Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Susana Reinoso


‘O secretário de Meios de Comunicação da Argentina, Enrique Albistur, apresentou uma queixa por calúnia contra os editores e empresários Darío Gallo, Jorge Fontevecchia, Alberto Fontevecchia e Luis Moretti, da Editora Perfil e da revista ‘Notícias’, devido a uma reportagem de 29 de janeiro com o título ‘El repartidor’, que questionava a divisão da publicidade oficial. É a primeira queixa criminal do governo contra a imprensa.


Albistur pede pena máxima de prisão (três anos) para o editor (Gallo), o diretor-jurídico e editor-responsável (Moretti), o presidente da editora (Jorge Fontevecchia) e o ex-dono da empresa (Alberto Fontevecchia), atribuindo a eles uma suposta manobra de extorsão para obter publicidade do governo.


A reportagem abordava o desempenho de Albistur, cuja secretaria é responsável pela distribuição da publicidade do governo, que em 2004 foi superior a US$ 100 milhões, 25% acima do orçado.


Segundo os advogados do secretário, os jornalistas mostraram ‘intenção maledicente numa persistente campanha atacando seu desempenho na secretaria’ e sua vida privada, com o ‘objetivo de alterar a política para a publicidade oficial’.


– O secretário não pediria a pena máxima contra jornalistas sem o conhecimento das autoridades superiores. E estas são o chefe de Gabinete, Alberto Fernández, e o presidente Néstor Kirchner – disse o editor de ‘Noticias’, Gustavo González. – Além de sermos os únicos a não ter publicidade oficial, nossos jornalistas não podem entrar no palácio do governo.


Albistur é sócio numa empresa privada com a concessão da publicidade nas ruas e tem teatro, casa de tangos e produtora de espetáculos.’



INTELECTUAIS & MÍDIA


Julián Fuks


‘Vingança e conhecimento’, copyright Folha de S. Paulo, 02/07/05


‘Uma mente sempre disposta a decifrar os enganos do mundo moderno e o funcionamento de suas corrosivas instituições. Esse é o olhar de permanente acidez de Beatriz Sarlo, talvez a figura argentina que melhor se preste à alcunha de ‘intelectual’. Partindo da literatura para interpretar o mundo, ela não tem pudores de falar sobre a violência da ditadura, os fenômenos políticos, o mercado cultural que massacra qualquer arte de certa complexidade.


Vindo ao Brasil para participar da 3ª Festa Literária Internacional de Parati e lançando aqui dois novos livros -’A Paixão e a Exceção’ (Companhia das Letras) e ‘Tempo Presente’ (José Olympio)-, Sarlo pouco alivia o tom para falar de eventos como esse. Trata dessa e de outras questões com a desenvoltura de quem as analisa há mais de 40 anos de carreira acadêmica.


Folha – A cultura argentina tem sempre olhos atentos à história, como ficou claro recentemente com o fim da anistia aos crimes da ditadura. Como isso se explica?


Beatriz Sarlo – A transição democrática da Argentina se fez com uma reivindicação do direito de revisar a história da ditadura e dos crimes do terrorismo de Estado. Pôs na esfera pública a palavra das vítimas e das testemunhas e culminou na condenação, em 1985, de nove comandantes. Mas para as organizações de direitos humanos não era suficiente e a questão continuou em aberto.


Folha – É bom que haja uma literatura militante, como tem sido na Argentina das últimas décadas?


Sarlo – É bom que circulem esses discursos na esfera pública, que são os que querem instalar uma verdade jurídica. Quanto à literatura, não a submeto aos mesmos requerimentos. Sua função não é instalar uma verdade jurídica, e sim dar uma significação que seja esteticamente bem-sucedida.


Folha – Mas nesse período não houve uma conciliação das duas coisas, com escritores como [Juan José] Saer?


