Wednesday, 13 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

Tutty Vasques

‘Deve-se lamentar a saída de um amigo do Jornal do Brasil? Comecei a pensar nisso lendo o artigo de Zuenir Ventura sobre Alberto Dines, cuja coluna semanal fora dispensada de um sábado para outro da página de Opinião do JB. Com todo respeito à vida sexual dos dinossauros, devo dizer que o fato não tem a menor importância para a brilhante trajetória de Dines na imprensa carioca. Não devemos, pois, valorizá-lo demasiadamente, sob o risco de criarmos mais uma bolha de indignação na cidade: ‘Basta de JB!’.

Há pelo menos uma década o jornal que ditava a opinião pública carioca vem maltratando, um a um, os profissionais que fizeram a marca JB. Dines, que tanto fez para isso na virada dos 60 para os 70, até que durou muito. O tipo de jornalismo sério que pratica não é compatível com o que sobrou daquilo lá. Quase todo jornalista carioca que conheço carrega no currículo a marca de uma sacanagem do Jornal do Brasil. Saí de lá pela última vez em 1999 jurando nunca mais voltar para não correr o risco de um dia merecer um artigo de desagravo do Zuenir.

Tive três encarnações na casa. Trabalhei na Avenida Brasil 500 entre 1976 e 1981, entre 1986 e 1991 e, finalmente, entre 1996 e 1999. Estou falando de 15 anos de minha vida. Trago nas pontas dos dedos o privilégio de ter aprendido a escrever com Ana Maria Machado, Marcos Sá Corrêa, Flávio Pinheiro, Arthur Xexéo, Joaquim Ferreira dos Santos, Roberto Pompeu de Toledo… No tempo em que Tim Lopes jogava no time do JB, gozávamos de ‘salário ambiente’. Era de graça tomar café com Zuenir Ventura, Ancelmo Gois, Fábio Rodrigues, Roberto Benevides, Xico Vargas, Arthur Dapieve, Regina Zappa, Mirian Leitão, João Máximo, Carla Rodrigues, Kiko Brito, Bruno Veiga, Villas-Bôas Corrêa, Sérgio Rodrigues, Roberto Benevides, Maurício Stycer, Mara Caballero, Moacyr Andrade, Rogério Reis, Zózimo Barrozo do Amaral, José Castello Branco, Márcia Vieira, Fernando Paulino, Helena Carone…

Entre 1988 e 1990, auge da administração Marcos Sá Corrêa, a redação era uma festa que se refletia no produto que chegava às bancas em forma de ousadia, invenção, bom humor e coragem. Éramos um time de jornalistas aplicados e divertidos, incentivados por leitores que formavam uma espécie de torcida organizada do JB. Vibramos todos juntos com algumas primeiras páginas antológicas produzidas na contramão do noticiário burocrático que uniformiza as manchetes de alto de página. Já naquela época, a saúde financeira do jornal tinha crises crônicas de asma, mas o patrimônio da inteligência ventilava o negócio, que se esperava pudesse voltar a ser bom um dia.

Nos últimos 10 anos, o Jornal do Brasil vem morrendo aos pouquinhos. Todo mundo que passou pela redação nesse período tem uma história de agonia do jornalismo pra contar. Não vou contar a minha, pelo mesmo motivo que não me interessa ouvir a do Dines. Cumpro aqui tão-somente o doloroso dever de comunicar a morte de um jornal, com todo respeito aos amigos que ainda tentam reanimar o defunto. A marca JB deve ter o mesmo destino do título Diário de Notícias, encontrado dia desses na indigência dos registros de patentes. Eu sinto muito! E vida que segue, caro Dines.’



Julio Hungria

‘Cedilha no JB, um jornal desfigurado’, copyright Blue Bus (www.bluebus.com.br), 16/06/04

‘Bom dia. Desde a manchete que referia a Proclamaçao da Republica no Dia da Independência ou vice versa (nao lembro ao certo), ja desconfiava que a crise do JB era um buraco mais fundo do que parecia. Isso faz uns dois anos. O JB de hoje, vergonha pra todos que construiram sua marca, escreve suspensao com c cedilha (no email que repreende o Dines) alem de servir um noticiario pautado fora do interesse do seu publico.’



