Leia abaixo os textos de quarta-feira selecionados para a seção Entre Aspas.
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O Estado de S. Paulo
Quarta-feira, 26 de abril de 2006
EJ vs. VEJA
Eduardo Jorge ganha ação contra a ‘Veja’
‘Secretário-geral da Presidência no governo Fernando Henrique Cardoso, Eduardo Jorge Caldas Pereira ganhou ação por danos morais contra a Veja e deve receber R$ 50 mil de indenização. A revista foi punida por publicar uma série de reportagens que associavam o ex-auxiliar de FHC ao escândalo do desvio de verbas durante a construção do Fórum Trabalhista de São Paulo.
As informações são do site Consultor Jurídico (conjur.com.br). A condenação, decidida na semana passada pela 4ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, também obriga a revista a reproduzir o teor da sentença. A Veja anunciou que vai recorrer da decisão.
Na ação, Eduardo Jorge cita reportagens publicadas entre 1999 e 2001 – no que ele classificou de ‘truculenta e desmedida’ campanha jornalística. Citou nove edições da revista com textos sobre o escândalo, sempre associando seu nome ao do juiz Nicolau dos Santos Neto e ao do ex-senador Luiz Estevão.
As reportagens traziam expressões como ‘O Lau-lau e o sombra’ e ‘Dudu, Lulu e Lau-lau’. Para a 4ª Turma Cível do TJ-DF, o envolvimento de Eduardo Jorge com o caso não ficou comprovado.
Em entrevista ao site Consultor Jurídico, o advogado da Editora Abril, Alexandre Fidalgo, afirmou que ‘chamar Eduardo Jorge de ‘Dudu’, por exemplo, apenas reproduziu a forma como ele era conhecido pelas pessoas mais próximas, no ambiente de Brasília’. Fidalgo alegou que a Veja apenas cumpriu o seu ‘dever de informar a sociedade sobre assunto de inegável interesse público e pertinente’. E negou, ainda, qualquer infração à Lei de Imprensa (5.250/67).
Na avaliação dos desembargadores, a revista extrapolou o dever jornalístico de informar e, em decorrência disso, houve dano à reputação de Eduardo Jorge.
Os magistrados admitem que ficaram divididos entre dois direitos fundamentais garantidos na Constituição – a liberdade de informação e a proteção à intimidade, à honra e à vida privada -, mas opinaram que houve ‘excessos de linguagem’ injustificados e acusações sem provas.
O advogado da Editora Abril refuta a acusação e nega qualquer tipo de excesso de linguagem nas referidas edições. Alega, ainda, que a revista nada inventou, apenas narrou fatos tais como se apresentaram no momento.
Fidalgo afirmou ainda que, se a revista tiver de publicar a decisão dos desembargadores, estará sendo duplamente condenada. Para ele, a sanção é inconstitucional e fere o princípio da proporcionalidade entre o dano e a indenização. ‘O acréscimo da publicação da sentença supera em muito o destaque de tudo o que foi publicado na revista.’’
INTERNET
Cuidado. Tem dedo-duro no Orkut
‘Acabou a farra, mas outra já começou. Com a visualização de perfil, recurso que o site de relacionamentos Orkut pôs à disposição dos usuários desde sexta-feira, o criador da página identifica todos os dias cinco pessoas que entraram no endereço. A festa da bisbilhotice anônima acabou. Mas há quem tenha adorado a nova onda. ‘Sou apaixonado por um cara, mas ele é heterossexual, tem namorada e tudo. Com o visualizador pude ver que ele está entrando direto na minha página. Foi uma surpresa, fiquei feliz, mas confuso’, disse Marcelo, nome fictício de um internauta da capital.
Só que muita gente odiou o novo brinquedo. ‘Desde que começou isso, estou bisbilhotando bem menos’, disse Renata Castro, de 23 anos, analista de sistemas. Renata, antes disso tudo, já havia criado uma falsa conta de Orkut só para investigar a vida do rapaz que namora há sete anos. ‘Uma vez contei pras minhas amigas de trabalho que eu tinha essa conta falsa. Morreram de rir. Só que no dia seguinte todas tinham feito a mesma coisa’, disse. Contas fictícias para os bisbilhoteiros de plantão. Está dada a dica.
‘Mas, pô, eu queria ter essa liberdade na minha página! Pra que serve Orkut se não for pra fuçar nas dos outros?’ A revolta é de Vanessa Borges Ribeiro, de 20 anos, que desabilitou o recurso dedo-duro do Orkut. ‘Agora não vejo ninguém, mas também ninguém me vê.’
O principal motivo para Vanessa desencanar do visualizador foi a página de um cara com quem ela está ficando. ‘Eu vi lá um scrap (recado) de uma mina. Aí fiquei morrendo de vontade de entrar na página dela, e não entrei porque ela saberia disso. Tem dó, né? Vou ficar passando vontade?’ Para quem quiser cancelar o recurso, é bom saber que, com isso, também não será possível saber quem andou investigando a sua página.
Mal chegou, e o visualizador já é amado e odiado no próprio Orkut. Comunidades como ‘Orkut dedo-duro! (Oficial)’, com 1.343 membros, e ‘Visualizador de Perfil? Nãão!’, com 1.580 membros, criticam a nova ferramenta.
Mas há o contraponto. A estudante Cecília Antunes de Siqueira, de 20 anos, é mãe da comunidade ‘Amamos o visualizador de perfil’. E por que esse amor todo? ‘Porque assim você pára um pouco de ficar o dia inteiro fuçando no Orkut. Além de poder saber quem está interessado em você.’
Para o publicitário Daniel Martins, de 30 anos, a novidade pode facilitar as coisas. ‘Teve uma gatinha desconhecida bisbilhotando. Fui na página dela, claro, e ela também viu que eu estive lá. Essas coisas não eram possíveis antes’, disse.
O Orkut adicionou outra ferramenta, um contador dos acessos a cada página. Agora é possível saber quantos acessos o seu perfil teve em uma semana e o número de visitas recebidas desde fevereiro.
O Orkut, de propriedade da multinacional Google, existe desde 2004 e virou febre no Brasil. Tem mais de 12 milhões de usuários e nada menos que 70,3% se declaram brasileiros. Desde julho, a empresa tem uma subsidiária no País, em São Paulo. COLABOROU RODRIGO MARTINS’
Laura Diniz
Site ignora quebra de sigilo
‘A Justiça determinou, a pedido do Ministério Público Federal (MPF) em São Paulo, a quebra do sigilo telemático de uma série de usuários e comunidades do Orkut, mas até agora a empresa americana Google, controladora do site de relacionamentos, não cumpriu nenhuma ordem. A informação foi dada ontem pelo procurador da República Sérgio Suiama, que conduz 25 investigações para apurar se o Orkut serve de suporte para a prática de crimes como racismo e pedofilia.
‘Uma decisão diz respeito à comunidade de skinheads chamada ‘Tiro na nuca de mendigos em São Paulo’. O Google já foi intimado duas vezes’, afirmou Suiama. Na segunda vez, de acordo com ele, a empresa teria dado a entender que iria colaborar pontualmente, enquanto o esforço do MPF é para montar um canal permanente de diálogo. ‘Colaborar pontualmente é inaceitável. Eles têm uma filial no Brasil, têm de cumprir a lei brasileira.’
Um representante da matriz do Google tem reunião marcada com Suiama no dia 16 de maio para discutir termos de um eventual acordo de cooperação. Procurada, a empresa não atendeu a reportagem.
RESPONSABILIDADE
Segundo advogado Renato Opice Blum, especialista em internet, a Justiça tem entendido que os provedores de conteúdo – sites que hospedam páginas – são responsáveis pela divulgação de material ilícito se foram informados do crime e não fizeram nada.
‘É impossível para um grande provedor de conteúdo monitorar cada página. Por isso, é importante essa comunicação prévia para que se configure a responsabilidade, caso nenhuma providência seja tomada.’ Segundo ele, o mesmo raciocínio vale para o Orkut.
Perguntado se o site de relacionamentos não deveria pôr um filtro para fotos pornográficas – para coibir casos como o da estudante Francine Favoretto de Resende, de Pompéia (SP), que apareceu em imagens fazendo sexo com dois homens -, disse que essa é uma decisão empresarial do Orkut. A estudante só deve conseguir ser indenizada pelo site, como quer, se provar que comunicou a divulgação das fotos e nada foi feito. ‘Vale uma analogia com o telefone. Se uma pessoa me passa um trote, não vou processar a concessionária. Mas se tenho um identificador de chamadas, peço providências e a empresa não faz nada, aí ela tem responsabilidade.’
A polícia de Pompéia vai ouvir por carta precatória o principal suspeito de espalhar pelo Orkut fotos de Francine. COLABOROU CHICO SIQUEIRA, ESPECIAL PARA O ESTADO’
Rodrigo Martins
Diretor do Google vai hoje à Câmara dos Deputados
‘Um diretor da empresa Google vai se reunir hoje com a Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados, em Brasília, para discutir estratégias de enfrentamento de crimes virtuais. A audiência pública vai ter ainda representantes da sociedade civil e da Polícia Federal.
A reunião, marcada desde o dia 5, vai discutir a ocorrência, na internet, de atos ilegais como pedofilia, racismo, xenofobia e homofobia. ‘A comissão está ciente da gravidade do problema e aprovou a audiência por unanimidade’, diz o vice-presidente da CDHM, Luiz Alberto Santos (PT-BA).
O Google, segundo Santos, não foi intimado. ‘Eles receberam um convite e aceitaram discutir conosco.’ Segundo a Assessoria de Imprensa da empresa, quem participará da reunião será o vice-presidente de Desenvolvimento Corporativo, David C. Drummond.
A audiência de hoje foi marcada com base em denúncias recebidas pelos deputados da CDHM e num relatório de 220 páginas da ONG Safernet. ‘A maioria dos casos que levamos à comissão é de crimes praticados no Orkut’, diz o presidente da Safernet, Thiago Tavares. Segundo ele, 88% das denúncias são de casos ocorridos na comunidade virtual de propriedade do Google. ‘E cerca de 63% dos casos são de pedofilia.’