Sarlo – Especificamente no caso dele, que penso ser o escritor argentino mais importante dos últimos 50 anos, há o ‘Ninguém Nada Nunca’, que é uma poderosa alegoria do que foi a matança indiscriminada do terrorismo de Estado. Mas não se submete às leis da verdade histórica. Há, no livro, uma cena em que se escuta o som das portas de um carro que se abrem e se fecham, sintetizando um seqüestro. Isso me parece muito mais eficaz em termos literários do que um romance realista ou naturalista sobre a tortura.


Folha – Por que Borges também lhe serve para entender a história?


Sarlo – Em ‘A Paixão e a Exceção’, analiso seu conto mais sangrento, em que dois ‘gauchos’ são obrigados a apostar uma corrida depois de terem tido suas cabeças cortadas. É um fato da ordem do sinistro e, nesse conto, Borges encontra uma cifra do que foi a violência irrefreável tanto das guerras do século 19 como de momentos do século 20.


Folha – Você diz que Borges era objeto de amor e ódio, por suas posições políticas. Essas posições já não têm importância?


Sarlo – Isso era na década de 60, quando Borges se filiou ao partido conservador e minha geração entrava no auge revolucionário. Depois, Borges se converte em uma espécie de santo nacional. Não sacrifica sua agudeza, mas a desperdiça nos programas mais incríveis da televisão. Constrói-se como figura midiática e deixa de despertar resistência. É um velho que se diverte em seus anos finais.


Folha – Sobre essa midiatização, é impossível que os meios eletrônicos popularizem a boa cultura?


Sarlo – A TV de mercado impede a relação intensa com os discursos culturais de natureza complexa. É hostil à densidade de certos produtos culturais e exerce conscientemente atitude anticultural.


Folha – Que papel tem a literatura nesse cenário?


Sarlo – Minoritário, como o de todas as artes na sociedade do espetáculo. Mas a arte nunca foi massiva. Como os intelectuais, opera sobre uma parte da sociedade, que por sua vez é fundamental para o projeto global.


Folha – Como vê festivais como a Flip, no cenário desse mercado?


Sarlo – À Feira do Livro de Buenos Aires, não vou. Por que vou à Festa de Parati? Para vislumbrar uma cultura que me interessa muito, a brasileira. Mas não tenho um olhar positivo sobre os grandes cenários de venda de livros.


Folha – Você define Eva Perón como ‘paixão’ e ‘exceção’. Lula se assemelharia a ela?


Sarlo – Sim, Lula é excepcional. O fato de que um operário chegue a presidente de um país, e ainda do Brasil, em que as elites são enormemente fechadas e cuja estrutura social é muito hierárquica, com marcas ideológicas de um passado escravista, como bem demonstra Roberto Schwarz, é excepcional, à margem do juízo que se possa ter de seu governo.’



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‘Livros analisam a função dos intelectuais’, copyright Folha de S. Paulo, 02/07/05


‘Uma intelectual que se assume nesses termos e passa a pensar o papel de seus pares na sociedade. Esse é o ponto de partida de dois dos três livros de ensaios de Beatriz Sarlo que serão lançados durante a Flip. Também será um dos temas discutidos por ela e Roberto Schwarz, em mesa que compartilham em Parati no dia 8, às 11h45: ‘Um Lugar para as Idéias’.


Em ‘Tempo Presente’ (José Olympio, R$ 38, 132 págs.), publicado originalmente em 2001, na Argentina, a análise do passado devastado do país dá lugar a um intuito mais propositivo, de pensar como deve se posicionar o profissional das idéias frente a esse cenário.


A reedição de ‘Paisagens Imaginárias’ (Edusp, R$ 36, 296 págs.), de 1997, traz ensaios da escritora relacionando arte e meios de comunicação. História, política, guerras e feminismo são temas abordados na obra.


Por fim, ‘A Paixão e a Exceção’ (Companhia das Letras e UFMG, R$ 44, 304 págs.) destoa das anteriores. Trata-se de um texto mais autobiográfico em que Sarlo analisa o fenômeno que foi Eva Perón. Relaciona-o com contos de Borges e com os Montoneros, militantes de esquerda que seqüestraram, em 1970, o tenente-general e ex-presidente Pedro Eugenio Aramburu, que havia derrubado Perón 15 anos antes. Evita e Aramburu são as figuras de exceção que suscitam paixões, no sentido amplo da palavra.’



