AQUECIMENTO & MÍDIA
Todos são culpados, 02/02/07
‘O que é pecado, quem é pecador? Esta é a questão central que, ao longo dos séculos, movimenta o espírito humano, aciona as angústias, fabrica as religiões, filosofias e ideologias.
O painel de climatologistas reunidos sob a égide da ONU em Paris acaba de proferir uma sentença que vai além das catastróficas previsões ambientais: com 90% de probabilidade, a humanidade é a grande culpada pelo apocalipse anunciado. A questão transcende ao aquecimento global, é moral.
O Pólo Norte vai desaparecer, o mar vai subir, ondas de calor e enchentes vão aumentar. A culpa não é só do grande vilão, George W. Bush Jr., que se recusou a assinar o Protocolo de Kyoto, a culpa não é apenas de Ahmadinejad, Chávez e da camarilha dos petro-déspotas preocupados apenas em oferecer emissões de dióxido de carbono a preços acessíveis. A culpa é da Rússia, da China, dos pastores de cabras e criadores de zebus, dos desmatadores da Amazônia e destruidores das encostas, a culpa é dos emergentes e submergentes.
A tão pouca distância do Dilúvio, ficou claro que ninguém é inocente, inclusive os inimputáveis. Em Paris, talvez por inspiração cartesiana, acabam de ser estabelecidas as bases para a socialização do pecado e a mundialização da culpa. Encarnam o corolário da globalização, herdeiras da circunavegação de Fernão de Magalhães e da aventura de juntar os oceanos através do mar de lama que resultou no canal do Panamá. Estamos todos no mesmo barco, ninguém é uma ilha, os sinos dobram a cada segundo por algo ou alguém que erra ou desaparece.
Inclusive em Brasília. Situada num planalto, protegida dos dilúvios, mas condenada a arrastar-se em águas rasas, não estimula os grandes mergulhos, impermeável às divagações, impermeável também às penitencias. A sociedade brasileira passou quase dois anos culpando o PT e os seus aliados pela vergonhosa sucessão de escândalos. Essa é uma página que tão cedo não poderá ser virada como sonha o novo presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia.
Mas aquilo que se convencionou designar como oposição (PSDB e PFL) ofereceu nos últimos dias uma lastimável exibição de cinismo, oportunismo, pusilanimidade e amoralidade. Acusam-se os ratos de serem os primeiros a abandonar os navios antes de afundarem. Ratos também devem ser vistos como os primeiros a farejar o lixo e no seu rastro descobrem-se as cobras.
Foi indecente a corrida do PSDB para apoiar no segundo turno o arquiinimigo Chinaglia e assim garantir a sua magra vitória de 18 votos num universo de 512 parlamentares presentes. Esquecidos do carão passado dias antes pelo ex-presidente FHC quando já se entregavam ao candidato mais situacionista antes de tentar uma terceira via, tão logo se desincumbiram da obrigação de votar no correligionário Gustavo Fruet foram depositar suas dádivas aos pés de Chinaglia. Sequer cogitaram de buscar alguma afinidade ideológica com apoiadores de Aldo Rebelo, genericamente conhecidos como social-democratas ou eurocomunistas (PCdoB, PSB, PV, PDT).
Empurrados pela real-politik e ambições dos governadores tucanos que em Brasília necessitam manter alguma comunicação com os gabinetes palacianos e, na esfera estadual, esperam uma retribuição do PT nas assembléias legislativas, a bancada do PSDB no lugar de demarcar-se do padrão PFL aderiu a ele: virou a casaca com gosto e enorme agilidade, tanto na Câmara como no Senado.
O estofo de uma nação compreende todas as suas partes, o governo determina os caminhos, mas o seu ânimo é, em grande parte, produzido pela oposição encarregada de alertar e criar freios e ceticismos. A tibieza de Geraldo Alckmin retirou do PSDB o seu conteúdo e sentido, a ambição dos sobreviventes pode empurrá-lo para a catástrofe.
Em Paris ficou estabelecido que todos são vilões, pelo menos em matéria ambiental. Em Brasília, ficou combinado que não se jogarão mais pedras – doravante, todos são vidraça.’
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