Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Veja

VEJA vs. LULA
Marcio Aith

A guerra nos porões

‘O banqueiro Daniel Dantas está prestes a abrir um capítulo explosivo na investigação sobre os métodos da ‘organização criminosa’ que se instalou no governo e o estrago causado por ela ao país. Seu nome voltou ao foco na quarta-feira passada, durante o depoimento de Silvio Pereira, ex-secretário-geral do PT, à CPI dos Bingos. Na sessão, o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM) revelou o teor de um documento no qual o banco Opportunity, controlado por Dantas, diz ter sofrido perseguição do governo Lula por rejeitar pedidos de propina de ‘dezenas de milhões de dólares’ feitos por petistas em 2002 e 2003. A carta, escrita por advogados de Dantas e entregue à Justiça de Nova York, onde o banqueiro é processado pelo Citigroup por fraude e negligência, é só o começo de uma novela que, a julgar pela biografia de Dantas, não se resume a uma simples tentativa frustrada de achaque.

Para defender-se das pressões que garante ter sofrido do PT nos últimos três anos e meio, Dantas acumulou toda sorte de informações que pôde coletar sobre seus algozes. A mais explosiva é uma relação de cardeais petistas que manteriam dinheiro escondido em paraísos fiscais. Entre eles estão o presidente Lula, os ex-ministros José Dirceu (Casa Civil), Antonio Palocci (Fazenda), Luiz Gushiken (Secom), o atual titular da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, o diretor da Polícia Federal, Paulo Lacerda, e o senador Romeu Tuma (PFL-SP). A lista é fruto de um trabalho de investigação feito pelo americano Frank Holder, ex-diretor da agência internacional de espionagem Kroll. Ela apresenta uma série de números de contas, seus titulares, os nomes dos bancos e os saldos referentes ao primeiro trimestre de 2004. Holder disse ter comprovado a existência das contas por meio de depósitos. Além disso, Dantas compilou metodicamente não só os pedidos de propina como também as contratações e os pagamentos efetivamente feitos para tentar aplacar as investidas do atual governo sobre seus interesses. Se pelo menos uma parte desse material for verdadeira, o governo Lula estará a caminho da desintegração. Isso, é claro, se o Brasil ainda mantiver as aspirações a se tornar um país sério. Se o material for fruto de falsificação, Dantas vai afundar-se ainda mais na confusão policial na qual se meteu desde que contratou a Kroll para montar dossiês de seus adversários dentro do governo. Em entrevista ao colunista Diogo Mainardi, o banqueiro dá uma idéia do que tem em mãos. Seu arsenal é maior.

VEJA teve acesso à lista das supostas contas dos petistas em setembro de 2005, com o conhecimento de Dantas. De posse dela, a revista deu início a um exaustivo trabalho de apuração. A reportagem encontrou-se com Frank Holder uma vez em Zurique, na Suíça, e outras duas vezes em Buenos Aires. Holder tem uma longa história no mundo da investigação. Oficial de inteligência da Força Aérea dos Estados Unidos, ele transferiu-se para a seção de assuntos latino-americanos da CIA no começo dos anos 90. Nessa condição serviu na Embaixada dos EUA em Buenos Aires até desligar-se, em meados dos anos 90, para fundar a empresa Holder Associates, adquirida em 1998 pela Kroll, da qual se tornou diretor. Em 2003 e 2004, como dirigente da Kroll, supervisionou o trabalho feito para a Brasil Telecom. Foi nesse período que conheceu Dantas e saiu-se com a lista das supostas contas dos petistas em paraísos fiscais.

A LISTA COM AS SUPOSTAS CONTAS SECRETAS

Na lista produzida por Holder e Manzano, para uso de Daniel Dantas, o presidente e outras autoridades aparecem como detentores de dinheiro em paraísos fiscais. VEJA usou de todos os seus meios para comprovar a veracidade dos dados. Não foi possível chegar a nenhuma conclusão – positiva ou negativa

