Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Terra Magazine

MEIO E MENSAGEM

Paulo Nassar

As marcas vivas

‘Nos anos de 1960, Marshall McLuham cunhou a expressão ‘o meio é a mensagem’. De lá para cá, a idéia de meio de comunicação ganhou abrangência e, cada vez mais, afirmamos que tudo é mensagem. Mas é insustentável a ideia de que só veiculamos mensagens pelos canais tradicionais, de massa: os jornais e revistas, rádios e televisões. Hoje, somam-se a eles todos aqueles convenientemente ao alcance de nossos sentidos. Afinal também nos comunicamos por meio dos exemplos, rituais, lugares, roupas e um sem número de objetos, muitos dos quais lugares do desejo, desenhados, criados, marcados e direcionados para nossos cérebros e bolsos.

Volta ao medieval

Os objetos dificilmente são lugares descarnados e sem espírito. Apenas os puristas, ou iconoclastas, na mesma linha daqueles que conceberam as leis paulistas contra os outdoors e os cigarros, propõem uma sociedade sem marcas. O rigor da lei a forçar o retorno ao útero medieval. Centros comerciais contemporâneos, aparatos modernos de comércio reduzidos a feiras, nas quais os cereais são vendidos a granel e embrulhados em folha vegetal. Um mundo radicalmente sem shoppings e butiques, como queriam os radicais do Baader-Meinhof, nos 1970, que queimavam supermercados na Alemanha para, pretensamente, libertar o mundo do capitalismo consumista. Ou também nos anos 1970, no ‘Kampuchéa democrático’, atual Camboja, o Khmer Vermelho aboliu a moeda e obrigou a volta da população para o campo, que resultou no massacre de milhões de cambojanos, que se recusaram a voltar ao paraíso sem trocas. Do lado direito da política, o Nazismo e o Fascismo promoveram holocaustos. O mundo neoludista reserva, provavelmente, para o futuro o banimento do plástico e sua substituição por sacolinhas de pano, fabricadas por um exército de famintos de algum país pobre.

De tal forma que a frase de McLuhan poderia ser ‘o lugar é a mensagem’. O lugar habitado pelas marcas, feitas por nossas digitais; marcas de nossos pés, impressas por nossos corpos e embalagens, em nossas casas, na vizinhança, no ambiente de trabalho, expandidas pela cidade, região, país, mundo. Marcas que são a memória de nossas identidades individuais e comerciais. Marcas fugazes, espalhadas pelo ambiente público e privado, que somadas produzem o sentimento de pertencer ou de não reconhecer a ligação a uma comunidade, uma cultura, uma empresa ou país. Olho, por exemplo, a cidade de São Paulo e não me reconheço em meio ao congestionamento, a multidão que se entope de comida rápida e produz barulho inútil, que nos afasta do silêncio reparador e bom. O que nos liga a uma cidade hostil como São Paulo são as marcas sobreviventes, que resgatam uma narrativa em que o lugar antropológico é ainda um elemento quase exótico.

Marcar para pertencer

Marcar é fazer parte da natureza, do mercado ou do que edificamos.. Por isso, procuramos deixar marcas em superfícies, embalagens, objetos passageiros ou imperecíveis. O autor, o protagonista, o artista, o administrador imprime suas marcas em pedra e em outros materiais brutos com a intenção da permanência e da transcendência.

É quase paradoxal: nos cemitérios os mortos jazem embaixo de embalagens marcadas em pedra. Nos crematórios é triste ver se transformarem em cinzas, fumaça. Afinal, todos deveriam ter o direito de voltar ao barro, ao pó, à primeira embalagem e à essência. O desaparecimento e o esquecimento, como diriam os gregos, é a pior morte.

Paulo Nassar é professor da Escola de Comunicações e Artes, da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Diretor-presidente da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (ABERJE). Autor de inúmeros livros, entre eles O que é Comunicação Empresarial, A Comunicação da Pequena Empresa, e Tudo é Comunicação.’

