MAGO
Santo de casa
‘Na semana passada, Paulo Coelho foi homenageado na Feira de Frankfurt – o mais importante evento da indústria livreira mundial – pelo marco de 100 milhões de livros vendidos no mundo todo. Também recebeu um diploma do Guinness, o livro dos recordes, como o autor vivo traduzido para o maior número de línguas (67). Mestre imbatível da autopromoção, Coelho conseguiu criar uma polêmica meio fajuta em torno do não comparecimento à feira do ministro da Cultura, Juca Ferreira (o arroz-de-festa Gilberto Gil, antigo titular da pasta, esteve lá). Em seu país natal, porém, Paulo Coelho já não é o mesmo fenômeno. Lançado em agosto, O Vencedor Está Só ainda não esgotou a tiragem inicial de 200 000 exemplares e foi o romance do autor que menos tempo ficou na lista de mais vendidos de VEJA – apenas oito semanas. A editora do livro, a Agir, prepara uma nova investida promocional com base na comemoração dos 100 milhões. O Vencedor Está Só tem chance de reaparecer entre os dez mais vendidos (nesta semana, ficou em 11º), mas dificilmente chegará ao topo. E esse é o dado mais significativo: tanto o novo livro quanto o título anterior, A Bruxa de Portobello, não emplacaram o primeiro lugar nenhuma vez. Isso não ocorria com um romance de Paulo Coelho desde O Alquimista.
Parte da razão pode estar na mudança de gênero representada por O Vencedor Está Só, um thriller sobre um assassino em série que ataca durante o Festival de Cannes. ‘O público de Paulo Coelho ainda espera livros inspiracionais. Não seguiu o autor no policial’, diz o gerente de compras de uma grande cadeia de livrarias. Mas A Bruxa de Portobello trazia o enredo místico tradicional do escritor e também não chegou ao primeiro lugar. O recorde continua com O Alquimista, que permaneceu por 260 semanas na lista (e o número talvez pudesse ser maior, pois nessa época VEJA não publicava a lista toda semana). Coelho já não surfa com desenvoltura na onda esotérica que o transformou em fenômeno – como demonstra o gráfico abaixo, com alguns dos principais títulos do autor –, e tampouco encontrou uma forma de se reinventar. Seu segundo livro mais vendido em todo o mundo é o erótico Onze Minutos. Talvez ele devesse abdicar dos assassinatos para narrar histórias apimentadas.’
TELEVISÃO
O presidente esquecido
‘Se presidentes em fim de mandato em geral são figuras melancólicas, considere-se a situação de John Adams em 1800: a poucos meses de uma tentativa de reeleição que todos, inclusive ele próprio, já sabiam perdida, o segundo presidente americano ganhou a honra de ser o primeiro ocupante da Casa Branca. Num dia cinzento de outono, Adams e sua mulher, Abigail, foram depositados à porta do que parecia ser um imenso barracão (a Casa Branca), plantado em um canteiro de obras (que viria a ser Washington) coberto de lama – e de escravos. ‘A nova capital de uma nação sendo construída por escravos meio mortos de fome. O que de bom pode sair deste lugar?’, indagou uma chocada Abigail, enquanto o marido registrava não só o estado incompleto dos salões, mas a humilhação de ser removido para o meio do nada com uma eleição e uma provável guerra com a França assomando no horizonte – no horizonte de Filadélfia, bem entendido, onde o governo continuava a funcionar sem ele. Adams, porém, não era homem de perder uma tirada. Apontando para uma pintura em que seu antecessor, George Washington, aparece com a mão direita estendida, ele diz à mulher: ‘Eu me pergunto se o velho George nos está dando as boas-vindas ou mostrando a saída’. Essa personalidade rica e contraditória, a um tempo ranzinza e audaz, é em si um personagem pedindo por uma minissérie. Mas os sete episódios de John Adams, que a HBO começa a exibir nesta terça-feira, 21, às 19h45, vão bem além da biografia meticulosamente pesquisada e reconstituída. Adaptado do livro que o historiador David McCullough lançou em 2001, o roteiro recupera a grandeza de um ativista, político e pensador moral cujo nome fora relegado ao segundo plano; tira da Revolução Americana a moldura épica em que ela costuma ser retratada para colocá-la numa dimensão humana (o que só a torna ainda mais impressionante); e, sem fugir dos fatos nem do período de que trata, faz um comentário atilado e judicioso sobre o atual estado de coisas. É, enfim, um trabalho ao mesmo tempo empolgante, esclarecedor e provocador.
