‘NOVA YORK – Com alguns dos fotógrafos mais famosos do mundo trabalhando para ela, a revista Life celebrizou milhares de imagens durante os 36 anos em que circulou, semanalmente, nos Estados Unidos. Algumas delas se tornaram clássicas, como a do desembarque das tropas aliadas na Normandia, acompanhado por Robert Capa. Relembrando momentos como aquele, cerca de 200 daquelas fotos resumem grande parte da história do século 20 na exposição Looking at Life, que o International Center of Photography (ICP), em Nova York, exibe até o dia 28.
Looking at Life comemora o valioso presente de mais de mil fotografias que o ICP ganhou da Time Inc., proprietária do título da revista. Com fotos grandes, muitas vezes tomando duas páginas inteiras e acompanhadas por poucas linhas de texto, a Life criou um novo tipo de jornalismo, o fotojornalismo, e foi publicada, ininterruptamente, de 1936 a 1972. Voltou às bancas como revista mensal entre 1978 e 2000, mas não conseguiu se sustentar. A exposição no ICP marca também o segundo relançamento da Life que, com o mesmo logotipo vermelho e branco original, circula nos fins de semana, desde 1.º de outubro, como suplemento em cerca de 70 jornais dos EUA, com tiragem próxima dos 12 milhões de exemplares e 26 milhões de leitores.
ENSAIOS
Periódicos populares e ilustrados com fotos já tinham sido lançados nos anos 1920 e 1930 na Europa quando a Life foi criada por Henry Luce, o editor que introduziu o conceito de revista informativa semanal ao fundar a Time, em 1923 (ele depois criou também a Fortune, em 1930, e a Sports Illustrated, em 1954). Mas a revista desenvolveu uma visão americana própria para popularizar o ensaio fotográfico. Como explicava Wilson Hicks, seu primeiro editor de fotografia, o que contava ‘não era a imagem pela imagem, mas a imagem pela idéia’ que ela trazia.
Isto se vê já na primeira edição da Life, de 23 de novembro de 1936, no ensaio fotográfico produzido por Margaret Bourke-White (a primeira mulher na equipe de profissionais da revista) para a reportagem de capa sobre a construção da Barragem de Fort Peck, no Rio Missouri, em Montana. Projeto público emblemático do New Deal do presidente Franklin Delano Roosevelt para levantar os EUA do buraco da Depressão, a barragem empregou mais de 10 mil pessoas no pique de sua construção, fazendo surgir 18 cidades em torno dela. Em nove páginas da revista, Margaret mostrou a grandiosidade da obra focalizando o cotidiano numa daquelas novas cidades do oeste americano.
Uma das reportagens da revista com maior repercussão foi a que o fotógrafo Gordon Parks fez sobre a pobreza no Brasil, em 1961, também relembrada na exposição. A história era centrada em Flávio da Silva, um menino de 12 anos, morador de uma favela carioca, desnutrido e asmático, que trabalhava para cuidar de oito irmãos. A matéria de Parks, diagramada inicialmente com apenas uma foto do menino, foi redesenhada em dez páginas quando o então secretário de Estado americano David Dean Rusk apontou a pobreza na América Latina como prioridade imediata. No primeiro mês depois da publicação da reportagem, leitores da Life já haviam mandado mais de US$ 30 mil para ajudar Flávio. Anos depois, Parks transformou a história de Flávio em livro, contando como aquela reportagem mudou a vida do garoto e da família dele.
Qualquer assunto podia ganhar uma fotona aberta na revista, desde que fizesse o leitor perceber por que merecia sua atenção. O olhar descrente e o suor grosso de 2 trabalhadores que Margaret Bourke-White fotografou no túnel de uma mina de ouro em Joanesburgo, a quase 2 mil metros de profundidade, é um retrato do apartheid na África do Sul de 1950. Na Nova York de 1952, Nina Leen tornou risível a submissão feminina em nome da beleza, flagrando mulheres debaixo do que eram, na época, modernos secadores de cabelo. O flagrante que Leonard McCombe registrou, em 1956, da atriz Kim Novak no vagão-restaurante de um trem, revela a vulnerabilidade de uma mulher bonita e famosa, propositadamente desfocada, sob os olhos ao mesmo tempo predadores e de condenação de um grupo de homens.
