Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Veja

INTERNET
Kalleo Coura

De sofá em sofá

‘Como a maioria das boas idéias, essa surgiu de uma combinação do acaso com a necessidade. O acaso se deu quando o programador de computadores americano Casey Fenton, navegando pela internet, deparou com uma passagem para a Islândia que era uma pechincha – e decidiu aproveitar o fim de semana para visitar o país. Como não conhecia ninguém lá, resolveu enviar 1 500 e-mails para estudantes de uma universidade da capital, Reykjavik, contando quem era e perguntando se não poderiam hospedá-lo. Em menos de 24 horas, recebeu mais de cinqüenta ofertas e embarcou naquela que diz ter sido uma das melhores viagens de sua vida (ainda que nem de longe a mais confortável, já que seu quarto era a garagem da anfitriã). Assim nasceu o CouchSurfing, uma rede baseada na internet e destinada a conectar gente que quer viajar a pessoas dispostas a recebê-las (o endereço é www.couchsurfing.com). A expressão, que em tradução literal significa ‘surfe no sofá’, é uma gíria usada por estudantes americanos para se referir ao costume de hospedar-se, de forma improvisada, na casa de alguém. Criada por Casey e amigos em 2004, ela já atinge 231 países e tem perto de 800 000 usuários, mais de 17 000 deles brasileiros.

O assistente de direção Alberto Azevedo, de 25 anos, já dormiu em dezoito sofás de cinco países e hospedou mais de oitenta pessoas em seu apartamento em São Paulo. É do tipo que gosta de guiar o visitante pela mão. ‘Faço questão de levar os estrangeiros a restaurantes típicos e apresentar a eles feijoada, caipirinha e guaraná.’ Azevedo diz manter contato com pelo menos metade de seus ex-hóspedes – e é justamente essa uma das idéias da rede. ‘Ela não existe só para ajudar viajantes a encontrar um lugar de graça para dormir’, afirma um de seus co-fundadores, o também americano Daniel Hoffer. ‘A proposta é dar condições para que pessoas de culturas diferentes se conheçam e façam novas amizades.’ A estudante de economia Luciana van Tol, de 23 anos, viajou por meio do CouchSurfing por dezessete países da Europa em quatro meses. ‘O único lugar em que fiquei em albergue foi Istambul’, conta. ‘Visitei os principais pontos turísticos, mas não me sentei à mesa nem conversei com uma família turca. Por causa disso, sinto que só passei por lá – não conheci a Turquia tão profundamente como os países em que me hospedei na casa de alguém’, diz.

O CouchSurfing não se responsabiliza pela segurança dos usuários, mas oferece alguns instrumentos pa-ra ajudar a aumentá-la, além dos comentários que os próprios viajantes deixam no site a respeito de suas experiências com outros usuários. Por 13 dólares, por exemplo, o candidato a hóspede ou anfitrião pode ganhar um atestado emitido pelo site garantindo que seu nome e endereço são verdadeiros. Essa espécie de ‘selo de autenticidade’ aumenta sua credibilidade e, conseqüentemente, sua chance de receber ou de ser recebido. De 2004 para cá, mais de 700 000 hospedagens ocorreram por meio da rede. Em alguns casos, o entendimento entre hóspede e anfitrião supera tanto as expectativas que um acaba se mudando em caráter permanente para a casa do outro. No ano passado, a agente de turismo Cláudia Pedroso, 36 anos, foi recebida pelo italiano Gianluca Iorio, de 35, em Florença, para uma estada de quatros dias. A visita virou casamento. ‘Nas conversas pela internet, já havia percebido que tínhamos muito em comum’, afirma Iorio. Neste mês, o casamento completa um ano e as fotos do casal só não ilustram esta reportagem porque Iorio, que se mudou para o Brasil, levou Cláudia à Itália para visitar seus pais. Eles voltam nesta semana para o apartamento de Cláudia, no Rio. E já colocaram o seu sofá à disposição dos viajantes do mundo.’

 

 

TELEVISÃO
Marcelo Marthe

Cópia assim nem na China

‘O republicano John McCain escolheu Sarah Palin para ser sua vice na disputa pela Presidência americana com o seguinte cálculo: jovem, durona e conservadora, a governadora do Alasca lhe traria votos das mulheres e dos evangélicos. Sarah, de fato, cruzou o céu cinzento de McCain como um cometa. E, como um cometa, começou a descrever aquela trajetória inevitável, na descendente, à medida que a campanha tornava aparentes suas limitações. McCain não contava, além disso, com outro potencial latente da companheira de chapa: com seu sotaque interiorano, a postura linha-dura e o despreparo que exibiu nas primeiras entrevistas, Sarah tornou-se um convite à paródia. Para o Saturday Night Live, o humorístico mais popular da TV americana, ela é até mais do que isso: é uma piada pronta. Tina Fey, ex-redatora-chefe e atual colaboradora do programa, tem notável semelhança física com Sarah. A personificação que vem fazendo dela não é apenas hilariante: quando Tina surge em cena com coque, óculos e tailleurzinhos iguais aos de Sarah (o toque final é virar as abas das orelhas, para lhes dar um aspecto de abano), ela é a cereja que faltava no bolo – o bolo da desconstrução da governadora. Para brincar com a postulante a vice, Tina não inventa uma linha. Ela se limita a reproduzir o jeito de falar e as tiradas da própria. No sábado 18, a Sarah original e sua versão satírica trombaram no Saturday Night Live. A participação da candidata em pessoa atraiu 14 milhões de espectadores, o maior ibope do programa em catorze anos. Foi uma amostra da influência do humor na política americana – e de como a liberdade democrática de cutucar a categoria é prezada naquele país.

