Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Veja

COPA 2006
Carlos Maranhão, de Frankfurt

Cornetas da TV

‘Na gíria do futebol, cornetas são aqueles torcedores influentes que adoram dar palpite no time. Na Copa, os cornetas que contam são os ex-craques que viraram comentaristas. Há muitos deles em ação na Alemanha, além dos globais Falcão, conhecido pela diplomacia de suas intervenções, e Casagrande, de língua mais solta (veja reportagem). O líder de audiência no país anfitrião é o ex-meio-campista Netzer, reserva da seleção campeã em 1974. Encarnação do alemão sisudo, às vezes bate duro na sua seleção. ‘Mas nunca faço comentários pessoais’, gosta de dizer, embora na semana passada tenha criticado o atacante Podolski por perder um gol feito contra a Polônia. O oposto de Netzer é o ex-líbero Lothar Matthäus, com uma rápida passagem pelo Brasil como técnico do Atlético Paranaense. ‘Se eu estivesse lá, isso não teria acontecido’, afirmou diante de uma das falhas da defesa alemã no jogo com a Costa Rica. ‘Klinsmann errou’, cutucou depois, numa crítica ao técnico, cujo cargo ele ambiciona abertamente.

A exemplo do que acontece no Brasil, o grande problema dos ex-jogadores que se tornam comentaristas é que a maioria se coloca como referência. É o que faz o italiano Paolo Rossi, autor dos três gols que eliminaram o Brasil na Copa de 1982. ‘A Itália precisa ser um time unido como aquele’, diz para os telespectadores da Sky Sport. ‘Nossa grande dificuldade é que jogador não aceita críticas’, lamenta o ítalo-brasileiro José Altafini, o centroavante Mazzola, campeão mundial em 1958, colega de Rossi na emissora. ‘Uma vez eu falei que o atacante Inzaghi, do Milan, tinha virado o rei do impedimento, de tanto que ficava em posição irregular, e desde esse dia ele nunca mais me cumprimentou.’ De todos os comentaristas, o mais desbocado vem sendo o ex-corintiano Neto. Quase sempre acima do peso quando jogava, Neto acredita que, com sua vivência no assunto, desvendou o mistério sobre até onde sobe o ponteiro da balança em que Ronaldo pisa. ‘Eu me baseio por mim. Sempre menti sobre meu peso, que era uns 5 quilos acima do que eu falava. Quase todo jogador faz isso. O Ronaldo chegou a uns 93 quilos, deve ter perdido 7 e portanto agora está com 86.’’

Marcelo Marthe

Bola dividida

‘Na terça-feira passada, durante a transmissão do jogo de estréia do Brasil na Copa do Mundo, o locutor Galvão Bueno lançou uma questão inocente ao comentarista Arnaldo Cezar Coelho. ‘Não seria um momento para cartão, Arnaldo?’, perguntou ele, diante de uma falta croata em Robinho. O especialista em arbitragem retrucou, mal-humorado: ‘Não tem nada a ver com cartão’. Desde o início do Mundial, a dupla não pára de dar trombadas. Em qualquer lance de falta ou impedimento, Galvão está a postos para provocar – e a voz de Arnaldo não esconde que ele sente as cutucadas. Na partida entre Holanda e Sérvia e Montenegro, o pomo da discórdia foi um atleta machucado. ‘A regra que você insiste que é clara, Arnaldo, não diz que um jogador sangrando tem de sair de campo?’, questionou Galvão. E o colega, exasperado: ‘Tem, sim, mas o árbitro não deve ter visto essa imagem que estamos mostrando’.

O locutor mais polêmico do Brasil, Galvão Bueno é o dono da bola nas transmissões da Globo. Ele quase conseguiu expulsar de sua bancada outro comentarista, o ex-jogador Walter Casagrande Júnior. Os dois se estranharam no ano passado, depois de Casagrande declarar numa entrevista que Galvão é uma figura difícil. Este último foi reclamar com a cúpula da Globo, que fez uma operação abafa. Eles voltaram a trabalhar juntos na Copa, depois de o ex-jogador passar dois meses afastado por problemas pessoais. Quanto ao comentarista de arbitragem, Galvão parece tão empenhado em irritá-lo que fica até a impressão de que ambos se odeiam. Mas a verdade é que a dupla mantém uma relação cordial nos bastidores. As implicâncias de Galvão são, digamos, uma liberdade entre amigos. ‘O esporte dele é atazanar o Arnaldo’, diz um funcionário da Globo. Para quem assiste às transmissões da emissora – e mais de 90% dos espectadores fazem isso, já que ela possui exclusividade sobre os jogos na TV aberta -, essas picuinhas de senhores ranzinzas têm algo de divertido. Noutras vezes, só dão aquela vontade de desligar o som.’