 

LUTO

Claudio Leal

Morre o jornalista Geraldo Mayrink

‘O jornalista Geraldo Mayrink morreu nesta quinta-feira, aos 67 anos, em São Paulo, vitimado por um câncer. O velório será em Vila Alpina, nesta sexta, das 8h às 13h. Deixa a mulher, Maria do Carmo, e os filhos Gustavo e Marieta.

Nas 19 redações por onde passou, de 1963 a 2007, ele exerceu a crítica e a reportagem. ‘Geraldo Mayrink era dono de um dos melhores e mais saborosos textos da imprensa brasileira do nosso tempo. Um extraordinário formador de quadros e equipes. Escrevia sem sofrimento, sem que isso significasse transferir o sofrimento para o leitor. Não era um homem torturado’, diz o jornalista e escritor Humberto Werneck.

Nascido em Juiz de Fora (MG), em 17 de maio de 1942, Mayrink trabalhou nas redações de Binômio – uma espécie de precursor do ‘Pasquim’ -, Diário de Minas, O Globo, Jornal do Brasil, Manchete, Revista Goodyear, Veja, IstoÉ, Playboy, Correio Braziliense,O Estado de S.. Paulo, Jornal da Tarde, IstoÉ-Gente, Época e Diário do Comércio (SP).

De trajetória vinculada ao cinema e à literatura, deixa um acervo de crônicas, perfis e críticas sobre obras e personalidades brasileiras do século XX: Glauber Rocha, Zé Celso Martinez Corrêa, Carlos Drummond de Andrade, Otto Lara Resende, etc. Fez a entrevista que marcou o retorno do poeta Bruno Tolentino ao Brasil, em 1996, na revista Veja. Uma aula informal de como ser um bom entrevistador.

‘Trabalhamos juntos no Binômio. Sempre foi mais redator do que repórter. Tinha um humor muito especial, um texto primoroso’, diz o deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ).

Geraldo Mayrink publicou os livros ‘Juscelino’ (biografia, 1983), ‘O cinema e a crítica paulista’ (ensaio com outros autores, 1986), ‘Jorge, Le rouge’ (biografia de Jorge Amado, 2001) e ‘O poeta que amava as mulheres’ (biografia de Vinicius de Moraes). Era professor-doutor por notório saber da Universidade de São Marcos (SP).

Werneck, autor do livro ‘O desatino da rapaziada’ (sobre jornalismo e literatura em Minas Gerais), recorda-se de um conselho venenoso de Mayrink a uma repórter que não sabia empregar as vírgulas: ‘Faça o seguinte, minha filha: nesta lauda você escreve o texto. Nesta outra você põe as vírgulas. Deixa que eu distribuo’.

No hospital, fez escorrer seu humor mais terno: ‘A vida é curta. Mas os dias são looongos…’.’

 

LIVRO

Claudio Leal

Aquele surrado clichê

‘Na contramão da parábola, o jornalista e escritor Humberto Werneck revira o trigo para arquivar o joio desde a década de 70, quando atuou como repórter no Jornal da Tarde. Se um ‘deslindar o mistério’ ou um ‘enregelado até os ossos’ lhe entrassem por um ouvido, certamente não sairiam pelo outro. Colecionador de clichês, ele reuniu mais de 4.500 expressões que comprovam a perversidade do romancista americano Mark Twain: o jornalismo é a arte de separar o joio do trigo – e publicar o joio. Sem querer desapontar, essa sabedoria que soa a bíblica (ou campestre) é um dos milhares de chavões reunidos em ‘O pai dos burros – dicionário de lugares-comuns e frases feitas’ (Arquipélago Editorial).

O livro será lançado nesta terça-feira, 25, às 18h30, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo (Avenida Paulista, 2073). Três décadas antes de pensar em publicá-lo, Werneck fazia anotações alucinadas em laudas, maços de cigarro e papéis menos cotados. Metia no envelopão o verbete: ‘Água – por que cargas d’…’. Sonolento, precisou apalpar o criado-mudo, localizar a caneta e registrar mais um lugar-comum que lhe berrava na madrugada. Colegas de redação (Ricardo Setti, Cláudio Bojunga e Ivan Marsiglia) ajudaram a robustecer o estoque de pragas da língua. Por medo de se tornar um Simão Bacamarte, o alienista de Machado de Assis que via loucura em todas as têmporas, Werneck tirava ‘merecidas férias’ do esporte.