No Brasil, a legislação eleitoral proíbe que os candidatos sejam satirizados. Isso explica por que uma atração como o Casseta & Planeta Urgente faz uma cobertura tão morna das eleições municipais, cujo conteúdo cômico é indiscutível (e muito, muito superior ao de Sarah). Nos Estados Unidos, os humoristas podem não só criticar, como também se alinhar. O Saturday Night Live, por exemplo, fecha com os democratas. Mas, como o programa é uma vitrine, políticos de todos os matizes vão lá jogar o jogo e exercitar um traço inspirador que os americanos herdaram dos ingleses: a capacidade, ou o dever, de rir de si mesmos. Apesar das estocadas que leva no SNL, Sarah Palin demonstra que, se não é um ás das relações internacionais, tem inegável espírito esportivo. E como precisa dele: poucos dias depois de sua ida ao programa, os jornais revelaram que o Partido Republicano gastou mais de 150 000 dólares para dar um ‘banho de loja’ na candidata e em sua família, incluindo roupas de grife, cabeleireiro e até um macacão para seu filho de colo, Trig.

Em sua participação no SNL, Sarah começou visivelmente constrangida. Mas engoliu as provocações com linha de profissional. Nos bastidores, foi confundida – de mentirinha – com sua sósia pelo ator Alec Baldwin. ‘Nossa Tina não pode contracenar com essa mulher horrível. Ela vai contra tudo em que acreditamos’, disse ele ao produtor Lorne Michaels, no nariz da governadora, que agüentou firme. Baldwin evocou ainda o apelido dado a Sarah pelos adversários: ‘Barbie Caribu’, em referência ao parente do alce que ela gosta de abater no Alasca. Em outro quadro, Amy Poehler cantou um rap que Sarah teria desistido de interpretar. A letra, claro, era uma fiada de suas frases e opiniões, como aquela com que se credenciou em política externa: ‘Eu vejo a Rússia da varanda da minha casa’. No final da brincadeira, Amy fingiu dar tiros num ator vestido de alce. Aí, mais relaxada, Sarah até arriscou uma dancinha e vários sorrisos. O episódio não tem data para ser exibido no Brasil, mas os quadros com a governadora podem ser vistos no site www.nbc.com/saturday_night_live.

O alvoroço provocado pelas imitações de Sarah Palin no Saturday Night Live reafirma que a sátira política, nos Estados Unidos, não é mera brincadeira. Quando ganha certa amplitude, ela ajuda a fixar a imagem de políticos eleitos ou em campanha – normalmente, a imagem que eles não gostariam de ter. Nesse sentido, o currículo do Saturday não tem rival. ‘O programa sempre captou o que as pessoas sentem a respeito dos políticos, e isso pode ter um impacto avassalador’, disse a VEJA a especialista Barbara Kellerman, da Universidade Harvard. Em 1975, ano em que surgiu, o SNL já disse a que veio, com as zombarias do comediante Chevy Chase ao então presidente Gerald Ford. O republicano era um político íntegro, mas ruim das pernas: caía e tropeçava descendo de aviões ou até caminhando no plano, em linha reta – um hábito que Chase não perdoou. De lá para cá, as paródias evoluíram em caracterização e em contundência. Nos anos 90, Dana Carvey expôs George Bush, pai, como um picolé de chuchu. Nos tempos do escândalo Monica Lewinsky, Darrell Hammond retratou o presidente Bill Clinton como um fanfarrão lascivo. Mais recentemente, Will Ferrell mostrou um George W. Bush tão, bem, abobado quanto George W. Bush.

Nas eleições atuais, as imitações de Barack Obama e de McCain são engraçadas. Mas as mulheres é que brilham. Amy Poehler cravou a essência de Hillary Clinton ao realçar o ressentimento por baixo da máscara de autoconfiança. E há o sucesso sem precedentes de Tina Fey. Aos 38 anos, ela acaba de ganhar o Emmy pela atuação em 30 Rock, programa que só se mantém no ar por sua qualidade (os índices de ibope são uma lástima). Há pouco, várias editoras se engalfinharam pelo direito de publicar um livro seu. A Little, Brown ganhou o leilão por 6 milhões de dólares. Agora, com sua Sarah Palin, Tina provou que de vice não tem nada. É a primeira-dama do showbiz americano. E a mais venenosa.’

 

 

 

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O Estado de S. Paulo – 1

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