AQUI AGORA
Baixaria de ressaca, 7/3
‘Nem aqui, nem agora. O retorno do mais famoso telejornal do tipo ´espreme que sai sangue` dos anos 90, o ´Aqui agora´, decepcionou. A estréia foi um amontoado de matérias frias, nada urgentes como sugere o título.
Levado de volta ao ar nesta semana pelo SBT, o noticioso conta com a mesma vinheta, nome, e alguns remanescentes da equipe que fez sua fama.
Para o bem e para o mal, o resto está bem diferente. O noticiário policial perdeu espaço. Termos politicamente incorretos são evitados. E cenas de péssimo gosto, como a famosa veiculação de um suicídio, parecem ter ficado bem para trás.
Afinal o programa saiu do ar depois de perder audiência e anunciantes em decorrência do fato de ter se tornado símbolo da baixaria na TV.
O humor – de gosto duvidoso, mas impagável – da versão original (como a presença do ´comentarista econômico` Maguila, o então pugilista, e o seu bordão: ´vô dá porrada´) também não está mais lá.
O hoje deputado Celso Russomano ressurgiu. Sua reportagem de reestréia mostra o caso do proprietário de um Fusca que deixou o carro numa oficina mecânica há 1 ano e 4 meses, e até hoje não o recebeu de volta.
O repórter-deputado foi à oficina junto com o cliente e promoveu um novo ´acordo entre as partes´, que prevê a entrega do carro para os próximos 20 dias.
Nada mais simbólico do caráter ainda sensacionalista do programa. Bater num dono de oficina mecânica é fácil. Como se fosse esta a mais representativa das batalhas no campo da defesa do consumidor dos nossos tempos.
Os campeões de reclamações nos Procons são bancos, companhias telefônicas, distribuidoras de energia elétrica, companhias estatais de abastecimento de água, operadoras de TV a cabo, concessionárias de estradas, entre outros serviços públicos onde o oligopólio domina – este não é o caso das oficinas mecânicas.
Se Celso Russomano fosse mesmo um repórter de defesa do consumidor independente, iria atrás destas empresas. Com a sua câmera mostraria que a maioria delas sequer tem um posto de atendimento físico ao consumidor.
Também poderia mostrar a qualidade do acolhimento a reclamações feitas por meio dos call centers destas empresas. Mas se fizesse isso, não seria Celso Russomano, mas sim uma espécie muito benigna de Michel Moore brasileiro.
Mais fácil constranger o mecânico negligente. Aliás, em tempos de interatividade, seria interessante saber da produção do novo Aqui Agora como é que eles escolhem as pautas para o quadro de defesa do consumidor. Porque no site do programa não há espaço para o registro de reclamações.
A julgar pelas matérias que estão indo ao ar, fica a impressão que o critério é o potencial de proporcionar sensação. São assuntos que servem para comentar no botequim. Nada que vá ajudar a mudar algo. Será que isso ainda dá audiência?
Higienizado, frio, sensacionalista e velho, o jornal amargou média de 5,3 pontos no Ibope em sua estréia, 0,9 a menos que o SBT havia conseguido no mesmo horário da segunda-feira anterior, com seriados enlatados.
O péssimo desempenho de estréia não é definitivo, mas bastante significativo do atual momento de ressaca da baixaria. Um movimento que parece tatear no escuro.
As emissoras querem a audiência dos telejornais sensacionalistas, mesmo que seja para usá-la no programa posterior. A idéia é não afugentar os anunciantes, que não querem se sujar com a pecha de deseducadores e irresponsáveis.
Esta crise de identidade também pode ser constatada na ótima entrevista do apresentador José Luiz Datena, do Brasil Urgente, noticioso da Band, concedida à Folha de S. Paulo, na última segunda-feira.
O título já prenuncia a depressão: ´Não agüento mais fazer isso, afirma Datena´. O âncora se coloca na posição de vítima. ´Não sou responsável por esse tipo de programa, nem pela violência´.
´Crítica (…) policial já me torrou a paciência´. ´Se pudesse mudaria o programa e faria um jornalismo comum´. ´Não posso chegar para o dono do canal e dizer que não quero mais fazer, tenho contrato com bastante multa para pagar´.
´Eu me sinto desconfortável e aprisionado, porque o programa dá ibope, e os caras não me tiram´.
Ele encerra com uma última pérola: ´A responsabilidade de se manter no topo é um saco sem tamanho´. Enquanto isso, o Brasil Urgente continua a produzir o espetáculo da notícia.
Quando a imagem rende – como a de uma velhinha que apanha de um assaltante; um frentista sendo atropelado; ou um conflito no Norte do país – é mantida no ar dias a fio junto com os esporros do apresentador, sempre como se tivesse acabado de acontecer.
O presidente da Fundação Padre Anchieta, entidade mantenedora da TV Cultura de São Paulo, Jorge da Cunha Lima, demonstrou recentemente ser um otimista.
Ele acredita que o ciclo da baixaria na TV, no mundo e no Brasil, está em trajetória descendente.
Ele afirma ser incrível chegar ao começo de século XXI e constatar que ´o ser humano vai voltar a ter utopia e a sonhar porque ficou de saco cheio´.
Por diferentes caminhos Cunha Lima e Datena chegaram ao mesmo ´saco cheio´. Que dele resulte um novo tempo de criatividade.’
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