‘‘Eu não vi na hora, mas a guerra estava lá’, afirma o jornalista José Hamilton Ribeiro, 67, sobre a sensação ao desembarcar em Saigon, em 1968, para cobrir a Guerra do Vietnã para a revista ‘Realidade’. ‘A primeira impressão foi a de que tinha desembarcado no país errado’, conta, tal era a agitação da cidade de ar cosmopolita herdado da colonização francesa.
Já para Joel Silveira, 86, que cobriu a Segunda Guerra Mundial junto aos postos da FEB (Força Expedicionária Brasileira), na Itália, como correspondente dos ‘Diários Associados’, a idéia de que o conflito parecia longínquo era ainda mais paradoxal. ‘Estávamos mais distantes dos fatos sensacionais do mundo do que qualquer carioca ou paulista.’
Apesar de terem a sensação de estarem afastados do chamado ‘hard news’ (as principais notícias do dia), tanto Ribeiro como Silveira compuseram dois clássicos do jornalismo brasileiro. Isso porque conseguiram, com relatos em primeira pessoa, aproximar imagens das duas guerras dos leitores aqui no Brasil. Retrataram personagens, paisagens, gostos e reações de tal maneira que entregavam a quem os lesse instrumentos para que construíssem um cenário vivo dos conflitos.
Por um triste infortúnio, Ribeiro foi além e descreveu a dor na própria carne. No último dia de sua cobertura em solo vietnamita, o jornalista pisou numa mina e perdeu parte da perna esquerda.
Uma versão reeditada de ambas as coberturas chega agora em dois livros da coleção Jornalismo de Guerra (ed. Objetiva). São elas ‘O Inverno da Guerra’, de Joel Silveira, e ‘O Gosto da Guerra’, de José Hamilton Ribeiro.
No momento em que se comemoram 60 anos do fim da Segunda Guerra e 30 do término da Guerra do Vietnã, os dois jornalistas, em entrevista à Folha, compararam os conflitos com a guerra a que assistem hoje.
Silveira, hoje adoentado e afastado da profissão, diz que a Segunda Guerra foi a única realmente justa da história do homem. ‘O mundo tinha de se livrar de Hitler. Os EUA foram adorados por libertar o mundo do nazismo e depois jogaram isso fora com a invasão do Iraque. Viraram o povo mais odiado do planeta.’
Já Ribeiro, que hoje edita e é repórter do ‘Globo Rural’, pensa que o conflito no Vietnã tinha um componente romântico que nunca mais existirá. ‘O que movia a guerra contra os EUA era um projeto político e ideológico que tinha muito sentido naquela época. No caso da Guerra do Iraque, hoje, nada disso existe.’
O inverno de Joel
‘O Inverno da Guerra’ é uma seleção de textos de Joel Silveira sacados do livro ‘Histórias de Pracinha’, de 1945 e esgotado há 30 anos. Todos foram escritos no front e enviados para publicar no dia seguinte. Mas isso nem sempre acontecia, pois a censura do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) vetava parte do material. ‘Quando voltei, Carlos Lacerda, diretor da agência Meridional, subordinada aos ‘Diários Associados’, me deu uma pilha de laudas, ‘isso foi o que você mandou e não pudemos soltar’.’
O Brasil vivia então a ditadura do Estado Novo (1937-1945). ‘Qualquer menção às palavras democracia ou liberdade era motivo para o texto cair’, diz. Segundo ele, Getúlio Vargas foi contrário à ida dos jornais brasileiros ao conflito. Silveira teve como companheiros de cobertura Egydio Squeff (‘O Globo’), Rubem Braga (‘Diário Carioca’), Raul Brandão (‘Correio da Manhã’) e o fotógrafo Thassilo Mitke.
Vargas se manteve neutro com relação à participação do Brasil na Segunda Guerra até 1941. Após um acordo com os EUA, em que barganhou o financiamento da primeira siderúrgica nacional, e o torpedeamento de navios brasileiros por submarinos alemães, decidiu enviar soldados brasileiros ao front ao lado dos aliados.