JB EM CRISE
Milton Coelho da Graça

‘A filosofia editorial de Nelson Tanure’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 16/06/04

‘Augusto Nunes, diretor editorial, e Cristina Konder, editora-chefe do Jornal do Brasil – ambos também vice-presidentes da empresa editora – estão de férias e ambos não deverão voltar a seus postos (alguém quer apostar?). Uma nova crise se desencadeou dentro do jornal quando o dono, sr. Nelson Tanure, seguindo sua teoria de que conteúdo não é importante, decidiu que Paulo Marinho, responsável pela área comercial e diretor da sucursal de Brasília, assumiria também o controle da editoria política, entregue a Belisa Ribeiro. Ao mesmo tempo, todos os suplementos foram colocados sob o comando (editorial e comercial) de Hildegard Angel.

Foi dose forte demais para Augusto e Cristina, que há vários meses vinham tentando manter um mínimo de qualidade editorial ao JB, apesar das contínuas demissões e cortes de salários.

Ao mesmo tempo que se mantém indiferente à queda de circulação do jornal (a curva é de assustar!) e continua demonstrando que a gestão deve se concentrar no faturamento publicitário e na compressão dos custos da redação, o sr. Nelson Tanure se empenha na ampliação de seu império de comunicação. Além de informar ao novo comando de O DIA que continua interessado em assumir o controle do jornal carioca, fontes dos Diários Associados afirmam que ele obteve do sr. Gilberto Chateaubriand a opção de assumir a direção do grupo, se e quando o filho de Assis Chateaubriand ganhar a batalha judicial que vem travando contra o Condomínio (uma hipótese considerada muito difícil pela direção do Condomínio).

Como o sr. Tanure não é maluco e tem fama de ser hábil executivo, será interessante acompanhar de perto o desempenho do jornal com todo o ‘conteúdo’ da editoria política e dos suplementos sob controle comercial. É fato notório em Brasília que o JB recebe forte garantia de faturamento do governo do Distrito Federal (fala-se em R$ 1,5 milhão por mês) e será fácil identificar novos ‘subsídios’ oficiais através não só dos anúncios mas também das ‘notícias’ e ‘opiniões’. E não sou eu apenas quem prevê isso, mas também Augusto Nunes e Cristina Konder, que claramente preferem sair a endossar essa filosofia empresarial.’



O DIA EM CRISE
Milton Coelho da Graça

‘Reportagem-livro em busca de um autor’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 16/06/04

‘O advogado Sérgio Mazilo, um dos mais respeitados do Rio, ao expor com rigor jurídico, a d. Ariane Carvalho, os motivos pelos quais as duas irmãs a queriam fora da direção do jornal O DIA, teria sido sucinto: ‘A sra. tem duas saídas, uma honrosa e uma horrorosa’. Foi assim que d. Ariane resumiu para algumas pessoas o que acontecera na conversa sigilosa com ele e explicou com poucas palavras sua decisão: ‘Preferi a saída honrosa’.

Essa descrição por testemunhas diretas confiáveis desmente frontalmente a versão oferecida a Comunique-se pelo sr. Marcos Cruz, diretor executivo da empresa, de que a mudança teria ocorrido no mais ameno clima fraternal.

Nem é verossímil que o sr. Ronald Levinsohn, homem de fortuna considerável e arguto homem de negócios – especialmente nas áreas de finanças, imóveis e educação superior – tenha decidido gastar uma boa parte de seu valorizadíssimo tempo para ajudar duas das três filhas do falecido jornalista Ary de Carvalho, apenas por razões de amizade. Uma amizade, aliás, tumultuada por uma briga judicial que durou bom tempo.

Vários companheiros do jornal O DIA confirmaram a essência de tudo que afirmei na coluna anterior e que o sr. Marcos Cruz – interessado diretamente no assunto, não só como novo diretor executivo, mas também por ser ex-marido de uma das duas irmãs que passaram a controlar o jornal – não tem o menor motivo para me considerar um ‘inventor’, mesmo que a intenção tenha sido me elevar ao nível de Thomas Edison e Santos Dumont.

Vale a pena fazer um rápido resumo da história de O DIA para os companheiros mais jovens ou sem maior conhecimento do jornalismo carioca.

