Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Tiago Faria

‘O recuo do governo em pontos polêmicos do anteprojeto de lei que cria a Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav) não estancou as controvérsias em torno do órgão regulador que substituirá a Agência Nacional de Cinema (Ancine). Na primeira audiência pública entre o Ministério da Cultura e órgãos do setor audiovisual, o ministro Gilberto Gil tentou amaciar trechos polêmicos do texto e foi além: desautorizou o site do Palácio do Planalto – que, no informativo Em questão, publica declarações dele sobre a possibilidade de a Ancinav controlar o conteúdo e a autonomia de criação de programas de TV. Na edição do último dia 11, Gil teria dito que, com a medida do governo, ‘setores estratégicos estarão mais livres do fascismo das grandes corporações amigas’.

‘Não é o que eu penso sobre o assunto, e o fato provocou incômodo. Mas editar entrevistas de forma subjetiva é da prática jornalística, acontece’, disse o ministro. A assessoria de Gil informou que a Secretaria de Comunicação da Presidência da República fará uma correção da página do site. O ministro da Comunicação, Luiz Gushiken, admitiu ontem o erro apontado por Gil. O texto do site não foi o único mal estar enfrentado por Gil no debate na Comissão de Educação e Cultura na manhã de ontem. Acusado por parte da classe cinematográfica de pregar censura, o original do anteprojeto da Ancinav foi amaciado pelo próprio governo, mas a nova versão não escapou da bateria de críticas de representantes da área.

‘Não conheço ninguém que seja contra a criação da Ancinav’, discursou o cineasta Cacá Diegues, diante dos senadores. ‘Mas temos que deixar explícita a garantia de liberdade de expressão. A intenção de Gilberto Gil não é autoritária, mas não podemos assinar um cheque em branco para governos futuros’, continuou o diretor de Deus é brasileiro.

A idéia de nova cobrança de taxas (para número de cópias e ingresso) incomoda exibidores e produtores. ‘Essas medidas podem significar, a longo prazo, uma brutal retração do mercado do cinema no Brasil, que precisa, ao contrário, aumentar o número de salas’, opinou Rodrigo Braga, gerente-geral da Columbia Pictures do Brasil e vice dos Sindicatos dos Distribuidores dos Estados do Rio e de São Paulo. Os representantes de exibidores e de canais de tevê bateram na mesma tecla. Gil explicou que os valores das taxas estão abertos a revisões.

O governo, porém, não tem ainda planos de rever a necessidade de taxação – e joga ao mercado a tarefa de absorver os gastos sem repassá-los ao preço dos ingressos. ‘Se o preço aumentar, espero que a população compreenda as taxas. É como contribuir para o Criança Esperança, por exemplo. Espero que o público tire do bolso para contribuir com o que é de interesse da população’, disse Gil, depois de terminado do debate. O prazo para consulta popular do anteprojeto da Ancinav termina no próximo dia 22.’



Fernanda Krakovics

‘Chance de CFJ passar é nenhuma, diz Sarney’, copyright Folha de S. Paulo, 18/09/04

‘O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), disse ontem que a possibilidade de o projeto de lei que cria o Conselho Federal de Jornalismo prosperar é ‘nenhuma’ e que essa é uma tentativa de controlar a imprensa. O texto foi enviado ao Congresso pelo governo federal, que encampou proposta da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas).

‘Acho que é uma tentativa, que sempre ocorre ciclicamente, de tentar exercer algum controle sobre os mecanismos da imprensa’, afirmou Sarney. Questionado sobre qual a possibilidade de a idéia do conselho prosperar, ele foi categórico: ‘Nenhuma’.

O Conselho Federal de Jornalismo, segundo o projeto, teria a atribuição de ‘orientar, disciplinar e fiscalizar’ o exercício da profissão e a atividade jornalística. O governo afirma que o envio ao Congresso não visa encontrar formas legais para controlar a ação dos jornalistas, mas sim atender a uma antiga reivindicação da própria categoria.

Ressaltando que era ‘suspeito’ para opinar sobre o tema por ser jornalista, já tendo exercido a profissão no Maranhão, o presidente do Senado disse que a idéia do conselho ‘não foi um momento de felicidade’.