Com as discussões de hoje, os membros da CDHM esperam encontrar saídas para o problema. ‘Não há leis que permitam à polícia fazer investigações na internet’, explica o deputado Santos. ‘Queremos sensibilizar os parlamentares para que aprovem uma emenda constitucional estabelecendo formas de apurar os crimes.’
Mas o deputado, também da Comissão de Internet da Câmara, acha que dificilmente a lei será aprovada este ano. ‘Com as eleições, fica complicado.’’
Mariana Barbosa
Anúncio em sites de busca abre novo mercado para empresas
‘Pequenos anúncios que aparecem acima ou ao lado dos resultados de busca em sites como Google ou Yahoo!, os links patrocinados estão se transformado em uma importante ferramenta de negócios. Por ser padronizado e barato, o link patrocinado atrai desde micro a grandes empresas, que disputam consumidores em condições de igualdade. Além de impulsionar vendas, serve também como um termômetro de campanhas e vendas, uma vez que ajuda as empresas a entender o que o seu cliente está buscando.
Uma das pioneiras no uso dessa mídia no Brasil foi a Netshoes, uma das maiores lojas virtuais de artigos esportivos do País. A empresa,que nasceu fora da rede com uma pequena loja no centro de São Paulo, começou a fazer esse tipo de anúncio há quatro anos e hoje vende mil pares de tênis por mês por meio eletrônico. As vendas online já representam 40% do negócio, fato que levou a Netshoes a abandonar planos de abertura de filiais e a concentrar sua expansão na web. Recentemente, estreou uma parceria com a Americanas.com.
‘O índice de retorno é maior do que outras mídias e o custo muito inferior’, afirma o presidente da Netshoes, Márcio Kumruian, que gasta R$ 15 mil por mês com link patrocinado. ‘Você atinge diretamente o público que está procurando por sua empresa ou por algo que você tem a oferecer.’ A empresa recebe de 4 mil a 5 mil visitas por dia apenas por meio do link patrocinado.
O mercado de publicidade na internet no Brasil ainda é pequeno, mas vem registrando forte expansão. As empresas investiram R$ 266 milhões no setor no ano passado, aumento de 19% em relação a 2004. Não há dados oficiais, mas estima-se que de 10% a 20% da receita seja destinada ao link patrocinado. Nos Estados Unidos, onde o mercado de publicidade online movimenta US$ 12,5 bilhões, 40% é destinado ao link patrocinado.
O sucesso do link patrocinado está diretamente relacionado com o aperfeiçoamento de sites de busca. Calcula-se que 97% das compras online são iniciadas com uma busca em um desses sites.
‘Campanhas em sites de busca são a grande locomotiva da retomada do crescimento da mídia online no Brasil’, diz Marcelo Sant’iago, presidente da IAB Brasil, associação de empresas de mídia interativa. ‘É um espaço democrático, disputado nas mesmas condições por grandes empresas e pelo comerciante de bairro.’
E os grandes anunciantes parecem ter descoberto essa mídia no ano passado. ‘Estamos na fase de ‘catequização’ dos grandes clientes’, diz o presidente da Hot List, Alexandre Kavinski, empresa de marketing em sites de busca que trabalha com agências de publicidade.
Para a fabricante de celulares Motorola, o link patrocinado serve não só para gerar vendas, mas também como um termômetro para conhecer melhor o cliente. ‘O cliente que chega a nós por meio do link patrocinado está em busca de informação sobre produtos e de conteúdo para download’, afirma a gerente de Marketing Digital para a América Latina da Motorola, Gabriela Viana. Hoje os sites de busca recebem de 18% a 20% dos investimentos da Motorola em mídia digital.
Apesar de o Google dever sua fortuna ao link patrocinado, este tipo de anúncio não foi inventado pela empresa. A idéia surgiu no concorrente goto.com, site de busca adquirido pelo Overture, comprado posteriormente pelo Yahoo!’
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Empresas cobram por cada clique dos internautas
‘Os sites de busca, cada qual com sua tabela, cobram por cada clique feito nos links patrocinados. As empresas podem escolher quantas palavras e variações (incluindo erros ortográficos) quiserem. Quando mais de uma empresa quer aparecer no resultado de pesquisa de uma mesma palavra, faz-se um leilão e quem pagar mais, aparece em primeiro lugar. As empresas monitoraram dia a dia o desempenho de cada palavra. ‘Palavras que geram muito clique e pouca venda são trocadas imediatamente’, afirma Eric Daniel Pacini, presidente da WebTraffic. Nos EUA, há casos de palavras que chegam a custar R$ 100, tamanha a demanda. Há algumas discussões éticas – como, por exemplo, o patrocínio de links usando marcas concorrentes – e cada site de busca tem seu próprio código. Mas o próprio modelo de pagamento por clique restringe as pessoas de pegarem carona na fama alheia. Pacini conta a história de um cliente que vendia CDs pela rede que patrocinou o nome da cantora Britney Spears. Porém, quando circulou a notícia de que a garota perdera a virgindade, os acessos ao link dispararam. ‘Retiramos o patrocínio no mesmo dia’, explica.’
O Estado de S. Paulo
França investe 2 bilhões na criação de seu ‘Google’
‘EFE – O presidente francês, Jacques Chirac, informou que o seu país investirá 2 bilhões em seis projetos tecnológicos com o propósito de recolocar a França na vanguarda industrial. O Estado estará associado a empresas encarregadas de conceber e desenvolver inovações tecnológicas.
O primeiro e mais marcante dos projetos é um sistema de buscas na internet chamado Quaero (‘Procurar’, em latim), que deve ser apresentado com mais detalhes até o fim deste mês. O Quaero será fruto de uma cooperação franco-alemã para competir com os americanos Google e Yahoo. As três empresas envolvidas neste projeto são a Thomson, a France Télécom e a Exalead.
‘Frente ao crescimento exponencial da indústria dos mecanismos de busca, a França e seus sócios alemães, e amanhã europeus, teriam de figurar como competidores à altura’, disse Chirac sobre o projeto.
Os outros projetos tratam do desenvolvimento de carros híbridos (a combustão e elétricos) e bio-refinarias vegetais, trens de metrô mais econômicos, televisões digitais móveis e até um ‘edifício ecológico’, que poderia reaproveitar quase todos os recursos utilizados. A França buscou inovações nos temas tecnológicos mais discutidos atualmente. Estão envolvidas empresas européias como Citrõen, Michelin e Siemens.
Os 2 bilhões serão financiados pelas empresas e pela recém-criada Agência Francesa de Inovação Industrial (Afii), à qual Chirac quer dar uma dimensão continental, expandindo-a para outros países da União Européia. ‘Esta pode ser a chave-mestra para o renascimento da política industrial européia’, disse. Até o final do ano, a Afii deverá examinar outros 30 projetos.’
POLÍTICA CULTURAL
Após três anos de discussões e estudos, chega a nova Lei Rouanet
‘Está previsto para sair hoje no Diário Oficial da União o texto reformado da Lei Rouanet (8.313/91), cujas mudanças foram antecipadas na edição de segunda-feira do Caderno 2. O ministro Gilberto Gil fala amanhã em coletiva em Brasília sobre as modificações no texto, para explicar à imprensa, artistas e produtores sobre os novos mecanismos.
As principais mudanças anunciadas – fim da remuneração ao captador de recursos, que era de 10% do total do projeto; exigência de um ‘plano de acessibilidade’ dos produtores, garantindo maior acesso público dos projetos incentivados; e fim do custeio de fundações e institutos – repercutem intensamente desde o início da semana.
O produtor e editor Ronaldo Graça Couto, da Metalivros, trabalha com projetos especiais (como livros de arte) há 20 anos. Ele avaliou as mudanças como maléficas para o ‘pequeno empresário cultural’, como definiu. Sua maior restrição é quanto ao corte dos 10% para o agente captador de recursos.
‘Ora o proponente cria, inscreve o projeto, procura captar – e apenas 10% dos projetos encontram patrocinadores -, produz, administra os recursos, presta contas minuciosamente numa verdadeira auditoria generalizada de todos os recursos, e ainda fica esperando cinco anos pela análise da prestação de contas. E, agora, tem sua remuneração mais uma vez cortada. Vão matar a lei, pois os proponentes são a alma do negócio.’
Os pequenos produtores culturais, por sua vez, esperam que as mudanças permitam um maior acesso aos recursos da lei. ‘Nunca usei a lei. Eu tentei, mas é tão burocrático o processo que, para uma editora pequena, fica muito difícil’, diz Sérgio Pinto de Almeida, da editora Papagaio, que editou livros de José Agrippino de Paula e Wander Piroli.
Eduardo Saron, superintendente de atividades culturais do Itaú Cultural, considerou que a chegada de novas regras mais ‘precisas e claras’ só tende a melhorar a situação na cultura. Os institutos, como o Itaú Cultural, serão proibidos de utilizar recursos da lei para manutenção e funcionamento das suas estruturas, mas Saron disse que isso não preocupa a instituição que dirige.
‘Dos R$ 26 milhões que investimos no ano passado, R$ 12 milhões foi dinheiro sem incentivo da lei. A questão da acessibilidade do produto cultural já está no nosso DNA. O fundamental é mesmo clarear as regras, esse é um dos pontos positivos da reforma. Se conseguirem criar espaços de diálogos e convergência entre as propostas apresentadas ao Ministério e as regras, será uma bola dentro’, avaliou Saron.
‘Ruim é a incerteza, o meio caminho. O decreto abre as regras do jogo, e o decreto antigo já estava criando confusão, porque embora dissesse uma coisa, tinha as avaliações dos projetos no mecenato já permeadas pelas discussões que estavam acontecendo em todo o País. Agora, acaba o campo nebuloso.’
Já Yacoff Sarkovas, consultor de patrocínios, considerou a mudança ‘cosmética’. Ele enxerga inclusive um potencial perigo. Para Sarkovas, que é contrário à existência da legislação, dependendo da percepção que o mercado tenha em relação às modificações, se as empresas entenderem que são mudanças ‘complicadoras’, pode-se gerar um novo desequilíbrio em relação à Lei do Audiovisual – também mantida com base em renúncia fiscal.