MAINARDI vs. LULA
Diogo Mainardi

Teodoro e Teodorino

‘Lula e Lulinha são como Teodoro e Teodorino. Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, conhecido como ‘O Chefe’, é o ditador da Guiné Equatorial. Está no poder desde 1979. Teodorino é seu filho. Tem um canal de TV. Internetei para cima e para baixo e, no mundo inteiro, só consegui encontrar esses dois casos de presidentes em exercício cujos filhos controlam canais de TV: Lula e Lulinha, Teodoro e Teodorino.

O canal de Teodorino é o RTV Asonga. O de Lulinha é o Play TV, antigo Canal 21, arrendado à Gamecorp pela Rede Bandeirantes. O contrato de arrendamento entre as duas empresas vale por dez anos. Inicialmente, a Gamecorp transmitirá seus programas por seis horas diárias, mas a idéia é se estender pelo dia todo. O sócio esperto de Lulinha, Fernando Bittar, é quem realmente manda na emissora. Lulinha é encarregado apenas de emprestar seu nome e embolsar os lucros.

Por mais de trinta anos, Lula e seus parceiros denunciaram o chamado coronelismo eletrônico, o sistema de favorecimento que garantiu a concessão de canais de TV, em nome próprio ou de parentes, a hierarcas nordestinos como José Sarney, Fernando Collor de Mello, ACM, Jader Barbalho, Garibaldi Alves, Albano Franco, Tasso Jereissati. Agora que Lulinha tomou posse de um canal de TV, ninguém parece se preocupar com isso, em particular os pelegos lulistas que controlam os sindicatos de jornalistas. Eu sempre desconfiei que o real desejo de Lula fosse virar um José Sarney. Pronto: virou. Lula e Lulinha são como Sarney e Sarneyzinho.

O arrendamento de um canal de TV pela Gamecorp não é só uma arbitrariedade política: é uma ilegalidade. Nas duas últimas semanas, amolei um monte de especialistas no assunto, que me apontaram todas as normas que estão sendo flagrantemente violadas pelos benfeitores de Lulinha. Eu sei que essas questões legais são uma chatice, mas a análise sobre o lulismo, por algum motivo, sempre acaba no mesmo lugar: no Código Penal.

Um canal de TV não pode ser explorado por uma empresa que tenha mais de 30% de seu capital social nas mãos de estrangeiros. Está no artigo 222 da Carta Constitucional. A Lei nº 10610, que regulamenta a matéria, considera ‘nulo qualquer acordo, ato ou contrato que, direta ou indiretamente, de direito ou de fato, mediante encadeamento de outras empresas ou por qualquer outro meio indireto’, confira aos acionistas estrangeiros mais de 30% de um canal de TV. É o caso de Lulinha. O capital social da Gamecorp, de 5,2 milhões de reais, saiu quase integralmente da Telemar. A Telemar é uma empresa aberta, negociada nas bolsas de São Paulo e de Nova York. De acordo com os dados fornecidos pela própria operadora, os acionistas estrangeiros possuem 54,3% de seu capital social, superando amplamente o limite de 30%. Ou seja, o contrato de Lulinha é ilegal. Pior: é inconstitucional.

Lula, ‘O Chefe’, não cairá por causa disso. Mas espero que seja o suficiente para melar o negócio de seu filho.’



TELEVISÃO
Marcelo Marthe

Entrevista: Silvio de Abreu

‘O paulistano Silvio de Abreu, de 63 anos, é um noveleiro experiente. Ex-ator e ex-diretor de pornochanchadas, ele atua como autor de folhetins há trinta anos. Abreu, como gosta de ressaltar, já viu os dois lados da profissão: colheu sucessos como A Próxima Vítima, mas também fracassos como As Filhas da Mãe. Com a atual Belíssima, ele está de volta ao topo. A três semanas de seu desfecho, a novela das 8 da Rede Globo ostenta a média de 59 pontos no ibope e é sintonizada por sete em cada dez espectadores no país. Como todo autor de um folhetim bem-sucedido, Abreu conseguiu entrar em sintonia com as preocupações e os interesses de uma ampla fatia da sociedade brasileira. Ele se confessa chocado, porém, com a descoberta de que o público mudou seu modo de encarar os desvios de conduta dos personagens. A seguir, trechos da entrevista que ele concedeu pouco antes de trocar seu apartamento em São Paulo por um refúgio no litoral – modo que encontrou para lidar com sua ansiedade na reta final da novela.