Uma fotografia na Life podia transformar em celebridade até um vaqueiro dos confins do Texas, como ocorreu com Clarence Hailey Long, em 1949. O retrato dele feito para um ensaio do mesmo McCombe foi capa da revista em agosto daquele ano e levou a Philip Morris a mudar o público-alvo do Marlboro, que desde 1924 era produzido como cigarro para mulheres. Inspirado no rosto vincado de Long, o departamento de publicidade da fábrica criou o homem da terra de Marlboro e a marca virou número 1 no mercado mundial.
GUERRAS E SÉRIES
A Life alcançou sua maior projeção durante a 2.ª Guerra Mundial. Assim como a imprensa dos EUA atualmente não pode mostrar os caixões de soldados mortos no Iraque, a fim de manter alto o moral do país, nos primeiros dois anos daquele conflito internacional o governo americano censurou as imagens de seus soldados e marinheiros que perdiam a vida no exterior. Quando a censura foi suspensa, em setembro de 1943, a revista publicou uma foto feita por George Strock mostrando os cadáveres de três soldados americanos na Praia de Buna, em Papua-Nova Guiné. A cena ampliada em duas páginas ainda hoje é chocante e, na época da publicação, causou polêmica e foi defendida em editorial do jornal The Washington Post sob o argumento de que ela ajudava a entender o que estava sendo sacrificado pelas vitórias nas frentes de batalha.
Alguns dos grandes fotógrafos da revista, como Robert Capa, Paul Shutzer e Larry Burrows, morreram cobrindo guerras. O trabalho deles imprimiu na Life a preocupação de sempre mostrar o heroismo idealista dos combatentes contraposto à realidade do combate. Entre as dezenas de fotos de guerra exibidas em Looking at Life está uma das imagens mais conhecidas da Guerra do Vietnã, feita pelo fotógrafo Huynh Cong ‘Nick Ut’, da Associated Press. Mostra um grupo de crianças sul-vietnamitas correndo em desespero numa estrada, depois de atingidas por uma carga de napalm despejado sobre a aldeia onde moravam. No centro, vê-se a menina Phan Thi Kim-Phuc nua e queimada. Mirando a consciência dos que ainda defendiam o papel dos EUA naquela guerra, a legenda da foto publicada na revista em 23 de junho de 1972 perguntava: ‘Você se sentiria mais tranqüilo se as crianças fossem norte-vietnamitas?’
A exposição repassa a história da revista em seções temáticas, como retratos de personalidades, política internacional, cotidiano da vida americana ou avanços da ciência e da tecnologia. Destacam-se entre elas as reportagens feitas em séries, nas décadas de 1950 e 1960, abordando o movimento pelos direitos civis nos EUA. Um dos momentos mais marcantes daquele período é o da multidão que, em 1963, marchou em Washington e ouviu Martin Luther King fazer o discurso repetindo a frase ‘I have a dream’ (Eu tenho um sonho) para falar sobre o fim da segregação racial. Outro, também naquele ano, foi a publicação, pela primeira vez, de fotogramas do filme amador feito por Abraham Zabruder registrando o assassinato do presidente John Kennedy.
Em meio à cobertura das reviravoltas sociais e políticas dos anos 1960, o leitor também encontrava nas páginas da Life imagens inéditas e de pura beleza, como as que resultaram do contrato de exclusividade entre a revista e a Nasa, trazendo fotografias surpreendentes das missões espaciais. E, apesar de a foto-ensaio ser sua característica mais forte desde a primeira edição, a revista também tinha seu lado trivial, com pequenas notícias só para entretenimento, como fofocas sobre celebridades e até dicas para uma mulher se despir na frente do marido a fim de mantê-lo tão animado como na lua-de-mel. Com essa mistura, a publicação chegou a ter mais de 8 milhões de leitores.
LIVRO
A intenção é manter a mesma receita editorial na nova Life, segundo seu editor-chefe, Bill Shapiro. ‘Esta Life, no seu coração, na sua alma e no seu DNA, é baseada na velha Life. Estamos tentando capturar a mesma surpresa e curiosidade em cada página’, diz ele. A primeira edição da revista atual trouxe na capa a atriz Sarah Jessica Parker, do seriado de TV Sexo e a Cidade, que posou para um ensaio fotográfico. Além de um artigo sobre os novos imigrantes que se espalham pelos EUA escrito pelo irlandês Frank McCourt, autor de As Cinzas de Ângela, a revista também veio com receitas de comida, excertos de livros e muitas outras fotos de artistas.
