroga suspensão da Lei da Imprensa
‘Os ministros do Supremo Tribunal Federal decidiram ontem prorrogar por mais seis meses a suspensão de 20 artigos da Lei de Imprensa (lei nº 5.250/1967), ‘congelados’ desde fevereiro até que o mérito de uma ação do PDT seja julgada.
O relator da ação, ministro Carlos Ayres Britto, pediu a prorrogação do ‘congelamento’ porque não tivera tempo para analisar o mérito da questão: ‘Eu tinha seis meses para trazer o voto do mérito, mas não consegui. Estou pedindo a prorrogação por igual período’, disse o ministro no plenário.
O PDT pede a total revogação da Lei de Imprensa, em vigor desde o final do governo Castello Branco, o primeiro dos generais-presidentes do regime militar (1964-1985).’
ELEÇÕES NOS EUA
‘Fast-food’ político (ou jornalístico)
‘SÃO PAULO – Sarah Palin, a candidata a vice na chapa do republicano John McCain, parece estar fazendo percurso inverso ao de Barack Obama, o candidato democrata. Obama saiu de semidesconhecido no início do ano para semideus ao vencer as primeiras primárias, para voltar à Terra agora.
Palin também era desconhecida, mas, em vez do endeusamento, sofreu a satanização por mil problemas que o leitor certamente terá acompanhado no belo trabalho do pessoal da Folha que está nos Estados Unidos. Bastou um discurso, no entanto, para passar de eventual lastro a um ativo para McCain.
‘Eletrizou’ a convenção republicana, diz o ‘Washington Post’. Toda a mídia que consegui ler ontem vai mais ou menos por aí.
Posso estar enganado, mas temo que a cultura ‘fast-food’ que ganhou o mundo esteja contaminando perigosamente o jornalismo. Ou então é o público em geral que muda de humor de um momento para outro, sem que fatos marcantes estejam na origem da mudança, ao contrário do que acontecia em tempos menos céleres, de informações menos instantâneas.
Não é fenômeno restrito aos EUA. Nicolas Sarkozy elegeu-se presidente da França há um ano e meio, tratado como um misto de Charles de Gaulle com Napoleão Bonaparte, dois dos símbolos da ‘grandeur’ da França eterna.
Em meses, seu prestígio já estava pouco acima do rés-do-chão, apesar de sua hiperatividade e de nenhum crime no período.
Idem para Gordon Brown, premiê britânico, transformado de solução em problema em muito menos tempo ainda.
De duas, uma: ou os fatos são mesmo velozes demais para que os políticos os processem de forma a adaptar-se a humores rapidamente mutantes, ou nós, jornalistas, estamos correndo demais para emitir juízos de insustentável leveza no tempo. Você decide.
Sérgio Dávila
Em entrevista à Fox News, Obama faz ameaça ao Irã
‘Depois de meses de recusa, Barack Obama aceitou dar uma entrevista exclusiva para a Fox News, emissora conservadora cujos comentaristas atacam sistematicamente o democrata.
No encontro, o senador mostra conhecer seu público. Indagado se havia um ‘plano B’ à diplomacia para lidar com o Irã, respondeu que sim: a opção militar. ‘Muitas pessoas dizem que Barack Obama não vai atacar o Irã’, provoca o apresentador ultraconservador Bill O’Reilly. Obama responde: ‘É inaceitável o Irã ter uma arma nuclear, isso mudaria o jogo, eu já disse isso repetidamente, e eu também disse que nunca tiraria a opção militar da mesa’.
Mais adiante, concede que o aumento de tropas no Iraque ordenado por George W. Bush ‘foi bem-sucedido de uma forma que ninguém antecipou’.
A primeira parte da entrevista foi ao ar na noite de ontem, no programa ‘The O’Reilly Factor’. É resultado de détente negociada há três meses pelo empresário de mídia Rupert Murdoch, dono da Fox News e do ‘Wall Street Journal’, e o democrata, num hotel em Nova York. O encontro foi revelado anteontem pelo jornalista Michael Wolff, que escreve a biografia de Murdoch.