Inicialmente, Holder explicou a VEJA que a lista fora obtida pela Kroll no curso da investigação de outro escândalo: o da quebra, no Brasil e na Itália, da companhia de laticínios Parmalat. Segundo ele, foram recuperados, nessa investigação, documentos que comprovariam detalhes do pagamento de propina da Parmalat a autoridades dos dois países. Desdobrados, esses dados teriam, por tabela, batido na rede de corrupção pessoal do governo do PT. Em dois encontros com a reportagem de VEJA, autoridades judiciais em Milão, encarregadas do caso Parmalat, afirmaram desconhecer essa conexão. Confrontado com a negativa italiana, Holder então mudou sua versão. Passou a dizer que as contas foram rastreadas por hackers pagos pelo ex-ministro argentino José Luis Manzano, símbolo da corrupção do governo Carlos Menem. Hoje dono do terceiro maior grupo de comunicações da Argentina, Manzano é freqüentemente acusado, em seu país, de manter uma equipe de investigadores privados para chantagear inimigos. Em conversa com VEJA, em Buenos Aires, Manzano confirmou ter entregue ‘algumas contas de brasileiros’ a Holder, como um favor pessoal, e autorizou seus funcionários a fornecer novos papéis que comprovariam como as contas dos petistas foram hackeadas. Nesses papéis, os saldos eram bem maiores do que os que constavam na lista original e um novo nome surgiu: o de Duda Mendonça

Por todos os meios legais, VEJA tentou confirmar a veracidade do material entregue por Manzano. Submetido a uma perícia contratada pela revista, o material apresentou inúmeras inconsistências, mas nenhuma suficientemente forte para eliminar completamente a possibilidade de os papéis conterem dados verídicos. Diante de tal indefinição, e tendo em vista que o nome de Dantas voltou a aparecer na CPI, VEJA decidiu quebrar o acordo feito com o banqueiro do Opportunity e Manzano. O compromisso inicial era preservar o nome de ambos, caso se pudesse comprovar a veracidade das contas. Nada mais justo: a revelação seria um serviço prestado ao Brasil, uma vez que levaria grandes nomes da República a ter de explicar a origem do dinheiro depositado no exterior. Revelar agora que Dantas – e, por tabela, Manzano – está por trás de uma lista em que o presidente Lula aparece como dono de uma conta num paraíso fiscal viabilizará, acredita VEJA, que investigações oficiais sejam abertas. Ao mesmo tempo, isso impedirá que o banqueiro do Opportunity venha a utilizar os dados como instrumento de chantagem em que o maior prejudicado, ao final, seriam o país e suas instituições. No quadro da página ao lado, o elenco das contas foi reproduzido, com os números e nomes dos bancos propositalmente apagados. A revista só os cederá mediante requisição legal.

Dantas alega estar apenas defendendo-se de pressões e achaques dos petistas que queriam tirá-lo do comando da Brasil Telecom. Ainda que existam fortes evidências nesse sentido, o banqueiro não cabe na fantasia de vítima. Principalmente quando se sabe que usou dinheiro para acercar-se de pessoas próximas do presidente Lula e de José Dirceu. Dantas tentou seduzir Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha, e seus sócios da Gamecorp. Antes de o grupo ser vendido à Telemar, o banqueiro pagava a Lulinha e sua trupe 100 000 reais mensais, para que fornecessem conteúdo para o portal de internet da Brasil Telecom. Por último, ofereceu uma bolada para tornar-se sócio da Gamecorp. No fim, game over para Dantas: Lulinha preferiu os agrados da rival Telemar. Dantas deu também 1 milhão de reais ao advogado Roberto Teixeira, padrinho de um dos filhos de Lula. Até hoje, ninguém explicou o que o compadre fez para merecer tanto dinheiro. Teixeira se limita a dizer que foi em troca de um serviço ‘sigiloso’. O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, também mereceu atenção especial. Amicíssimo do deputado cassado por corrupção José Dirceu, ele foi contratado por Dantas a peso de ouro. Levou 8 milhões de reais para ‘assessorar’ o banqueiro. Com isso, Dirceu, que foi ministro-chefe da Casa Civil de Lula, tornou-se mais sensível aos pleitos do Opportunity. Tem mais. Dantas deu a Marcos Valério as contas publicitárias da Telemig Celular e da Amazônia Celular, num total de 130 milhões de reais. Além de fazer anúncios para Dantas, o carequinha levava ao banqueiro as propostas não republicanas de Delúbio Soares. Em 2004, o banqueiro colocou na sua folha de pagamentos a agência Matisse, de propriedade de Paulo de Tarso Santos, petista histórico e marqueteiro das campanhas de Lula em 1989 e 1994. A Matisse foi contratada para ‘reposicionar’ a marca da Brasil Telecom. Mas o que fez mesmo foi ajudar a ‘reposicionar’ Dantas frente ao governo petista.