Na Lei do Audiovisual, o investidor tem 100% de abatimento no Imposto de Renda e ainda lucra com o filme – entre 24% e 32% da renda. Além disso, pode divulgar sua logomarca na produção cinematográfica. ‘Caso as empresas considerem que a lei tenha se tornado ‘menos atraente’, a Lei do Audiovisual tende a se tornar ainda mais competitiva face à Rouanet.’
Paralelamente a essa reforma da Lei Rouanet, está na pauta do Congresso projeto do senador Sérgio Cabral (PMDB-RJ), que prevê a extensão do incentivo da Lei do Audiovisual até 2016. Uma lei poderia canibalizar a outra se o governo não tratar os dois problemas conjuntamente, prevê o consultor.
‘E o dinheiro é do Estado’, afirma Sarkovas. ‘Não pode ser usado por empresas privadas para projetos escolhidos por critérios políticos ou de relacionamento.’
O Ministério da Cultura informou que a reforma da Lei Federal de Incentivo à Cultura é apenas um dos seus focos de atuação. ‘A gente não trabalha a lei de incentivo isoladamente. Ela tem de ser incluída no contexto das políticas’, disse ao Estado, na semana passada, Juca Ferreira, Secretário Executivo do Ministério. Ferreira falou sobre os mecanismos de mercado criados, como sistemas de financiamento e subsídios junto a bancos estatais (como linhas de financiamento no BNDES para utilização na construção e reforma de salas de cinema e também para edição de livros).
‘Precisamos trabalhar a cultura em três dimensões: como fato simbólico, direito de cidadania e como economia’, ele disse. ‘Para afirmação de uma economia, exige-se muitas vezes regulação daquele setor, muitas vezes linhas de fomento e estímulo. Estamos trabalhando em mecanismos de financiamento acessíveis para os produtores culturais, para aquele que quer montar sua banda, todo tipo de produtor. E acionando mecanismos, como o Funcine e o Ficart, que foram reativados e já estão funcionando.’
Yakoff Sarkovas, no entanto, argumenta que havia uma conjuntura favorável a que o Ministério da Cultura quebrasse definitivamente com a dependência do Estado brasileiro das leis de incentivo. ‘É um sistema perdulário, porque cria dispêndios que são incompatíveis com o processo de financiamento público. E é socialmente injusto, porque os processos de escolha do dinheiro público são definidos dentro de premissas privadas e individualizadas’, ele afirmou.’
TELEVISÃO
Cobras & Lagartos dá preguiça
‘Penoso, o flagelo dos escravos de Sinhá Moça, que já não podem mais se dar ao luxo de recordar o exemplar personagem vivido por Milton Gonçalves na atual novela das 6. Nem Vitória (Cláudia Abreu), a viúva da novela das 9, pode mais se lembrar de seus dias na Grécia com Pedro, papel que foi de Henri Castelli. Aos olhos da Globo, personagem morto é para ser esquecido mesmo, nem um flash-back de saudade. Aos olhos do público, a índole de Gonçalves e Castelli agora é bem outra: está condicionada aos tipos que encarnam em Cobras & Lagartos, o folhetim das 7 que estreou anteontem.
Quem vê a TV Globo reprisando atores escalados para enredos que sequer terminaram deve imaginar que esse mercado de fato padece uma enormidade pela falta de profissionais.
Francamente, é muita preguiça. Preguiça de pensar, preguiça de arriscar, preguiça de procurar alternativas menos óbvias. Vá lá que um Milton Gonçalves não se encontre em qualquer foco, mas, um Henri Castelli…
A propósito do moço, a parceria com Carolina Dieckmann, com todo o respeito, está longe de repetir o efeito do dueto canalha que Gilberto Braga alimentou em Celebridade, nas figuras de Laura ‘Cachorra’ Prudente da Costa (Cláudia Abreu) e seu adorável michê (Márcio Garcia).
O ritmo clipado alcançou sua overdose na apresentação do comercial da tal Luxus, versão de Daslu, em sessão reservada ao dono da loja, Omar Pasquim (senhor Francisco Cuoco). Coisa de deixar tontinho até o mais dependente consumidor de música eletrônica. Quebrando o compasso, amém, estavam o violoncelo de Mariana Ximenes e o clarinete de Daniel de Oliveira – enfim, um casal que promete química. Ela, lindinha, doce, derretida por Bach, desinteressada no dinheiro do tio – quem disse que ninguém é perfeito? – e ele, motoboy e músico autodidata. É para escancarar quem é do bem e quem é do mal, senão dá preguiça de pensar.
Preguiça é lançar mão de peitinhos à mostra às 7 da noite – antes de ser uma observação moralista, diga-se, é só um caminho mais fácil para frear o zapping.
Lázaro Ramos é um que vale o comparecimento diante da tela. Idem sobre o núcleo de Eliane Giardini e Otávio Augusto. Mas, até aí, onde a risada é certa, o déjà vu dá o ar da graça.
E Carolina Dieckmann, cabelão platinado, detona no vocabulário vulgar. Ah, ela é má, que medo! Tudo vem mastigadinho, alucinógeno barato para fazer valer a preguiça do cidadão telespectador.’
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Terra Magazine
Quarta-feira, 26 de abril de 2006
ENTREVISTA / JOSÉ GENOINO
‘Antes torturaram meu corpo; agora, minha alma’
‘‘O que interessa agora é a defesa da minha história’, afirma o ex-deputado do PT
José Genoino tem 60 anos. Nos últimos 20 anos fora deputado federal e estrela, inclusive midiática, do PT. Nos anos 70, preso na guerrilha do Araguaia, Genoino foi torturado, com intervalos, por quase um ano. Há mais de 10 meses, quase um ano, José Genoino está praticamente trancado em casa.
‘ Torturaram minha alma, afirma Genoino
‘ Fui ingênuo, vivi uma ilusão, diz o ex-presidente do PT
‘ Opine aqui sobre a entrevista de Genoino!
Nessa entrevista a Terra Magazine, o ex-deputado demonstrou temor diante de uma câmera ligada. Preferiu ter antes uma primeira conversa, microfones, inclusive, desligados. Sem câmeras e microfones resumiu o que diria pouco depois, na entrevista gravada e filmada:
– Hoje essas luzes e câmeras me lembram uma cela forte, a tortura, mas essa é a tortura pós-moderna. A outra destrói o corpo, pode matar. Essa destrói o espírito, a alma, dilacera por dentro.
Genoino mora numa casa de classe média realmente média no Butantã. Em Março, com a mulher Rioko viajou para Sevilha – viagem a ser paga em seis prestações – onde a filha Miruna casou-se com um espanhol. Na volta, leu num jornal:
– Será que o Okamoto pagou a passagem?
O homem que desfilava pelo salão verde do congresso nacional sempre cercado por jornalistas é agora um homem desconfiado, temeroso de uma rasteira. ‘Está ligado?’, pergunta ante o gravador sobre a mesa quando a conversa ainda é informal. Quanto ao passado de personagem midiático, constata:
– Fui ingênuo, vivi uma ilusão, uma ficção.
José Genoino fuma, desde os últimos meses, três maços de Charm por dia. Sai de casa de quando em quando para um ‘bico’ que complemente os seis mil líquidos da aposentadoria proporcional como deputado. O ex-presidente do PT, há duas semanas acusado pelo Procurador Geral de ter formado uma ‘quadrilha’ e de ter praticado ‘corrupção’, repete a todo instante: ‘O que me interessa agora é a minha defesa, é a defesa da minha história’.
O que ele sentiu ao ser chamado, direta ou indiretamente, de ‘ladrão’ em público, em tantos jornais, telejornais, programas de rádio, revistas, internet?
– Impotência, e dor.
E quanto aos fatos que, magnificados ou não, existiram e levaram a tanta dor? O ex-presidente do PT reconhece:
– Entendo que o PT precisa fazer reformulações profundas, meditar sobre as lições disso tudo, reformular-se principalmente no relacionamento e financiamento de campanhas…
Terra Magazine: Ex-deputado, há quanto tempo o senhor está retirado da política, praticamente trancado na sua casa?
José Genoino: Dez meses e alguns dias. Eu tô resistindo, sobrevivendo, cuidando da minha vida pessoal, familiar, e sobrevivendo, com bico, com algumas correções de texto, aulas que surgem.
Aulas onde?
Nos sindicatos do ABC e outros que me convidam, mas são bicos, não é algo permanente. Faço correção de texto quando surge, além disso eu tenho uma aposentadoria proporcional de deputado, que eu não pretendia usar, mas por questão de sobrevivência eu recorri a essa aposentadoria, o que são seis mil reais líquidos, porque é oito mil bruto… então tenho feito uma reflexão muito grande.
Quantos filhos o senhor tem?
Tenho três filhos, a minha filha mais velha tem 25 anos, Miruna, casou-se recentemente e mora em Sevilha, o marido é de lá. Tenho um filho de 22, o Ronaldo, e minha filha mais nova, Mariana, tem 21, mora em Brasília. Nesse período os filhos foram fundamentais pra mim, foram de uma solidariedade, e de uma sustentação fantástica, eles e a minha mulher Rioco Kayano… meus filhos foram corretos, foram muito leais, solidários, Rioco nem se fala. Aliás eu aprendi que nessas horas a família é uma peça fundamental e foi fundamental pra mim…
…como tem sido…
…é um período… é como se eu estivesse atravessando um deserto, com algumas fontes de água, em meio a um tiroteio e armadilhas que ninguém sabe de onde veio. É um processo que eu comparo muito com a experiência que eu vivi nos anos 70, na prisão.
O senhor ficou preso quantos anos?
Fiquei cinco anos preso.
E foi torturado por quanto tempo?
Fui torturado em vários intervalos, durante um ano em que fiquei incomunicável.
Talvez o processo mais degradante que um ser humano possa viver é a tortura. A pergunta pode soar absurda, mas tenho a curiosidade de saber: há algum paralelo entre aquele processo e o que o senhor vive hoje?
