Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Timothy Garton Ash


‘Desde maio de 1940 nunca o restante da Europa olhou com tanta atenção e ansiedade para a França. Há 65 anos, era o futuro da Europa na guerra que dependia dos franceses. Agora é o futuro de uma Europa em paz. Os sentimentos britânicos agora estão divididos. Em 1940, os britânicos estavam unidos na fervorosa esperança de que os franceses dariam um sonoro ‘non’ aos invasores nazistas. À sua frente estava Winston Churchill, um francófilo com profunda admiração pelas proezas militares francesas. Em 2005, provavelmente uma estreita maioria dos britânicos moderadamente espera que os franceses digam ‘não’ à Carta européia. Uma minoria esclarecida espera fervorosamente que os franceses digam ‘sim’. No lugar de Churchill está Tony Blair, ele próprio dividido. Taticamente, um não francês o salvaria da batalha futura de seu próprio referendo. Estrategicamente, um sim francês é necessário para ele ter alguma chance de alcançar sua dupla meta histórica – ancorar a Grã-Bretanha à Europa e à América – antes de chegar o momento de entregar o comando a Gordon Brown.


Por toda a Europa, temos um surto de incompatíveis ‘nãos’. Um não dinamarquês, em defesa de seu generoso Estado de bem-estar social, é muito diferente de um não polonês. Mesmo os nãos franceses são incompatíveis entre si. Jean-Marie Le Pen e os comunistas franceses formam a mais estranha das alianças. Mas uma coisas esses nãos franceses têm em comum: a emoção do medo. Passando alguns dias na França na semana passada, encontrei uma nação nas garras do medo. Medo do desconhecido. Medo de estrangeiros.


Medo de mudança. Medo do agora proverbial encanador polonês tomar seu emprego, de uma UE ampliada com Paris não mais no assento do motorista, de um mundo cada vez mais dominado pelo ‘liberalismo anglo-saxão’. Mas o medo é mau conselheiro. Français! Françaises! O que aconteceu com a sua autoconfiança? Não percebem que a França ainda é um dos mais ricos, mais brilhantes, mais atraentes países do mundo, uma nação não só com um grande passado, mas potencialmente com um grande futuro? Os nãos franceses e os nãos britânicos são os mais incompatíveis de todos. De fato, deixando de lado a preocupação compartilhada sobre o direito à soberania nacional, eles são quase diametralmente opostos.


Para os britânicos, o projeto constitucional é centralizador demais, nos interesses de uma superpotência européia, regulador demais, na causa da chamada ‘Europa social’, dirigista, estatista, e, numa palavra, francês.


Para os franceses, ele é perigosamente neoliberal, desregulador, permitindo que o modelo social europeu seja engolfado pelo capitalismo de livre mercado ao modo anglo-saxão, e, numa palavra, britânico. Uma votação pelo sim, escreveu o comentarista André Fontaine recentemente em Le Monde, consolidaria ‘a Europa de Tony Blair’.


Os argumentos dos franceses contra a Carta ajudariam a convencer os britânicos de que ela é mesmo uma boa coisa, e vice-versa. Como podem dois povos ver a mesmo coisa de modo tão diferente? Bem, em parte porque os franceses e os britânicos têm olhares diferentes.


Ao menos uma das coisas a que os críticos franceses mais fazem objeção, por ser britânica, é de fato essencial para o futuro da França. E ao menos uma das coisas a que os críticos britânicos mais fazem objeção, como sendo tipicamente francesa, é essencial para o futuro da Grã-Bretanha.


Ninguém que observe o alto nível de desemprego na França pode duvidar de que ela precise de uma dose saudável de desregulamentação e liberalização em seu mercado de trabalho, ao estilo britânico. Por outro lado, a clara lição do Iraque é que, no mundo pós-guerra fria, a Grã-Bretanha sozinha não é mais capaz de influenciar significativamente a política americana. Para isso, é preciso o peso combinado da UE. Nem França nem Grã-Bretanha podem conseguir muito por conta própria.