POLÍTICA CULTURAL


Fabio Cypriano


‘Calil defende a descentralização cultural’, copyright Folha de S. Paulo, 02/07/05


‘ ‘Revolucionariamente conservador’ é a forma como Carlos Augusto Calil, 54, pretende marcar seu período frente à Secretaria da Cultura do município. Empossado há dois meses e meio, após a crise gerada pela renúncia de Emanoel Araujo, Calil, que trabalhou na gestão petista de Marta Suplicy como diretor do Centro Cultural São Paulo, pretende requalificar as instituições com o mote ‘gestão também é cultura’.


Para tanto, uma de suas primeiras medidas será dar independência à Biblioteca Mário de Andrade, ao Centro Cultural São Paulo e ao Teatro Municipal, tornando-os autarquias municipais com orçamento autônomo, mas mantendo fundos públicos.


‘É preciso descentralizar, não posso controlar tudo, senão é impossível gerar políticas públicas’, diz Calil. Tal ação é contrária à proposta do Estado de dar a gestão de instituições como a Pinacoteca a entidades privadas, por meio das Organizações Sociais. ‘Creio que esta é uma ação precipitada’, afirma.


Outra forma de atuação de sua gestão será um maior controle sobre instituições não-governamentais com função pública, como o Masp (Museu de Arte de São Paulo). ‘É preciso exigir que elas sejam democráticas. O Masp tem uma dívida anual relativamente baixa, de R$ 1 milhão. Podemos ajudar desde que o museu volte a ter uma atuação correta’, diz. O objetivo é usar a Lei Municipal de Incentivo à Cultura apenas para instituições que se adaptem às normas de sua gestão.


Calil prevê ainda uma comemoração, ao longo dos próximos três anos, dos 70 anos da gestão de Mário de Andrade frente à Secretaria da Cultura, de 1935 a 1938. ‘Ele é a referência mais importante de atuação na Cultura.’


Calil conversou com a Folha sobre seus projetos na secretaria. Leia a seguir trechos da entrevista.


Folha – Emanoel Araujo saiu da Secretaria da Cultura reclamando da falta de políticas públicas. Em que situação você encontrou a secretaria?


Carlos Augusto Calil – É muito chato ficar falando de dificuldades, todo mundo tem dificuldade na vida. As dificuldades na secretaria são de dupla natureza: uma desorganização financeira, que correspondia à desorganização financeira da gestão passada. Há muitas dívidas a pagar, da ordem de R$ 20 milhões, e não havia acompanhamento financeiro e de pessoal adequados. O que eu conhecia da secretaria, por conta de minha participação no Centro Cultural, é uma dificuldade muito grande de planejar e uma estruturação do gabinete que não era a mais eficiente e racional. Eu já havia proposto uma reestruturação, tanto ao secretário Marco Aurélio Garcia, que foi quem me trouxe e é meu amigo, quanto ao Celso Frateschi. O primeiro não teve tempo, e o outro teve outras prioridades. Agora vamos trabalhar pela melhoria da eficiência da gestão, pois gestão também é cultura, parafraseando o Gustavo Dahl que afirmou que ‘mercado também é cultura’.


Folha – Como fica o Museu Afro Brasil, criado por Emanoel Araujo?


Calil – Uma das coisas complicadas na cultura é a criação de uma instituição nova sem o devido cuidado com pessoal e orçamento, não há ambos no Museu Afro nem na galeria Olido. Isso é uma loucura. As duas estão criadas e vão ter que ser resolvidas, vou ter que tirar dinheiro de algum lugar. Nosso orçamento, de R$ 155 milhões, está congelado em 36%, o que significa uma redução de capacidade de operação enorme e a situação não está nada fácil.


Folha – Uma das razões alegadas por Araujo para sair foi a criação de museus, como do futebol e da criança, de forma desordenada. Eles serão criados?