Adams (interpretado por Paul Giamatti) não era pedra da qual se costumam esculpir políticos. Filho de um sapateiro de posses medianas, mas instruído com esmero, era um advogado provinciano da então colônia de Massachusetts, com a ambição de sustentar a família, cultivar sua fazenda e cumprir seus deveres de forma irreprovável. Turrão, insistente, orador incisivo mas pessoa de carisma módico, entrou para a vida pública ao comprar uma briga fenomenal: no momento em que o clima de rebelião contra a coroa britânica irrompia em Massachusetts e algumas das outras colônias (que depois se transformariam nos treze estados originais da república), concordou em defender um punhado de soldados ingleses acusados de disparar contra uma multidão. Adams argumentou que ‘fatos são coisas teimosas’ – e os fatos mostravam que a multidão incitara os casacos-vermelhos a atirar, para provocar um incidente que insuflasse a revolta. Os soldados foram absolvidos; os clientes de Adams fugiram; mas os revoltosos perceberam que ali estava um homem cuja imparcialidade o recomendaria. E lá se foi Adams para o congresso Continental de Filadélfia, como um dos delegados de Massachusetts, onde se tornaria um dos principais motores de uma revolução que, antes de ser política, era de pensamento, de visão de mundo e de alteração do eixo geopolítico da civilização. Pela primeira vez na história, os ventos da razão sopraram não do Velho Mundo para o Novo, mas na direção oposta. E sopraram com a força de um vendaval, que ainda hoje continua a operar seu redesenho do panorama político e humano.
ENTRE DOIS COLOSSOS
Muito de John Adams é dedicado a essa dificílima decisão tomada em 1776 em Filadélfia: a de romper com a Inglaterra e proclamar uma nação independente, baseada na representatividade e no princípio contratual da governança. Uma nação igualitária, em um mundo repartido entre monarquias absolutistas, era uma idéia tão intoxicante quanto perigosa. Um dos maiores sucessos da minissérie é a evocação do temor e trepidação com que esses homens que quase nada conheciam do mundo decidiram virá-lo de ponta-cabeça. Outro deleite é observar de perto as virtudes e os defeitos de nomes imobilizados por dois séculos de adoração – o humor espirituoso do cientista Benjamin Franklin (Tom Wilkinson), mas também seu gosto pela astúcia e pelos prazeres; a inspiração superlativa de Thomas Jefferson (o estupendo Stephen Dillane), o principal autor da Declaração da Independência, assim como os traços de inflexibilidade e de purismo que o fariam voltar-se contra John Adams depois de uma longa e estreita amizade; o cavalheirismo, e também a ambigüidade moral, do general George Wash-ington (David Morse), que derrotou os ingleses e se tornou o primeiro presidente do país, mas nunca deixou de ser senhor de escravos.
O maior de todos os prazeres, porém, é o espaço que John Adams dá a Abigail Adams. Em uma interpretação irretocável, Laura Linney desenha e colore a figura dessa mulher pragmática, arguta e acima de tudo indômita, que empurrava o marido para o lado certo sempre que, com seus dois pés esquerdos, ele pisoteava os calos de adversários e correligionários; que, sozinha por sete anos, enquanto Adams percorria a Europa em missões diplomáticas, formou outro presidente (seu filho John Quincy Adams, o sexto a assumir o cargo) e fundou uma dinastia de grandes políticos e pensadores (veja o quadro abaixo); e que, do único lugar então possível para uma mulher – os bastidores –, foi tão política e tão atuante quanto os homens que a cercavam.
Abigail cometeu um erro de julgamento, entretanto: estimulou o marido a assinar o documento que mancharia seu nome. O Ato de Sedição, que suprimia muitas das liberdades civis, foi o instrumento com que Adams tentou conter as crescentes tensões internas provocadas pelo cabo-de-guerra entre a França e a Inglaterra. Foi um equívoco terrível, que ele não pôde desfazer e que arruinou sua carreira. Mas Adams fez algo que, segundo propõem o historiador David McCullough e a minissérie, em boa parte o redime: percebeu que, em nome da popularidade, estava prestes a se enfiar numa guerra sangrenta com a França e mandar a conta do açougue para as pessoas que jurara defender e proteger. Sacrificou a aspiração de um segundo mandato, agüentou a idéia de que o então rival Thomas Jefferson ficaria com seu lugar, e firmou a paz. Nesse relato dos fatos, John Adams (e seu produtor, Tom Hanks) deixa claro seu comentário sobre o presente: lançada não por acaso em pleno ano de eleição presidencial, pede que se reflita que o instinto de sobrevivência pode ser utilíssimo para o político – mas péssimo para a política.’
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