Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Veja

TELEVISÃO
Ronaldo França e Silvia Rogar

A luta de Fábio

‘Talento, beleza e seriedade profissional foram os ingredientes que ajudaram Fábio Assunção, de 37 anos, a erigir uma das mais bem-sucedidas trajetórias na televisão brasileira. Em dezoito anos de profissão, consagrou-se como ator do primeiro time da Rede Globo. Na semana passada, a emissora decidiu afastá-lo do elenco de Negócio da China, a novela das 6 que estreou em outubro e da qual era o protagonista. O afastamento deve-se à dependência de cocaína, e foi decidido porque sua permanência se tornara impossível. Fábio estava irreconhecível. Não conseguia mais decorar os textos. Começou a dormir pelos cantos do estúdio – sonolência decorrente do uso de calmantes que tomava para conseguir descansar um pouco à noite – e deixou de ensaiar com os colegas, uma praxe antes das gravações. Fumava sem parar e o trabalho da equipe de maquiadores aumentou bastante, porque era preciso disfarçar os reflexos das noites em claro – o que nem sempre funcionava. Para o espectador, a imagem era a de um galã abatido e sem expressão. No fim de outubro, Fábio desmaiou durante uma gravação. Finalmente, na quinta-feira passada, o ator se reuniu com a direção da Rede Globo para sacramentar seu afastamento. À nota oficial da emissora, ele acrescentou um texto escrito de próprio punho, informando que, ‘por motivo de saúde’, deixava o folhetim por tempo indeterminado: ‘Que Deus ilumine meus passos na minha recuperação e com a confiança de que o mais breve possível estarei de volta para esse público que tanto amor me dá’, diz um trecho da nota. O ator gravou as cenas que dão sentido ao seu desaparecimento de Negócio da China e depois se retirou do Projac, fazendo silêncio sobre como e onde vai enfrentar sua doença.

Convocar Fábio para a novela das 6 foi um risco calculado pela Rede Globo. Sua escalação foi motivo de reuniões e houve, na direção da emissora, quem fosse contra. Temia-se que sua inconstância prejudicasse o cronograma e o orçamento de Negócio da China – o que de fato ocorreu. A produção de um capítulo custa, em média, 270 000 reais. Deixar técnicos, cenários e equipamentos à espera de um ator não está no roteiro. Em 2007, durante as gravações de Paraíso Tropical, os atrasos freqüentes de Fábio já sinalizavam que o problema com a cocaína começava a influir na profissão. Ele emagreceu a olhos vistos e chegou a ficar cinco dias afastado das gravações. A situação, porém, ainda não havia fugido de controle. A imagem do ator ficou arranhada mesmo aos olhos do público quando, em janeiro deste ano, ele foi flagrado pela Polícia Federal no momento em que receberia uma encomenda de cocaína. O traficante, identificado como Orlando Dias, levava consigo 30 gramas do pó, quantidade que supera em muito o que uma pessoa é capaz de consumir em um dia. Fábio foi ouvido como testemunha e declarou ser usuário de cocaína. ‘A testemunha Fábio Assunção Pinto afirmou ter telefonado para o réu, com quem marcou encontro em sua residência a fim de comprar cocaína do mesmo, o qual era seu fornecedor habitual’, afirmou a juíza Cristina Fabri, da 17ª Vara Criminal de São Paulo, em sua sentença.

O episódio foi minimizado pelo ator e pela Globo, mas provocou a primeira conseqüência concreta do vício na carreira de Fábio. Depois de participar das primeiras leituras de A Favorita, novela do horário das 8, e fazer até prova de figurino como o vilão Dodi, ele foi substituído por Murilo Benício. Sem trabalho, decidiu deixar o país para se reabilitar em uma clínica nos Estados Unidos. Embora não tivesse terminado o tratamento, ele se considerava curado e pronto para voltar ao trabalho, no que foi apoiado pelo diretor Roberto Talma, seu amigo. Negócio da China estaria longe de ser o maior desafio de Fábio na televisão. Exibida na faixa das 6, não teria a pressão do horário nobre. O ator também não sairia de uma zona de conforto profissional. Seu personagem, Heitor, era feito sob medida, uma vez que Fábio se revelou na interpretação de rapazes bonzinhos. Tudo estava arrumado, enfim, para que desse certo. Mas a recaída não tardou.

