Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Último Segundo

ELEIÇÕES 2006
Alberto Dines

Sem política e sem visionários, 18:36 de 18/08/06

‘Desastroso este início da temporada eleitoral. A festa cívica e o alegre rito da escolha de governantes foram substituídos pela mesmice e a sem-vergonhice. Nos palanques, palavras vazias se revezam com propostas disparatadas, a busca de frases de efeito substituída pelas frases feitas. A chatice contaminou até a bomba HH (Heloísa Helena), cujo estoque de novidades resume-se agora às dúvidas no tocante à capacidade de seu guarda-roupa em produzir diferentes blusinhas brancas e jeans desbotados.

O pragmatismo cedeu ao cinismo. O despudor é ostensivo, carnavalesco, tipo Parada Gay. Lula ao lado de Crivella e Alckmin tentando agarrar-se à Denise Frossard, ambos esquecidos dos seus compromissos com os respectivos candidatos no Rio de Janeiro, ilustram um concubinato eleitoral da pior espécie. Nos grotões do Brasil profundo estas parcerias são ainda mais escabrosas.

A capitulação dos governos de São Paulo e Rio às facções criminosas que dominam os dois estados desvenda uma bagunça administrativa jamais vista. A família Garotinho aposentou-se em grupo e o governador Cláudio Lembo confessa abertamente que está contando os dias para vestir o pijama. O Estado brasileiro está licenciado e o cidadão já percebeu que não tem a quem apelar

A imprensa ofereceu a sua contribuição ao quadro desolador com aquela sua convocação (na terça e quarta-feira), em favor de um pacto político contra o terror. Com um erro gramatical no título (‘Basta à violência’) e um fraseado desfibrado, equívoco, ficou patente que a grande mídia nacional não consegue assumir-se nem operar como um poder moral capaz de impor aos governantes uma agenda de emergência diante das ameaças de ruptura.

Resta o Ministério Público e o Judiciário e, dentro dele, a Justiça Eleitoral. Entende-se o rigor demonstrado pelo TSE ao propor uma multa ao próprio presidente da República nos primeiros dias da temporada. Só assim poderão ser estabelecidos os necessários paradigmas de credibilidade de modo que, mais adiante, na proclamação dos resultados, não haja espaço para questionar a lisura do pleito.

É preciso ter muito presente que a nova tática do caudilhismo latino-americano é contestar o processo eleitoral e a ‘democracia das elites’. Assim aconteceu na Venezuela (hoje uma semi-ditadura), assim aconteceu no Peru e assim está acontecendo no México onde os setores mais radicais ligados a López Obrador avisam que não se contentarão com a recontagem de todos os votos. Querem a anulação pura e simples.

Tem razão o corregedor-geral eleitoral, ministro Cesar Asfor Rocha, ao afirmar que ‘permitiram a re-eleição, mas não disciplinaram o que o candidato no exercício do cargo pode ou não pode fazer’. Imperioso lembrar que em 1998, na primeira re-eleição presidencial, quando a falta de tradição nesta modalidade era ainda mais visível, foram insignificantes as reclamações e que, em 2004, no pleito municipal paulista, o presidente Lula já recebera o seu primeiro cartão amarelo. Portanto, não se trata da reeleição em si, mas dos comportamentos individuais de governantes que tentam reeleger-se sem prestar atenção à compostura.

A multa de 900 mil reais imposta ao presidente Lula já está sendo contestada tanto no valor como na exigência de que seja paga pelo bolso do candidato-infrator. Não foi Luís Inácio Lula da Silva, pessoa física, quem cometeu a falta, mas o comando da sua candidatura e/ou o governo que preside. A exigência é descabida, mas o rigor do TSE é mais do que bem-vindo.

Mesmo sem debates consistentes e mesmo com a farta exibição de barbarismos retóricos, esta primeira semana da saison eleitoral teve o mérito de revelar através da sua própria inércia, espontaneamente, a extensão e a severidade da crise moral-institucional que atravessamos. O núcleo central não é o ‘Esquecimento da Política’ (tema do seminário que começa nesta segunda-feira organizado pelo filósofo Adauto Novais). Antes deste esquecimento há algo ainda mais simples: a consagração da mediocridade e, com ela, o desaparecimento dos visionários.’



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Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

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