Coincidindo com o relançamento da revista, a Bulfinch Press, divisão do Time Warner Book Group, lançou o livro The Great Life Photographers. É uma antologia de 608 páginas trazendo 600 trabalhos, em preto-e-branco e em cor, feitos por mais de cem fotógrafos que transformaram a antiga revista no ícone de fotojornalismo que ela ainda é. Ao mesmo tempo, oito galerias dos Estados Unidos estão com exposições de fotos publicadas no livro.’
FLAGRA EM FOTO
‘Bater em presos’, copyright O Globo, 20/11/04
‘A polícia do Rio sempre bateu em suspeitos. Para obter confissões, por vingança, por não saber melhor. E até para fazer média com a vítima do crime, se é pessoa de classe alta e não custa o agrado.
A única surra suposta mas equivocadamente defensável é a que produz confissão. Tem o defeito grave de que o pau-de-arara e a paulada são imparciais: fazem confessar o inocente e o culpado.
Como preliminar para tentar levar um pouco de bom senso à controvérsia sobre o assaltante exibido com marcas de agressão pela Delegacia de Atendimento ao Turista domingo passado, pensemos no respeito à lei – fronteira que nos separa dos bandidos. Qualquer pessoa de bom senso sabe que os códigos negam ao policial o direito de bater em presos. Vivemos, em tese, sob a norma de que bandidos são punidos apenas por decisão irrecorrível da Justiça. É um imperativo do tipo de sociedade civilizada que pretendemos ser.
Na prática, estamos longe disso. O culpado espancado outro dia será solto em pouco tempo (a máquina do Estado é incompetente para impedir que isso aconteça), e a sua vingança será exercida contra os mesmos cidadãos indefesos que outro dia aplaudiram a surra – e protestaram contra a foto do GLOBO mostrando os efeitos do castigo.
O culpado espancado será provavelmente um bandido mais violento do que antes. E, podem crer, sua vingança não será exercida contra policiais armados: os alvos da desforra serão aqueles que, ingenuamente, sentiram-se mais protegidos depois do episódio na delegacia dos turistas. De passagem, perdoem o pasmo: como pode alguém achar que exibir a foto de um ladrão surrado numa dependência do Estado ofende o cidadão honesto e fornece trunfos à bandidagem?
Vivemos dias de insegurança e medo. E mais me preocupa o pé-de-chinelo espancado do que o trombadinha ainda ileso. Este só quer minha carteira e meu celular; o outro está atrás da carteira, do celular e da vingança.
O que vale mais: a sensação de desforra ante a imagem de um marginal de olho roxo, ou a de insegurança ante o seu provável comportamento ? e de outros – nos próximos assaltos? Mostrar a imagem do bandido que apanhou na delegacia foi visto por muitos leitores como gesto de solidariedade ao espancado. É indignação mal dirigida. A foto é um documento, nada mais: ajuda a entender como age a nossa polícia. E reforça a discussão sobre o preparo técnico e psicológico que ela recebe (ou que não recebe), as formas de estímulo ao bom trabalho (quando e se existem) e a incapacidade histórica de livrar o bom policial do convívio e do contágio com o policial-bandido.
Sonegar esse documento seria desrespeito ao leitor, negando-lhe informação importante. Isso se prova, inclusive, pela quantidade de reações que a foto despertou ? e que foram devidamente publicadas. Para isso servem os jornais. A maré de opiniões representa valioso documento na permanente discussão sobre a segurança pública.
Muitos podem até achar que o ladrão apanhou pouco. Quem pensa assim está convidado a refletir sobre as conseqüências e supostas vantagens da transformação de repartições públicas em oficinas de pancadaria (adiemos a discussão sobre se já não seriam). Na verdade, a boa discussão deveria ser sobre o que fazer para transformar nossa estrutura policial e penitenciária num eficaz instrumento de proteção da comunidade.
Seria um debate útil, se incluísse sociedade e Estado – e se produzisse, se não soluções, pelo menos um consenso.