Sejamos francos: esse projeto constitucional é uma peça confusa e pouco inspiradora. Ele não tem nem a simplicidade nem as funções ordenadoras fundamentais de uma Constituição. Até mesmo seu principal arquiteto e autor, Valéry Giscard D’Estaing, admitiu recentemente à revista Time que o texto ‘é melhor para insônia que a maioria dos comprimidos para dormir’. Mas esse é o melhor projeto que conseguimos. Apesar de todas as suas falhas, ele torna possível que uma UE de 25 (e em breve, mais) Estados membros funcione internamente e fale com uma só voz – ou, pelo menos, com vozes mais bem coordenadas – no cenário mundial.


Vocês podem dizer que ao traçar uma comparação com aquele outro maio há 65 anos eu exagerei na dramatização das conseqüências de outra ‘estranha derrota’ na França. Certamente estão certos. Mas a visão pouco dramática que se ouve em alguns cantos – a Europa simplesmente vai se recompor, limpar a poeira e aprovar um pacote mínimo de mudanças institucionais que servirão muito bem – parece-me perigosamente complacente. Compromissos duradouros entre 25 governos são difíceis de alcançar. Não é esse o ânimo da Europa hoje, como vemos nas negociações azedas sobre o futuro do orçamento da UE. E levará um tempo que poderemos não ter, no momento em que potências emergentes da Ásia, sobretudo China e Índia, projetam-se velozmente, enquanto a hiperpotência americana, na falta de uma resposta européia consolidada, ficará mais uma vez tentada a agir sozinha. Todas as tentativas anteriores de unir a Europa fracassaram. E não está escrito em lugar nenhum que esta dará certo.


Na semana passada, numa manifestação pelo sim de socialistas europeus em Paris, ouvi Carmen González, a esposa do ex-primeiro-ministro espanhol Felipe González, fazendo um discurso inspirado. Seu tema era simples: o erro trágico da esquerda foi o de freqüentemente sacrificar o bom em nome do melhor. Na verdade, o melhor é o inimigo do bom. Esse projeto está longe de ser o melhor, mas ele é tão bom quanto podemos ter. Se o perdermos, o restante do mundo, de Pequim a Washington, pensará que somos palhaços.


* Timothy Garton Ash, escritor e acadêmico britânico, escreve para o ‘Los Angeles Times’’



Gilles Lapouge


‘‘Sim’ perde mesmo que ganhe ‘, copyright O Estado de São Paulo, 29/05/05


‘Dentro de algumas horas a França terá dito ‘sim’ ou ‘não’. Torrentes de comentários surgirão.


Mas desde agora uma observação se pode fazer: esse referendo revelou uma paisagem política e sociológica desconhecida e desconcertante. A nova paisagem é marcada por esta revelação: todos que dirigem a França estão desautorizados.


No começo, há dois meses, a França era maciçamente pelo ‘sim’. De resto, se Chirac preriu o referendo a um simples debate na Assembléia Nacional, fazia sentido que o sucesso do sim fosse escrito antes da hora. Vitória programada. Vitória esmagadora.


Chirac se vangloriava. Manobrou como um ás: fabricou com esse referendo uma máquina maravilhosa com a qual iria matar dois coelhos com uma cajadada: aprovar a Constituição da Europa, mas, sobretudo, garantir para si, Jacques Chirac, um triunfo à romana, a glória da eternidade política.


Caro Chirac: entrou água. Mesmo que o sim levasse a melhor hoje, a vitória teria um ar de derrota.


Há dois meses, o sim parecia uma árvore repleta de passarinhos alegres e barulhentos. Mas depois, a cada dia, um passarinho saía voando. Uma folha caía. No fim, a bela ramagem farfalhante deu lugar a um esqueleto deserto e triste.


O que aconteceu? Uma bofetada desferida por todo um povo em suas elites. No fundo, nesse referendo, não havia somente pró-europeus e antieuropeus. Havia sobretudo o establishment político midiático, de um lado, e de outro a população. Os que falam contra os que se calam. Os que sabem contra os que ignoram. Os tomadores de decisão contra os administrados, os sábios contra os ignorantes. Os visíveis contra os invisíveis. Os dotados da palavra contra os dela privados. Os mestres do pensamento contra os que não pensam.


