TELEVISÃO
O mesmo palavrão, mas bem diferente!
‘Preguiça total. Abro um site para ver as manchetes. Uma era terrível, sobre os mortos em Angra, como sempre, por causa de um deslizamento. Logo abaixo, uma lista de vídeos. Ao pé de um, a frase que me levou a clicar: ‘Boris Casoy ofende garis em telejornal’.
Confesso que não resisti, cliquei, vi, ouvi. Boris leu a manchete anunciado o montante do prêmio da ‘megassena da virada’. Em seguida, os votos de sempre de feliz ano novo. A BAND inovou: gravou dois garis que desejaram sorte e trabalho e dinheiro aos brasileiros. Vinheta, e, junto com ela, a voz de Boris Casoy, nitidamente audível, dizia, acompanhando sua fala de um riso de deboche: ‘que merda, dois garis desejando felicidades, do alto de suas vassouras. O mais baixo na escala do trabalho’. Seus interlocutores deviam ser apenas os companheiros de bancada, não os telespectadores. Mas, como no caso Ricúpero, um pequeno erro tornou pública uma fala que era para ser privada.
A Folha Online deu a notícia assim:
‘Que merda: dois lixeiros desejando felicidades do alto da suas vassouras. O mais baixo na escala do trabalho.’ A frase é do âncora do ‘Jornal da Band’, Boris Casoy. Vazou acidentalmente durante a transmissão do programa, ontem, no último dia de 2009. O comentário foi proferido após o telejornal veicular imagens de garis desejando felicidades aos telespectadores da Band.
A assessoria de imprensa da emissora reconheceu o erro e disse que o jornalista vai se retratar nesta sexta-feira, no mesmo telejornal.
(Pediu desculpas aos garis e aos telespectadores, mas no início do terceiro (ou quarto) bloco, mais ou menos escondido, quase privadamente. E ele não disse que isso é uma vergonha).
Quero comentar dois aspectos ligados a esse fato: a) contrariamente ao proferimento da mesma palavra por Lula, em comício, questão comentada aqui há algumas semanas, o palavrão de Boris era ‘privado’, ou seja, era parte de um comentário para ser ouvido apenas por seus colegas; b) no caso de Boris, o palavrão não é um ‘sinônimo’ de ‘miséria’, como na fala de Lula: sua expressão tem o sentido de desqualificar uma imagem, porque seus protagonistas são dois pobres. Qualificar o vídeo com ‘Que merda’ significa que achou que se tratava de cena inadequada para ser transmitida pelo canal de TV em questão. Era uma lamentação.
Ainda há uma boa diferença entre falta de elegância e pesado preconceito.
PARA (NÃO) VARIAR
Vi excelente entrevista de Milton Coelho da Graça, no Canal Brasil. O programa se chama ‘Vozes da informação’ – deve ser uma série. Como em ‘Ensaio’, aquele também excelente programa da TV Cultura com nossos músicos (e como em Grande Sertão: Veredas), não se ouvem as perguntas, só se ouve a fala do entrevistado. Coelho da Graça defendeu a necessidade de jornalistas escreverem bem (e corretamente) assim: temos duas ferramentas, a cultura geral e o domínio da escrita (e acrescentou que carpinteiros devem dominar o uso de suas ferramentas etc.). Mas logo derivou para o acordo ortográfico, que o deixou chateado, mas, acrescentou, ele está em vigor, temos que aprender as novas regras. Mas ele não gostou, ficou claro. Acha que devemos escrever a nossa língua. E começou a citar palavras lindas, como ‘macumba’ e ‘Copacabana’.
Ok, ok. Mas o que elas têm a ver com acordo ortográfico? Hein? Hein? Ah, os nossos intelectuais, quando falam de língua, que confusões eles arranjam!
O leitor quer ver mais?
Logo no dia 01/01/2010, sua página de opinião, a Folha de S. Paulo publicou ‘Rephorma ortográphica’, de Cassio Schubsky, que se apresentou como editor. Vociferava contra a ‘reforma’ ortográfica (os analistas mais conceituados insistem em dizer que não houve reforma, houve um acordo), cuja entrada em vigor comemorava um ano. Lá pelas tantas, escreveu (acredite, se puder!):
Fala sério! Por que não aplicar à língua portuguesa regras imutáveis, como as da matemática, santo Deus? Imagine só se mais com mais começasse a dar menos. Ou menos com menos desse menos. Seria o fim do mundo se a ordem dos fatores alterasse o produto. Bom, melhor não dar ideia, ou logo se reúne uma assembleia num boteco aqui da Pompeia… e, não bastasse a reforma ortográfica, pinta logo uma reforma matemática.
Ou física, sei lá.
E ele é editor!! Imaginar que as regras ortográficas têm a mesma natureza das leis da matemática ou da física é mesmo o fim do mundo. E eu que achava que 2010 traria novidades! Não trouxe. São as mesmas enchentes, os mesmos deslizamentos, as mesmas burradas!’
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