Bombardeio

A criação do CFJ foi bombardeada desde sua divulgação, e o governo foi acusado por senadores e deputados, tanto da base aliada quanto da oposição, de autoritarismo.

A repercussão negativa ganhou espaço também na imprensa internacional -incluindo reportagem de Larry Rohter, correspondente do ‘New York Times’ no Brasil que chegou a ter seu visto de trabalho suspenso depois de reportagem que desagradou ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O projeto dividiu os profissionais de imprensa porque nem todos se sentem representados pela Fenaj, que foi acusada de fazer a proposta sem consulta prévia.

Antes de conceder entrevista, Sarney participou do seminário ‘O Parlamento Brasileiro’, em que defendeu a necessidade de realizar uma reforma política para fortalecer os partidos e a democracia. Na opinião do senador, hoje não há partidos, mas sim políticos isolados.

‘Hoje nós saímos de uma eleição e não se pode reunir os membros de um partido. Eles podem se reunir com a oposição, mas não entre si, porque estão brigados e concorrem entre eles mesmos, não com os outros’, disse o presidente do Senado.

O PFL no Senado está rachado entre o presidente do partido, senador Jorge Bornhausen (SC), e o senador Antonio Carlos Magalhães (BA), uma de suas principais lideranças.

A crise deu resultado nesta semana a um pedido de expulsão do senador baiano depois que ele e mais cinco pefelistas jantaram com o presidente Lula.

Questionado se Bornhausen exagerou em sua reação, o presidente do Senado afirmou que já tem ‘problemas no PMDB para entrar nos do PFL’.

O PMDB também está rachado entre o próprio Sarney e o líder do partido, senador Renan Calheiros (AL). Sarney quer ser reeleito para a Mesa do Senado em fevereiro do próximo ano, posto que é pleiteado por Calheiros.’



Millôr Fernandes

‘Imprensando’, copyright Veja, 22/09/04

‘Vinte anos depois, veja o senhor a falta que faz o inglês, li e guardei a decisão do juiz Black, da Suprema Corte Americana, julgando a causa do governador Connaly (aquele mesmo que estava junto de Kennedy quando o abateram) contra o New York Times. Black foi curto e grosso absolvendo o NYT:

FhC, ninguém ignora, acha que sabe tudo. Lula acha que não sabe inglês. Pobre presidente!, não percebe a falta que isso lhe faz. Senão, poderia, como eu, aos 20 anos de idade, ter aberto uma Enciclopédia Britânica e lido a Constituição Americana, belo exemplo de Carta Social. Não, quéquéisso, Lula?, não queria que você lesse a Constituição toda. Os pais da Pátria (como eles chamam lá seus mentores, aqui nós os chamamos de filhos da Mátria) não ficaram satisfeitos com a primeira edição. Levaram pra casa e emendaram.

Na primeira! emenda, que vale até hoje, está escrito: ‘Congress shall make no law abridging the freedom of speech, or of the press’. Há 215 anos, presidente Lula! Quando Paris era uma festa; o pau estava comendo na Revolução Francesa. Que acontecia porque o povo francês do semi-úmido, em plena fome zero de lá, se juntava nas ruas exigindo brioche.

P.S. – Ah, Lula, esqueci de traduzir. Abridging significa limitar, definir, reduzir, subtrair, e por aí vai. Em suma: ‘Não se legislará sobre liberdade de imprensa’.

O resto da frase, presidente, pede ao lingüista Aldo Rebelo pra traduzir.

‘O debate público deve ser sem inibições, robusto, amplo, e pode e deve incluir observações veementes, algumas vezes cáusticas, e mesmo desagradáveis, com respeito às pessoas dos homens públicos ou seus atos. (…) O espírito do jornalismo está em que, na pressa, ânsia ou necessidade de sua profissão, o jornalista, se fosse se deter em busca de provas definitivas, jamais escreveria coisa alguma. A sanção contra o jornalista deve ser a da própria opinião pública, e através da lei, quando ficar provada de maneira irrefutável a intenção dolosa. Segundo todos os juízes e o mais liminar bom senso, os críticos devem possuir total imunidade, principalmente porque os homens públicos têm sempre igual, se não maior, acesso às tribunas populares, podendo neutralizar imediatamente qualquer mal que lhes atinja a reputação’.