Dele participou ainda Roger Ailes, criador da Fox e ex-consultor de Richard Nixon, Ronald Reagan e Bush pai. A princípio, Obama se recusou a falar com ele, dizendo que sua emissora o acusara ‘de tudo menos terrorismo’, segundo Wolff. Então, uma trégua provisória teria sido negociada.
Obama respondeu a O’Reilly que, sim, acredita que os EUA estão em meio a uma ‘guerra contra o terror’ e, indagado sobre quem era o inimigo, respondeu: ‘A Al Qaeda, o Taleban, uma série de redes determinadas a atacar o país, que têm uma ideologia distorcida, então temos de ir atrás deles’. Outras três partes da entrevista vão ao ar na próxima semana.’
BISBILHOTICES
Grampo legal
‘BRASÍLIA – Ainda que o futuro possa lhe reservar algum tipo de constrangimento, o governo só tem a comemorar com a escandalização do uso de escutas telefônicas.
Confira o que de concreto ocorreu desde o começo das denúncias de desrespeito às liberdades individuais e das reações indignadas:
1) Foi escanteado o delegado que pretendeu investigar os negócios de Daniel Dantas, as relações íntimas do empresário com o Planalto e o acordo de indenização que permitiu ao governo levar adiante a idéia de criar a supertele nacional.
2) A Polícia Federal repaginou a Operação Satiagraha. Fechou foco nos indícios de fraude financeira do Banco Opportunity e esqueceu outras ambições do inquérito original, como tráfico de influência e a fusão da Brasil Telecom com a Oi.
3) Dantas e seus principais assessores saíram da prisão. Não têm mais motivos para abrir a boca.
4) Lula conseguiu nomear o quinto conselheiro da Anatel para dar o voto de minerva em favor da BrOi.
5) Foi afastado o diretor que construiu a ‘PF republicana’, aplaudida por não discriminar investigados -o que possibilitou que o irmão do presidente caísse num grampo pedindo ‘dois pau pra eu’.
6) A pretexto de impedir exageros de arapongagem, a PF recebeu ordens para tratorar a corporação e centralizar a inteligência. A apuração do dossiê produzido na Casa Civil contra FHC foi abandonada.
7) Um ex-funcionário de Dantas assumiu o comando da Abin.
Resumo: o Planalto não só preservou a negociação (e os negociadores) da BrOi como diminuiu a possibilidade de voltar a ser incomodado por escutas telefônicas.
Judiciário, Legislativo e sociedade civil exigiram o direito à privacidade. Com a degola de Lacerda e Protógenes, Lula garantiu o dele.
Talvez esteja aí a explicação para a reação enérgica e rápida de um presidente que costuma defender os colegas pilhados em atos ilegais e recomendar paciência nas crises.’
TODA MÍDIA
Desce-e-sobe
‘Na manchete de UOL e outros, a Bovespa ‘desaba’. Abrindo a Reuters Brasil, a explicação para a ‘espiral de venda’ é que o ‘mercado acordou para a crise’. A saber, ‘medo de recessão na Europa, desemprego em alta nos EUA, queda das commodities, desaceleração da indústria automobilística’ etc.
Por outro lado, na mesma Reuters, ‘a resposta do Brasil à crise internacional melhorou a credibilidade, diz Moody’s’. E no ‘Financial Times’, ‘defensores dos emergentes argumentam que eles permanecem o melhor lugar para estar -e, ao menos no longo prazo, a evidência apóia seu argumento’. Sugere que é ‘hora de investir’ em Brasil, China e Hungria.
Por fim, na manchete da BBC Brasil, ontem, para um novo relatório do Unctad, o braço da ONU para o desenvolvimento: ‘Emergentes vão crescer quatro vezes mais que os ricos em 2008’.