O sim era defendido fanaticamente por tudo que conta: os três grandes partidos – a direita, os socialistas e os verdes – jogaram seu peso e seus aparelhos na balança. O campo do sim era uma verdadeira turba: os partidários do sim pululavam. Todo o mundo queria estar nele, se fazer ouvir, do socialista François Hollande ao verde Cohn-Bendit, passando pelas glórias, Giscard d’Estaing, Nicolas Sarkozy, etc. E isso não é tudo: a grande imprensa, na base de 90%, urrava ‘sim’, ‘sim’, ‘sim’! O jornal chique Le Figaro ordenava votar sim, como faziam também seus dois inimigos da esquerda, Libération e Le Monde. O Nouvel Observateur, que se nomeou templo da esquerda inteligente, explicava que as pessoas inteligentes votam sim. A cada dia, dezenas de gênios explicavam em tribunas livres que o sim é o futuro da França – portanto, do mundo, pois, como se sabe, o que existe de mais notável no mundo é a França.


Ai de nós! Nada adiantava. O sim resvalava montanha abaixo.


Então, seus partidários recorreram às reservas: desembainharam os intelectuais.


Levantou-se uma revoada de pensadores. As consciências desta época se atropelaram: Bernard-Henry Lévy, Glucksmann, Bernard Kouchner, Jack Lang, regimentos de escritores e filósofos davam seus pequenos tiros de fuzil a favor do sim. E o sim resvalava. Então, descartou-se o até então trunfo maior, Jacques Chirac, o presidente, que fez perder ainda algumas cores a esse pobre sim.


Restava um golpe secreto: os grandes estrangeiros, o português José Durão Barroso (Comissão de Bruxelas), o espanhol Luis Rodríguez Zapatero. Um cavaliere italiano aqui, um ministro alemão acolá.


Juntou-se a tudo isso o polonês, o báltico, o grego ou o austríaco. E os grandes jornais estrangeiros davam sua voz.


Frankfurter Rundschau, De Standaard, Newsweek, Financial Times, todo o mundo dizia para os franceses votarem sim. E o sim resvalava.


O debate europeu cavou uma fissura, uma fissura que atravessa de lado a lado toda a França, da direita à esquerda, e isola os profissionais da política, (da inteligência, da comunicação, do poder, da fortuna…) daqueles para os quais a política deve supostamente trabalhar.


É nesse sentido, em primeiro lugar, que esse referendo constituirá uma data na história da França: ele celebrará o curioso momento em que se percebeu que a política desliza sobre o corpo real da França como a água sobre as penas do ganso.


Nada é mais perigoso que esse descolamento entre os cidadãos e a política. Oxalá os políticos, depois de seus longos pânicos e seus grossos suores de angústia, tenham a coragem de se olhar no espelho e não se vangloriar de suas façanhas.


Evidentemente, o resultado da votação terá conseqüências – benéficas ou devastadoras – para a Europa, para o mundo. Com que roupa acordaremos amanhã de manhã?’



O Estado de S. Paulo


‘‘Le Monde’ e ‘El País’ terão edição digital conjunta ‘, copyright O Estado de S. Paulo, 1/06/05


‘Os jornais El País (Espanha) e Le Monde (França) assinaram um convênio de colaboração e vão compartilhar os conteúdos que oferecem aos assinantes de suas edições digitais, segundo nora divulgada ontem. As redações trabalharão juntas para desenvolver novas trocas de informação e serviços. O site lemonde.fr tem mais de 3,4 milhões de usuários únicos e recebeu 16,8 milhões visitas mensais. O diário El País conta com 1,7 milhão de usuários únicos mensais e recebe 7,9 milhões de visitas em seu site.’