É por isso que eu repito: não há nada no mundo como um coração de mãe.

Olha bem em volta, Zé Dirceu,

e vai concordar comigo: DEPOIS DOS 40 TODO HOMEM TEM A CARA DO SEU CARÁTER. (Bem, óculos escuros sempre escondem um pouco.)’



Marcelo Billi

‘Lula defende mídia livre, mas não cita CFJ’, copyright Folha de S. Paulo, 15/09/04

‘O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez ontem um discurso enfático em defesa da liberdade de imprensa, mas ignorou as críticas que havia acabado de ouvir de dois ex-presidentes e do atual presidente da ANJ (Associação Nacional de Jornais) em relação à criação do CFJ (Conselho Federal de Jornalismo).

O presidente participou ontem da cerimônia de posse da nova diretoria da ANJ, que a partir de agora será presidida por Nelson Pacheco Sirotsky, do jornal gaúcho ‘Zero Hora’. Antes de fazer seu pronunciamento, o presidente ouviu os discursos de Francisco Mesquita Neto, presidente do conselho editorial do jornal ‘O Estado de S. Paulo’ e ex-presidente da ANJ, do também ex-presidente da ANJ Paulo Cabral de Araújo e do próprio Sirotsky. Todos criticaram a criação do CFJ.

‘Os associados à ANJ são responsável e democraticamente contrários à criação do CFJ’, disse Sirotsky, para completar: ‘Senhor presidente, a presença de Vossa Excelência nesse ato, em um momento em que se discutem tantos temas relacionados ao exercício de nossa atividade, é compreendida por nós como uma reafirmação de seus compromissos históricos com a liberdade de expressão e com a democracia’.

Referindo-se às ameaças à liberdade de expressão, o ex-presidente da ANJ Paulo Cabral de Araújo disse que ‘o dragão da escuridão permanece vivo. Aparece aqui e ali. São exemplos os casos recentes de projetos de criação da Ancinav [Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual] e do CFJ’.

Mesquita Neto, que já havia criticado o projeto na abertura do 5º Congresso de Jornais, que começou na segunda-feira e durante o qual foi feita a cerimônia, repetiu as críticas. ‘é incompatível falar em liberdade de expressão e regulamentação de imprensa ao mesmo tempo’, disse.

O presidente, que foi o último a falar, ouviu todos os discursos. Durante seu pronunciamento, no qual fez uma defesa enfática do direito de expressão e da liberdade de imprensa, ele não mencionou nenhuma vez o projeto de criação do conselho.

O presidente afirmou que ‘o direito à informação do cidadão é quase sagrado’. Ele disse que apenas a liberdade plena de imprensa pode atender o direito à informação. ‘Nós sabemos que sem informação de qualidade o cidadão não tem como exercer a plenitude de seus direitos, e a liberdade de imprensa é a outra face da moeda do direito à informação.’

O presidente chegou a dizer que a imprensa comete erros, mas admitiu que as falhas ocorrem em todos os setores da sociedade. ‘Há erros, há distorções? Sem dúvidas. Mas há problemas, erros e distorções também no governo, assim como há problemas e distorções em todas as atividades.’

Admitindo que como cidadão podia se incomodar, ou ‘sofrer intimamente’ com injustiças cometidas pela imprensa, o presidente concluiu que ‘na condição de governante eu não posso me incomodar quando leio uma crítica séria ao governo’.

‘O que me incomodava era viver sob um regime no qual o governo se dedicava a censurar artigos de jornais. Isso não voltará a acontecer no Brasil, e muito menos voltará a acontecer de forma dissimulada’, disse Lula, que afirmou ainda que ‘ a melhor receita para o vigor de jornalismo é sem dúvida nenhuma a liberdade’.

O presidente discursou para uma platéia composta por jornalistas, profissionais e empresários do setor. Faziam parte da mesa da cerimônia, além de Mesquita Neto e Sirotsky, o ministro Luiz Gushiken (Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica), o governador Germano Rigotto (RS), o vice-governador Cláudio Lembo (SP) e o vice-prefeito de São Paulo, Hélio Bicudo.’