Há, há sim, o outro dói no físico, o outro faz você ter medo de morrer fisicamente e às vezes você até tem vontade de morrer. Esse dói na alma, dói no espírito, esse dói por dentro e fica dilacerando, é como bala dum-dum, entra e fica lá escondido, ou uma faca que tem veneno na ponta e fica, é um processo dilacerante, eu acho que…
…é outro tipo de tortura…
…é a tortura pós-moderna, que atinge a alma, o sentimento, a auto estima, mexe por dentro violentamente. Nos anos 70 fui torturado no corpo, agora, na alma…
O senhor teve vontade de morrer também?
Olha, eu encontrei energia pra não ter essa vontade, porque é um suplício de outra maneira, é o suplicio pós-moderno.
Como é ele?
Você tem um espetáculo, a condenação é feita por matérias feitas na onda, o esforço que você faz para se colocar não é entendido… você tem uma onda… você fica com uma sensação de impotência muito grande… você se segura pra resistir.
No caso do rapaz com os 400 mil na cueca…
Não adiantou nada eu dizer que nada tinha com aquilo. Eu não tenho nada com aquilo, nada. Meu irmão veio aqui, nem quis me encontrar em casa, fomos nos encontrar num prédio. Eu disse a ele: ‘aqui nós não somos deputados, somos irmãos. O que foi aquilo?’ Ele chorava, e me disse: ‘Eu também não sei, não tenho nada com aquilo’. Eu desisti naquele dia, quando cheguei em casa e vi o Jornal das oito horas. Usaram uma imagem minha entrando naquele prédio, como se fosse encontrar o Guimarães, mas era uma imagem de outro dia, uma montagem. Ali eu vi que não adiantava mais nada naquela hora, a onda era muito grande, a impotência…
O senhor não se arrepende, individualmente ou em nome do coletivo, pelo seu partido ter agido de forma igual em outras situações, em outras CPIs, também promovendo a condenação de pessoas eventualmente não culpadas?
Em primeiro lugar, eu como deputado nunca fiz isso. Não tem representação, não tem ação que eu tenha feito contra um deputado naqueles momentos de CPIs. Mas eu acho que esse processo de hoje é cinco vezes mais duro. Tem um vale tudo, um cerco, uma má vontade. Por revanchismo, por decepção, por ressentimento, por tudo isso, que gera uma explosão muito grande, então eu acho que esse é um processo…
O senhor não tem nenhum arrependimento?
Não sei se essa seria a expressão correta, mas eu entendo que o PT precisa fazer reformulações profundas, meditar sobre as lições disso tudo, reformular-se principalmente no relacionamento e financiamento de campanhas…
O senhor mora num bairro…
Eu moro aqui há 23 anos, nesse bairro, que é um bairro popular.
Classe média, média. Qual é o nome dessa rua?
Rua Maestro Carlos Cruz, 154, Vila Indiana, Butantã. O único bem que eu tenho é essa casa, de cento e vinte e cinco mil reais, eu tenho ela há 23 anos, comprei quando podia sacar o dinheiro preso pela Zélia. Tem essa sala grande, uma cozinha e três quartos, e o quarto da empregada que eu transformei em um escritório de trabalho, aonde eu leio, que minha paixão nesse período foi também ler.
Ler o quê?
Sobre política, Bobbio, Hannah Arendt, trechos de Marx, procuro entender melhor tudo isso. E me concentro muito, estou muito empenhado na minha defesa jurídica e política, juntamente com meu advogado, porque os termos em que a CPI me denuncia, que o ministério público denuncia, eu vou provar com fatos e com provas que não tem procedência.
O senhor foi acusado de…
… de integrar uma organização criminosa chamada de quadrilha; nunca o PT organizou quadrilha, nem eu participei de qualquer organização criminosa, e os fatos que estão arrolados aí não comprovam isto e eu vou mostrar, seja quando em 2002 eu era candidato a governador licenciado do partido, diferente do que está na denúncia, seja quando João Paulo foi eleito presidente da Câmara, que era o candidato natural e eu era candidato a governador no segundo turno. Seja, também, na relação com os aliados: eu nunca tratei de repasses financeiros, tratava de alianças políticas. E seja ainda em relação aos bancos. Eu assinei, como avalista, dois empréstimos.
Com os bancos…
Com o Banco Rural um de três milhões e meio e, para o banco BMG, de dois milhões e meio, e esses empréstimos estão na prestação de contas do PT. Nunca visitei esses bancos, nunca fiz reuniões com esses bancos, assinei os empréstimos. Só conheci o Marcos Valério no segundo semestre de 2003, os empréstimos eram de fevereiro e março de 2003, eu não tinha relação com as empresas do Marcos Valério, não tem um telefonema meu com as empresas e nem com a direção dos bancos. Com os aliados eu discutia acordos políticos eleitorais legítimos, portanto eu não tive qualquer participação em qualquer atividade criminosa…
Como é que o Marcos Valério se aproximou do PT?
Isso aí o próprio Delúbio, e ele já explicou isso. Foi uma relação direta com o Delúbio. Eu o conheci em relações apenas eventuais, na sede do partido, eu disse isso no meu depoimento, na comissão da CPI do chamado mensalão, na Polícia Federal, no Conselho de Ética. Eu não tinha essa relação financeira e nem funcional com o Marcos Valério e vou mostrar que não tive qualquer participação com qualquer ato ilegal na administração pública, até porque eu não me envolvia com estatal e nem com administração pública, eu defendia o governo e era legítimo que o partido indicasse seus nomes, para representar, isso faz parte de qualquer governo democrático.
Quando a gente começou a conversar, há pouco, primeiro eu gravei sem câmera, só no gravador. O senhor não quis a câmera ligada. Por quê?
Porque eu tenho, me ficou, uma imagem muito ruim. Me lembra como se eu tivesse nos anos 70, uma imagem de interrogatório dos anos 70, quando eu era torturado e interrogado. Só que naquela época, era parede de isopor, luz muito forte para você não ter dor de cabeça e o teu grito não era ouvido fora daquela sala vedada com isopor. Agora, ao contrário, a câmera, a claridade da câmera me causa medo devido ao processo vivido… foi muito violento, matérias que eu insisti para que ouvissem a minha verdade…
O senhor hoje teme as câmeras?
Por incrível que pareça, lamentavelmente, dada a minha experiência de tanta exposição, eu temo, eu tenho medo, porque me lembra um processo de dilaceramento interno, pela maneira como algumas matérias foram feitas, a maneira como o ‘Pânico’ (NR: O programa da Rede TV) veio em minha casa, ficou aí em frente durante duas horas, com provocação, com coisas absurdas. Depois de minha experiência anterior de tanta visibilidade, nesse período eu passei a ver câmara de televisão, gravador, entrevista, como se fosse uma tortura.
Como é que é ser chamado de ladrão em público, diante dos filhos?
…o pior é quando você tem consciência que não tem nada com isso, não é nada disso. Pela sua vida, pelo que você é, pelo que você tem. Meus filhos foram demais e os amigos de dentro e fora do PT, que eu não vou nem citar nomes, mas amigos do peito de fora do PT.
Decepções?
Dentro do PT algumas pessoas eu quero até esquecer… eu mantenho aquela minha idéia de que as amizades não são apenas pelo vínculo político e ideológico, então, isso me sustenta, sustenta a gente explicar para as pessoas. Já fui perguntado na rua e eu explico às pessoas, agora você tem um espírito, uma onda que cria um julgamento, uma condenação, você é condenado depois você vai provar…
E qual a sensação de ficar em casa trancado?
A sensação é que primeiro você tem que viver em casa com a sua vida interna, interior, com suas plantas, seus livros, suas músicas, seus amigos e não perder a esperança de recomeçar, eu acho que é essa a idéia: eu quero ter uma militância de esquerda, socialista, democrática, republicana, com os meus amigos, com a base do partido, conversar…
Verificar se vai ser candidato ou não…
Não, isso pra mim não é o decisivo agora, o decisivo agora é a minha defesa, conversar com a militância, conversar quando sou perguntado, falar com as pessoas, porque eu quero reconstituir a minha militância e a minha história de 40 anos de política, eu quero reconstituir isso porque eu tenho minha história e tenho as minhas verdades, e eu vou provar isso em relação a essas denúncias.
O senhor tinha muitos amigos na mídia, como é que está a sua relação? O senhor se sentiu abandonado?
Eu vivi os dois lados da mídia, o lado de quando se é a unanimidade, e eu me beneficiei com isso…
O senhor se beneficiou com isso?
Claro, porque eu fiquei conhecido, minhas eleições eram fáceis, e eu tinha espaço. Já houve uma certa mudança quando fui candidato a govenador e a presidente do PT e agora eu conheci o outro lado, o da condenação. A gente não pode ter nem arrependimento, nem ódio, nem raiva, porque isso mata. A gente tem que ter a serenidade do indignado que quer justiça, e é isso que me move hoje, eu quero justiça para me defender das acusações, eu quero justiça para me defender perante os meus amigos de dentro e fora do PT e quero justiça para me defender na sociedade, é isso que eu quero…
O senhor, especialmente em Brasília, sempre andou cercado de jornalistas. Quando ‘a onda’ veio o que o senhor teve dessa sua longa história com os companheiros jornalistas?
Uma percepção que eu tinha ilusão, uma percepção que aquilo era uma ficção, uma percepção que aquilo havia sido uma ingenuidade, ou um erro, de eu não compreender que a mídia é isso mesmo. Na política você conhece a poesia e o sangue.
É possível o presidente não saber o que estava se passando no setor financeiro do partido, é possível o presidente da república não saber o que se passava?
O presidente da republica não tinha relação de conversa, de debate ou de qualquer coisa relacionada com a vida interna do PT. A nossa relação, a partir da eleição dele, era uma relação política com uma agenda muito grande, uma agenda pesada, de relação com um partido que sempre teve divergência e crise, divergência em nossa base, nas bancadas, era isso que ocupava a agenda, nós não discutíamos assuntos internos do funcionamento do PT e nem dos aliados, não tinha nem espaço, a gente nem conversava sobre isso.
