RECORD vs. GLOBO
O clone anão
‘Nesta semana, o Jornal da Record completa um mês de sua estréia em novo
formato com uma notícia ruim e outra boa. Boris Casoy, demitido no apagar das
luzes de 2005, depois de um período de mais de oito anos à frente do telejornal,
decidiu entrar com um processo contra a emissora. O apresentador, cujo salário
era de 750.000 reais, não se entende com a Record sobre o valor da multa
rescisória. Reivindica o pagamento integral dos onze meses que restavam de seu
contrato, mas a rede acena com um valor mais baixo. A boa notícia é que,
reformulado, o noticiário registrou um aumento de mais de 50% no ibope. Sua
audiência média passou dos 7 para os 11 pontos. A emissora credita o sucesso ao
uso de uma estratégia que já havia aplicado a suas novelas: clonar sem pudor a
principal atração da Rede Globo no campo dos noticiários, o Jornal Nacional. No
lugar de Casoy, entrou a dupla Celso Freitas, veterano que já pertencia aos
quadros da Record, e Adriana Araújo, jornalista tirada da Globo especialmente
para o posto. Assim como William Bonner e Fátima Bernardes, eles surgem num
cenário que mostra ao fundo a redação do jornal. A Record desfalcou a Globo
ainda em duas dezenas de profissionais, de repórteres a câmeras, oferecendo-lhes
salários que podem ser três vezes mais altos do que os que recebiam. Até a
exibição dos créditos finais ficou idêntica. Mas a explicação da clonagem não é
assim tão exata.
O ibope que o Jornal da Record ostenta ilustra a importância do conceito de
grade de programação e é também fruto de um pequeno truque. A idéia da grade é
simples: criar uma seqüência de programas cuja audiência vá crescendo, sobretudo
no horário nobre. Uma atração dá as bases para que a próxima tenha sucesso, e
assim por diante. Nos últimos meses, a Record estreou Prova de Amor, folhetim
que tem alcançado índices notáveis para os padrões da rede. A novela colocou a
emissora em segundo lugar no horário, à frente do concorrente SBT – e também
ajudou a alavancar o novo Jornal da Record. Já o ‘pequeno truque’ consiste no
seguinte: mascarar o fato de que o noticiário perde rapidamente os pontos que
herdou da novela. Para fazer isso, a Record tem encurtado a duração de seu
Jornal. Num programa breve, há menos tempo para a audiência se esvair: a média
de ibope cresce e a emissora tem números vistosos para mostrar ao mercado. Para
efeito de comparação, no Jornal Nacional ocorre o inverso: ele herda uma
audiência medíocre da novela Bang Bang, mas consegue elevá-la em 43%. O Jornal
da Record, a rigor, não incomoda – mas Prova de Amor até que causa estragos. Em
sua primeira parte, quando enfrenta a concorrência da novela, o noticiário da
Globo lança mão de alguns remédios. Retarda a entrada do primeiro intervalo
comercial e evita os temas mais áridos. Matérias policiais e de denúncia com
câmeras escondidas ganham destaque nesse bloco do jornal, assim como reportagens
sobre assuntos amenos, como o Carnaval.
Em mais de um sentido, a saída de Boris Casoy representou uma guinada para o
Jornal da Record. A divisória que separava sua redação do restante do
departamento de jornalismo da emissora veio literalmente abaixo: houve
quebra-quebra de paredes. Para demitir Casoy, a Record se amparou numa pesquisa
que mostrava que o âncora tinha muita credibilidade, mas seus longos comentários
e o destaque dado às matérias de política e economia tornavam o jornal pesado.
No entanto, também há quem veja um cálculo político na decisão de rifar o
apresentador. Por cláusula contratual, Casoy tinha grande autonomia. Ele afirma
que essa prerrogativa sempre foi respeitada – o que não significa que não
existissem tensões. A Record sofreu pressões por causa das críticas do
apresentador ao governo Lula e da cobertura de assuntos como o mensalão. Além
disso, havia o desejo, entre alguns bispos da Igreja Universal do Reino de Deus,
proprietária da emissora, de aumentar a presença de religiosos na sala de
redação. Coincidência ou não, desde a saída de Casoy dois fatos se observaram.
Douglas Tavolaro, de 28 anos, consolidou-se como o homem forte do jornalismo da
Record. Ele desconversa quando se toca no assunto, mas sabe-se que freqüenta a
igreja e não atrasa o seu dízimo. O outro fato é que Lula e Marcelo Crivella,
sobrinho do bispo Edir Macedo e candidato ao governo fluminense, devem dividir
palanque nas próximas eleições. ‘A Record pode até vir a ser uma grande
emissora’, diz Boris Casoy. ‘Mas antes vai ter de decidir se é uma rede de TV,
uma igreja ou um partido político.’’