Veja – Belíssima realizou algo raro em telenovelas: chegou ao sucesso com personagens que são bastante ambíguos. O senhor mesmo já havia tentado isso outras vezes e fracassou. Por que deu certo desta vez?

Abreu – Considero que incluir a ambigüidade moral numa trama é um grande avanço. Personagens desse tipo são ricos e fazem o público pensar. Ao analisar as causas dessa aceitação, contudo, confesso que fiquei chocado. Como sempre acontece na Globo, realizamos uma pesquisa com espectadoras para ver como o público estava absorvendo a trama e constatamos que uma parcela considerável delas já não valoriza tanto a retidão de caráter. Para elas, fazer o que for necessário para se realizar na vida é o certo. Esse encontro com o público me fez pensar que a moral do país está em frangalhos.

Veja – Será que está?

Abreu – As pessoas se mostraram muito mais interessadas nos personagens negativos que nos moralmente corretos. Isso para mim foi uma completa surpresa. Na minha novela anterior, As Filhas da Mãe, há coisa de cinco anos, o comportamento dos grupos de pesquisa era diferente. Os personagens bons eram os mais queridos. Nessa última pesquisa, eles foram considerados enfadonhos por boa parte das espectadoras. Elas se incomodavam com o fato de a protagonista Júlia ficar sofrendo em vez de se virar e resolver sua vida de forma pragmática. Outro exemplo são as opiniões sobre Alberto, o personagem que não mediu esforços para tirar de seu caminho o Cemil, um bom moço, e roubar sua pretendente, Mônica. Alberto fez uma falcatrua para desmanchar o romance do rival. Em qualquer outra novela, isso faria o público automaticamente ficar do lado do mocinho. Mas as donas-de-casa não viram nada de errado na conduta do Alberto. Pelo contrário: ponderaram que, se ele fez aquilo para conquistar um mulherão, tudo bem. O fato de o André ter dado um golpe do baú na Júlia também foi visto com naturalidade. As espectadoras achavam que, se ele precisava de dinheiro, não havia mal em ficar com ela. Colocamos então que o canalha a estava roubando e as espectadoras retrucaram: deixa disso, daqui a pouco eles vão ficar bem. O fato de André ser bonito era suficiente para ganhar o prêmio máximo numa novela, que é ficar com a mocinha. Na mesma pesquisa, colhemos indícios claros de que essa maior tolerância com os desvios de conduta tem tudo a ver com os escândalos recentes da política.

Veja – O que o fez chegar a essa conclusão?

Abreu – Numa parte da pesquisa, as espectadoras apontaram com qual personagem se identificavam, e a maioria simpatizava com a Júlia, é claro. Mas havia colocações do tipo: ‘Quero ser a Júlia porque aí eu pago mensalão para todo mundo e ninguém me passa a perna’. Olhe que absurdo: a esperteza desonesta foi vista como um valor. O simples fato de o presidente Lula dizer que não sabia de nada e não viu as mazelas trazidas à tona pelas CPIs e pela imprensa basta – as pessoas fingem que acreditam porque acham mais conveniente que fique tudo como está. Eu me vi na obrigação de fazer alusões a essa inversão de valores em Belíssima. Quando a Bia Falcão reapareceu e disse com a maior cara-de-pau que sumiu porque estava de férias numa fazenda, ficou óbvio para todo mundo que ela estava mentindo. Mas, como Bia se impõe pela autoridade, os personagens engoliram a desfaçatez.

Veja – A audiência das novelas está mais exigente?