– Eu tinha surtos. Achava desagradável porque às vezes eu entrava em uma de acordar de noite pra anotar uma coisa. Porque não volta, né? Ou então percebi que estava lendo e o sentido poderia me escapar. Eu estava catando porcaria, gari mesmo, procurando o lixo – diz Werneck.

O autor de ‘O Santo Sujo’ (biografia do músico e poeta Jayme Ovalle) e de ‘O desatino da rapaziada’ encontrou nos jornais e revistas as jazidas de lugares-comuns. Um instante: não vale dar esse risinho de condenação. Ao manusear O pai dos burros, o leitor se constrangerá com as frases que proferiu no velório da semana passada. Lembra? Um santo homem. O último adeus. A última morada. O descanso do guerreiro. Com o livro, Humberto Werneck não se investe do apito de guarda civil, mas propõe a depuração da linguagem:

– É uma coisa louca você passar uma informação que se pretende nova com uma linguagem velha. No Jornal da Tarde, havia preocupação com o texto, com o jornalismo literário. Por natureza, eu já tinha essa exigência. Lá encontrei um incentivo pra caprichar, fazer um texto sedutor. Eu, que não tenho religião, tenho uma padroeira, que é Sherazade, das Mil e Uma Noites. Quem escreve tem que seduzir. Sherazade é aquela moça que salvou o pescoço com a sedução da narrativa – defende o jornalista.

Os jargões futebolísticos inspiraram inúmeros (e divertidos) verbetes: ‘não se intimidar com o Maracanã’, ‘o time não tem banco/elenco/plantel’, ‘surgir de surpresa por trás da zaga’, ‘o fantasma do rebaixamento’, entre outras xaropadas. Mas o jornalismo econômico não desmerece seus mais elevados desígnios.

– Em economia, há esse jargão: ‘ativos de risco’. Ativos de risco não são aqueles rapazes do Parque Trianon?

Afiado na trama das palavras, Werneck admite o uso moderno da velharia, ‘quase como num brechó’. Exemplifica com sua breve descrição feminina, numa reportagem: ‘um grupo de mulheres resistíveis’. No jornalismo, ele topou com outros craques da linguagem. Lembra-se do conselho dado pelo jornalista Geraldo Mayrink a uma repórter que não sabia empregar as vírgulas: ‘Faça o seguinte, minha filha: nesta lauda você escreve o texto. Nesta outra você põe as vírgulas. Deixa que eu distribuo’, ofereceu-se o cavalheiro.

Werneck ressalta que o dicionário não é um ‘não pode’, mas ‘um toque: olha aí, abra o olho’. O escritor Joel Silveira, víbora da reportagem brasileira, alertava algo semelhante em seu diário noturno: ‘Não se brinca em vão com as palavras. Elas se vingam’. O lugar-comum pode oferecer um corrimão a quem escreve. Werneck observa:

– É uma questão de segurança. Você vai pelo fácil, ‘vai por aqui’. No jornalismo, as próprias pautas são um lugar-comum. Ó, vamos dar isso porque o outro deu… Aquela coisa muito cautelosa, de manual. Os textos ficaram parecidos. E escrever igual é bom pro patrão. Porque depois é fácil substituir, empregar outro que escreve da mesma forma. Tem um verso de Drummond que diz assim: ‘Se eu morrer, morre comigo um certo modo de ver’. É a coisa de mais pessoal que você pode deixar no mundo: o seu modo de ver. Você vai suprimir essa contribuição?

À guisa de desfecho: se um homem pedir a caneta do leitor emprestada, para anotar um lugar-comum ‘em pleno voo’, quase certo que ele terá as feições de Humberto Werneck. Numa entrevista sobre o lançamento de O pai dos burros, ocorreu-lhe o clichê ‘estouro da boiada’. Folheou o dicionário, mas, qual nada: não havia os verbetes ‘estouro’ e ‘boiada’. ‘É uma coisa horrível. Eu achei que fosse ficar livre desse negócio!’. O estouro da boiada ficará para a segunda edição.’

 

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