Pode ter a foto como epígrafe visual.’
TERRORISMO PORNOGRÁFICO
‘Terrorismo como pornografia’, copyright Direto da Redação, 18/11/04
‘Nos mercados populares de Bagdad elas já estão entre os itens mais desejados por boa parte da populacão. Ao contrário das versões editadas apresentadas pelos complexos de mídia ocidental, em muitos países do Oriente Médio é possível assisitir, no conforto de casa ou no computador do trabalho, às dezenas de fitas digitais e CDs com imagens de homens encapuzados e armados ‘apresentando’ suas vítimas. É possível chegar em casa, tomar um banho, chamar a patroa e conferir o espetáculo de homens e mulheres que não comungam da fé islâmica pedindo por suas vidas, sendo humilhados e implorando pela retirada das tropas americanas, inglesas e etcéteras do Iraque. Na quase totalidade dos casos a vítima do seqüestro é assassinada. O crime – por decapitação, enforcamento ou uso de arma de fogo – é inevitavelmente filmado e distribuído por uma rede cada vez mais poderosa de terroristas-diretores. Isso aqui não é Hollywood.
Diretor do Centro de Direitos Humanos da Kennedy School of Government de Harvard, Michael Ignatieff, autor de uma bela biografia de Isaiah Berlin traduzida para o português, foi a voz mais interessante da edição desta semana na revista dominical do New York Times. Em um número dedicado à sétima arte, chamou atenção a definição cunhada por Ignatieff dos vídeos cada vez menos amadores de terroristas no Iraque – terrorismo pornográfico. O título, é claro, se aplica igualmente à infame série de fotografias tiradas por soldados norte-americanos na prisão de Abu Ghrabi. Que às vezes tendem a ser encaradas aqui nos Estados Unidos, e por gente aparentemente séria, como ‘souvenir de guerra’. Balela. Neste caso a vídeo-arte ganhou mais um protagonista: o torturador.
O fato é que nas páginas da ‘New Yorker’ ou na telinha da Globo, vamos nos acostumando a lidar com estes seres humanos que interrompem nosso jantar para, ajoelhados, implorarem por suas vidas. Dos dois lados do conflito. Os terroristas-diretores, mostra Ignatieff, se apropriaram dos metódos da indústria pornográfica – uma das mais rentáveis do planeta – para, inicialmente, despertar a curiosidade e o choque, depois a vergonha e a degradação, para finalmente conquistar, no pior dos fins, a indiferença. Indiferença esta que já se manifesta, na faceta islâmica, pela criação de um mercado informal de video-gangues, que fornecem, a um bom preço, para grupos como a Jihad e o de Abu Musab, a matéria-prima (estrangeiros seqüestrados) e a tecnologia (câmeras digitais) para a guerra de propaganda dos insurgentes.
A situação chegou a tal ponto que a sensação entre teóricos da comunicação e especialistas em conflitos religiosos e étnicos do lado norte da América é a de que já passou o momento de se discutir o poder de alcance destas imagens no imaginário daqui e de acolá. O uso da câmera digital como instrumento de terror é fato. E não vai acabar tão cedo. Como responder politicamente a este novo tipo de reality show é que são elas. Não apenas no Iraque – com o número cada vez maior de vítimas ligadas a grupos humanitários – ou em Guantánamo – onde os presos do governo Bush são apresentados ao mundo engaiolados – mas em guerras locais, como a do Rio de Janeiro. Ou alguém duvida do poder de atração do terrorismo pornográfico? Ao cultuar na tela a humilhação do oponente como arma última contra a opressão, quase um êxtase de vingança social, os grupos armados independentes no Oriente Médio abrem um precedente que tem tudo para ser copiado em sociedades excludentes como a brasileira. Alguém se arrisca a apresentar uma solução?’