Dantas é assim: rápido e precavido. Tão precavido que começou a reunir seu arsenal anti-PT ainda em novembro de 2002, logo após a vitória de Lula no segundo turno das eleições. Dantas foi, então, procurado pelo megainvestidor Naji Nahas. Dele recebeu um alerta: uma vez no poder, o PT romperia o acordo de acionistas que permitia a Dantas gerir a empresa de telefonia Brasil Telecom com dinheiro de fundos de pensão de estatais. Nahas também contou que o próprio Lula decidira tirar o Opportunity do comando da Brasil Telecom e entregá-lo à Telemar, de Carlos Jereissati. O investidor relatou pormenores de uma reunião do conselho da Telemar na qual se discutiram detalhes de um acordo firmado entre Jereissati e a cúpula do Partido dos Trabalhadores. Na ocasião também teria sido negociado um esquema de nomeações e ajuda financeira a campanhas eleitorais. Munido dessas informações, Dantas as resumiu num texto, que mandou criptografar. A versão codificada foi publicada na edição de 22 de outubro de 2002 do jornal Estado de Minas. Há dúvidas sobre a relevância do papel, mas Dantas anda com uma cópia dele no bolso. Cabe agora ao próprio banqueiro quebrar o seu ‘Código Da Vinci’ pessoal.

Segundo ofício que os advogados de Dantas mandaram à Justiça de Nova York, o PT pressionou o Citigroup a romper acordo com o banqueiro e tentou extorquir o Opportunity em ‘dezenas de milhões de dólares’

‘(…) O ministro Dirceu e outros indivíduos em altos cargos no governo (…) são as mesmas autoridades que se reuniram com o Citibank e pressionaram o banco (…) para atacar o Opportunity e o senhor Dantas. De fato, como fica claro e evidente pelas próprias palavras do Citibank constantes na prova E da declaração de Verônica Dantas, ‘o governo do Brasil – Lula, Palocci e Dirceu – odiava Dantas’. Esse ódio se relacionava à recusa do Opportunity, a partir de 2002 e 2003, de aceitar a sugestão do PT para pagar dezenas de milhões de dólares ao partido para evitar novos assédios ao Opportunity e ao Fundo CVC’

No ano passado, Dantas foi defenestrado do comando da Brasil Telecom pelo Citigroup, que agora o acusa na Justiça americana por fraude e negligência. Ele diz ser vítima de uma conspiração entre o governo petista, que o achacou, e o banco americano, que o perseguiria a pedido do próprio presidente Lula. Foi essa briga judicial que produziu o documento lido pelo senador Arthur Virgílio na CPI dos Bingos. Outros milhares de e-mails e documentos serão divulgados em breve. Vários deles relatam encontros entre o presidente Lula e a direção do Citigroup. Outros detalham pedidos de propina feitos pelo PT a Dantas. Se quiser realmente esclarecer os fatos, o dono do Opportunity poderia contar publicamente o que pagou e o que deixou de pagar aos petistas.

Uma dica: ele poderia revelar, por exemplo, quantos encontros teve com o ex-presidente do Banco Popular, Ivan Guimarães, e o que foi discutido em cada um deles. Já se sabia que Guimarães operou como uma espécie de genérico de Delúbio durante a campanha presidencial de 2002. O que não se sabia, e Dantas certamente pode comprovar, é que Ivan continuou operando na clandestinidade em 2003 e em 2004, já no governo, achacando empresas e empresários. Ivan procurou Dantas em setembro de 2004. Queria falar sobre a investigação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) contra o Opportunity. Dias depois, a comissão julgaria um processo contra o banco, acusado de burlar regras do Banco Central ao admitir brasileiros num fundo de investimento das Ilhas Cayman. O Opportunity poderia ser inabilitado pela CVM, mas acabou recebendo uma pena leve. Esse Ivan é mesmo terrível.

Outra dica: Dantas poderia contar às CPIs como Yon Moreira da Silva, ex-diretor de Negócios Corporativos da Brasil Telecom, lhe apresentou a idéia de comprar parte da Gamecorp, a empresa de Lulinha. Aliás, o próprio Yon pode colaborar com as investigações. Depois que as circunstâncias vergonhosas do caso Gamecorp foram denunciadas por VEJA, o ex-diretor da Brasil Telecom declarou que a Telemar fizera um bom negócio e pagara um preço justo para tornar-se sócia do filho do presidente. O que Yon não conta é que essa declaração lhe foi implorada pelo próprio Palácio do Planalto – mais especificamente pelo então ministro Jaques Wagner, que, falando em nome do presidente Lula, pediu a Dantas que o ajudasse a preservar o filho do presidente. Como se vê, o obscuro Dantas daria uma ótima contribuição ao país se saísse de uma vez das sombras. Coragem, Dantas!’