‘Mas a má vontade dele era imensa até nos pequenos detalhes. Por exemplo, o uniforme dos soldados brasileiros era igual ao alemão. Os americanos ficaram boquiabertos, e os brasileiros tiveram de trocar de fardamento.’
O inferno de José Hamilton
Já o ‘Gosto da Guerra’ é uma versão modificada do livro original, de 1969, esgotado há 20 anos.
Na edição, caiu fora um trecho em que o jornalista condenava a ação norte-americana no Vietnã. ‘Tirei porque isso perdeu o sentido, o quadro mudou muito. Achei que fazia mais sentido deixar só a parte mais humana do relato.’
A opção privilegia, assim, o incidente que causou a amputação de sua perna e como viu o conflito a partir dessa tragédia. ‘No começo eu tinha muito medo de morrer. Depois percebi que devia escrever sobre aquilo e comecei a entrevistar meus colegas feridos do hospital, os enfermeiros, os médicos.’
Estilo perdido
Silveira e Ribeiro concordam que o tipo de jornalismo que fizeram caiu em desuso, mas que deveria ser resgatado num momento em que o jornais passam por uma crise, não só econômica, mas de identidade. ‘Investir nesse estilo de relato pessoal seria uma saída. Há muitos bons jornalistas nas redações que não podem expandir sua maneira de escrever por causa do padrão de edição que se estabeleceu’, diz Silveira.
Já Ribeiro acredita que a crise é antes econômica do que editorial. ‘Depois que isso passar, o jornalismo de reportagem deve voltar, pois ele é caro e precisa de investimento. Quanto ao relato em primeira pessoa, não acho que esteja fora do tempo. Um bom parâmetro é que nos EUA esse tipo de reportagem se mantém vivo.’’
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‘Ribeiro dialoga com a atualidade’, copyright Folha de S. Paulo, 05/05/05
‘A cobertura estava no fim. Mas o fotógrafo que acompanhava José Hamilton Ribeiro no Vietnã achava que não. O japonês Kei Shimamoto ainda queria captar uma imagem de impacto para a capa da ‘Realidade’. Ribeiro se impacientava. Um dia antes da última ação que a dupla acompanharia em solo vietnamita, escreveu para os colegas: ‘Acho que ele espera que uma bomba me mande para o Cão, para só então achar uma boa foto’.
Desgraçadamente, foi quase dito e feito. No dia seguinte, Ribeiro pisou numa mina que arrancou parte de sua perna esquerda.
‘O Gosto da Guerra’ é, essencialmente, a história dessa mutilação e de como ela serviu de lente para que Ribeiro interpretasse a guerra. Escrito poucos meses depois de sua chegada ao Brasil -e logo após publicar a reportagem da ‘Realidade’, com a foto dele mesmo ferido na capa-, o livro utiliza recursos literários, como idas e vindas no tempo, para remontar a estada no Vietnã e refletir sobre a profissão e a guerra.
Mesmo com o foco no drama pessoal, o relato é sempre jornalístico. Um aspecto interessante é um olhar irônico e voltado ao inusitado aqui e ali. Uma passagem investiga a vida sexual dos soldados americanos -oficialmente limitada a férias de uma semana num país ‘amigo’ e próximo, pagas pelo governo. Ribeiro comenta, sarcástico, essa oficialização do turismo sexual pelos EUA: ‘Dessa grande prova de amizade, a geografia nos poupou’.
Outro exemplo é quando observa os companheiros de infortúnio no hospital militar e tenta fazer a lista dos dez mais desgraçados à sua volta, incluindo ele mesmo.
É uma pena que Ribeiro tenha optado por sacar do texto a parte em que defendia a retirada das tropas dos EUA do país. Por mais datada que fosse, certamente agregaria valor histórico ao relato.