NOVA ONDA
Em especial trimestral sobre tecnologia, a nova ‘Economist’ afirma no enunciado que ‘Os mansos herdarão a web’. Quer dizer, ‘a maioria dos usuários estará nos países emergentes e usará celular’. Avisa, citando casos no Brasil: ‘Espere uma onda de inovação’
‘POR ORA’, NÃO AO IRÃ
No canal de notícias do Irã, recusa do Brasil Ecoou mundo afora o convite do Irã ao Brasil, para entrar na Opep. Da BBC à Associated Press, da Xinhua ao indiano ‘Economic Times’, da Telesur de Chávez ao venezuelano ‘El Universal’, ‘Iran invita a Brasil a integrarse a la Opep’.
Mas ontem diversas agências vinculadas a Google e Yahoo já ressaltavam que o ministro Edison Lobão, ele que havia espalhado o convite em entrevista à Globo, declarou em coletiva que o Brasil ‘declinou, mas pode se juntar à Opep no futuro’. O Press TV, o canal iraniano de notícias em inglês, noticiou a rejeição do ‘convite formal’.
PÓS-LULA
O ‘Valor’ deu em manchete que, ‘pela primeira vez desde o início do governo Lula, um movimento grevista dos metalúrgicos ameaça a produção automobilística’. Em lugar da greve geral da categoria, ‘usada pela última vez em 2001’, agora é a ‘greve-pipoca’.
Fim do dia e a Reuters despachou que os trabalhadores de Volkswagen, Renault e Nissan decidiram estender a greve, em assembléia no Paraná. E ‘o influente sindicato dos metalúrgicos do ABC, que no passado foi liderado por Lula, também está ameaçando greve’.
Enquanto isso, de Lula, ontem para universitários em Pernambuco: ‘Quero dizer para vocês que fui um dos grandes dirigentes sindicais deste país’.
SMOKE IN YOUR EYES
No topo das buscas no Yahoo News, ontem, Lula ‘não se importa de jogar fumaça nos seus olhos’. Ecoava a manchete do ‘Agora’, sobre a defesa pelo presidente do ‘fumo em qualquer lugar’
LULA LÁ
Da entrevista para os oito jornais populares, o ‘Meia Hora’ destacou ‘Lula: ‘Eu topo ser colunista do Meia’. O ‘Super Notícia’, na mesma linha, ‘Lula também é Super’. E o ‘Notícia Já’, ‘Até o homem lê o Já’
‘FRILA’
Na manchete da Folha Online, meio da tarde, ‘Polícia Federal investiga se agente da Abin driblou função e fez escuta, diz senador’ Demóstenes Torres. Mais à noite, ‘Grampo pode ter sido feito por um agente desviado, diz Tarso Genro’, ministro da Justiça.
E a ‘Economist’ deu a reportagem ‘Grampos no Brasil: Espionando a Justiça’, descrevendo o episódio como ‘feio’ sob todos os aspectos e concordando que pode ser ‘um agente frilando’.
Mas ‘incidentes de espionagem não são novidade’ e ‘o resultado, segundo um consultor político, é que o telefone no Brasil se tornou como um Google: você fala alô e a informação está lá para todo mundo ouvir’.’
TELEVISÃO
Emmy rejeita novelas e jornais da Record
‘Nenhum programa ou ator da Record está entre os semifinalistas regionais do Emmy Internacional, o ‘Oscar’ da TV mundial. Em lista divulgada ontem, a Globo detém oito dos 12 semifinalistas brasileiros _sem contar ‘Linha Direta’ e ‘Jornal Nacional’, que já são finalistas em jornalismo, cuja premiação será neste mês. Os finalistas das categorias artísticas serão conhecidos em outubro. A final será em novembro.