U2 & STONES NO BRASIL
Histeria, patetice e rock’n’roll
‘A infausta passagem pelo Brasil de dois famosos conjuntos de rock deu ensejo
a que os meios de comunicação em geral, a televisão em particular, se dessem com
gosto e empenho a uma de suas práticas prediletas – a de incitar a histeria e/ou
idiotia da população. ‘O que você vai sentir quando eles entrarem no palco?’,
perguntava a repórter, esticando o microfone para um grupo de mocinhas,
instantes antes do show do grupo U2. ‘Vou morrer’, disse uma. ‘Vou surtar’,
disse outra, tudo entre gritinhos e pulinhos. Era o que a repórter queria ouvir.
Morrer, surtar – que delícia! Volta para o estúdio, e os apresentadores do
telejornal sorriem, satisfeitos como um político do PSDB depois de esvaziar uma
garrafa de Amarone della Valpolicella, corte Sant’Alda, safra 1995, no
restaurante Massimo.
Dias antes dos shows, como é de rigor, já havia pessoas acampadas nos locais
onde aconteceriam. Imagina-se o desconforto desse novo povo das ruas, a dormir
mal, comer pior e sofrer os efeitos dramáticos da falta de um banheiro. Alguém
dotado de um mínimo de espírito humanitário procuraria encaminhar essas pessoas
a um tratamento psicológico. Não os meios de comunicação. Estes se deleitam
diante de tais faquires do universo pop. ‘Há quanto tempo vocês estão aqui?’,
pergunta-lhes o repórter. ‘Dois dias? E o outro lá – três? E o outro – cinco?’ E
é um maravilhamento só. ‘Vale a pena?’ ‘Vale, qualquer sacrifício vale.’ E a
televisão exalta o exemplo desses jovens que deixam tudo, conforto, estudo,
trabalho, em honra dos ídolos. São os nossos muçulmanos, em tempo de hajj,
quando vale qualquer sacrifício, inclusive morrer pisoteado, para visitar os
lugares do profeta.
O líder dos Rolling Stones marcha com passos enérgicos de um lado para outro
do palco, move os braços de modo decidido, nunca sorri. Abstraia-se o som
infernal e, se aquilo fosse cinema mudo, teríamos a cena de um recruta que se
perdeu do regimento e procura desesperadamente o rumo, no meio do campo de
batalha. Ou, então, a ação de uma dona-de-casa enraivecida, andando de um lado
para outro da casa, a mostrar à faxineira como ela fez tudo errado. Não, ninguém
está lá para tapar os ouvidos e brincar de cinema mudo. Na verdade essas pessoas
estão lá para algo que vai além de ver ou escutar – adorar. ‘Agora ele se
aproxima do público’, conta o repórter. ‘Vai ser o delírio.’ É o delírio. Se não
fosse a presença das câmeras de TV, talvez não se configurasse delírio tão
delirante. A TV e o delírio têm tudo a ver.
O líder dos Rolling Stones, na boa tradição do rock, é um nulo em matéria de
política. Um ‘alienado’, como se dizia, numa ofensa pior do que xingar a mãe, na
época em que ele era jovem. Já Bono, do U2, se entrega à militância em favor de
todas as boas causas, tantas que alguém lhe precisaria dizer: ‘Calma, rapaz!
Assim nem Madre Teresa de Calcutá…’ Ele considera que o presidente Lula está
fazendo muito para diminuir a fome e a pobreza no mundo. Com isso, aumentou em
100% a quantidade de pessoas que partilham desse pensamento – agora ele se soma
ao próprio Lula. Ao ir ao encontro do presidente brasileiro, Bono disse que
visitar Brasília sempre fora seu sonho. Como? Alguém pode ter o sonho de visitar
Brasília? Ou o rapaz está mal, muito mal de sonhos, ou foi insincero. E, se foi
insincero nesse ponto, será que também nas causas que defende…
Não. Afastemos as suspeitas descabidas. Importante é que ele chamou uma
mocinha de Volta Redonda para dançar no palco. ‘Que sortuda’, exclamou a
apresentadora do telejornal. A apresentadora aparentemente gostaria de estar no
lugar da mocinha. Ou talvez não. Talvez o que ela quisesse era mostrar que
também estava no clima. Não cabiam dissensões. A TV empenhava-se em fazer crer
que era saudável, bonito e razoável que todos os brasileiros reagissem com
efusões desmesuradas, quanto mais desmesuradas melhor, à presença dos ídolos do
rock. O marido da mocinha de Volta Redonda disse que não teve ciúme, nem quando
ela afagou o queixo do cantor, bem apertadinha, nem quando lhe sapecou um
beijinho na boca. ‘Fã é assim mesmo’, disse. A mocinha, naquele momento, era o
retrato do ser humano subjugado. Desceria aos infernos com seu ídolo, o seguiria
nas batalhas mais espinhosas pela justiça no mundo, juntaria à dele a voz pelo
hexa do Brasil e pela glória da irredenta Irlanda. Fã é assim mesmo.