Abreu – Não. Sinto dizer que, se as novelas ficaram mais elaboradas, foi pela evolução natural dos autores. Hoje, o problema em relação ao público é o contrário. O nível intelectual do brasileiro de maneira geral está abaixo do que era na década de 60 ou 70, porque as escolas são piores e o estudo já não é valorizado como antigamente. Houve um dia, não custa lembrar, em que cursar a universidade era um objetivo de vida. O valor não é mais fazer alguma coisa que seja dignificante. As pessoas querem é subir na vida, ganhar dinheiro, e dane-se o resto.

Veja – Como essa queda no nível cultural afeta seu trabalho?

Abreu – Não dá para aprofundar nenhum tema, porque o público não consegue acompanhar. Isso não pode ser uma desculpa para os autores baixarem o nível, é claro. Nosso desafio é ser simples na forma, mas nem por isso vazios. Se eu tratasse de maneira sisuda alguns assuntos que estou abordando em Belíssima – a corrupção no dia-a-dia, por exemplo -, o povo não se interessaria. Foi preciso, primeiro, arrebatar o público com uma personagem como Bia Falcão, para a partir dela tratar dessa questão. Posso dar outro exemplo: minha tentativa de inovar a linguagem das novelas das 7 com As Filhas da Mãe, que tinha uma narrativa mais fragmentária. Eu achava aquilo uma novidade extraordinária, que seria uma beleza no ibope. Mas houve rejeição do público das classes D e E. Não que eles não gostassem da novela – eles simplesmente não a entendiam.

Veja – Belíssima tem casais que são movidos mais pela libido que pelo amor. O romance, no velho sentido folhetinesco, está com os dias contados?

Abreu – O problema é que ele virou um item antiquado. Os relacionamentos hoje são mais superficiais, as pessoas casam e descasam com facilidade. Nos grupos de discussão, constata-se que as espectadoras ainda têm uma expectativa romântica, mas não mais aquela visão de antigamente de que a mocinha tem de esperar o mocinho e, quando ele chegar, todos os problemas se resolverão e eles serão felizes para sempre. Salvo se for uma novela de época, será difícil o público engolir uma trama que insista nisso hoje em dia.

Veja – No caso dos gays, o humor do espectador também mudou?

Abreu – Sem dúvida. Nesse campo, a influência das novelas é enorme. E olhe que fui até agredido por causa desse negócio nos tempos de A Próxima Vítima, quando mostrei o primeiro casal gay escancarado numa novela das 8. Eu estava num cinema quando, de repente, um senhor atrás de mim anunciou em voz alta: ‘Silvio de Abreu, grande autor brasileiro’. Eu virei para trás, pensando que ia ser cumprimentado, quando ele emendou: ‘Você destrói a família brasileira ao defender o homossexualismo. Essa gente toda tem de acabar no inferno’. Acredito que prestei um serviço ao retratar os homossexuais com respeitabilidade. Mas a chave da aceitação deles foi a forma como introduzi o tema. Durante boa parte da novela, omiti o fato de que Jeferson e Sandrinho eram gays. Mostrei que eles eram bons amigos, bons filhos e estudantes dedicados – tudo o que o público acha bonito nas pessoas. Só lá pelo capítulo 100 eu exibi esse outro lado. Foi como se dissesse: olhe só, gente, esqueci de contar um detalhe sobre os mocinhos. O noveleiro é, antes de tudo, um manipulador de emoções.

Veja – E o que explica seu revés, tempos depois, com as lésbicas de Torre de Babel?

Abreu – Cometi o equívoco de achar que, como já havia mostrado um casal homossexual com sucesso, todo mundo ia aceitá-las de cara. As duas surgiram como casal logo no início, e isso gerou uma série de protestos. Foi um ruído excessivo que não ocorreria se eu tivesse ido mais devagar.

Veja – Há muita rivalidade entre os autores da Globo?

Abreu – Não rivalidade no sentido de que um quer matar o outro. Eu, por exemplo, sou muito amigo do Gilberto Braga. Tem outros com os quais não me dou. Competição sempre existe, porque todo mundo quer que sua trama faça mais sucesso. Isso é estimulante.

Veja – É difícil lidar com o ego dos atores?

