STF, MENSALÃO & MÍDIA
Presumir, presunções, 31/08/07
‘Um verbo parece estar no centro das querelas sobre as recentes decisões da Suprema Corte. Na realidade está no centro de todas as pendências, disputas, contendas ou discrepâncias levadas às cortes, fóruns e mesas de negociação. Presumir é o verbo-matriz e, no caso, verbo-réu junto com os inúmeros sinônimos — pressupor, prejulgar, preconceber, suspeitar, imaginar.
Os denunciados pelo Ministério Público proclamavam-se inocentes e depois das decisões do STF reclamaram contra um julgamento baseado na presunção de culpas. A argumentação dos ilustres apoiadores segue a mesma linha: os ilícitos são presuntivos, não comprovados. E justamente por isso precisarão ser devidamente investigados nas fases seguintes.
Desconfortável com o resultado que envolveu três ex-ministros, um ex-presidente da Câmara, o alto comando do seu partido e treze deputados e ex-deputados da base aliada, incomodado, sobretudo, com o libelo de formação de quadrilha, o governo presumiu que as oposições pretendiam arrastá-lo para o escândalo nas fases seguintes do julgamento.
Recorreu a um dos argumentos mais pueris já aparecidos em nossa cena política que há muito não prima pela sofisticação: a reeleição do presidente Lula com 61% dos votos equivaleria a um atestado de idoneidade presuntivo.
Manobra canhestra, produzida pelo outro sentido da palavra presunção: vanglória, imodéstia, arrogância. Na pressa para armar um cala-boca os estrategistas palacianos aproximaram o explosivo ‘Mensalão’ de um processo eleitoral que transcorreu sem questionamentos e traumas.
O presidente Lula não foi envolvido em fevereiro de 2004 pelo escândalo Waldomiro Diniz (que trabalhava no Palácio do Planalto) e no ano seguinte saiu-se muito bem diante da metralhadora giratória do ex-deputado Roberto Jefferson ao registrar uma dolorida queixa contra os que o haviam traído. Mais tarde, véspera do primeiro turno, quando estourou o escândalo do ‘Dossiê Vedoin’, o presidente Lula demarcou-se prontamente dos aloprados e o caso foi devidamente engavetado.
Presumir que um episódio institucionalmente tão significativo como o julgamento do STF pudesse respingar no Chefe da Nação e presumir sua irrelevância se comparado com os resultados do último pleito são atos falhos, perigosamente falhos. Apesar dos inevitáveis qüiproquós e das necessárias delongas o julgamento encerrado na última terça-feira é um marco histórico porque relembrou o primado do direito e reverteu de forma decisiva a sensação de impunidade e desalento que tomava conta de grande parte da sociedade brasileira.
Um presidente da República que ousou confessar que se sentiu apunhalado quando evidenciou-se o porte do ‘Mensalão’ não pode minimizar tão belo momento de normalidade institucional. Entre os dias 22 e 28 e apesar dos agouros de Agosto, a tão aviltada República exibiu-se com toda a sua glória. E se nesta festa foram colocados no banco dos réus alguns cidadãos que a ela já prestaram relevantes serviços, em nome da imperiosa presunção de inocência não se pode denegri-la ou deslustrá-la.
A imprensa foi colocada neste conjunto de presunções e suspeições justamente porque procurou manter-se fiel à obrigação de oferecer evidências para dirimir presunções. Há poucos anos quando divulgou o teor de grampos ilegais foi transformada em heroína. Agora, quando dois profissionais (um fotógrafo e uma repórter de jornais concorrentes) revelam conversas virtuais e reais de ministros do STF sobre assunto de interesse público presume-se que a imprensa está a serviço de jogadas políticas e interesses inconfessáveis.
Presunções são legítimas, parte essencial do livre-arbítrio. Cogitar é existir. A função precípua do judiciário é na realidade a de verificar presunções. Mas esta presunção de que jornalistas profissionais não têm brios nem consciência, são meros títeres nas mãos de interesses escusos é um preconceito tenebroso, desumano, fundado na arbitrariedade e, antes de tudo, asnático.’
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