Calil – O Emanoel é um homem de museu, certo? Então ele tem muito cuidado com isso. As iniciativas do prefeito são de caráter híbrido, não são propriamente museus. O Museu do Futebol é uma instância do ato de torcer, um lugar onde as pessoas poderão reconhecer suas paixões, não é bem um museu, mas uma Galeria do Torcedor, nome que talvez fique. Terá nosso apoio, mas está sendo organizado pela Secretaria de Esportes. Ele será criado no estádio do Pacaembu, numa área hoje mal utilizada, com antigos dormitórios para atletas.


Folha – E o museu da criança?


Calil – Não é um museu, é inspirado numa instituição mexicana chamada Museo de los Niños, mas não tem brinquedo, é uma feira interativa. Há uma parte com vinculação científica e outra parte como um supermercado.


Folha – Mas isso é um incentivo ao consumo.


Calil – Sim, pois no México há uma parte científica, outra artística e outra arqueológica. É uma fundação privada que funciona com venda de ingressos e patrocínios. Aqui, o que se desenha é uma fundação pública da prefeitura, que vai ter condições de oferecer ingresso gratuito ou muito barato. Ele deve funcionar onde é hoje a Administração Regional da Sé, na Luz, e se chamar Catavento.


Folha – Já há uma carência para a manutenção dos espaços atuais, como a própria Pinacoteca Municipal, que nem sequer local definitivo possui. A prefeitura precisa criar mais museus em vez de cuidar do que existe?


Calil – É preciso tomar muito cuidado, mas essas são iniciativas que não são da Secretaria da Cultura e que não vão tirar dinheiro da Cultura. Elas estarão subordinadas ao Anhembi.


Folha – E em relação à Oca, a secretaria vai cuidar daquele espaço?


Calil – Não fiz questão de trazer a Oca para mim, mas a Cultura programará a Oca a partir do ano que vem. O problema da Oca é que o secretário [do Verde e do Meio Ambiente] Eduardo Jorge entende a Oca como fonte de receita do parque Ibirapuera, e eu sou fã do parque. Acho que São Paulo deveria ter muito mais parques. Não vou tirar receita do Ibirapuera.


Folha – Mas a programação deste ano é lamentável, o que irá ocorrer no próximo ano?


Calil – Eles não tinham condição de fazer uma programação, apenas atenderam uma demanda. Mas o que o Edemar Cid Ferreira fez, em relação à Oca, além de ganhar de mão beijada aquele espaço, foi dar à Oca um caráter espetacular de grandes exposições. Eu não sei se a era dos grandes investimentos vai continuar, mas por enquanto acabou. Estamos tentando, junto à Secretaria de Relações Internacionais, trazer mostras de países, como o British Museum, de Londres, por exemplo, outra de Paris, de Berlim e do México. A Oca é o lugar das grandes exposições, e o prefeito sabe disso. Como vamos fazer isso funcionar, ainda não sabemos, pois o dinheiro que circulava na BrasilConnects é de outra dimensão.


Folha – Há outros espaços no parque, como o prédio da Prodam, que é disputado pelo MAM e pelo MAC. Quem vai para lá?


Calil – O certo é que até o fim dessa gestão o prédio da Prodam estará livre para a ocupação de um museu. Se será o MAM, o MAC ou os dois, como quer o prefeito, isso ainda não se sabe. É uma engenharia política complicada, e o custo para a Prodam sair de lá é muito caro, de R$ 20 milhões.


Folha – Se são frágeis institucionalmente, como o secretário pode atuar em relação a essas entidades?


Calil – É preciso ter uma política para organizações públicas e não governamentais. Por exemplo, exigir que sejam democráticas.


Folha – Mas a prefeitura dá cerca de R$ 1 milhão por ano ao Masp. Como cobrar melhoria?


Calil – Ela pode dar, não é obrigatório. É preciso ter uma contrapartida. Já disse ao Júlio Neves que a população paulistana espera do Masp uma atuação mais forte em razão do que esse museu representa para o país. No momento que a secretaria for capaz de formular uma política pública para as instituições não-governamentais, o Masp, se quiser se beneficiar, terá que se submeter às regras que vamos criar.’