Abreu – Eu acho muito engraçado. No início da novela, o ator é sempre humilde. Mas basta começar a se destacar que ele se enche de si e passa a achar que é dono do pedaço. Aí eu tenho de dizer: abaixe essa bola, meu filho, porque na hora em que acabar a novela tudo volta ao normal. Mas, graças a Deus, não tenho problemas com atores. Quando faço novela, minha maior dificuldade é dizer não, pois a maioria briga para trabalhar comigo. Não sou o tipo de autor que se fecha numa torre de marfim. Gosto de estar perto, saber se o personagem está de acordo com a expectativa deles. Claro, é preciso tomar certos cuidados. Os atores vêem a obra pela perspectiva de seus personagens, enquanto eu tenho de ter uma visão de conjunto. Se não tivessem ego, eles não seriam atores. Isso é até qualidade.

Veja – Nos últimos anos, o merchandising social entrou para o repertório das novelas. Por que Belíssima dispensa esse expediente?

Abreu – Não que eu me recuse a fazer, mas o merchandising social não faz meu estilo. E também não pensei em nenhuma boa causa que fosse pertinente. Botar o Jamanta para estudar? Não combina com minha trama. Se o merchandising social não ficar forçado na história, tudo bem. Agora, se o autor fizer uma campanha só para dizer ‘olha como estou preocupado com a população’, fica chato.

Veja – O ator Lima Duarte reclamou numa entrevista de fazer merchandising de comida de gato. A crítica o surpreendeu?

Abreu – É claro. Ele não foi obrigado a fazer merchandising – como, aliás, nenhum ator da novela. É bom ficar claro que o merchandising é uma coisa paralela – o ator ganha por fora para fazer propaganda. Não tenho nada contra isso, até porque escrevo novelas que se passam numa sociedade de consumo. Se eu puder colocar na boca de um personagem ‘eu quero uma Coca-Cola’, em vez de refrigerante, prefiro. Se o Lima Duarte ficou irritado porque encheram sua paciência com a propaganda da comida de gato, problema dele.

Veja – Por que há tão pouca renovação na elite dos noveleiros?

Abreu – Muita gente acha que nós veteranos exercemos um monopólio. Mas a verdade é que está difícil encontrar quem saiba fazer novela. É claro que há gente de categoria na nova geração. Mas é um trabalho muito específico. O noveleiro é mais que um escritor, é quase um produtor que tem de resolver toda sorte de problemas que ocorrem quando uma novela está no ar. É esse profissional completo que está em falta.

Veja – Seu colega Aguinaldo Silva já comentou que não há pressão maior do que escrever uma novela das 8. O senhor concorda?

Abreu – A pressão, de fato, é enorme. Nessa novela não estou sofrendo com isso, felizmente, porque tive a sorte de Belíssima fazer sucesso desde o início. Mas, se os índices não fossem bons, a situação seria diferente. A novela das 8 é o esteio da programação da Globo, e não dá para dizer que não assusta manter esse Boeing no ar. Agora, se o autor for pensar nisso, está frito. Não adianta ficar de chororô – tem de sentar ao computador e dar o melhor de si. Mesmo com todo o esforço, porém, às vezes a gente não atinge o sucesso. E, quando isso ocorre, é uma tragédia. Para alguém de fora, pode parecer fácil arriscar porque uma trama não está fazendo sucesso. Mas no olho do furacão não é tão simples. Evidentemente, ninguém é louco de fazer uma novela ruim porque gosta do fracasso.

Veja – Como é conviver com o fracasso?

Abreu – É horrível carregar uma novela que o público não está acompanhando. Quando falta estímulo, eu emboto – não sei por onde ir. A primeira novela que fiz na Globo, Pecado Rasgado, deu errado e foi um inferno – cheguei a pensar em nunca mais escrever novelas. A pior experiência do mundo é acordar de manhã e ter diante de si dezenas de páginas para preencher, mas com a certeza de que o público não estará nem aí. Novela tem uma coisa muito engraçada: quando funciona, o autor pode fazer o que quiser que o público gosta. Mesmo que a história não tenha pé nem cabeça, que vá para um lado ou para outro ao bel-prazer do autor.

Veja – É o caso dos mistérios cada vez mais mirabolantes de Belíssima?

Abreu – Não, Belíssima tem uma trama firme e segura. Pode anotar: eu sei exatamente o que estou fazendo. Estou jogando suspeitas para cá e para lá, mas isso só mostra que sei para onde levar a história. A história é tão simples, as pessoas é que ficam complicando. No final, todo mundo vai dizer: ‘Ah, era só isso?’.’