A Globo é um dos patrocinadores do Emmy Internacional. Neste ano, também hospedará o ‘Emmy Day’, que reúne membros da academia de todo o mundo em seminários. O evento começa segunda, no Rio, com a presença do presidente Lula. Termina quarta, com ‘tour’ por favela carioca.
A Record inscreveu três atores, duas novelas (‘Caminhos do Coração’ e ‘Amor e Intrigas’), três programas jornalísticos e o ‘Show do Tom’. Mas seu único funcionário entre os semifinalistas é Marcelo Serrado, que concorre por sua atuação em ‘Mandrake’ (HBO).
Pela primeira vez, o Emmy premiará telenovelas. Do Brasil, só ‘Paraíso Tropical’ está no páreo. As novelas da Record perderam a outra vaga da América Latina para a argentina ‘La Lola’. ‘Malhação’ concorre como programa para jovens.
A Globo segue na disputa com Marieta Severo, Irene Ravache, Pedro Cardoso, ‘A Grande Família’, ‘A Pedra do Reino’ e ‘Por Toda a Minha Vida’.
JABÁ 1
Diretor-geral de comercialização da Globo, Willy Haas passou toda a tarde de quarta-feira reunido com diretores da emissora. Queria apurar responsabilidades pelo fato de uma marca de alimentos ter ganho um ‘merchandising involuntário’ (de graça) em ‘A Favorita’.
JABÁ 2
No capítulo de segunda, um produto da Yoki apareceu generosamente no armário de Flora (Patrícia Pillar). A Globo tem como política não permitir a exposição gratuita de marcas em seus programas. Cenas de novelas já tiveram que ser regravadas por causa disso.
NOVIDADE DEMAIS
Terça, ‘A Favorita’ deu só 36 pontos. Culpa do telespectador, que não assimilou esse ‘thriller realista-fantástico’.
BRAÇO DE FERRO
Douglas Tavolaro, diretor de jornalismo, e Eduardo Zebini, diretor de esportes, travam batalha interna na Record. Agora que a emissora tem o Pan de 2011 e a Olimpíada de 2012, Tavolaro quer tomar conta do jornalismo esportivo, hoje tarefa de Zebini, que ficaria responsável apenas pelas transmissões esportivas. A decisão da cúpula da rede sai semana que vem. Tavolaro deve vencer.
A FAVORITA
Apesar do desempenho sofrível do ‘Olha Você’, Silvio Santos está encantado por Ellen Jabour, uma das apresentadoras do programa.
A REJEITADA
Anteontem, o ‘Olha Você’ deu 2,7 pontos de média. Chegou a marcar só 1,9, atrás até da TV Gazeta.’
Nelson Motta
Cada macaco no seu cabo
‘RIO DE JANEIRO – O Ibope informa: antes de a TV Brasil incorporar a programação da TV Cultura e das TVEs, a média de audiência nacional dos canais estatais, puxada por raros sucessos como o ‘Roda Viva’, o ‘Castelo Rá-Tim-Bum’ e o ‘Sem Censura’, era de 0,75%, cerca de 178 mil espectadores. Com a TV pública, caiu para 0,72%, 166 mil pessoas espalhadas num Brasil de 190 milhões.
Como o orçamento da TV Brasil é de R$ 300 milhões, além dos apoios das estatais, a aritmética não mente: cada espectador vai custar ao contribuinte cerca de R$ 2.000. Vale a pena? Ou é muito pouca gente para tanto dinheiro?
Com essa dinheirama, as operadoras de TV paga poderiam fazer um pacote anual de R$ 300, uma assinatura popular, e o Estado, tão preocupado em oferecer qualidade e diversidade de informação e entretenimento aos mais necessitados, poderia dar 1 milhão de assinaturas de TV para, digamos, comunidades carentes. O ‘Bolsa Cabo’! Cinco milhões de brasileiros pobres ligados no mundo. Depois da comida, diversão e arte ! Nunca antes neste país…
É só uma piada. Mas o custo-benefício da TV pública é sério. Pelo menos com o ‘Bolsa Cabo’ muito mais gente teria acesso a uma grande variedade de canais de jornalismo, filmes, ciência, história, saúde, esportes, do mundo inteiro. As minorias estariam mais bem atendidas com a diversidade dos canais a cabo. Iriam se divertir mais e se informariam melhor do que os escassos espectadores da TV pública, os sem-cabo. Pergunte ao povo o que ele prefere. O povo será cruel.