Diogo Mainardi

Entrevista com Dantas

‘Daniel Dantas não fala. Para quem não fala, até que ele falou muito. O suficiente para mandar um monte de gente para a forca. Em primeiro lugar, Lula e seus ministros.

Passei quatro horas no escritório de Daniel Dantas, no Rio. No fim, arranquei dele meia hora de entrevista. Vale sobretudo como registro histórico. Lendo com cuidado, dá para ver o instante exato em que o Brasil acabou.

O PT PEDIU PROPINA AO OPPORTUNITY?

O que houve foi uma sugestão de que, se déssemos uma quantia expressiva ao partido, eles poderiam nos ajudar a resolver as dificuldades que estávamos tendo com o governo.

ENTÃO FOI PIOR DO QUE PROPINA: FOI EXTORSÃO. QUEM PEDIU O DINHEIRO?

Delúbio Soares.

QUAL A QUANTIA?

Entre 40 e 50 milhões de dólares. Era a necessidade de recursos que eles tinham. E Delúbio queria saber se poderíamos ajudá-los.

A QUEM FOI FEITO O PEDIDO?

A Carlos Rodenburg, que na época (julho de 2003) trabalhava conosco.

MARCOS VALÉRIO PARTICIPOU DO ENCONTRO?

Foi ele que marcou. Mas não estava presente quando foi feito o pedido.

VOCÊ PAGOU OS 50 MILHÕES DE DÓLARES?

Perguntei ao meu advogado, Nélio Machado, se o pagamento seria ilegal ou não. Ele respondeu que isso é tipificado no artigo 316 do Código Penal, e que não estaríamos incorrendo em crime algum.

PORQUE ERA UMA EXTORSÃO?

Não é exatamente esse o termo.

O QUE ACONTECEU DEPOIS?

Eu marquei uma reunião com o Citibank em Nova York e expliquei à diretora Mary Lynn que, se contribuíssemos com uma quantia muito grande para o PT, talvez nossas dificuldades cessassem, mas acrescentei que não era essa a minha expectativa. Ela me autorizou a dizer, em nome do Citi, que não seria possível pagar, porque isso contrariaria a lei americana.

ESSE FOI O PRIMEIRO PEDIDO DE DINHEIRO DO PT AO OPPORTUNITY?

Durante a campanha presidencial de 2002, Ivan Guimarães foi ao nosso escritório e entregou um kit do partido ao Carlos Rodenburg, com o objetivo de conseguir algum apoio financeiro. Rodenburg mandou devolver o kit, porque não sabia quem era Ivan Guimarães. Isso foi interpretado pelo PT como um ato hostil, mas nós éramos politicamente neutros e não tínhamos nada contra o partido.

POR QUE O GOVERNO QUERIA TIRAR O OPPORTUNITY DO COMANDO DA BRASIL TELECOM?

Porque havia um acordo entre o PT e a Telemar para tomar os ativos da telecomunicação, em troca de dinheiro de campanha.

A TELEMAR ACABOU COMPRANDO A EMPRESA DO LULINHA. POR QUE VOCÊS TAMBÉM NEGOCIARAM COM ELE? ERA UM AGRADO AO PRESIDENTE LULA?

Nós procuramos de todas as maneiras diminuir a hostilidade do governo.

O EX-PRESIDENTE DO BANCO DO BRASIL CÁSSIO CASSEB DISSE AO CITIBANK QUE LULA ODEIA VOCÊ.

Casseb disse também que ou a gente entregava o controle da companhia ou o governo iria passar por cima.

LULA SE REUNIU COM A DIRETORIA DO CITIBANK. ELE PRESSIONOU OS AMERICANOS A TRAIR O OPPORTUNITY E FECHAR UM ACORDO COM OS FUNDOS DE PENSÃO?

Não posso comentar nenhuma notícia que eu tenha obtido através dos documentos que constam do processo em Nova York.

VOCÊ CONFIRMA QUE A BRASIL TELECOM SÓ CONSEGUIU TER ACESSO AO DINHEIRO DO BNDES DEPOIS DE CONTRATAR O ADVOGADO KAKAY, AMIGO DE JOSÉ DIRCEU?

Houve uma sincronia entre os fatos.

Agora releia a entrevista. Mas sabendo o seguinte: Daniel Dantas cedeu aos achacadores petistas. Ele e muitos outros.’



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