O senhor teve quantos votos para governador e quantos votos, antes, para deputado federal?
Fui mais votado em 98 com 398 mil votos e para governador tive oito milhões e meio de votos no segundo turno.
Apesar do senhor ter dito ter medo da câmera, o senhor poderia olhar para a câmera? O que o senhor teria a dizer para esses oito milhões de pessoas que votaram no senhor?
Que a dor me move para resgatar a minha história de militância política, me move para me defender, e eu tenho consciência, e é isso que me sustenta, que a minha verdade vai ser provada. Eu tenho consciência e digo para vocês que em vários momentos confiaram em mim: eu não fiz nada para mim, para minha família, eu não tive nenhum benefício e eu vou provar isso.’
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Folha de S. Paulo
Quarta-feira, 26 de abril de 2006
ELEIÇÕES 2006
Marketing político: a piada do sofá
‘Descobriram o valerioduto, o mensalão, a lista de políticos aquinhoados com generosas contribuições de bancos, o dinheiro não contabilizado, as empresas laranjas, as ‘laranjas’ e os ‘laranjas’, contas ilegais no exterior, legendas e mandatos de aluguel, doados e doadores. Descobriram também que a culpa por tudo, como na piada do sofá, é do marketing político. Portanto, em vez de reforma política, reforme-se o marketing.
No Brasil, desafortunadamente, as coisas ainda se passam assim. Aqui tudo é na base da experiência. Já fomos monarquistas, presidencialistas, parlamentaristas e presidencialistas de novo. Tivemos presidentes com mandatos de cinco anos, de quatro, de seis, de cinco de novo, de quatro outra vez. Eleições diretas, indiretas e diretas de novo. Eleição sem reeleição. Eleição com reeleição. Programas eleitorais apenas com foto e currículo dos candidatos. Com imagens externas permitidas. Depois proibidas. De novo permitidas. Já querem proibi-las outra vez.
O marketing político que incorpora programas de rádio e televisão é, com certeza, a forma mais democrática de campanha eleitoral. Os programas de TV e rádio levam a todos os lares brasileiros o debate político utilizando-se de modernas técnicas de comunicação. É pueril o argumento de que o marketing procura ‘vender’ o político como se fosse sabonete. Nada mais falacioso. Na propaganda política um candidato faz apologia de sua candidatura para, logo em seguida, vir seu adversário combater aquelas idéias, ofertar argumentos em sentido contrário para que o eleitor possa fazer melhor o seu juízo. A propaganda política em tudo se assemelha ao tribunal do júri, onde acusação e defesa expõem seus argumentos, um após outro, ante um corpo de jurados que vai votar pela condenação ou absolvição baseado nas teses ali apresentadas por ambas as partes.
Ensaia-se uma volta ao passado. As eleições brasileiras, antes, eram tocadas pelos chefes-políticos, coronéis, cabos eleitorais que comandavam currais de eleitores, votos de cabresto. Votava-se por um pé de sandália (o outro vinha-se buscar na casa do coronel depois de apurada a urna), uma dentadura, metade de uma cédula de dinheiro. A propaganda política no rádio e na TV e a urna eletrônica praticamente baniram essas práticas.
Então, por quê e para quê querem modificar instrumento tão importante para o processo eleitoral? A quem serve torná-lo chato, burro, desinteressante? A quem interessa a ressurreição dos coronéis, dos cabos eleitorais, do voto de cabresto?
A democracia pressupõe o entrechoque de idéias. E o momento melhor para isso é na campanha política. No horário eleitoral. Em vez de tentar torná-lo chato, que se busque fazê-lo interessante. Esse debate diário retransmitido para todo país tem se constituído o mais eficaz instrumento para que o eleitor ganhe experiência política e faça sua escolha de forma mais consciente.
Os que querem alterar a propaganda política escudam-se na descoberta de contas bancárias de marqueteiros e publicitários em paraísos fiscais. Caso se venha procurar, certamente profissionais de outras áreas terão incorrido no mesmo delito. Esse não é crime de marqueteiro. Mas de alguém que desrespeitou a lei.
Parece-nos mais salutar ao processo eleitoral e à própria democracia que se corrijam imperfeições da lei. E nisso, certamente, os profissionais de marketing político têm a contribuir. Que o legislador procure ouvir esses profissionais buscando aperfeiçoar, e não, mutilar, a propaganda eleitoral. Assusta que se trate desse assunto casuisticamente. Corremos o risco de um retrocesso. Por que abrir mão das conquistas que democratizaram as campanhas políticas?
O marketing político não é responsável por mensalões, valeriodutos, dinheiro não-contabilizado, laranjas, contas em paraísos fiscais, mandatos de aluguel, infidelidade partidária. Não é. E são essas deformações que precisam ser coibidas por uma reforma eleitoral profunda e duradoura.
Essa reforma profunda e duradoura é o que a democracia deve perseguir. Não perseguir o marketing político. Querem transformar o marketing no sofá da piada. E isso não tem graça nenhuma.
Antonio Melo, diretor de marketing político da Pública Comunicação, atuou nas campanhas presidenciais de Mário Covas e de Fernando Henrique Cardoso e foi coordenador e consultor nacional de marketing político do PSDB.’
Fábio Wanderley Reis
Voto secreto, opinião pública e democracia
‘As absolvições , em vários casos contra as recomendações do próprio Conselho de Ética, de parlamentares envolvidos nas denúncias de corrupção têm ensejado, não surpreendentemente, manifestações indignadas. Como conseqüência, surge com insistência a proposta de acabar com o voto secreto no Congresso, de maneira a tornar as decisões dos parlamentares mais sensíveis à ‘opinião pública’. Há, contudo, equívocos e perigos importantes na tendência, que assim se manifesta de novo, a tomar como sacrossanta a opinião pública, ou a ‘voz das ruas’ de que muito se falou anos atrás.
Naturalmente, não cabe admitir o cerceamento ou a repressão, em que ditaduras de tipos diversos sempre se empenham, da livre manifestação e circulação das idéias e opiniões. A estrepitosa derrocada dos regimes de socialismo autoritário no momento em que se difundiu a percepção de que o apoio com que contavam era na verdade reduzido deixa perceber a lógica subjacente à tensão entre ditadura política e opinião pública, mostrando o sentido em que a ‘voz das ruas’ é indispensável à democracia.
Mas há um outro lado. Ele se liga com a idéia simples de que, afinal, o voto secreto é uma conquista democrática. Quando se trata do cidadão-eleitor, ninguém questiona que ele deva estar protegido de pressões e possa manifestar sua preferência pessoal autêntica, seja qual for a ‘opinião pública’. Ora, pretender algo diferente para o caso do parlamentar no exercício de sua atividade significa entender a relação parlamentar-eleitor como envolvendo o chamado ‘mandato imperativo’, em que o parlamentar simplesmente faria o que os eleitores quisessem a cada momento. Esse entendimento não só é inviável, supondo a operação ágil e eficaz de mecanismos de democracia direta quando o que temos é, com boas razões, a democracia representativa e constitucional; é também normativamente indesejável.
Assim, não há razão para considerar sempre legítimas as pressões da opinião pública, ou para defender que o parlamentar se submeta, sem mais, a elas. Pois, do ponto de vista do ideal democrático, muitas vezes elas não redundam senão em desvios patológicos, ilustrados na ‘psicologia de multidões’ e no efeito de manada, ou na atmosfera ‘assembleísta’ e na tendência ao conformismo e à supressão da divergência. Sem falar da manifestação supostamente mais amena da mesma patologia sob a forma da idéia do ‘politicamente correto’, levando a que, como têm mostrado as pesquisas, muitos procurem ocultar sua ‘incorreta’ opinião verdadeira eventualmente mesmo em situações nas quais a opinião tida como consensual ou dominante é de fato minoritária, justamente o engano de que tratam de valer-se as ditaduras. É sem dúvida desejável que se tenha a convergência básica de disposições e opiniões em torno dos valores democráticos, ou a criação, propriamente, de uma cultura democrática. Mas o risco de que esse desiderato se exceda na direção da pressão indevida ao conformismo, ou ocasionalmente na defesa da ‘fé’ compartilhada, não pode ser ignorado.
Além disso, as pressões da opinião pública não são as únicas a ameaçar o voto aberto. Deixando de lado interesses poderosos e talvez escusos, ou os riscos mais sérios a que o parlamentar se pode expor em circunstâncias especiais, há também, afinal, as pressões dos seus próprios pares. Lembremos que a atenção para tais pressões esteve presente, em defesa do voto secreto, em versões anteriores do mesmo debate sobre cassação de parlamentares.
A indagação que resulta é clara. Queremos que a decisão do parlamentar sobre assuntos variados seja apenas uma espécie de resultante de pressões diversas que se façam sentir sobre ele? Ou o que cabe esperar é antes que ele decida ponderando judiciosamente as razões envolvidas e, eventualmente, o interesse maior da coletividade? Claro, os parlamentares sem caráter que com freqüência elegemos não corresponderão nunca a essa imagem benigna. Mas a aposta iludida nas virtudes da opinião pública não é, por si mesma, solução para tais casos. E acabaria por levar-nos, quem sabe, a pretender que o Executivo, por seu turno, administrasse o país com base em pesquisas de opinião.
Finalmente, as decisões se referem, no debate atual, ao julgamento e à punição de colegas. É evidente que as pressões corporativas serão mais intensas nesse caso. Se isso, em si, é ruim, torna-se pior ao constranger ainda mais o parlamentar a aderir sem restrições ao clamor punitivo, se quiser escapar à pecha de fazedor de ‘pizza’. O que seria necessário é retirar tais decisões das mãos dos próprios parlamentares e encaminhá-las à Justiça. Em princípio, essa recomendação não é afetada pelas reservas há pouco manifestadas pelo ministro Joaquim Barbosa quanto à regra do foro privilegiado e as dificuldades do Supremo Tribunal Federal.
Fábio Wanderley Reis, 68, cientista político, é professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais e autor, entre outros, de ‘Mercado e Utopia’ (Edusp).’