ROBERTO MARINHO
‘Revisão de Roberto Marinho’, copyright O Estado de S. Paulo, 17/11/04
‘Antes de Pedro Bial, dois outros nomes foram cogitados para escrever a biografia do empresário e jornalista Roberto Marinho, presidente das Organizações Globo, morto em agosto do ano passado, aos 98 anos: Otto Lara Rezende e Armando Nogueira. A tarefa, porém, coube a Bial, que lança Roberto Marinho (Jorge Zahar Editor, 400 págs., R$ 29,50) no dia 1.º, no Rio, e dia 8, em São Paulo. Bial prefere chamar o livro de ‘perfil biográfico’, jargão jornalístico para biografias não-autorizadas, embora a sua não traga informações desautorizadas. Já Roberto & Lily (Editora Record, 192 págs., R$ 44,90), que será lançado hoje, na Fnac Paulista, é autorizadíssima. Foi ditada (mas não editada) pela mulher do empresário, Lily Marinho, ao escritor Romaric Büel, ex-adido cultural da França no Rio de Janeiro.
Autorizadas ou não, as duas biografias trazem poucas revelações sobre aquele que foi chamado de ‘Kane brasileiro’, em referência ao poderoso empresário do ramo jornalístico retratado no clássico filme de Orson Welles, Cidadão Kane, esta sim uma biografia não-autorizada – compreensível – pela família de Randolph Hearst. Lily Marinho toca no assunto na página 50 de seu livro Roberto & Lily. Considera a comparação com Kane impertinente e diz que ela ‘só tem precedente devido à amplidão do sucesso que os dois homens obtiveram em suas vidas profissionais’.
Embora esse sucesso a impressionasse, a última mulher de Marinho conta que o primeiro encontro entre os dois (no Copacabana Palace, em 1941) não foi exatamente o que se conhece por marcante. Bial, no entanto, conta que dona Lily já havia comentado com uma amiga que ele seria o único homem com quem se casaria, caso não fosse, na época, comprometido. Os dois acabaram se reencontrando e viveram 14 anos juntos. Não foi um casamento de conveniência, diz dona Lily, que, porém, observa (na página 102): ‘Sejamos francos, na minha idade novas núpcias raramente são fruto do amor.’ A viúva do também empresário Horácio de Carvalho, com quem foi casada por 45 anos, não se permite outras indiscrições no livro, além de que tem tantos pares de sapatos quanto Imelda Marcos.
Pedro Bial é menos recatado. Brinca com as ‘escapulidelas’ de Marinho quando estava casado com dona Stella ou com as manias do empresário – o ciúme de seus aviõezinhos, que nem mesmo os netos podiam tocar -, mas não com assuntos sérios como a polêmica em torno do apoio financeiro do grupo Time-Life. A participação de um grupo estrangeiro no processo de formação da Globo, apesar dos impedimentos constitucionais, e as relações com os sucessivos governos militares são episódios tratados com habilidade. Segundo Bial, só a primeira e a segunda concessões de canais da Rede Globo foram outorgadas por presidentes, e ainda assim civis (JK e Jango, respectivamente). ‘Todos os outros canais, que viriam a formar a Rede Globo, foram comprados mesmo e o Estado não deu mais nada’ (página 179). Quanto ao grupo Time-Life, ele diz que a CPI de 1966 que investigou o assunto foi benéfica para Marinho, que se livrou de sócios indesejáveis, ficando apenas como devedor.
Bial trata de outros temas espinhosos, como as relações turbulentas de Marinho com Lula antes do histórico encontro entre os dois, em setembro de 1992, na sala do empresário em seu seu jornal, ou a obrigação de ter apoiado nas eleições presidenciais uma figura pela qual não alimentava a mínima simpatia, Fernando Collor, filho do ex-sócio de Marinho. Sobre o boicote da Globo na cobertura das diretas, Bial diz que o empresário ‘não encarou com bons olhos o início da campanha por eleições diretas para presidente’ porque ‘não queria ver o movimento de 64, que apoiara desde o início, sair de cena derrotado’.
Derrotas e ofensas pessoais, aliás, eram intoleráveis para Marinho, segundo o livro de Bial. Ele narra um episódio que traduz essa intolerância, o dia em que ‘Doutor Roberto passou a mão no revólver e tocou rumo ao apartamento de Carlos Lacerda’. Lacerda, como se sabe, foi um dos primeiros a denunciar o acordo celebrado entre a TV Globo e o grupo Time-Life. O então governador do Rio só não morreu porque, ainda de acordo com o livro, tinha acabado de sair de casa quando Roberto Marinho tocou a campainha do apartamento com o revólver engatilhado.’