Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Último Segundo

ELEIÇÕES 2006
Alberto Dines

Lições das urnas, 17:13 06/10

“‘Foi otimismo’, alegou Lula. ‘Arrogância’ refutou FHC. Impossível identificar as razões que impediram a materialização das projeções dos institutos de opinião pública que previam a vitória do presidente-candidato no primeiro turno. As palavras-chave dos dois diagnósticos é que talvez sejam insuficientes. Foi otimismo e também arrogância.

Lula acreditou na própria propaganda, acelerou. Confiou na infalibilidade do seu carisma, seguro da força da máquina de poder que vem utilizando sem muito pudor, presumiu-se vencedor, foi em frente. Como o adversário não tinha consistência, dirigiu a agressividade contra as forças que o apóiam, as tais ‘elites’.

E nelas incluiu a imprensa. Estava no seu direito, mas esqueceu de um detalhe: quem manipulou a imprensa foram os seus ‘meninos’ ao vazar para a revista ‘IstoÉ’ o Dossiê-Vedoin contra José Serra.  A imprensa já foi pivô de outros pleitos presidenciais, sempre a posteriori. Desta vez, Lula tentou desqualificá-la antes da votação, nos palanques. Não contava com o árbitro que existe em cada eleitor — cartão amarelo, foul, falta grave.

O reconhecimento do erro apareceu na primeira entrevista, segunda-feira passada, na tarde da ressaca, quando habilidosamente amenizou as críticas. Agora, no segundo turno, passou a bandeira anti-mídia ao novo escudeiro, Ciro Gomes, e à ex-prefeita paulistana, Marta Suplicy.

Oxalá consiga deixar de lado aquela perigosa combinação de otimismo com arrogância que deformou a sua imagem e transformou a proverbial bonomia em agressividade. Deixando de lado a desgastada discussão sobre a ‘cordialidade’ brasileira (que nada tem a ver com o que escreveu Sérgio Buarque de Holanda) é preciso considerar que o povo brasileiro cansou das apelações para a violência.

O pavio do povão  ficou maior, essa é a grande verdade. Em outras palavras, o povão acostumou-se com eleições, gosta delas, acredita piamente em promessas. Venham de onde vierem. Incomoda-o apenas a truculência dos líderes porque é capaz de acionar suas cóleras. E cóleras, como já aprendeu,  dão trabalho, trazem desconforto, dissabores.

Essa é uma sabedoria que não está nos livros, é  atávica. No Brasil seria impossível organizar uma manifestação como a da quinta-feira, em Buenos Aires, a favor da ditadura militar. Nada a ver com esquerda, direita, conservadorismo ou progressismo — nosso ou argentino. É uma opção que os cínicos chamariam de macunaímica e outros designariam como pachorra, resignação. Ou prudência.

Criaturas são sempre de boa índole, em qualquer quadrante. Algumas, em determinadas circunstâncias, tendem à impaciência. O ‘Lulinha Paz e Amor’ e os largos sorrisos produzindo aquelas covinhas no rosto, não foram inventados em 2002 pelos marqueteiros. São sinais de uma vocação nacional para o sossego, no máximo chegam perto da malícia.

A  famosa ginga brasileira não foi inventada em laboratórios nem em seminários. Aécio Neves não conseguiu aqueles fabulosos índices de aprovação porque é mineiro, afinal seus eleitores são igualmente mineiros. E  muito desconfiados. Aécio Neves é maneiro. A brava Heloisa Helena entrou numa curva descendente porque era veemente demais. Indignação também cansa.

Uma politização na direção errada, importada, acionada pela Guerra Fria criou uma sucessão de traumas, a começar pela renúncia de Jânio Quadros. Quase meio século depois, Lula entregou-se aos demônios da indignação. E o eleitor perguntou:  se ‘este país’ está tão bem porque tanto rancor?”



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