Chagas Freitas dirigia o vespertino A NOTÍCIA, cujo proprietário era o governador Adhemar de Barros, uma espécie de predecessor de Maluf na política paulista. Adhemar criou o famoso slogan ‘rouba mas faz’ e o jornal no Rio – então capital federal – exprimia o interesse em projetar-se nacionalmente e chegar à Presidência da República. Chagas foi um bom diretor de A NOTÍCIA, tão bom e fiel que uma idéia sua foi aceita por Adhemar sem discussão: aproveitar o tempo ocioso da rotativa e produzir também um matutino. Chagas seria o dono, assumiria todos os custos e ainda se comprometia a apoiar a estratégia política de Adhemar.

Em pouco tempo, O DIA era o jornal de maior circulação no Rio e A NOTÍCIA passara a ser um vespertino de porte médio, abaixo de O GLOBO e ÚLTIMA HORA. Com o declínio dos vespertinos, estes dois começaram a tirar também uma edição matutina, enquanto Adhemar achou melhor fechar o seu e falar mal de Chagas até o final da vida.

Chagas sabiamente construiu uma sólida amizade com Roberto Marinho e iniciou uma carreira política. Foi governador da Guanabara e, depois da fusão, do Estado do Rio de Janeiro – nos dois casos como candidato da oposição (MDB) mas em total acordo com a ditadura militar, o que o define melhor do que qualquer adjetivo.

A vitória de Brizola demoliu a máquina chaguista. E a idade, possivelmente aliada a desgostos familiares, começou a afetar nitidamente sua capacidade mental. Roberto Marinho alegou razões éticas para não aceitar os muitos apelos de amigos comuns para assumir o comando de O DIA. Ary de Carvalho, que sempre demonstrou grande audácia como editor e como empresário, conseguiu o apoio de bancos e do próprio governo militar (através dos ministros Delfim Neto e Mário Henrique Simonsen), usando o espantalho de que um jornal popular de grande circulação se tornaria uma arma poderosa nas mãos de pessoas ligadas à oposição. Fui o primeiro copy-desk de O DIA (quando Chagas achou que valia a pena melhorar o texto), editor-chefe de O GLOBO (sete anos em dois períodos entre 1978 e 1987) e diretor de redação de ÚLTIMA HORA, quando Ary de Carvalho decidiu relançar o antigo jornal de Wainer (nossa relação, por motivos profissionais, só durou um mês) cujo título ainda pertence a seu espólio. A essência das informações históricas no parágrafo anterior podem aqui e ali ter detalhes contestados mas me foram dadas diretamente pelos protagonistas.

Com a morte de Ary, sua filha Ariane assumiu a direção. Ela acompanhara o pai e suas decisões por um período razoável, mostrando que havia entendido pelo menos as principais lições. Em um tenso episódio, demitiu Fernando Portela, o principal executivo profissional da empresa, aparentemente porque achou que ele tentava contestar sua capacidade.

Suas duas irmãs nunca revelaram atração pelos negócios do pai. Gigi estudou design, Elaine preferiu estudar Relações Internacionais nos Estados Unidos e assina hoje uma coluna semanal como Dada de Carvalho. Mas, depois do fracasso que ela e o marido tiveram com um negócio em Boston, separou-se de Mário Cruz e preferiu continuar a viver em Boston.

Agora Ariane foi destituída e o sr. Mário Cruz contesta veementemente que haja intenção de vender o jornal. Nega que a Universal Produções (braço da comunicação da Igreja Universal) tenha feito qualquer proposta. Mas o sr. Natal Furucho, diretor executivo da Universal, confirma que teve conversas com Ariane.

O sr. Nelson Tanure já mostrou, anteriormente, interesse na compra de O DIA e de outros jornais. O sr. Ronald Levinsohn é grande amigo dele. Mas a versão oficial é a de que ele está apenas ajudando – sem qualquer interesse direto – duas senhoras que foram colegas de escola de suas filhas. Levinsohn gosta de política, não como ator, mas como diretor, roteirista, algo assim, segundo pessoas que dizem conhecê-lo bem.

D. Marlene, viúva de Ary, parece apoiar Gigi e Eliane. Hildegard Angel, sempre muito bem informada sobre a elite carioca, revelou em sua coluna mais recente que Gigi presenteou a mãe com um carro de luxo e uma mansão, o que demonstra o maior carinho filial.

Quem poderia ser o Balzac brasileiro e contemporâneo para juntar os fios de realidades e ‘invenções’, nesta história de um grande jornal e da população que povoa seus bastidores, montando um belo retrato do Brasil das últimas décadas?’