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Novela no Pelourinho

‘No último dia 9, o Ministério Público da Bahia promoveu uma audiência pública com estudiosos e representantes do movimento negro. O objetivo era reunir evidências contra a novela das 6 da Rede Globo, Sinhá Moça. A refilmagem do sucesso de 1986 do noveleiro Benedito Ruy Barbosa, que trata da luta abolicionista no século XIX, é alvo de um inquérito civil da instituição. A acusação: racismo. No entender do promotor Almiro de Sena Soares Filho, Sinhá Moça transmite ‘uma idéia de inferiorização da raça’ ao apresentar cenas de ‘extrema humilhação física e moral de homens, mulheres e crianças negras’ – como se os escravos de verdade não tivessem sido submetidos a maus-tratos. O promotor assistiu à novela poucas vezes. Mas o que viu nessas espiadelas mexeu com seus brios. ‘Como cidadão negro, agrediu-me ver a escravidão reduzida a pano de fundo de um romance com uma heroína branca’, diz. Sua meta é obrigar a Globo a fazer ‘correções’ na trama.

Em sua cruzada contra o açucarado folhetim das 6, o promotor Soares Filho decidiu interpelar a Globo e o autor Benedito Ruy Barbosa para averiguar se houve ‘assessoria técnica’ na criação de Sinhá Moça (que é, vale lembrar, uma obra de ficção). Ele também decidiu escalar dois historiadores para fazer uma perícia na novela, identificando suas ‘distorções’. O problema é que não existe consenso entre os acadêmicos a respeito de inúmeros aspectos da escravidão e do movimento abolicionista. O Ministério Público baiano reclama, por exemplo, que os escravos de Sinhá Moça são mostrados como figuras passivas, que deveram sua liberdade à atuação de idealistas brancos. Ora, para o historiador Manolo Florentino, um dos grandes especialistas no tema da escravidão, esse ponto de vista não tem nada de irreal. ‘Se os negros tivessem agido como deseja esse pessoal, a escravidão não teria durado quatro séculos’, diz ele. Outro motivo de irritação é que a novela apresenta um quilombo como ‘mero agrupamento de negros’ – quando na verdade eles teriam sido ‘sociedades complexas’. De fato, eram tão complexos que 10% da população do famoso quilombo dos Palmares vivia submetida a um cativeiro brutal, exatamente como fora dali. Será que esse tipo de informação teria lugar numa novela reformulada pela promotoria baiana?

Foguinho, em Cobras & Lagartos: o personagem pode ser a próxima vítima do MP baiano

Sinhá Moça ostenta uma média de ibope robusta, de 34 pontos. Chegou aos 40 na semana passada, no embalo da estréia do Brasil na Copa. Justamente por ser popular, merece que sua visão da história seja discutida. A tentativa de modificá-la por meio de um processo legal, no entanto, é de uma infelicidade ímpar. Trata-se de uma daquelas asneiras de inspiração politicamente correta que acabam se avizinhando do autoritarismo. Aliás, a última vez em que a escravidão mobilizou a censura foi durante a ditadura militar. O alvo da ocasião foi a novela Escrava Isaura. ‘O regime considerava o assunto incômodo. Obrigou o autor Gilberto Braga a utilizar toda espécie de eufemismo no lugar da palavra ‘escravo’.’, lembra o especialista em história das telenovelas Mauro Alencar. E a Globo que se prepare, porque o MP baiano já tem outro alvo em mira: Foguinho, personagem do ator Lázaro Ramos na novela das 7, Cobras & Lagartos. Em vez de festejar um raro folhetim com protagonista negro, o promotor se diz indignado com as situações de ‘humilhação’ vividas pelo malandro.’



VENEZUELA
Ruth Costas

Armado e perigoso

‘A imprensa é uma das poucas instituições venezuelanas fora do controle direto de Hugo Chávez – mas por pouco tempo. Na semana passada, o coronel-presidente anunciou que as emissoras de televisão críticas a seu governo não terão as concessões renovadas. ‘Não podemos continuar a permitir que um pequeno grupo de pessoas use um espaço de transmissão que é do Estado’, explicou Chávez. O predicado ‘é do Estado’, na visão autoritária do coronel, deve ser entendido como uso exclusivo do presidente da República e seus coligados. Como as concessões da maioria dos canais vencem no próximo ano, a decisão equivale a cassar o direito de a oposição aparecer na televisão.

