TELEVISÃO
A família é a vilã
‘Os jovens Tarso (Bruno Gagliasso) e Zeca (Duda Nagle), da novela Caminho das Índias, têm distúrbios bem diferentes. O primeiro é inseguro e sofre de esquizofrenia, o outro é um pitboy que se acha acima de punições. Há, contudo, um traço em comum: o que desencadeia seus problemas é o fato de terem pais monstruosos. Os folhetins de Glória Perez são pródigos em mostrar as consequências da negligência familiar. América (2005) oferecia uma galeria de jovens desajustados em decorrência da má-educação. Mas a noveleira se supera na atual trama das 8 da Globo. Zeca destrata sua professora, espancou um garoto na escola e, mais tarde, outro colega que o denunciou na internet. Em vez de o censurarem, seus pais, César (Antonio Calloni) e Ilana (Ana Beatriz Nogueira), alardeiam que o filho é perseguido. César estimula o pitboy a fazer ‘coisas de macho’. ‘Já vi pais até piores do que ele’, diz Calloni. O lar de Tarso também causa arrepios. O pai, Ramiro (Humberto Martins), é um castrador. A mãe, Melissa (Christiane Torloni), só pensa nela. Tarso tem surtos cada vez piores. Trancado no quarto, de olhos esbugalhados, já ouviu uma voz cavernosa que o chamava de homossexual e babaca. Na rua, deu um soco numa criança, por julgar que ela o xingava.
Por meio desses personagens, Glória Perez busca chamar atenção para dois problemas reais. A questão é que incorre em simplificações. Tome-se o exemplo do pitboy. É evidente que os pais têm responsabilidades incontornáveis quando um jovem descamba para a violência. Mas não só eles: a escola e o grupo a que o jovem pertence também são influências importantes. Demonizar os pais e mostrar a escola como vítima, como se dá na trama, é um passo em falso. ‘A novela fica só na caricatura’, diz a psicóloga Lidia Aratangy. Por baixo de todo o didatismo com que colocou a esquizofrenia em pauta, o folhetim também faz lá seus reducionismos. As pressões familiares podem ser um estopim para o afloramento do transtorno mental. Mas não constituem sua causa, como o drama de Tarso pode levar a crer (ele mesmo reclama: ‘Me sinto oprimido, não consigo ser eu’). ‘A esquizofrenia tem múltiplos fatores. Não dá para pôr a culpa nos ombros dos pais’, diz Mauro Aranha, da Associação Brasileira de Psiquiatria.. Tudo bem, é uma novela – e o autor não é obrigado a falar de temas sérios. Só que, quando se propõe a isso, precisa ter compromisso com a exatidão.’
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Caçador de fantasmas
‘Certa vez, a atriz Jennifer Love Hewitt pediu socorro ao médium americano James Van Praagh. ‘A casa dela era mal-assombrada e um vulto a perseguia’, relata Van Praagh. Ao visitar o local, ele fez seu diagnóstico: tais tribulações seriam mesmo causadas por um espírito. ‘Tratava-se de um fã obcecado que havia morrido meses antes’, diz. O médium, então, teria expulsado o encosto. Essa história insólita não difere daquelas que se veem em Ghost Whisperer, série em que a atriz interpreta uma heroína paranormal – e que tem Van Praagh como produtor executivo e, vá lá, consultor espiritual. O programa faz sucesso há quatro anos na rede americana CBS (por aqui, passa no canal pago Sony). E não é o único indicador da fama desse showman da mediunidade. Além de trabalhar para a TV, Van Praagh é autor de livros de autoajuda que somam 4 milhões de exemplares vendidos – 450 000 só no mercado brasileiro. Ele virá ao país nesta semana para o lançamento do mais recente deles, Espíritos entre Nós (Sextante), em que dá dicas de como atingir a felicidade com a suposta ajuda do sobrenatural. ‘Eu me sinto em casa no Brasil’, disse a VEJA dias antes de embarcar.
Van Praagh virou produtor de TV com o intuito de levar a ‘verdade’ da vida além-túmulo às massas. As tramas da série espelham suas teorias. A tônica é que se deve tomar cuidado com os espíritos torturados que vagam por aí. ‘Eles têm influência negativa’, diz. Entre as baboseiras que já se viram no ar está a noção de que o câncer seja resultado dessa influência. No programa, as almas perdidas fazem a travessia para o ‘lado da Luz’ com a ajuda de Melinda Gordon, médium vivida por Jennifer. Van Praagh detesta um aspecto da série: ‘Eu era contra aqueles fantasmas assustadores. Mas foi uma imposição do estúdio para agradar aos espectadores’. De fato, os mortos de Ghost Whisperer parecem cobertos de pancake e ketchup. Não é difícil entender o porquê da opção: na tradição gótica americana, espíritos são criaturas amedrontadoras.
Van Praagh jura que viu fantasmas pela primeira vez aos 8 anos. ‘Fui cercado por vários deles enquanto rezava. Só relaxei quando mamãe disse que eram seres de luz’, afirma. Ele explora (economicamente, inclusive) essa ‘habilidade’ lá se vão 25 anos. Seu apreço pelo Brasil decorre das semelhanças do que faz com o kardecismo, crença com mais seguidores no país que em qualquer outro lugar. ‘Nos Estados Unidos, muita gente tem medo e desconfiança. Os brasileiros são abertos à verdade’, diz. Van Praagh não é um seguidor dessa vertente (‘Minha religião é o amor’), mas gosta de se comparar a Chico Xavier, o mais famoso médium kardecista. ‘Ele psicografava. Eu me comunico com os mortos por meio das emoções.’ Ou, como explica seu site: ‘O estilo suave de James dá a impressão de que ele está falando com um amigo ao telefone, e não com alguém na tumba’. Van Praagh não se esquece de citar entre suas referências o clã Gasparetto – tanto a escritora Zibia quanto seu filho Luiz, que ‘psicografa’ telas de pintores célebres. Ele, aliás, até que lembra esse último – a diferença é que cultiva um bigode à la Freddie Mercury. Aos 50 anos, Van Praagh é um solteirão de espírito muito livre.’