POLÍTICA CULTURAL
O circo do incentivo
‘O governo brasileiro está dando uma ‘mãozinha’ para a temporada da trupe canadense Cirque du Soleil no país, que começa dia 3/8, com ingressos entre R$ 50 (meia-entrada) e R$ 370 (VIPs).
A empresa CIE (Companhia Interamericana de Entretenimento, de origem mexicana), que promove a vinda do espetáculo ‘Saltimbanco’ ao Brasil, foi autorizada pelo MinC (Ministério da Cultura) a ficar com R$ 9,4 milhões que o governo receberia em Imposto de Renda neste ano. O dinheiro agora deve ser usado em benefício das apresentações.
A operação foi feita pela Lei Rouanet, criada em 1991, para que empresas e pessoas físicas incentivem a cultura (sobretudo a brasileira), destinando parte de seus impostos a projetos culturais.
É o MinC quem avalia os projetos candidatos a esse benefício e autoriza os valores que eles poderão receber (ou ‘captar’, no vocabulário da lei) em patrocínio.
Os ingressos do Cirque du Soleil, por enquanto, estão à venda só para os clientes Prime (prioritários) do Bradesco, que decidiu patrocinar o grupo no Brasil.
‘É desejável que marcas se associem a produções culturais, desde que o dinheiro seja privado’, diz o consultor em patrocínio empresarial Yacoff Sarkovas.
Sarkovas é contrário ao fundamento da lei. ‘Achamos um jeito ‘brasileirinho’ de criar um modelo de financiamento público que não é público’, afirma.
Segundo dados do MinC, a CIE captou R$ 7,1 milhões até agora, dos R$ 9,4 milhões autorizados. O Bradesco, cujo lucro em 2005 foi de R$ 5,5 bilhões, não quis comentar valores nem qualquer outro aspecto do patrocínio. A assessoria do banco disse que o diretor de marketing, único que poderia falar sobre o tema, está viajando.
O empresário Fernando Altério, da CIE, também não atendeu a Folha. Além do patrocínio ao Cirque du Soleil, a CIE foi autorizada a captar R$ 5,1 milhões para a ‘continuação da temporada paulistana do musical ‘O Fantasma da Ópera’ durante o ano de 2006’.
O musical está em cartaz no Teatro Abril (uma das três casas de espetáculo do grupo CIE em SP), com ingressos que vão de R$ 65 a R$ 200. Estreou em abril de 2005 e, pela previsão da CIE, tem fôlego para ir até 2007, com outra ‘mãozinha’ do governo.
Os patrocínios obtidos pela CIE expõem o uso da lei em projetos de presumível viabilidade comercial, como provam seus êxitos de bilheteria. Há também exemplos de aval do governo a ações desinteressadas da busca pelo público.
A Dialeto Latin American Documentary Ltda foi autorizada a captar R$ 197 mil para o CD ‘Pajelança Cabocla’, de Zeneida Lima, ‘pajé cabocla da ilha de Marajó’. O projeto estipula que as 3.000 cópias do álbum deverão ser assim distribuídas: ‘Mil exemplares para os produtores, 850 para os autores, 750 para os patrocinadores, 300 para Bibliotecas Minc [sic] e 100 para a mídia’.
A ‘Pajelança Cabocla’ ainda está sem patrocínio, segundo o MinC. Sobre o incentivo federal para o Cirque du Soleil, Juca Ferreira, secretário-executivo do ministério, diz que ‘um projeto cultural que não tem a preocupação de facilitar o acesso a um número cada vez maior de pessoas tem que ser viabilizado pelo mercado, e não por recursos públicos’.
A fala do secretário soa incongruente com a ação da pasta, mas ele agrega: ‘Isso é uma opinião minha. Venho defendendo isso desde que cheguei aqui, porque, em última instância, recursos de renúncia fiscal [como os da Lei Rouanet] são recursos públicos’.
Se Ferreira, ligado ao PV, defende mudanças na Lei Rouanet desde que chegou ao MinC, está em atraso com o PT. A reforma da lei era um dos pilares do programa de cultura na campanha de Lula da Silva à Presidência, em 2002.
Na cartilha ‘A Imaginação a Serviço do Brasil – Programa de Políticas Públicas de Cultura’, assinada por ‘Antônio Palocci Filho, coordenador do programa de governo’, lê-se a seguinte avaliação da Lei Rouanet:
‘Resultou em uma série de ações fragmentadas, patrocinadas com recursos públicos pelas principais empresas brasileiras, concentradas no eixo Rio/São Paulo, sem alcance nas demais regiões do país ou sem a garantia de contrapartida pública, em termos de diversidade, circulação ou gratuidade à população brasileira. Ou seja, evaporou-se a política entendida como ação pública’.
A promessa de campanha de reforma da Lei Rouanet ficará para um eventual segundo mandato de Lula da Silva. ‘Pretendemos apresentar ao presidente uma proposta de reforma da lei, para que ele possa enviar ao Congresso e que, no início da próxima gestão, tenhamos de fato uma mudança’, afirma Ferreira.
Para esta semana, o MinC acena com um decreto com alterações superficiais na lei. E faz um mea- culpa inútil, mas que vem antes tarde do que nunca: ‘Perdemos o timing’, reconhece Ferreira.’
Marcos Augusto Gonçalves
MinC engole sapo e só faz mudanças superficiais
‘O arquivamento da proposta de encaminhar ao Congresso um projeto de mudança do regime de incentivo fiscal à cultura foi um dos sapos que o Ministério da Cultura engoliu e uma das promessas que deixou de cumprir. A cúpula do MinC, que mal consegue impor mudanças cosméticas à lei por meio de um decreto, diz que as alterações serão propostas na ‘próxima gestão’. Ou seja, entregou a Deus.
É claro que a Lei Rouanet beneficia a cultura. Os recursos que ela permite aplicar dinamizam a atividade cultural. Mas isso não significa que a legislação seja a mais adequada. Mesmo o mais aleatório dos critérios faria com que a distribuição de R$ 677 milhões ao meio cultural -foi essa a renúncia fiscal em 2005- produzisse frutos. E certamente muitos, em especial os que colheram esses frutos, acenariam com os resultados para justificar a manutenção dos critérios -por mais precários que fossem.
De certa forma, é o que vem acontecendo com o incentivo à cultura. A Lei Rouanet encerra contradições flagrantes em se tratando de uma legislação destinada a incentivar o investimento privado em projetos culturais por meio de apoio financeiro público.
Na prática, o que temos são companhias privadas (e também públicas) ‘investindo’ impostos (que seriam recolhidos pelo Estado) a seu bel prazer ou em atendimento aos lobbies com mais força política ou socialmente mais bem posicionados para convencer as cúpulas empresariais.
Mais do que isso, temos uma série de institutos, bancados por intituições financeiras extremamente lucrativas, que associam suas marcas ao investimento ou ao mecenato cultural embora, na realidade, pratiquem essas virtudes (exploradas no marketing) com dinheiro de tributos.
Em resumo, temos dinheiro público alocado por empresas privadas, de acordo com seus interesses. Mas -diga-se- nada disso seria possível sem o indispensável aval do Minc, que autoriza ‘captações’ mesmo em casos nos quais o mercado parece perfeitamente capaz de arcar com o empreendimento.
A idéia de investimento -ou seja, de um capitalista que assume o risco de destinar recursos a um projeto que presumivelmente lhe trará retorno- se dissipa na confusão público-privado, como é comum no Brasil. Ficamos com investidores privados que correm pouquíssimo ou nenhum risco -pois estão cobertos por recursos da sociedade. Por que desejariam mudar a lei?
Já se formulou, e o próprio MinC em tese assumiu, a idéia de concentrar o montante da renúncia fiscal num fundo público que distribuiria os recursos segundo critérios estabelecidos por uma política de Estado. Mesmo que critérios públicos também possam ser problemáticos, é uma discussão pertinente, que deveria ser apresentada ao Congresso. Foi o que o MinC não fez.’
TODA MÍDIA
De epílogos e fins
‘Franklin Martins, o comentarista, foi o primeiro a aparecer com a piada, meses atrás na Globo News, apelidando a CPI dos Bingos de CPI do Juízo Final.
Do Juízo Final ela passou ao Fim do Mundo na blogosfera brasiliense, num crescendo de retórica.
Com a perspectiva de uma nova comissão no Senado, agora para tratar da família de Lula, surgiu então a CPI do Armagedon, ao que parece no blog de Josias de Souza.
E ontem lá estava, na manchete do Google Notícias, no final da tarde:
– Renan Calheiros arquiva a CPI do Armagedon.
Na home page da Folha Online, também:
– O presidente do Senado arquivou o pedido de uma CPI para investigar as relações entre a família de Lula e Paulo Okamotto, que foi apelidada de CPI do Armagedon.
No comentário do blog de Fernando Rodrigues, ‘a decisão esfria ainda mais a crise, que já está no seu epílogo’.
E mais tarde:
– Sem crise, Brasília está um tédio. Só se fala do jacaré solto no lago Paranoá…
A CPI do Fim do Mundo, de sua parte, ‘começa a jogar a toalha’, dizia ontem o blog de Ricardo Noblat.
No registro da Globo News, à tarde, ‘a sessão foi cancelada por falta de quórum’ -e o presidente do Juízo Final nem quer mais convocar o ex-presidente da Caixa.
AOS POBRES, DINHEIRO
Alckmin almoça a R$ 1, ontem nos comerciais do PSDB pelo país inteiro
A tão aguardada blitz de Geraldo Alckmin em comerciais pelo Brasil arriscou ontem, em horário nobre, um bordão mais popularesco:
– Gente em primeiro lugar.
E tome o tucano em defesa, não de corte nos gastos públicos, mas de gastos com os pobres:
– O governo gasta dinheiro demais para pagar juros e muito pouco para ajudar os mais pobres. Tá errado. É gente em primeiro lugar.
Por falar em ‘dinheiro’, ou seja, indiretamente em Bolsa-Família, surge então a imagem de um cheque e Alckmin prossegue, como locutor:
– Em Goiás, o PSDB fez o cheque-moradia.
