Thursday, 14 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Terra Magazine

MÍDIAS NATIVAS
Paulo Nassar

A voz digital das matas e das periferias, 29/3

‘As expressões culturais das ocas dos mais de 200 povos indígenas brasileiros e das periferias das grandes cidades ocupam, por meio das tecnologias comunicativas digitais, como nunca aconteceu, tempos e espaços relacionais de públicos habituados a conviver apenas com as mídias tradicionais, baseadas no papel impresso e na idéia de que apenas esses veículos formam a denominada opinião pública.

Este é um dos resumos do que foi apresentado e debatido no 2º Seminário Mídias Nativas, evento que reuniu, em São Paulo, nos últimos dias 25, 26 e 27, comunicadores e usuários das novas mídias digitais, dentre eles indígenas e jovens da periferia, que comandam emissoras de rádio e de televisão, produtoras de vídeo e de filmes, blogs e sites, lojas virtuais e outras ações de empreendedorismo digital.

O 2º Mídias Nativas, coordenado pelo professor Dr. Mássimo Di Felice, juntamente com um grupo formado por jovens pesquisadores em comunicação, atualmente agrupados no Centro de Pesquisa de Opinião Pública em Contextos Digitais (Cepop-ATOPOS, da ECA-USP), convidou para apresentar as suas mídias e experiências os comunicadores indígenas – dentre eles, Atia Pankararu, Yakuy Tupinambá e Anápuáka Pataxó Hã Hã Hãe (integrantes da Rede Índios Online), Giselda Gerá e Olívio Jekupé (escritores guaranis) e a comunicadora Nanine Terena – e, da metrópole paulistana, Ronaldo Costa e Eliezer Santos (Canal Motoboy), Gerô Barbosa (Rádio Heliopólis), Tio Pac (Filmagens Periféricas), Fernão Ciampa e Cristhian (Embolex) e Gil e Adriano Ferreira (Portal Bocada Forte).

Os casos apresentados e debatidos no 2º Midia Digital demonstraram que as tecnologias de comunicação digital estão consolidando novos territórios comunicacionais e relacionais, não mais baseados na difusão de informações autoritárias.

A força da mídia étnica apresentada no evento, criadora de uma etnosfera onde convivem guaranis, xavantes, tupinambás e pataxós, dentre outros, vem de suas mensagens baseadas nas culturas indígenas, nas suas histórias, memórias, mitos e rituais, agora, expressas em fotografias, textos, cantos e sonoridades, filmes e vídeos. A maioria dessa produção comunicacional está disponibilizada e ofertada na internet.

A produção midiática da periferia bebe as suas mensagens e seu jeito de ser na cultura do hip-hop, na dança, moda, teatro e grafismos de rua. Embaixo ou sobre as lajes das casas periféricas rola muita conversa em que o assunto é como o jovem pobre, sem escola e sem emprego, diretamente impactado pela violência, pode construir a sua identidade, a sua presença no mundo. Um mundo que construía e veiculava a imagem desse jovem para a sociedade, a partir de preconceitos prontos. Por meio das novas mídias, esse jovem passa a produzir e difundir a sua imagem, a sua realidade e os seus desejos.

Os exemplos desses protagonistas mediáticos são as redes sociais digitais, os sites de motoboys, os portais de periferia e sites indígenas, que passaram pelo 2º Mídias Nativas. Estas redes digitais estão crescendo, a partir de computadores de organizações não-governamentais, igrejas e lans-houses. E vão crescer ainda mais, em quantidade e qualidade, com o acesso mais fácil ao crédito para a compra de computadores.

A consolidação da democracia em países habituados ao autoritarismo principalmente das autoridades, aninhadas nos governos e nas universidades, passa por mais computadores para os povos indígenas e das periferias.’

 

TELEVISÃO
Ricardo Kauffman

CQC e a força do jornalismo com humor, 28/3

‘O humor tem a capacidade histórica de convidar à reflexão. A ele não escapa o desconcerto das atitudes.

´A comicidade é (…) um aspecto dos acontecimentos humanos que em virtude de sua rigidez (…) imita a máquina, o movimento sem vida. Exprime uma imperfeição que exige correção imediata. (…) O riso é essa correção´.

A foto com os pés de Jânio Quadros em sentidos opostos; a caricatura de famosos feita por bons imitadores; o globo terrestre flutuando feito balão aos chutes do Hitler de Charles Chaplin.

Diversos recortes cômicos nos fazem rir por flagrar o automatismo expressado no trecho acima do livro ´O Riso´, de Henri Bergson, editado pela primeira vez em 1924, em Paris.