Esta é minha última coluna neste nobre espaço da Folha de S.Paulo, que ocupei com liberdade e independência por cinco anos. Gosto de mudanças e de novos desafios, agradeço aos leitores, colegas e diretores, e vamos em frente.’
Mônica Bergamo
Cama e cadeia
‘O repórter do ‘CQC’ Rafael Cortez foi parar em uma delegacia italiana durante o Festival de Veneza. Ele invadiu o tapete vermelho do evento para entregar a Brad Pitt um pergaminho com uma declaração de amor gigante para Angelina Jolie e acabou detido. Cortez também pediu a atriz Charlize Theron em casamento e perguntou de que lado da cama ela preferiria dormir. ‘Do lado em que você não está’, respondeu ela.’
CINEMA
Documentário encara aborto com respeito e sem panfletarismo
‘Se depois de entrar na sala de exibição ainda restar alguma dúvida no espectador sobre a natureza da jornada de ‘O Aborto dos Outros’, ela se dissipará logo na primeira seqüência. Maria, uma menina de 13 anos, conta a uma psicóloga do serviço público de saúde as circunstâncias de sua gravidez (de nove semanas): foi estuprada. Em gabinete hospitalar que parece aumentar seu drama, ela ouve que pode escolher entre três opções: ter a criança e criá-la, ter a criança e doá-la, ou fazer um aborto previsto por lei (no Artigo 128 do Código Penal). ‘Você já pensou, conversou com sua mãe?’, indaga a psicóloga. Sim, Maria já pensou e conversou com a família. E diz o que (e por que motivo) pretende fazer. Outras imagens de consultas e atendimentos a adolescentes e mulheres grávidas vêm na seqüência, registradas com imenso cuidado. Operadas pela diretora Carla Gallo e pela diretora de fotografia Julia Zakia (com a colaboração de Aloysio Raulino), as câmeras poupam os rostos de muitas personagens, mesmo quando legalmente algumas poderiam aparecer. A certa altura, por exemplo, vemos apenas uma torneira pingando enquanto ouvimos um depoimento aterrador (ainda mais porque narrado com naturalidade) de uma vendedora de iogurte que diz ter recorrido ao que chama de ‘mãe-de-anjo’ para fazer um aborto clandestino. À medida que a história avança, com outros abortos, a torneira ‘seca’.
‘Situação-limite’
Esses procedimentos de captação de imagens e de montagem (assinada por Idê Lacreta) demonstram respeito, tanto pelas personagens quanto pelo espectador -em oposição a certo telejornalismo que, por desrespeito a todos, mais parece um caçador de lágrimas. Não há narração ou música, apenas diálogos e ruídos do ambiente. Por princípios éticos e estéticos que caminham juntos, as câmeras de ‘Aborto’ podem até não encarar algumas personagens, mas isso não significa que o documentário não encare o tema com firmeza. Ao contrário: sua estrutura se presta, com eficácia didática, a uma jornada de esclarecimento sobre ‘a maternidade em situação-limite’, como resume o material de divulgação. Na primeira parte, descrita acima em linhas gerais, são colhidos depoimentos, sobretudo em quatro hospitais públicos onde há o Programa de Aborto Legal (Pérola Byington, Unifesp, Unicamp e do Jabaquara). Feita a imersão concreta no que representa esse problema para ‘os outros’, o documentário então se dedica, na parte final, a reflexões serenas, sem panfletarismo, sobre o estágio do tratamento à questão do aborto no Brasil e no mundo. É o momento em que especialistas no tema entram em cena e dados objetivos iluminam o cenário. Estima-se, por exemplo, que ocorram em todo o mundo 70 mil mortes por ano em virtude de abortamentos inseguros, 95% nos países em desenvolvimento, onde, em geral, as leis são mais restritivas. Premiada com menção especial na mostra competitiva do festival É Tudo Verdade de 2008, Carla Gallo diz que se voltou para situações em que ‘ter um filho pode representar uma prisão’. Se a experiência de assistir a ‘O Aborto dos Outros’ coubesse em uma frase, aí estaria uma boa maneira de tentar resumi-lo.