Há ainda um interessante adendo inédito no livro, que narra uma volta ao país em 1995.
Pelos paralelos com a Guerra do Iraque e pelo debate sobre o jornalismo que suscita, ‘O Gosto da Guerra’ é essencial.’
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‘Joel Silveira recorre à literatura’, copyright Folha de S. Paulo, 05/05/05
‘‘Seu Silveira, me faça um favor de ordem pessoal. Vá para a guerra, mas não morra. Repórter não é para morrer, é para mandar notícias.’ Foi assim que Assis Chateaubriand (1892-1968) se despediu de seu jovem jornalista Joel Silveira, então com 26 anos, quando este estava prestes a embarcar, no inverno de 1944-45, para a Itália para acompanhar a Força Expedicionária Brasileira.
Ele começava uma carreira de coberturas que o transformariam num dos mais importantes repórteres de sua geração, ganhando prêmios Esso e Jabuti e escrevendo alguns clássicos do chamado ‘jornalismo literário’.
Lidos 60 anos depois, os textos de ‘O Inverno da Guerra’ impressionam pelo equilíbrio ao mesclar uma visão pessoal do conflito a uma preocupação com a descrição minuciosa do que via.
Se o termo ‘jornalismo literário’ parece datado, é difícil mesmo não aplicá-lo ao caso de Silveira. As imagens com que constrói sua narrativa são de um entusiasmo adolescente pela notícia, mas também cheias de metáforas contundentes e poéticas.
Por exemplo, ao descrever sua chegada a Nápoles: ‘Pois aqui estou eu sozinho na enorme cidade subvertida, ferida de morte, invadida e estuprada de dias cinzentos e empoeirados que cheiram a gasolina e a pus, a grande cidade talada pela guerra’.
O ponto alto do livro, entretanto, é a histórica tomada do Monte Castelo. Atocaiado na casa de um camponês italiano, Silveira se mostra obcecado em anotar todos os passos das Forças brasileiras, descrevendo o hora-a-hora da operação. Não deixa, porém, de reparar nas coisas que o dono da casa largou para trás e se emociona com o estremecer de xícaras e copos e com a expressão dos rostos em uma foto antiga de um casamento no canto do aposento.
Obedecendo às ordens do patrão, Silveira não morreu na guerra. Viveu e acrescentou um nostálgico prefácio a essas memórias: ‘Não Foi um Passeio’, capítulo que abre o livro e o torna ainda mais fundamental em qualquer curso de jornalismo.’
Ricardo Bonalume Neto
‘Novas obras mostram atuação brasileira em conflito ‘, copyright Folha de S. Paulo, 05/05/05
‘O tenente da reserva paulistano José Gonçalves (1912-2003) não precisava ter lutado na Segunda Guerra Mundial. Era casado e tinha 32 anos em 1944; foi enviado como comandante de um pelotão de fuzileiros à Itália, função que os Exércitos reservam para rapazes de vinte e poucos anos.
Foi mais um exemplo do caos que foi o recrutamento do pessoal da FEB (Força Expedicionária Brasileira), mas foi uma tremenda sorte para seus soldados. Gonçalves, veterano da Revolução Constitucionalista de 1932, tratava seus comandados como gente e se preocupava com seu bem-estar, ao contrário de oficiais mais antigos, escolados na tradição autoritária que vinha da época colonial e fora reforçada na era do duque de Caxias e da missão militar francesa de 1920-1940.
A história de Gonçalves e seus soldados e amigos está contada em um admirável livro de memórias escrito em parceria com o historiador Cesar Campiani Maximiano. Infelizmente Gonçalves -a quem conheci em 1994 em uma visita aos campos de batalha na Itália- morreu antes da publicação. Ser comandante de um pelotão era estar literalmente na ponta-de-lança do Exército, algo reservado para poucos.
Dos mortos e feridos da FEB, mais de 90% eram da infantaria, contra cerca de 3% da artilharia; de 16 de setembro a 31 de dezembro de 1944, o índice de baixas de infantes chegou a 97%.
