FOTOGRAFIA
Olhares que iluminam
‘A abertura de uma bela exposição de Paulo Leite no Sesc Santana, nesta terça-feira, me faz pensar uma vez mais no quanto devo, e não só como jornalista, a uns tantos fotógrafos com quem trabalhei. A eles deveria dizer, como na canção de Arnaldo Antunes: ‘Seu olhar melhora o meu’.
Não exagero. Por uma ancestral deformação profissional, muitos repórteres tratam como coadjuvantes, meros acessórios, bem subalternos, os fotógrafos com quem fazem parceria. ‘O meu fotógrafo…’, dizem alguns, do alto de uma superioridade tão ridícula quanto insustentável, pondo no pronome possessivo uma ênfase patronal, como se não fosse a reportagem uma empreitada a dois.
Se sou vacinado contra tal tipo de arrogância foi por ter tido, em meus começos como repórter, a companhia de um fotógrafo inesquecível. Recém-chegado a São Paulo e, como foca, ao Jornal da Tarde – que era, naquele maio de 1970, por seu texto e seu visual inovadores, a cidadela da vanguarda jornalística brasileira -, fui destacado para desventrar as mazelas da Casa Verde, bairro onde nunca tinha posto os pés. E os pus num lamaçal, em companhia do carrancudo, quase hostil José Pinto. Não sabia por onde começar – e foi ele quem me salvou. Não por algo que tivesse se disposto a ensinar ao principiante, mas pela pontaria de sua objetiva: foi ao vê-lo apontar sua câmera que o foca achou o foco daquela reportagem. Não agradeci ao mal-encarado companheiro, nem pude fazê-lo depois, pois nunca mais nos cruzamos. Faço-o agora.
Outros parceiros vieram, mais ativamente cooperativos, e um deles, dos mais generosos, foi Paulo Leite, com quem cruzei na IstoÉ (quase escrevo ‘Isto Era’) dos anos 80. Junto fizemos, entre muitas outras, uma reportagem de capa sobre a cultura chilena, que, debaixo das botas de Pinochet, tentava respirar – e é com comovido respeito que me lembro do esmero com que meu companheiro batalhou na captura de cada imagem. Incapaz de querer menos que a perfeição, me deixou apreensivo ao sumir do hotel, horas antes do embarque de volta ao Brasil: decidira voltar à lonjura de um chalé nos contrafortes da cordilheira dos Andes, para refazer fotos já irretocáveis do poeta Nicanor Parra. A lembrança do brio de Paulo Leite assombrou cada minuto que despendi na feitura do texto, e, se fiquei a anos-luz da perfeição, não foi por falta de um bom exemplo a me incitar.
Humberto Werneck, jornalista e escritor, é autor de ‘O Desatino da Rapaziada’ (Cia. das Letras) e ‘O Santo Sujo’ (Cosac Naify, 2008).’
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