Para isolar o que o que confere ao humano o aparente funcionamento de máquina – a gênese do jocoso, segundo Bergson – o comediante precisa lançar mão de uma boa leitura dos acontecimentos. Não raro ele é uma espécie de cronista, ou mesmo de jornalista.

Por isso, boa mistura entre jornalismo e humor sempre esteve presente na mídia, com altos e baixos. O atual momento parece pródigo para o surgimento de bons humoristas na TV cuja matéria-prima é a notícia.

A mais nítida e radical destas manifestações é a estréia da versão tupiniquim de CQC (Custe o que Custar), na Band, sob o comando de Marcelo Tas.

CQC é um programa nascido há mais de dez anos na Argentina (´Caiga quien Caiga´), que mistura humor e reportagem. Seu formato foi exportado para diversos países e agora – com atraso – chega ao Brasil.

A escalação de Marcelo Tas para o comando do noticioso-humorístico não poderia ser mais adequada. Trata-se de um ícone brasileiro desta mistura.

Nos anos 80 ele encarnava o intrépido repórter-personagem Ernesto Varela, que fez perguntas inesquecíveis a figuras como Paulo Maluf e Nabi Abi Chedid.

O uso da comicidade no jornalismo é uma ´faca de dois legumes´, diria a lenda do humor involuntário Vicente Mateus. Pode ser grotesco, humilhante, racista e alienante.

Pseudotransgressor. Ter verniz de independente mas servir de forma enrustida ao status quo. Fazer ´merchan` que ofende a inteligência do espectador ao mesmo tempo em que poupa anunciantes e patrões da acidez com que trata suas vítimas.

Não é raro na TV o humor que serve ao jogo de sempre – faz piada com personagens frágeis ou fragilizados e bajula os poderosos, dentro de regras bem conservadoras.

A face benigna deste casamento (entre jornalismo e humor) se estabelece na possibilidade de uma visão crítica e leve dos acontecimentos, inclusive dos áridos.

Marcelo Tas e o CQC já demonstraram potencial para exercer esta abordagem, ao menos nos melhores momentos dos seus dois programas de estréia.

Um dos quadros chama-se ´Proteste´. Esta semana o repórter acompanhou o calvário de deficientes físicos para ter acesso às estações de metrô de São Paulo.

Sem expor os deficientes ao ridículo – o lado frágil -, quem passou constrangimento foi a autoridade entrevistada, que teve de justificar porque o elevador da estação Sé não chega à superfície da praça.

Outro quadro, o ´repórter inexperiente´, interpretado por Danilo Gentili, permeia terreno pantanoso, entre a sagacidade e a apelação. É criativo e engraçado, mas talvez não agrade aos humores mais sensíveis.

Vê-se o falso ´foca` – Gentili é um hábil cara-de-pau que prescinde da violência do repórter Vesgo – em ´on e no making-of` de suas entrevistas com personalidades como Gretchen e o padre Marcelo Rossi.

Protegido pelo disfarce convincente de iniciante, ele põe o interlocutor em situações bem irreverentes. À Gretchen pediu para autografar uma revista em que ela posou nua. A própria entrevistada não conteve a risada ao folhear o exemplar de estimação do repórter. As páginas do ensaio pornô estavam grudadas.

Além de CQC, estreou neste mês o programa ´15 minutos´, na MTV, do também jornalista e ator Marcelo Adnet. Voltado ´ao nada´, segundo o próprio apresentador, o programa provoca sua audiência a enviar e-mails criativos.

Adnet mostra desenvoltura e pertinência nos assuntos abordados. Improvisador, conta com vasto repertório de imitações originais, como a de Mano Brown e José Wilker. Ele o usa em comentários espirituosos sobre as notícias do cotidiano.

CQC e 15 Minutos se juntam a outras recentes manifestações cômicas e agradáveis já consolidadas na TV que, de uma forma ou de outra, se relacionam com o jornalismo – mesmo de maneira pouco incisiva.

É o caso do grupo ´Os Melhores do Mundo´, da ´Central de Boatos` do Fantástico (TV Globo); e de ´Irritando Fernanda Young´, da GNT.

A atual conjuntura política e midiática está marcada por excesso de informação, certa crise das pautas e ataques ferozes entre grupos lobistas, players da futura convergência digital e jornalistas (num processo destrutivo ou construtivo, a conferir).

Em meio aos efeitos boçais deste embate obscuro parece ganhar força junto ao público a bem-vinda brisa do humor crítico, que tem circulado até aqui sem ranços de afetação.’

 

 

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Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

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