Em São Paulo, mais à frente, ‘o Renda-Cidadã’. Sem falar dos ‘restaurantes de comida a R$ 1’, chance de ver que o tucano come entre os pobres.
No segundo comercial, como adiantou a Folha Online, outro bordão e outro público-alvo:
– Menos impostos. Mais empregos.
A blogosfera brasiliense, do UOL ao Globo Online, de Claudio Humberto a Alon Feuerwerker, se concentrou ontem no esforço do tucano para reagir na intenção de voto -e o ceticismo foi maioria.
No Noblog, Ricardo A. Setti chegou a escrever que ‘as próximas pesquisas’, pós-comerciais da semana, ‘serão um teste para Alckmin’.
Projeções
Enquanto Geraldo Alckmin abria uma frente na TV, Lula era agraciado pela economia, na manchete do ‘Valor’:
– Demanda eleva projeções do PIB para 4%.
Nas causas, ‘a recuperação de 5% da massa salarial’ e até ‘a polêmica elevação dos gastos públicos’. Aliás, na escalada do ‘Jornal Nacional’:
– O governo aumenta gastos no primeiro trimestre.
Verde-e-amarelo
Nem Lula nem Alckmin. A campanha segue sob a sombra crescente da Copa.
A Globo dizia ontem que ‘as cores da seleção estão por todos os lados’, em reportagem sobre um ‘picolé verde-e-amarelo’ e outros exemplos.
Pelo mundo, a manchete do ‘Le Monde’ era a aposentadoria de Zidane, da seleção da França. E a do ‘Clarín’ era o pênalti que Riquelme, da seleção argentina, perdeu ontem na Copa dos Campeões.
Pelo país
O que não pára, na campanha eleitoral, são as articulações nos Estados, do PSDB do Ceará ao PT do Mato Grosso do Sul -que podem ser seguidas pelos blogs que surgem, às dúzias, por todas as regiões.
Vão de Altino Machado, no Acre, à Nova Corja, no Rio Grande do Sul, de Armando Anache, no Mato Grosso do Sul, a Mário Kertész, na Bahia.
Deslavado
E tem os sites. Da Bahia, onde o quadro vai fechando, o Terra Magazine de Bob Fernandes é palco de um bate-boca entre o petista Emiliano José e ACM. O diálogo vai de ‘um deslavado canalha’ para baixo.
No Rio, a Agência Carta Maior tripudia sobre a direita petista, em manchete, ‘Benedita sofre revés histórico’. Ela perdeu vaga para o Senado.
E por aí vai.’
INTERNET
Amazon tem lucro 35% menor no 1º tri
‘A Amazon teve lucro 35% menor no primeiro trimestre, em comparação com o mesmo período do ano passado, no qual a empresa teve ganhos extraordinários. O resultado da empresa ficou dentro das expectativas do mercado.
Nos três primeiros meses do ano, a varejista on-line lucrou US$ 51 milhões, ante US$ 78 milhões no primeiro trimestre de 2005, no qual houve um ganho extraordinário de US$ 26 milhões devido a uma mudança contábil.
Já o lucro da tele americana AT&T subiu 63%, para US$ 1,4 bilhão, no primeiro trimestre, em seu primeiro balanço após sua compra pela SBC.’
***
Lucro da Net vai a R$ 7,2 mi no acumulado deste ano
‘A Net, que em 2005 teve o primeiro lucro anual de sua história, apresentou ganho líquido de R$ 7,2 milhões no primeiro trimestre de 2006, contra perdas de R$ 5,2 milhões em igual período de 2005. A companhia ampliou a base de assinantes de TV por assinatura em 11,8% e a de banda larga em 107,8%.’
HQ
Angeli, Glauco e Laerte recuperam parcerias
‘Eles são ‘los três amigos’, a trinca que ajudou a redefinir o cartum brasileiro de humor na década de 1980, nas páginas de revistas como ‘Chiclete com Banana’ e ‘Geraldão’, pela Circo Editorial.
Hoje, o trio formado por Angeli, Laerte e Glauco volta ao centro do picadeiro, desta vez literalmente, para lançar ‘Seis Mãos Bobas’ (ed. Devir e Jacaranda, 80 págs., R$ 23), livro que reúne parcerias dos três na década de 80. A festa dos autógrafos acontece no circo Zanni, na rua Augusta, em São Paulo, a partir das 20h.
A obra reúne 17 histórias e cartuns criados a seis ou quatro mãos, em todas as combinações possíveis a partir dos três elementos. São trabalhos publicados entre 1986 e 1989 nas já citadas ‘Chiclete’ e ‘Geraldão’, representantes do humor paulistano -enquanto a ‘Casseta Popular’ e ‘O Planeta Diário’, depois ‘Casseta & Planeta’, faziam papel semelhante no Rio.
Angeli, Glauco e Laerte (todos colaboradores da Folha) também relembram, em uma ótima entrevista a Toninho Mendes (editor da Circo), publicada no final do livro, como cada uma das histórias surgiu. As explicações elucidam muito do processo criativo da trinca de amigos.
Humor pós-ditadura
‘Tinha uma coisa de equilíbrio entre nós três’, explica Laerte, em entrevista à Folha. ‘O Angeli tem um espírito ordeiro e estrutural, apesar de ser um cara bastante louco; o Glauco tem essa coisa da ‘demência’ dele, que proporciona sacadas absurdas, que a gente jamais teria sozinhos; e eu, não sei, também tenho algum papel nisso, principalmente na parte de desenhar as histórias, de compô-las.’
O trio já se conhecia e tinha uma carreira bem rodada por salões de humor e jornais quando começou a publicar nas revistas da Circo -’Chiclete com Banana’ surgiu em 1985; ‘Geraldão’ é de 1987; em 1990, viria a ‘Piratas do Tietê’.
A época era a do primeiro governo civil pós-ditadura, o de José Sarney (1985-1990). A barbárie da repressão militar começava a virar história, apesar de a censura ainda existir (como bem ironiza uma das histórias do livro, feita por Laerte e Glauco). Sexo, palavrões, crítica social e ao governo ganhavam novos patamares com a liberdade.
Laerte também enxerga um outro ângulo na questão: ‘O que me parece mais evidente é a libertação que tivemos em relação àquela necessidade de combater a ditadura, de tomar partido e se aliar pró-democracia. A abertura trouxe a possibilidade de as pessoas serem mais interessantes, nos permitiu meter o pau em gente que antes estava do nosso lado. Isso abriu outras frentes’, explica.
Para quem não teve a chance de ler os originais, ‘Seis Mãos Bobas’ é uma boa introdução ao melhor humor da época. Para os (muitos) fãs de então, fica a oportunidade de relembrar pérolas como a saga do Descobrimento do Brasil recontada causticamente por Glauco e Laerte; ou as piadas sobre suingues e surubas escritas por Angeli e Glauco. Enfim, uma retrospectiva de parte dos anos 1980 que é, de fato, memorável.
Lançamento de ‘Seis Mãos Bobas’ Quando: hoje, às 20h Onde: Circo Zanni (r. Augusta, 344, centro, São Paulo) Quanto: grátis’
TELEVISÃO
Filha de Silvio Santos corta e assume ‘Ídolos’
‘O sucesso de ‘Ídolos’ subiu à cabeça de Daniela Beyruti, filha mais velha do casamento de Silvio Santos com Íris Abravanel. Na semana passada, Daniela demitiu a diretora artística do programa, Fernanda Telles, que foi contratada para ser uma espécie de tutora da herdeira do SBT _que pela primeira vez trabalha em TV, já como diretora-geral.
A demissão de Fernanda causou uma crise nos bastidores do ‘reality show’, que vai muito bem no Ibope (chegou a bater a Globo domingo durante mais de meia hora). Um profissional da cúpula da produção do programa já pediu demissão. Outros dois devem fazer o mesmo hoje.
O SBT afirma que o corte de Fernanda Telles ‘se deu devido a incompatibilidade artística’: Fernanda queria ‘mais drama’ em ‘Ídolos’, enquanto Daniela prefere ‘mais humor e diversão’.
Nos bastidores de ‘Ídolos’, no entanto, o corte foi visto como um ato de vaidade da filha de Silvio Santos, que estaria tentando faturar sozinha o sucesso do programa, um formato importado.
Daniela é vista pelos subordinados como um tanto excêntrica e centralizadora _a finalização do programa está atrasada porque ela muda tudo na ilha de edição.
Evangélica, Daniela proibiu a produção (que já teve mais de cem profissionais) de falar palavrões. No programa que vai ao ar, não entram calouros fumando, bebendo ou com roupa ‘sexy’.
OUTRO CANAL
Barraco 1 Apresentador da mesa-redonda ‘Linha de Passe’, na ESPN Brasil, Paulo Soares abandonou o programa anteontem no primeiro bloco. Aparentemente, ele se sentiu reprovado por José Trajano (diretor de programação do canal), que, na mesa, se mostrava irritado com uma discussão sobre o Palmeiras.
Barraco 2 Trajano foi atrás de Soares e também não voltou. Ao vivo, o programa seguiu apenas com Juca Kfouri e Paulo Vinicius Coelho.
Efeito 1 Foi arrasador o efeito de ‘Bang Bang’ na faixa das 19h da Globo. O primeiro capítulo de ‘Cobras e Lagartos’ deu 35 pontos _dois a menos do que a estréia de ‘Bang Bang’. Mesmo com novela nova na Globo, ‘Prova de Amor’ resistiu e deu 20 pontos _um presente de aniversário para seu autor, Tiago Santiago, 43.
Efeito 2 Quando ‘Bang Bang’ estreou, Record tinha só nove pontos.
Trapalhada 1 Não funcionaram as últimas mudanças no SBT. Pela primeira vez, anteontem o SBT perdeu na média geral do dia para a Record (7,4 a 6,5 pontos), e não apenas no horário nobre.
Trapalhada 2 A nova edição do ‘Jornal do SBT’, com Carlos Nascimento, às 22h, deu apenas três pontos. Só não perdeu para a Gazeta e a Cultura, o que para a Band (quatro pontos com ‘Mandacaru’), ex-casa de Nascimento, teve gosto de vingança.’
