Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Terra Magazine

JORNAL NACIONAL
Diogo Moyses

Cada um conta o que quer contar

‘Muitos leitores devem ter notado que a TV Globo passou as duas últimas semanas celebrando o aniversário de 40 anos do Jornal Nacional. Desde a sua criação, o telejornal global é, de longe, a principal fonte de informação de milhões de brasileiros.

Bonner e Fátima Bernardes fizeram questão de nos lembrar das tantas glórias conquistadas pelo JN e pelo jornalismo da emissora. Matérias intermináveis – intermináveis mesmo, de quase 15 minutos – exaltaram os feitos do telejornal. Os mais antigos repórteres (os que certamente melhor cumprem ordens do patrão) foram chamados à bancada e, ao vivo, recordaram as coberturas dos fatos que marcaram a história recente do país.

Telespectadores desavisados, desconhecedores de episódios importantes da vida nacional, talvez até tenham ficado com lágrimas nos olhos.

É fato incontestável que o Jornal Nacional consolidou-se desde a década de 1970 (estreou em 1969) como símbolo do poder das Organizações Globo. Com uma estrutura quatro, cinco ou seis vezes maior do que os telejornais de suas concorrentes, ainda hoje bota medo na maioria dos políticos, que temem ser alvos de abordagens, digamos, pouco simpáticas. Quando as menções são positivas, aí é só festa. Dá até pra pensar em vôos mais altos. Símbolo maior desse poder é o fato de seu lobista-chefe ser chamado de ‘senador’ nos corredores do Congresso Nacional. Sem nunca ter sido candidato nem eleito para cargo algum, desfruta de poderes que nenhum parlamentar possui.

O JN tem todo o direito de comemorar o que bem entender. Aliás, a Globo é perita em se auto-promover. Já fez isso em diversas ocasiões e continua a fazer com competência, posando de defensora da cultura nacional e da liberdade de expressão, além da já manjada face ‘solidária’ que os Crianças Esperanças da vida buscam construir.

O perigo iminente disso tudo é que, em um país pouco conhecedor da biografia de seus meios de comunicação, corre-se o risco de reescrever a história. O temor não se faz em vão: como historiadores cansam de afirmar, a memória coletiva muitas vezes é fruto do legado dos mais fortes.

Mas voltemos ao nosso tema. Como era previsível, o JN tratou de lembrar das tantas ocasiões nas quais noticiou fatos da vida política, econômica, cultural e esportiva do país.

Esqueceu-se, no entanto – e ao acaso isso não pode ser creditado -, de recordar os momentos em que o telejornal global foi ele mesmo sujeito da história.

Ficou de fora da retrospectiva, por exemplo, que o surgimento e fortalecimento da TV Globo deu-se a partir de um acordo ilegal com o grupo estrangeiro Time-Life, que foi inclusive objeto de CPI no Congresso Nacional.

Esqueceram de dizer que a emissora foi criada e se fortaleceu com o apoio decisivo dos sucessivos governos militares. E que seu jornalismo, em especial o JN, ignorou solenemente as torturas, os desaparecimentos e as mortes dos que lutavam contra a ditadura, como se não tivessem acontecido.

O resgate histórico deixou de lado a tentativa de ignorar o movimento pelas eleições diretas nos primeiros anos da década de 1980, assim como a participação da emissora na tentativa mal sucedida de fraude nas eleições para o governo do Rio de Janeiro, com o objetivo de evitar a posse de Leonel Brizola.

A memória seletiva igualmente deu conta de apagar a participação decisiva do JN na eleição de Fernando Collor em 1989, quando a emissora editou de forma canalha o último debate entre Collor e Lula, além de utilizar contra o candidato petista as acusações lunáticas de sua ex-mulher e o seqüestro do empresário Abílio Diniz.

Nos anos seguintes, de forma nem um pouco sutil, foi linha de frente na consolidação da idéia – hoje comprovadamente furada – de que o neoliberalismo e a privatização de empresas estatais eram o único caminho a seguir, impulsionando a eleição e reeleição de FHC à Presidência.

Há ainda uma série infindável de episódios mais recentes que poderiam ser acrescentados à lista, como a cobertura favorável ao tucano Alckmin nas últimas eleições presidenciais. Ao contrário de outras tentativas, a tática não deu certo, graças à multiplicação das fontes de informação e, quem sabe, ao aumento da consciência política das classes menos favorecidas.

Fato é que, ao longo de toda a sua história, a Globo consolidou-se como os olhos e ouvidos da atrasada elite brasileira, cerrando fileiras contra movimentos sociais e quaisquer políticas distributivas. Em Brasília, seu ‘senador’ é sempre recebido com afagos. Tapetes vermelhos se estendem aos seus pés. E assim, políticas que visam democratizar as comunicações do país são enterradas antes mesmo de nascerem.

É normal, compreensível até, que o JN tente recontar a sua própria história. O que não pode acontecer é que a história não contada por ele seja esquecida por nós.’

 

CENSURA
José Paulo Cavalcanti Filho

Censura prévia e democracia

‘Os jornais estão entulhados com artigos indignados, assinados por jovens intelectuais ou velhos políticos, berrando que censura prévia é uma violência contra a democracia. Ocorre que nem sempre é. Os chavões não mudam, e um pouco de prudência não faz mal a ninguém. Mesmo a tão conhecida sentença, indicando que ‘não há democracia sem imprensa livre’, tem contraponto no reconhecimento de que também ‘não há democracia com imprensa livre’ – quando se considere que a mais ampla liberdade de informar tem (ou deveria ter), como correspondência, a máxima responsabilidade no exercício dessa liberdade.

‘O exemplo é sempre mais eficaz que um preceito’, dizia Samuel Johnson. Se assim for, vamos a ele. Caso um jornal colocasse microfones numa Igreja, para gravar confissões dos fiéis, esses relatos deveriam ser publicados? A decisão de um Juiz, proibindo a transcrição de traições conjugais ou pequenas vilanias, seria mesmo antidemocrática? Tudo leva à conclusão de que democracia, algumas vezes, é informar; e, em outras, não informar. Há inclusive consenso em torno de grande conjunto de temas, por toda parte, sobre os quais a reserva é regra: sigilos profissionais (como de médicos e advogados), segredos industriais (como formulas de Leite Ninho ou Coca-cola), documentos sobre fronteiras, correspondência de países estrangeiros, efetivos das forças armadas ou planos militares, informações protegidas por privacidade, inclusive relativas a menores. Em nenhum lugar do mundo se divulga temas assim. E um Juiz pode, legitimamente, impedir essa publicação – sem a pecha de ser, dita censura prévia, necessariamente antidemocrática.’

 

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