STEVE JOBS
Para entender o gênio
‘Dá para admirar um empresário maníaco, cruel, que grita com as pessoas e faz com que elas trabalhem até noventa horas por semana? Se a resposta é negativa, você não admira Steve Jobs, fundador da Apple, gênio da inovação, responsável por revoluções na indústria da tecnologia que mudaram o mundo para sempre: do mouse e dos ícones ‘clicáveis’, que tornaram o computador acessível a crianças de 3 anos, ao iPod e ao iPhone. Quer pensar melhor? A Cabeça de Steve Jobs (tradução de Maria Helena Lyra e Carlos Irineu da Costa; Agir; 304 páginas; 36,90 reais), de Leander Kahney, editor da Wired.com, que cobre a Apple há mais de doze anos, apresenta ao leitor um retrato complexo de Jobs. Trata-se de um líder messiânico e ao mesmo tempo despojado. Que inspira ideias e medo. E enxerga o interlocutor sempre como um gênio ou um idiota. ‘A Apple é a soma das virtudes e dos defeitos de Steve’, escreve Kahney, que mostra que os defeitos de Jobs são tão importantes para o sucesso da empresa quanto suas virtudes..
O livro foi escrito em novembro de 2007. Como muito aconteceu nesse ano e meio, há alguma defasagem. O sucesso do iPhone, por exemplo, ainda é tratado como uma suposição. Mas isso não tira o interesse da leitura. Há um capítulo inteiro dedicado à criação do iPod, o maior sucesso da história da Apple, com detalhes saborosos como a escolha do nome do tocador e o fato de ele só existir graças a uma junção de tecnologias que empresas como Toshiba e Sony não sabiam bem como utilizar sozinhas. Kahney entrevistou executivos que trabalharam diretamente com Jobs. E oferece uma visão interna da ‘empresa mais revolucionária do mundo’.
‘Não existe um método para a inovação na Apple’, afirma Jobs. A empresa gosta de acreditar que a inovação acontece ali dentro como um processo orgânico. A Apple funciona como a soma de várias pequenas empresas iniciantes, e não como uma corporação com mais de 30 000 funcionários. Jobs se ocupa em defender a criatividade da ameaça da burocracia. Ele não tem o menor pudor de lançar produtos que venham a matar os que já existem. Mas combate a inovação aleatória, porque ‘ela cria soluções para problemas que não existem’. Talvez a verdade seja que a luz na Apple emana quase que exclusivamente de Jobs. A questão, crucial para a sobrevivência da empresa, será como manter viva a chama da inovação quando Jobs se for.
O que move Jobs não é a competição nem o dinheiro. O que ele deseja é mudar o mundo, fazer história. Jobs trabalha movido a paixão. ‘Ele tem um entusiasmo contagiante. É uma força da natureza’, escreve Kahney. Jobs é também muito exigente. Sabe extrair o melhor de cada um. Não raro, de forma traumática. Ele impõe o seu senso de urgência à organização. Segundo Kahney, Jobs é um intimidador profissional. Mas não um tirano, meramente. ‘Ele atua como um pai muito difícil de agradar. As pessoas têm medo dele e buscam a sua atenção e a sua aprovação. Ninguém quer decepcioná-lo’, escreve. Um funcionário deixava sempre um par de tênis escondido debaixo da mesa, para trocar pelos sapatos caso o chefe aparecesse. É isso mesmo: usar sapato pega mal na Apple.
Jobs adora disputas intelectuais. Ele é conhecido por testar o interlocutor: se está bem informado, se sabe defender seus pontos de vista. Na Apple, as pessoas se perguntam: ‘Você já foi stevado hoje?’. Significa tomar uma lavada de Jobs, ser atropelado por ele no corredor, no elevador, na sala do café. Jobs é também um perfeccionista patológico. Busca sempre a excelência. Chegou a mandar redesenhar uma placa-mãe – peça sobre a qual poucos usuários põem os olhos – porque a achava feia. Também achava que o plugue do iPod não fazia um clique bacana. E só sossegou quando seus engenheiros entregaram um clique bonito. De outra feita, seus programadores tiveram de gastar seis meses ajustando um recurso tão simples quanto a barra de rolagem do sistema operacional. Ele é obsessivo com os detalhes que considera importantes – mesmo fora da empresa. Durante duas semanas repassou na mesa de jantar os valores de sua família antes de decidir que máquina de lavar deveria ser comprada.
Steve Jobs também erra. O Mac Cube, lançado em 2000, por exemplo, uma aposta pessoal sua, naufragou. Ter investido primeiro em vídeo, com o iMovies, e não em música, com o sistema iPod/iTunes, que só viria bem depois, quase fez a Apple perder o melhor negócio da empresa. E em uma de suas últimas declarações antes do afastamento por saúde, no começo deste ano, Jobs afirmou que não pretende lançar um concorrente ao Kindle, o e-book da Amazon, ‘porque as pessoas não leem mais’. Nesse quesito, torcemos para que ele esteja errado.’
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