Silvana Arantes
‘Trilheiros’ perde o rumo em Minas Gerais
‘Se você gosta de trilhas e/ou aventuras ecológicas, fuja deste ‘Trilheiros – Uma Aventura em Minas Gerais’, que o canal Futura exibe hoje, às 16h30. O programa vai no sentido contrário ao que o seu título indica.
Iniciativa de cunho ‘social’ , empreendida pelo Futura ‘em parceria com a Companhia Vale do Rio Doce’, de mineração, ‘Trilheiros’ reúne oito adolescentes moradores do interior de Minas Gerais para a ‘aventura’.
Neste capítulo, os ‘desafios’ consistem em provar o uso da bateia num velho garimpo de ouro; conhecer o farto pomar do ‘seu’ Nereu; visitar uma igreja em Catas Altas e fabricar doce de leite no forno à lenha (com a ajuda de cozinheiras profissionais) para depois vendê-lo na praça da cidade.
Ambulantes por algumas horas, os garotos são os primeiros a notar como a presença da câmera impulsiona as vendas e a ironizar a facilidade de seu ‘feito’.
Com pretensões educativas, ‘Trilheiros’ usa o duvidoso formato do ‘reality show’, derivado de exemplos batidos da MTV (‘Na Real’) e Globo (‘Big Brother’). Incorpora ao seu formato ‘novidades’ que lembram a pavorosa terminologia de métodos corporativos de qualidade total.
Cada grupo (os jovens dividem-se em dois times) deve eleger um ‘sensibilizador’ entre seus membros, alguém para ser o ‘boa-praça’ de todas as horas, motivando os demais. Daí a alcunha ‘sensibilizador’. Macacos me mordam!
As tarefas que cada grupo desempenha valem pontos, à semelhança de uma gincana -quem lucra mais com a venda do doce de leite sai vencedor.
A edição alterna cenas dos garotos em ação com entrevistas individuais feitas em estúdio, na qual relatam o que fizeram, no que se torna um enfadonho exercício (para o espectador) de repetição.
Nos depoimentos finais, o programa tenta levantar a expectativa de uma disputa acirrada nas próximas edições -’Agora percebi que estamos numa competição’, diz um- e fabrica a primeira candidata a ‘vilã’ da história.
Até aqui, a aventura não foi nada instrutiva.
Trilheiros – Uma Aventura em Minas Gerais
Quando: hoje, às 16h30, no Canal Futura’
TV CULTURA EM CRISE
Senta que lá vem cultura
‘Quer rir de verdade? Rir ‘às bandeiras despregadas’, para empregar a bela expressão atualmente em desuso? Solicito, neste caso, sua atenção para as cenas que se seguem.
O marido entra cambaleante em casa. É sábado, ele está bêbado, sem apetite para o almoço. A mulher reclama: há muito tempo não recebe, digamos, atenção do parceiro. Também, pudera: os anos se passaram, ela engordou, está cheia de rugas.
Pouco importa se a atriz escalada para o papel é magra, bonitinha e aparenta menos de 30 anos. Teatro, como dizem, é magia.
A vizinha, com roupa de biscate, entra em cena. Tropeça num tapetinho e se estatela no chão. Vamos rir? Melhor economizar as gargalhadas: o diafragma humano é feito de tecido delicado e correrá o risco de romper-se com o que vem pela frente.
Cacilda (a mulher mal-amada) ouve atenta os conselhos da vizinha. Aparecerá mais tarde com uma lingerie preta e sapatos de salto alto. Comenta com a amiga. ‘Quem disse que eu sou velha? A dona de butique disse que eu era uma senhora simpática!!’
Estamos rindo, é óbvio. Não tanto quanto o marido, que repara finalmente na indumentária sexy de Cacilda e dispara: ‘Pensei que você tinha chegado de um velório!!’. A mulher reage à altura: ‘Só se for o velório da tua mãe!’.
A platéia não tem como não rugir de alegria. Logo entra a vizinha de novo e… tropeça no tapetinho! Calma, minha gente, que tem mais. Cacilda desiste da camisola preta. ‘Tomara que a dona da loja aceite a camisola de volta. Se não, aí é que eu levo mesmo uma comida!’ O gesto, com os dois punhos fechados em direção ao púbis, explicita o que, no texto, constava como um ‘jeu de mots’ dos mais sutis.
É tudo? Não. Uma surpresa nos aguarda: Cacilda está sendo enganada. A descoberta envolve uma laboriosa comparação entre tipos de perfume feminino, que são borrifados em vários retalhos da camisa do marido.
Por que picotar a roupa com uma tesoura? O detalhe recebe pronta explicação. É que, confrontada com as evidências, Cacilda terá um acesso de fúria. ‘O veado, o bêbado me traiu o tempo todo!’ Com a tesoura na mão -estamos no auge cômico do espetáculo-, ela grita, forçando o sotaque popular: ‘Vou cortar o pinto dele. Ele vai acordar capado, com o pinto sangrando!’.
Cacilda continua. ‘Pego a tesourinha e corto o saco dele.’ É a deixa para todo mundo contorcer-se de riso. Mas um momento. O que a atriz está fazendo agora? Imita embaixadinhas de futebol com os despojos imaginários do marido.
Lamento se você não teve espasmos de hilaridade ao ler a descrição. Não posso continuar porque, nesse momento, desliguei a TV. Mas espetáculos como este – ‘E Agora, Cacilda?’, de João Carlos Couto- podem ser vistos todas as quartas-feiras, às 22h, no programa ‘Senta que lá Vem Comédia’, da TV Cultura.
TV Cultura?
Não é aquela emissora ‘pública’ que se propunha como alternativa de bom nível à baixaria dos outros canais? Bem, os tempos mudaram. Recheada de anúncios, a Cultura cai de boca (se me permitem a expressão) no jogo infame da concorrência na TV aberta e acaba por se render, como qualquer outra emissora de terceira classe, ao popularesco, ao grosseiro, ao regressivo.
Não tenho nada, em princípio, contra estereótipos e palavrões numa comédia. Falta de graça e de talento pioram muito as coisas, mas podem ser perdoados, quando não há outro jeito. Só que o compromisso da TV Cultura deveria ser diferente. Perto de ‘Senta que lá Vem Comédia’, até o rastejante ‘Zorra Total’, da TV Globo, atinge altitudes dignas de Marivaux.
Fui ver no dia seguinte o programa de Silvia Poppovic, outra iniciativa no rumo da popularização, ou da comercialização, da TV Cultura. O tema era construtivo: pessoas que, na meia-idade, já planejam novas atividades para a aposentadoria. Um professor de cursinho pretende ser dono de restaurante e um casal por volta dos 60 anos conta como foi a experiência de abrir uma pousada.
Nada de comprometedor, portanto, mas nada que superasse a banalidade de um programa de entrevistas do mesmo tipo em qualquer canal comum. Duas participantes do auditório, interpeladas por Silvia Poppovic, vieram até com uma resposta surpreendente. Disseram ser estudantes de estética.
‘Olha aí’, pensei, ‘afinal, é a TV Cultura’. Mas o equívoco se dissipou em seguida. Elas não cursavam filosofia: trabalhavam num salão de beleza.
A comercialização acentuou-se nos últimos tempos, mas não vem de agora. Sempre impliquei ao ver a TV Cultura transmitindo jogos de futebol, além de mesas-redondas dominicais sobre o assunto. Implico mais ainda com o lema ‘esporte é cultura’. Não que não seja. Mas o é num sentido a que Globo, Record e Bandeirantes sabem plenamente corresponder. Quanto a mim, gostaria de ver na TV Cultura mais o Sócrates original do que o seu xará corintiano.
Elitismo de minha parte? Acho que não. Elitismo é deixar fora do alcance da população pobre -que, às vezes, se esforça loucamente para constituir bibliotecas na favela- aquilo que a humanidade produziu de mais duradouro e inteligente. Elitismo é fazer da alta cultura privilégio de minorias, enquanto se produz lixo para quem não conhece nem tem tempo de conhecer outra coisa. Elitista é o sacrossanto mercado, que não irá arriscar o lucro certo pela missão -que deveria caber a uma emissora pública- de tornar sua audiência mais informada, consciente e crítica.
Em artigo anterior, falei de uma escultura de Francisco das Chagas, o ‘Cabra’. Ela se encontra na sacristia da Igreja da Ordem Terceira do Carmo, em Salvador, e não em Recife, como eu pensava.’
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O Globo
Quarta-feira, 26 de abril de 2006
TV PAGA
Net teve lucro de R$ 7,2 milhões no 1 trimestre
‘SÃO PAULO. A Net Serviços obteve lucro líquido de R$ 7,2 milhões no primeiro trimestre deste ano, anulando o prejuízo de R$ 5,2 milhões do mesmo período de 2005. A empresa atribuiu o resultado a seu bom desempenho operacional. A receita líquida cresceu 20% e alcançou R$ 438,8 milhões no acumulado de janeiro a março.
Em um comunicado divulgado junto com o balanço da Net, o presidente da companhia, Francisco Valim, destacou como principais fatores positivos o crescimento da base de clientes de TV por assinatura e dos serviços de internet banda larga (Virtua).
Se comparada ao número do primeiro trimestre de 2005, a base de assinantes de TV paga da Net cresceu 11,8%, atingindo 1,599 milhão de clientes.
Já no segmento de internet banda larga, o incremento foi de 107,8%. A empresa chegou ao fim de março com 451,5 mil usuários do serviço. A receita por cliente também cresceu – 11% na mesma comparação – passando de R$ 103,84 no início de 2005 para R$ 116,07 este ano. ‘Reflexo da maior penetração dos assinantes de banda larga sobre a base de TV por assinatura’, explicou a Net em seu balanço.
Sobre o novo serviço de voz – o Net Fone Via Embratel, lançado em 21 de março em parceria com a operadora de telefonia – a empresa informou ter conquistado 21,7 mil clientes, dos quais 70% eram usuários dos serviços de TV e internet e optaram por seu serviço triple pay (que dá acesso a vídeo, voz e dados).’
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