Gonçalves já prestara um serviço anterior à história. Foi um dos 16 autores de ‘Depoimento de Oficiais da Reserva sobre a FEB’, uma polêmica obra publicada no imediato pós-guerra que o historiador americano Frank McCann considera ‘um dos livros mais úteis sobre a FEB’.
Quem quiser saber mais sobre o contexto da participação do Brasil na guerra tem ainda outro livro, conciso e didático, obra do historiador Francisco César Ferraz.
Ferraz lembra que o papel dos brasileiros na guerra foi pequeno, mas que nada teve de meramente simbólico. ‘Se não fosse por indivíduos como esses, lutando em todo o mundo contra a barbárie fascista, o presente livro jamais poderia ser escrito’, concluiu.’
IBOPE EM XEQUE
Daniel Castro
‘Medição do Ibope falha em 6% das casas’, copyright Folha de S. Paulo, 05/05/05
‘De cada cem domicílios em que mede audiência na Grande SP, o Ibope descarta seis deles por problemas. O principal (69% dos casos) são falhas na comunicação entre o domicílio, onde está instalado um medidor (people meter), e o Ibope, que recebe os dados via radiofreqüência, em tempo real.
Há casos também de domicílios descartados porque o televisor permanece ligado no mesmo canal durante mais de 12 horas, o que é considerado anormal.
O percentual de falhas, de 6%, que o Ibope chama de ‘índice de domicílios rejeitados’, está sendo divulgado pela primeira vez pelo instituto, por orientação de auditores da Ernst & Young dos EUA. O Ibope sofre auditorias externas desde 1998. O processo é capitaneado por uma comissão de TVs e agências de publicidade, da qual só o SBT não participa.
O Ibope passou a divulgar a seus clientes também a idade da amostra (99% dos domicílios pesquisados estão na base há menos de quatro anos, como recomenda a auditoria) e o perfil (sexo, idade e classe social) do total da amostra.
A amostra na Grande São Paulo tem 750 domicílios (dos quais 45 falham), que representam 5,233 milhões de casas na região _por isso, cada ponto equivale a 52,2 mil domicílios, ou 1% do total.
Já a amostra nacional é composta por 3.270 domicílios, que representam 16,6 milhões de residências. No país, há mais de 40 milhões de casas com TV.
OUTRO CANAL
Astúcia Para desespero de milhares de fãs, está marcado para o próximo dia 14 a última exibição do seriado ‘Chaves’ no SBT. A emissora não renovou contrato pelos direitos da série com a Televisa _mas ainda pode voltar atrás. No dia 16, o horário de ‘Chaves’ (18h) será ocupado pela novela argentina ‘Rebelde Way’.
Presídio A Globo bateu o martelo: vai exibir os dez episódios da série ‘Carandiru – Outras Histórias’, de Hector Babenco, entre 10 de junho e 12 de agosto, após o ‘Globo Repórter’. Antes, na segunda, 6, mostrará o longa ‘Carandiru’. Para não confundir o telespectador, a Globo só irá bombardear chamadas da série após passar o filme.
Rotativa O vencedor de ‘BBB 5’, Jean Willys, é também um escritor proficiente. Escreveu em menos de 20 dias, em abril, quase todos os 16 contos que compõem o livro ‘Ainda Lembro’, que a editora Globo lança dia 18, na Bienal do Livro do Rio, quando ele dará a palestra ‘A TV no Comando da Vida’. Os contos, fictícios, partem de experiências que ele viveu no ‘reality show’ da Globo.
Musa Primeira-dama da Rede TV!, Luciana Gimenez ganhará um cenário novo no dia 16. A emissora está investindo R$ 300 mil no cenário, assinado por João Armentano. Para tanto, a Rede TV! desativou seu único estúdio que comporta auditório. Assim, o próximo ‘Pânico na TV’ será ancorado dos corredores da TV.’