O ABORTO DOS OUTROS
Produção: Brasil, 2008
Direção: Carla Gallo
Quando: estréia hoje nos cines UOL
Lumière e HSBC Belas Artes
Classificação indicativa: não recomendado para menores de 14 anos
Avaliação: bom’
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O Estado de S. Paulo
Sexta-feira, 5 de setembro de 2008
LULA
Caprichoso do Planalto
‘A intenção do presidente Luiz Inácio da Silva ao defender o ‘uso do fumo em qualquer lugar’ e informar a um grupo de jornalistas que a legislação federal em vigor há 12 anos não vale dentro do gabinete dele no Palácio do Planalto não foi possível captar com precisão. ‘Na minha sala mando eu’, disse de cigarrilha em riste.
Provavelmente não deve ter havido deliberação alguma no gesto, gratuito como tantos outros.
Mas, quando se trata de questão de saúde pública e de um porta-voz do peso de um presidente com a popularidade e capacidade de mobilização de Lula, a leviandade reveste-se de muita gravidade.
E, no caso, sob os mais variados aspectos: dá um golpe fatal na proposta do Ministério da Saúde de proibir de vez o tabaco, mesmo em áreas reservadas, adota como de uso privado um espaço público e estimula a pedagogia da infração constantemente legitimada quando o presidente Lula reclama das regras que vê como obstáculos aos seus propósitos.
Só neste ano foram dois os exemplos bem eloqüentes: a lei de licitações, segundo ele, ‘atrapalha’ a execução de obras e dá muito poder ao Tribunal de Contas da União; a lei eleitoral, na visão do presidente, é ‘hipócrita’ e está a serviço do ‘falso moralismo’. Isso porque proíbe o governo de assinar convênios e distribuir benefícios sociais durante o período pré-eleitoral.
Se os adversários do projeto do Ministério da Saúde, ainda em exame na Casa Civil, queriam um aliado, ganharam o mais poderoso deles. Lula deixou bem claro o que pensa da proposta do ministro José Gomes Temporão: ‘Eu não vou propor. Mando para o Congresso e não voto’.
Em matéria de falta de compromisso, Temporão não precisará ser bom entendedor porque o presidente não se preocupou em usar meias-palavras.
O cidadão Luiz Inácio da Silva tem todo o direito de fumar. Aliás, temos. Agora, de um presidente da República o mínimo que se exige é que não perca a noção do limite de suas funções, do seu poder e do papel que exerce num país de presidencialismo quase imperial.
Talvez não tenha se dado conta, mas faz apologia do vício quando justifica sua defesa do ‘fumo em qualquer lugar’ porque ‘só fuma quem é viciado’. A passividade do agente público diante de um mal de alcance coletivo é uma forma de conivência.
Tampouco ocorre a Lula que o gabinete da Presidência no Palácio do Planalto não é de sua propriedade. Portanto, ali não vale a regra ‘na minha sala mando eu’. Sendo de mando a questão, naquele espaço a receita quem prescreve é a lei.
Sendo examinada pela ótica da civilidade de um modo geral, a frase traduz um conceito altamente destrutivo.