JACKSON NA MÍDIA


Terry Eagleton


‘Jackson só é o que parece ‘, copyright O Estado de São Paulo, 29/05/05


‘Os julgamentos de celebridades, como os de O.J. Simpson e Michael Jackson, às vezes são chamados licenciosamente de pós-modernos. Significa que eles são espetáculos de mídia, cheios de personagens cuja realidade é duvidosa. Mas também são ‘pós-modernos’ num sentido mais interessante. Os tribunais, como os romances, obscurecem a distinção entre fato e ficção. São esferas fechadas em si mesmas, onde o que importa não é tanto o que aconteceu no mundo real, e sim como isso é apresentado ao júri. Quer dizer, o júri julga não os fatos, mas versões destes. Como os pós-modernistas acreditam que de qualquer modo não há fatos, apenas interpretações, os tribunais da lei representam nitidamente sua visão de mundo.


Outra coisa que obscurece a distinção entre fato e ficção é o próprio Michael Jackson. Há uma dupla irrealidade na encenação da ficção de um julgamento criminal em torno de uma figura montada por cirurgiões plásticos. O corpo singular de Jackson representa a luta da fantasia contra a realidade, a vitória de Pirro da cultura sobre a biologia. Alguns jovens nem sabem que ele é negro. Se a teoria pós-moderna não admite a existência da natureza bruta, tampouco faz decadente esse sujeito.


Não chega a surpreender que Jackson tenha expressado o desejo de viver para sempre, dado que a morte é a vitória final da natureza sobre a cultura. Se os EUA esterilizam a morte, é porque a mortalidade é incompatível com o capitalismo. O acúmulo de capital continua para sempre, num caso de amor com um sonho de infinitude. O mito do eterno retorno é apenas uma forma horizontalizada de paraíso. O socialismo, em contraste, não trata de alcançar as estrelas, e sim de nos devolver à Terra. Trata de construir uma política sobre o reconhecimento da fragilidade e da finitude humanas. Como tal, é uma política que abraça a realidade do fracasso, do sofrimento e da morte, em oposição a uma política para a qual a expressão ‘não poder’ é quase tão intolerável quando a palavra ‘comunista’.


Se Michael Jackson é um símbolo da civilização ocidental, isso se deve menos a seu materialismo que a seu imaterialismo. Atrás do acúmulo interminável de lixo dispendioso esconde-se um espírito faustiano que nenhum objeto pode um dia satisfazer.


Como os cirurgiões de Jackson, o pós-modernismo acredita na plasticidade infinita do mundo material. A realidade, como o nariz excessivamente esculpido de Jackson, é apenas matéria sem sentido para as pessoas moldarem à vontade. Assim como Jackson branqueou sua pele, o pós-modernismo priva o mundo de seu significado inerente. Isso quer dizer que não há nada que impeça as pessoas de criar qualquer coisa que fantasiarem; no entanto, pela mesma razão, suas criações estão destinadas a carecer de valor. Pois qual é o objetivo de impor seu desejo a uma realidade sem sentido? O indivíduo é hoje uma criatura automodelável, cuja façanha suprema é tratar a si próprio como uma obra de arte.


A ética se transforma em estética. E, assim como não há restrições ao ‘eu’ individual, não há limites naturais à promoção da liberdade e da democracia ao redor do mundo. Desse modo, o que parece uma generosa tolerância – você pode ser o que quiser – esconde um desejo imperial. O salão de tatuagem e a política externa de George W. Bush podem parecer separados por anos-luz, mas ambos supõem que o mundo é matéria maleável na qual estampar sua vontade. Ambos são formas de narcisismo para as quais a idéia de a realidade oferecer alguma resistência a seus desígnios predatórios, seja na forma da oposição iraquiana, seja na de uma visita do procurador do distrito, é uma afronta intolerável.


A cultura pós-moderna rejeita a acusação de ser superficial. Só se pode ter superfícies se também houver profundezas com as quais contrastá-las, e as profundezas acabaram com D.H. Lawrence. Hoje em dia, a aparência e a realidade são uma só – portanto, o que se vê é o que se tem. Mas, se a realidade parece ter encolhido para se transformar numa imagem de si mesma, somos ainda mais tentados a espiar através dela. Esse é o caso da Terra do Nunca de Jackson. Será ela realmente o paraíso kitsch e bidimensional que aparenta ser? Ou haverá alguma verdade sinistramente indizível à espreita lá no fundo? É um espetáculo ou uma tela?


