SLOGAN
Sírio Possenti
A mosca
‘Tive sorte, há algum tempo, de topar com O slogan, de Olivier Reboul (S. Paulo, Cultrix). Todos já conheciam, mas, para mim, era uma tremenda novidade. É um livro denso. E um pouco eclético, talvez uma exigência do tema.
O interessado verá que há no livro muitas ‘lições’.. Lembro uma, bem pragmática: um bom slogan não pode permitir uma resposta. Reboul dá um exemplo: um jornal se vendia como seguinte slogan: Os imbecis não leem esse jornal, que durou um bom tempo, até que um adversário sacou seu ponto fraco, e emendou: ‘eles o fazem’. O slogan morreu.
Há diversos fenômenos semelhantes. Por exemplo, podemos ler em algumas camisetas (que se tornaram cartazes ambulantes), no peito do usuário: O álcool mata lentamente. Mas, nas costas: E eu por acaso tenho pressa? É claro que a dica pretensamente salutar vai pras cucuias.. A resposta se torna possível colocando ‘lentamente’ em relevo. A resposta não discute se álcool mata; comemora que o faça lentamente.
Outro bom exemplo: quando Erundina foi candidata à Prefeitura de S. Paulo pela segunda vez, seu slogan era O PT que faz. Durou só dois ou três dias. Os adversários logo descobriram seu ponto fraco. Lascaram: então há um PT que não faz. Pronto, o slogan foi completamente desmoralizado (era a época em que Maluf fazia – de tudo – e do PT se dizia que era assembleísta, que não decidia, que, portanto, não fazia).
A fragilidade do slogan (do ponto de vista estrutural), deriva da adjetiva ‘que faz’. Ela dividia o PT em dois: afirmava, implicitamente, que há um PT que faz, com o que deixa aberta a possibilidade de que alguém diga que há um que não faz (todo o adjetivo com função restritiva produz esse efeito).
Estou lembrando isso tudo por causa de uma propaganda da Folha que vejo periodicamente na TV. Os colunistas da casa de recitam Eu sou a mosca… , de Raul Seixas. Um versinho de cada vez. O filminho termina com Clóvis Rossi fazendo zzzzzz. Completamente inadequado! Se fosse o Zé Simão ou a Bárbara Gancia, seria um pouco mais suportável. Mas é o Rossi!
Achei tudo meio ridículo. Mas é só uma opinião. Digamos que fosse verdade que esses colunistas incomodam – que são a mosca que caiu na sopa. Mas incomodam a quem? Eles caem na sopa de quem? Se Gilberto Dimenstein caísse na do Chalita, tudo bem. Mas ambos tomam da mesma!
Curiosamente, o Prof. Pasquale não aparece. Só anoto o fato, que não sei explicar. Talvez seja porque ele não incomoda o leitor típico da Folha: ele o conforta, lhe dá a certeza de que seus valores (bem conservadores) estão a salvo…
Não vou fazer análise da propaganda. Achei boba, mas isso deve ser problema meu. Mas acho que aquela tese de Reboul sobre slogans vale também para propagandas inteiras. Sobre esta da Folha já ouvi gente dizer (ou será que só eu pensei?) que, de fato, o jornal é sempre o mesmo. Só mudam as moscas…’
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