Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

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SEGUNDO MANDATO
Alberto Dines

Os perigos da apatia, 13/04/07

‘Os flagrantes da irresistível sonolência que dominou o ministro da Defesa, Waldir Pires e o comandante da Aeronáutica, Juniti Saito, durante a audiência, no Senado, sobre a situação do tráfego aéreo são engraçados. E melancólicos. Compõem uma metáfora que deveria ser examinada com atenção. Apesar da estrondosa popularidade do presidente e talvez por causa dela, o País encaminha-se para um perigoso entorpecimento.

Triunfos também cansam, sobretudo quando se sucedem no plano mágico das promessas. A apatia é o penúltimo estágio da decadência, sentenciou o historiador Arnold Toynbee, citado num ensaio do semanário ‘Economist’ (31/3). Quando criaturas ou nações deixam de importar-se e se resignam começa a lenta e infalível trajetória em direção da degradação.

Apatia significa ausência de páthos, paixão. Excessos de vibração e ruído acabam por produzir indiferença, cores berrantes neutralizam-se. A fé precisa ser alimentada diariamente com doses certas de ações e devoções, caso contrário não se sustenta. Todas as demasias redundam em fadiga, isso se explica tanto através da psicologia como da dialética.

A mesma ‘Economist’ na edição deste fim de semana traz um caderno especial sobre o Brasil que parece esmagado entre a fertilidade e a frustração. Porém, à medida que esta fertilidade mantém-se apenas no plano abstrato, a frustração tende a tornar-se cada vez mais concreta. A apatia é antidemocrática porque desmobiliza, desvitaliza, esvazia as energias indispensáveis para fazer contrastes e produzir movimento.

Os ziguezagues da invencível coalizão que governa o País no gerenciamento da pior crise da aviação brasileira podem ser vistos como exibição de prudência, como tática protelatória ou como prova da absoluta inapetência para resolver emergências. Qualquer que seja a avaliação, na prática produziram torpor.

Sempre de olho em eleições cada vez mais distantes – as cassandras já falam em 2014 – politiza-se de tal maneira o processo decisório que já não sobra tempo nem lugar para a busca de eficácia. A barafunda no tráfego aéreo é apenas uma amostra no conjunto de confusões que se atravancam nos gabinetes da alta administração federal. Há outras e em número suficiente para caracterizar uma disfunção sistêmica.

O estapafúrdio projeto para uma rede pública de TV apresentado pelo ministro Hélio Costa antes de qualquer estudo precursor, a intempestiva utilização da palavra terrorismo para caracterizar a ação do crime organizado e agora esse vai-não-vai das forças armadas para policiar o Rio de Janeiro começam a produzir os ingredientes para fabricar uma poderosa e invencível apatia.

Mesmo na era do espetáculo, o binômio pão e circo é insuficiente para convocar e manter os diferentes segmentos sociais em algum tipo de mutirão ou empreitada. A participação popular na construção de um projeto nacional depende da capacidade dos governantes de desenhar bandeiras minimamente perceptíveis. E visíveis através do emaranhado cotidiano.

A empolgação continuada, além de cara, é tediosa. Índices de popularidade não se sustentam sozinhos, nem se realimentam através de impulsos divinos. Entre uma sondagem e outra, imperioso produzir estímulos. A aprovação de governos é um processo continuado de alinhamentos e parcerias que não pode limitar-se à esfera verbal.

A modorra que tomou conta do ministro Pires e do brigadeiro Saito em plena discussão sobre o apagão aéreo no Senado pode ser ocasional e circunstancial. Mas pode sinalizar a aproximação de uma modorra mais abrangente, além-plenários, resistente aos truques, artimanhas, golpes de retórica.

O torpor é um perigoso agente subversivo.’

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Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

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