Se os tribunais são a essência do pós-moderno é porque põem à mostra as relações entre a verdade e o poder, que, para os pós-modernistas, são a mesma coisa. A verdade para eles, como para os antigos sofistas, é realmente uma questão de quem pode exercer a retórica mais persuasiva.


Diante de um júri, aquele que falar melhor provavelmente triunfará. Segundo essa visão, toda verdade é partidária: o sumário do juiz é simplesmente uma interpretação de interpretações. O que determina a verdade para alguém são seus interesses, que por sua vez são determinados por gênero, classe, etnia e afins. O julgamento de Simpson ofereceu um novo ângulo para a alegação de que a verdade é preta e branca: o fato de você considerar o réu culpado ou inocente dependia, em alto grau, da cor de sua pele. Mas os outros interesses em questão são financeiros. Assim como o cientista com o maior financiamento de pesquisa tem mais chances de produzir resultados, a verdade nos julgamentos de Simpson e Jackson é uma mercadoria a ser arrematada por quem tiver os bolsos mais cheios. Nesse sentido, grande parte da teoria pós-moderna pode ser ilustrada por uma única frase gasta: arranje um bom advogado.


*Terry Eagleton é professor de teoria cultural na Universidade de Manchester, na Inglaterra’



NYT & OMBUDSMAN


Daniel Okrent


‘ A despedida do ombudsman’, copyright O Globo , 29/05/05


‘E então todas as coisas boas (e tensas e terríveis e animadoras) precisam ter um fim. Quando comecei esse trabalho, em dezembro de 2003, tinha uma lista de 20 temas que queria abordar. Nos meses seguintes, tinha metade daquilo, e dediquei o resto do meu tempo e espaço a assuntos que explodiram nas páginas do jornal e na minha caixa de e-mail. Os dez que nunca abordei estão agora pendurados no armário com 50 outros. O que se segue é uma seleção aleatória.


1. Na minha primeira coluna, identifiquei-me como ‘um absolutista’ sobre a Primeira Emenda. Aparte a percepção de que o absolutismo como autodefinição pode ser algo um pouco precipitado, meus pensamentos sobre jornalismo e a Primeira Emenda mudaram consideravelmente. Ainda prezo a Primeira Emenda, ainda a considero a pedra fundamental da democracia. Mas adoraria ver jornalistas justificarem seu trabalho não se embrulhando no manto da lei, mas invocando defesas mais persuasivas: precisão, por exemplo, e lealdade.


2. O colunista Paul Krugman tem o hábito perturbador de moldar, fatiar e seletivamente citar números de um modo que agrada a seus acólitos, mas o deixa aberto a ataques substantivos. Maureen Dowd ainda estava escrevendo que Alberto Gonzáles chamou a Convenção de Genebra de esquisita quase dois meses depois de uma correção nas páginas ter aplicado o termo a provisões de Genebra sobre privilégios de uniformes de atletas e instrumentos científicos. Antes de se aposentar em janeiro, William Safire me irritou com sua crônica afirmação sobre ligações entre a al-Qaeda e Saddam Hussein, baseada em provas que aparentemente só ele tem.


Ninguém merece a vituperação pessoal que regularmente vem à maneira de Dowd, e alguns dos inimigos de Krugman são tão ideológicos (e conseqüentemente injustos) quanto ele. Mas isso não significa que seus chefes, o editor Arthur O. Sulzberger Jr., não deva levar seus colunistas a padrões mais altos.


Não dei a Krugman, Dowd ou Safire a chance de responder antes de escrever os dois últimos parágrafos. Decidi personificar um colunista.


3. Pergunta: O que essas caracterizações têm em comum?


‘Ao primeiro som de sua voz peremptória e de seu salto alto, pessoas se lançam atrás das portas e apagam as luzes.’ Crítica de TV Alessandra Stanley sobre Katie Couric. ‘Lakshmi pode ser uma prostituta semi-celebrada.’ Redator de moda Guy Trebay sobre Padma Lakshmi. ‘A expressão exata é ‘burro.’ Crítico de livros Joe Queenan sobre o escritor A. J. Jacobs.