Bono, portento de tolerância que é, uniu os símbolos do cristianismo, do
judaísmo e do Islã na mesma faixa enrolada à testa. Em outro momento, recitou os
nomes dos países da América Latina e, quando falou ‘Argentina’, o público vaiou.
A platéia provou que, em matéria de tolerância, não é digna de Bono. Em
compensação, os coleguinhas de escola do filho brasileiro de Mick Jagger, o
homem dos Rolling Stones, mostraram que estão no clima. Quando Jagger apareceu
por lá, causou tumulto. Provou-se que as lições da TV estão sendo bem
aproveitadas. A histeria e a parvoíce já se implantaram entre as novas gerações.
Com isso está garantida sua continuidade.’
TV DIGITAL
Cartas de leitores
‘A reportagem de capa ‘Plasma ou LCD? Como será sua próxima televisão’ (22 de
fevereiro) mostra com clareza as vantagens e as desvantagens dos tipos de
televisores existentes no mercado, bem como a ‘guerra’ travada nos bastidores –
aliada à típica indecisão do governo Lula – para a escolha da tecnologia que
será adotada para a TV digital. José Leal Narciso Joinville, SC
O sistema americano de TV digital é mais adequado para a transmissão a cabo;
o sistema japonês não foi adotado por nenhum outro país, nem mesmo por seus
vizinhos asiáticos. O sistema europeu já conta com a adesão de 57 países. Será
que, mais uma vez, vamos fazer besteira, como já aconteceu com o sistema de TV
em cores, com a reserva de mercado na informática e com a telefonia móvel? Pelo
visto, sim. Paulo J. Carvalho Florianópolis, SC
Troco a alta qualidade de imagem e som por qualidade mediana na programação
de nossa TV. Luciano Ovidio de Oliveira Itajubá, MG
Plasma ou LCD? Não sei! Ainda faço parte dos 99% da população brasileira que
nem pensou que essa seria uma grande dúvida. No momento, estou mais interessado
em saber sobre a gripe aviária. Germano Soares Baía São Paulo, SP
Não ficou claro para mim qual sistema comprar, mas ficou claro que não devo
comprar nada enquanto o governo não decidir o sistema a ser implantado,
americano, europeu ou japonês. Fausto Iorio Adami Por e-mail’
PIZANDO NA BOLA
Machado Maltratado
‘Daniel Piza, o autor da biografia Machado de Assis – Um Gênio Brasileiro,
escreveu para comentar a matéria ‘Machado não merecia’ (22 de fevereiro): ‘Os
sete erros de revisão apontados entre as 400 páginas de meu livro já foram
corrigidos na segunda edição, que está chegando às livrarias. Observo também que
eles não tornam o livro ‘imprestável’, como diz o autor da matéria. Tanto é que
mereceu belo comentário de Roberto Pompeu de Toledo nessa mesma revista’. Um
autor como Piza só tem a ganhar se ao talento unir o rigor na apuração de dados.
Seu renome como crítico cultural foi estabelecido num texto de 1994, no qual
dizia que Jesus Cristo morreu enforcado – o mesmo texto desinformava ainda que a
frase ‘No princípio era o Verbo’, do Evangelho de São João, pertencia ao Antigo
Testamento. Ao tratar de John Falstaff, personagem fictício de peças de William
Shakespeare, Piza demonstra o mesmo descaso com a causa mortis e relatou seu
enforcamento. No drama shakespeariano Henrique V, o bardo finalmente mata
Falstaff. Mas ele morre na cama. Tais erros, que não são apenas de revisão,
denotam falta de intimidade com as obras que o autor se propõe a comentar – e
desprezo para com os documentos e os fatos históricos. Enquanto Piza não unir
seu talento ao rigor, suas obras continuarão a exigir reparos. A segunda edição
de seu livro, já livre dos sete erros apontados, virá tisnada por outro. Ele
está na página 116. O autor diz que o Rio de Janeiro de 1865 era a ‘capital
federal’. Em 1865 o Brasil era um império, e não uma
federação.’
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