Na quinta-feira, depois de decidido o seu afastamento, Fábio Assunção telefonou ao autor de Negócio da China, Miguel Falabella. Angustiado, disse que não queria tê-lo deixado na mão. Pediu desculpa. Falabella já vinha trabalhando numa saída. ‘Há algum tempo, quando percebi que o gato tinha subido no telhado, comecei a pensar que destino dar ao personagem de Fábio’, conta. A novela gira em torno do roubo de 1 bilhão de dólares em um cassino, na China. As informações que revelam o destino do dinheiro estão guardadas em um pen drive que vem parar no Brasil e troca de mãos, movimentando o enredo. Heitor, o personagem de Fábio, vai desaparecer no capítulo que será exibido no dia 27, ao tentar desvendar o mistério. ‘Gostaria que ele voltasse para o fim da novela. O Fábio é bonito, talentoso, mas está passando por um período de fraqueza. E quem não tem as suas?’, diz Falabella.

Em seu lugar, entrará o galã Thiago Lacerda. Viverá um médico que se aproxima da personagem de Grazi Massafera para cuidar de seu filho, Théo, vítima de um problema cardíaco. Negócio da China foi ao ar no início de outubro com a difícil missão de atrair novamente o espectador para o horário das 6. Sua antecessora, Ciranda de Pedra, foi um grande fracasso, com audiência média de 22 pontos. Até agora, Negócio da China não decolou. Desde a estréia, acumula média de 24 pontos. Fábio era o protagonista e vivia um triângulo amoroso com a bela Grazi num dos vértices. Não se sabe o que uma guinada tão brusca pode provocar. Essa é a medida da difícil decisão tomada pela direção da Globo.

O mundo das celebridades, no Brasil ou fora daqui, é permissivo em relação às drogas. Seu consumo é considerado ‘recreativo’, ou, nos casos mais estúpidos, ‘inspirador’. O uso dessas substâncias entre esse grupo de pessoas é consentido, quando não é claramente valorizado como parte da experimentação que deve acompanhar o ato de criação artística. Na era das ‘clínicas de rehab’ (reabilitação), fazem sucesso os reality shows americanos sobre a maneira como gente famosa, bonita e bem-sucedida lida com a dependência química (veja reportagem). O subtexto desses shows é espúrio: eles dão a entender que a devastação provocada pelo vício pode sempre ser detida no último instante. Isso, claro, não é verdade. As drogas pesadas são problema sério para quase 26 milhões de pessoas no mundo de acordo com a ONU – a maioria nos grandes centros urbanos. Elas matam 200.000 pessoas por ano. Só no Brasil, há 870.000 usuários. No âmbito privado, a dependência química acaba com relacionamentos e inviabiliza o trabalho. É uma doença. Ponto.

Uma das dificuldades para lidar com a dependência da droga é que a linha que separa o uso recreativo do mergulho no vício é muito tênue. ‘Em geral, a pessoa vai se tornando viciada sem se dar conta’, diz o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Segundo ele, são poucos os que conseguem se manter como usuários ocasionais da droga. ‘Isso até acontece, mas a proporção é ínfima’, diz Laranjeira. Raramente alguém admite que tem problemas nessa área e busca tratamento. E mesmo esse caminho é difícil. Em geral, apenas 20% dos pacientes que começam o tratamento dão continuidade a ele. O script, nesses casos, costuma ser o seguinte: uma ou duas semanas depois de iniciado o tratamento, a pessoa se sente autoconfiante e tende a retomar a convivência com as mesmas pessoas e a freqüentar os mesmos lugares. O resultado é que acaba voltando a cheirar, a fumar ou a picar-se.

A tristeza legítima causada pelo drama de um jovem talentoso e querido pelo público, e o desejo de vê-lo recuperado, não deve impedir que se aborde outro tema – a responsabilidade social do usuário de drogas. No ano passado, uma barreira importante foi rompida no Brasil com o filme Tropa de Elite, que ressaltou a maneira como usuários e criminosos estão atados numa cadeia perversa. O consumidor financia os traficantes e alimenta a compra de armas. É preciso que se diga que as drogas também são responsáveis pela degradação do espaço urbano – e não apenas quando, ilegais, elas se tornam o motor de guerras territoriais entre traficantes. Experiências de descriminação do consumo levadas a cabo em alguns países foram infelizes. Em Zurique, na Suíça, um parque transformado em zona franca para o consumo de drogas pelas autoridades logo se depauperou – e foi preciso recuar da experiência. Quando uma pessoa se torna dependente química, perde a noção de seu estado real. Nas primeiras vezes, contudo, a decisão de se drogar é tomada de maneira consciente. Por isso são necessárias mais e melhores campanhas para tirar das drogas o glamour e a ‘inocência’. Quanto a isso, deve-se observar o silêncio das novelas sobre o tema. Folhetins já abordaram com sucesso temas espinhosos dos mais diversos matizes, da aids e da prostituição à violência doméstica. As drogas, contudo, permanecem tabu. A única novela em que o tema ganhou destaque verdadeiro foi O Clone, de 2002, em que Débora Falabella interpretava uma menina drogada. ‘Elas não são um tema bem-vindo. Cheguei a tocar no assunto em Duas Caras, mas, numa novela, ele pode ficar muito pesado e assustar o espectador’, diz o autor Aguinaldo Silva. É compreensível que não se queira perder audiência, mas os autores deveriam usar seu talento para transformar o tema em algo palatável. Afinal de contas, as novelas são um grande – se não o maior – meio de instrução e informação no Brasil.