Resposta: Cada uma delas é gratuitamente nojenta, e inadequada para um jornal que muitos vêem como um guardião da discussão civil.


4. Em julho passado, quando critiquei o título ‘O ‘New York Times’ é um jornal liberal?’ acima de minha coluna e a abri dizendo ‘é claro que é’, não estava fazendo favor algum a qualquer pessoa – ao jornal, a seus críticos, ou a mim mesmo. Reduzi um assunto complexo a uma citação. Ainda acredito que o jornal é um produto inevitável da experiência e da visão de sua equipe, e que a cobertura reflete uma aceitação generalizada de posições liberais sobre a maioria das questões sociais.


Para os detratores de direita do ‘Times’ ideologicamente abastecidos, porém, não havia motivo para invocar esta análise mais complexa quando eles poderiam pintar minhas palavras mais incendiárias no quadro de avisos: ‘De acordo com Daniel Okrent do ‘Times’… ‘ Eu talvez desejasse que eles tivessem os mesmos padrões que pedem ao ‘Times’ – a justa representação de opiniões controversas. Mas lhes dei uma metralhadora quando uma pistola seria suficiente.


5. Há poucos traços mais valiosos para um grande crítico de cultura do que um ponto de vista estético consistente. Mas um ponto de vista estético consistente inevitavelmente estimula manchas no campo de visão. Se um crítico apenas não gosta de um autor de teatro (ou um pintor ou um romancista), tanto o autor quanto os leitores saem perdendo. Ele nunca tem uma chance justa, eles nunca têm uma visão fresca. Que tal um limite para os críticos – digamos, dez anos?


6. Se você tem notado cada vez mais assinaturas não familiares no jornal, não é por acaso. Seções adicionais, exigências do site do ‘Times’ e pressões econômicas espalharam os finitos recursos da equipe pelas exigências de uma missão bem mais ampla, e aumentaram a dependência do jornal de jornalistas freelancers.


Nada tenho contra freelancers. Eu mesmo já fui um. E amanhã voltarei a ser. É um modo de vida respeitável (ainda que financeiramente absurdo). Embora os freelancers do ‘Times’ concordem em obedecer as regras éticas do jornal e os padrões profissionais, não há jeito de alguém que esteja trabalhando para o ‘Times’ hoje, alguma outra publicação amanhã e ainda outra terça-feira absorver e viver o complexo código do ‘Times’ tão completamente quanto seus funcionários. Conflitos escondidos, violações de regras do ‘Times’ e uma variedade de outros problemas repetidamente encontraram seu caminho para meu escritório nos últimos 18 meses.


As pressões econômicas em todos os jornais são reais, é claro, e nenhum jornal moderno pode ter sucesso se não comprometer seus recursos com novas formas de distribuição. Estou certo de que o ‘Times’ dedica uma parte maior de sua receita à reportagem do que qualquer outro jornal da nação. Mas o preço de esticar uma equipe magra demais, e de remendar essas áreas fracas com trabalho diário, pode ser muito, muito maior.


7. Na seção de viagem da revista de domingo, por que os restaurantes são sempre prazerosos, os hotéis hospitaleiros, as paisagens gloriosas e a experiência compensadora? É uma forma estranha de jornalismo patrocinado secretamente. Se os críticos de teatro fossem tão cronicamente não críticos, seriam expulsos do palco.


8. É uma história sobre, digamos, escolas públicas de Nova York. No primeiro parágrafo, um pai, aparentemente abordado aleatoriamente, diz que elas não melhoraram. Espera-se claramente que os leitores tirem conclusões disso.


Mas não está claro se o pai foi abordado, não é possível determinar se o pai é representativo e não há como saber se ele tem conhecimento sobre o que está falando. Abordar uma pessoa na rua para fazer julgamentos conclusivos está abaixo da dignidade jornalística. Se pesquisas que ouvem centenas de pessoas indicam margem de erro, que tipo de advertência ao consumidor pode ser feita por um repórter que entrevistou quatro ou cinco pessoas?


DANIEL OKRENT acaba de deixar o cargo de ombudsman do ‘New York Times’’