Ensina que o individualismo voluntarista pode prevalecer sobre as regras gerais, bastando que o dono da vontade discorde delas. Quando for assim, pleno em suas razões, fica livre para seguir outro manual elaborado ao molde de suas conveniências, válido em territórios julgados de domínio particular.
Em se tratando de leis e de autoridades com muito poder nas mãos, nada garante que o princípio não seja estendido para além das fronteiras do estritamente privado, como, de resto, estendeu o presidente Lula ao chamar de ‘sua’ a mais pública das salas da República.
Gato na tuba
Alguma está se passando fora do alcance da vista entre o PT e o PSDB no tocante à sucessão do presidente Lula.
Ontem, em entrevista a O Globo, ao negar a existência de intenções futuras na candidatura atual, Marta Suplicy apontou outra razão para seu empenho em ganhar a Prefeitura de São Paulo: ‘Vamos dar uma força para a eleição de 2010. Aí é que é a importância dessa eleição. Todo mundo sabe que, se ganhar o Alckmin, o Serra não será o candidato a presidente’.
Por partes: Marta já disse que Dilma Rousseff é a candidata de Lula à Presidência e não perde chance de exibir seu apoio à ministra. Entretanto, quando fala em ‘dar uma força para a eleição de 2010’, não cita Dilma nem o PT.
A referência é ao adversário e, ainda assim, com sinal trocado. Se o governador de São Paulo é o primeiro colocado nas pesquisas e se Geraldo Alckmin ganhar a disputa municipal, José Serra fica fora do páreo nacional, como diz Marta, em tese este seria o melhor cenário para Lula, Dilma e o PT.
Mas a candidata inverte a lógica: localiza a ‘importância’ da eleição na derrota de Alckmin e, por conseguinte, na vitória de Serra dentro do PSDB.
Ora, por que ao PT desagradaria ver seu principal oponente banido desde já da disputa de 2010? Por que a necessidade de ‘dar uma força’ para isso não acontecer?
Sabe-se lá, mas o raciocínio de Marta Suplicy não combina com o desenho da paisagem. Ou ela desentendeu-se com o próprio argumento ou a paisagem não retrata a realidade.
Dita a frase, a candidata recuou incontinenti: ‘Não deveria ter mencionado isso, não faz parte da nossa discussão’.’
MORDAÇA
Jornalistas reclamam da Lei da Mordaça
‘A Lei da Mordaça, apelido dado por jornalistas à lei amazonense nº 3278, de 21 de julho, está impedindo investigações policias e apurações corriqueiras em redações. Vários jornalistas, especialmente os da área policial, reclamam da lei, que proíbe servidores da segurança pública de divulgar qualquer informação sobre seu trabalho.’
TELEVISÃO
Adeus, patricinhas!
‘A segunda edição de Simple Life – Mudando de Vida corre o risco de naufragar na Record. A continuação do reality show, que tinha estréia prevista para o fim do ano, está suspensa por tempo indeterminado.
A maior dificuldade do canal foi formar uma nova dupla de patricinhas, uma vez que Ticiane Pinheiro abandonou o projeto. A Record chegou a cogitar a contratação de Carolina Magalhães para compor a dupla com Karina Bacchi, mas ela não foi bem nos testes. Já Karina resolveu passar uma temporada nos EUA estudando.
Na Record, é certo que se Simple Life voltar ao ar, será somente após a 6ª edição de O Aprendiz, no segundo semestre de 2009. A emissora garante que não chegou a assumir com a Fox o compromisso de fazer uma segunda edição do reality.
Ainda na Record, se sair do papel, o remake de Betty, a Feia (cujos direitos, a rede comprou da mexicana Televisa) não terá nada a ver com a Ugly Betty americana, exibida pelo SBT. O canal de Silvio Santos comprou da Disney só o direito de exibição de Ugly Betty, mas isso também impede que outra emissora faça remakes da versão.
COLABOROU ALLINE DAUROIZ’
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