Nas treze novelas em que atuou, Fábio quase sempre se destacou no papel de galã e bom moço. Também já desfilou com as mais belas mulheres do país, incluindo as atrizes Cláudia Abreu e Cristiana Oliveira e a empresária Priscila Borgonovi, com quem tem um filho de 5 anos. Em momentos como esses, poucos amigos se dispõem a falar sobre o caso. Fábio está longe de ser um encrenqueiro ou de fazer o marketing do vício, como a cantora inglesa Amy Winehouse. Não se pode dizer, no entanto, que não tenha responsabilidade sobre seus atos. Para o imenso público cuja admiração ele conquistou, sua recuperação pode ser um poderoso símbolo de vitória contra o vício. Os especialistas dizem que, se ele persistir no tratamento, a chance de sucesso é da ordem de 80%. ‘O Fábio é uma pessoa rara. Tem um caráter reto e é extremamente inteligente e sensível. Estou certa de que ele terá força suficiente para superar as adversidades’, diz Cláudia Abreu. Lutar por si próprio e por tudo o que conquistou é, agora, o grande papel de Fábio Assunção.’

 

 

LITERATURA
Diogo Mainardi

Como acabei no New York Times

‘Sylvester Stallone fez uma ponta inglória em Bananas, de Woody Allen. Eu fiz uma ponta igualmente inglória em Deu no New York Times, de Larry Rohter. Na comédia de Woody Allen, Sylvester Stallone é um brutamontes que tenta roubar a bolsa de uma velha de muletas. No livro de reportagens de Larry Rohter, eu sou um colunista que especula desajuizadamente sobre o consumo alcoólico do atual presidente da República, cujo nome, a esta altura, em fim de mandato, já consegui até eliminar da memória. Como é mesmo? Lula! Pronto, lembrei: o nome dele é Lula!

Eu ando incomodado com o New York Times. A cobertura que o jornal fez da campanha eleitoral americana furtou-se cuidadosamente a abordar assuntos que poderiam prejudicar a candidatura de Barack Obama. Larry Rohter foi o correspondente do New York Times no Brasil por oito anos. Ele sabe como é a nossa imprensa. Em Deu no New York Times, ele mostra como, ao contrário do que acontece na imprensa brasileira, a imprensa americana acredita que um governante tem de ser submetido a uma profunda devassa, tanto de sua vida pública quanto de sua vida pessoal, porque ‘o pessoal é político e o político é pessoal’. No caso da cobertura da campanha de Barack Obama, o New York Times e o resto da imprensa americana adotaram um comportamento legitimamente brasileiro. O presidente do Brasil – como é mesmo o nome dele? – dispunha de um esbirro especializado em abafar as matérias comprometedoras de Larry Rohter: Bernardo Kucinski. Barack Obama parece ter um Bernardo Kucinski entranhado danosamente, como uma giárdia, em cada jornal e em cada emissora de TV dos Estados Unidos.

Larry Rohter conhece direitinho o Brasil. Em suas reportagens, ele revelou para os americanos tudo aquilo de que a gente sempre se envergonhou: a bandalheira do PT, o assassinato de Celso Daniel, o cinema novo, o forró, Milton Nascimento. Alguns meses depois de tratar do hábito de beber do presidente da República – Lula! –, motivo pelo qual ele correu o risco de ser chutado do país, perseguido pelo governo e por uma parte da imprensa nacional, Larry Rohter foi ainda mais longe e me chamou de gordo. Na realidade, ele chamou todos os brasileiros de gordos, mas eu o tomei como um insulto pessoal, com meus 6 quilos acima do peso. Em sua reportagem para o New York Times sobre o surto de obesidade detectado pelo IBGE, que contradizia o discurso oficial sobre a fome no Brasil, Larry Rohter denunciou nossa dieta cheia de amidos e outros carboidratos. Ele está certo. A gente come porcamente. A gente é gordo. A gente é mole.

Dois anos depois dessa reportagem, Larry Rohter voltou para os Estados Unidos. Deu no New York Times é o testemunho de sua passagem pelo Brasil, em que ele, eu, a giárdia e o presidente da República – ? – somos como Sylvester Stallone: figurantes de Bananas.’

 

 

 

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