A estratégia de amordaçar a imprensa, adotada por Chávez, é uma das linhas que demarcam as diferenças políticas entre Chávez e Luiz Inácio Lula da Silva. Encurralado no palácio durante meses pela exposição sistemática dos esquemas de corrupção dentro de seu governo, Lula em nenhum momento sugeriu a possibilidade de privar os brasileiros do direito à livre expressão. É verdade que, em momento desastrado, ele tentou expulsar o correspondente do jornal The New York Times. Agiu assim por se considerar pessoalmente injuriado. Na Venezuela, por enquanto, não há censura direta, e os jornais e as emissoras de TV em teoria podem criticar o presidente. Mas o cerco está se fechando. Uma reforma recente no Código Penal aumentou as multas e sanções para os chamados ‘delitos de opinião’ – basicamente, ‘difamar’ ou ‘injuriar’ membros do governo. Uma ofensa ao presidente da República pode resultar numa condenação a quarenta meses de prisão. Desde o ano passado, a Lei de Responsabilidade Social no Rádio e Televisão, apelidada de ‘lei da mordaça’ pela oposição, instituiu um órgão estatal para fiscalizar a programação das emissoras. Os critérios de avaliação são tão subjetivos que na prática permitem ao governo decidir de forma despótica o que deve ou não ir ao ar.

No Brasil, uma situação dessas é impensável. A sociedade brasileira é mais madura, as instituições são mais sólidas e o presidente Lula não tem em seu DNA político nem em sua história o impulso de censor. Em público, Lula mantém com Chávez relações cordiais – às vezes até cordiais demais -, mas nos bastidores funciona como um freio às investidas do venezuelano na região. Frear o avanço de Chávez sobre a liberdade de expressão na própria Venezuela é mais complicado. Não só por causa do controle que ele exerce sobre todas as esferas do Estado, mas também porque ele está mergulhado numa guerra interna contra a oposição, cujos porta-vozes são as rádios e televisões do país. É também para essa guerra que Chávez está se armando militarmente, apesar de ele insistir em que seu único objetivo é defender a Venezuela de um ataque americano.

Para piorar, o anúncio de que as emissoras terão as concessões cassadas foi feito durante uma exposição militar em que Chávez confirmou a construção de uma fábrica para produzir fuzis Kalashnikov na Venezuela e a compra de 24 caças russos Sukhoi 30 – avançados jatos de interceptação e ataque capazes de voar a 2.500 quilômetros por hora e carregar 8 toneladas de mísseis e bombas inteligentes. ‘O recado que ele quis passar é claro: agora que eu estou bem armado, pretendo avançar no pouco espaço que a oposição ainda tem para respirar na Venezuela’, disse a VEJA o espanhol Marcelino Bisbal, professor da Universidade Andrés Bello, em Caracas. A ambição militarista é outra diferença entre os dois presidentes. Lula acredita na diplomacia e na integração entre os países. Chávez dá palpite nos assuntos internos dos países vizinhos, financia aventureiros e tenta criar governos-clones por toda parte, como fez na Bolívia. Desde que começou a modernizar sua frota militar, ele já gastou mais de 3 bilhões de dólares, dinheiro que retirou dos lucros obtidos com a venda de petróleo. As compras incluem aviões cargueiros da Espanha, radares da Ucrânia e 36 blindados brasileiros, equipados com canhões que podem disparar até 1.000 tiros por minuto. Os quatro primeiros Sukhoi 30 do lote de supersônicos encomendados pela Venezuela chegarão ao país em dezembro. São os mais poderosos aviões de combate do continente. Capazes de percorrer até 3.000 quilômetros sem a necessidade de reabastecer, os aviões poderiam ser usados para atacar todos os países vizinhos, a região do Caribe e até Miami, na costa sul dos Estados Unidos, o que aumenta o risco de instabilidade que o governo Chávez representa para o continente. Os aviões fazem parte de um acordo de 5,5 bilhões de dólares negociado com a Rússia, que também prevê a compra de quinze helicópteros e 100.000 fuzis de assalto AK 103, dos quais 30.000 já chegaram ao país. ‘A estratégia de Chavez é fazer ameaças e fomentar o medo para garantir que poderá continuar a estender seu poder’, afirma Bisbal. ‘Ao menos a compra dessas armas chama a atenção do mundo para o avanço galopante do autoritarismo por aqui.’’



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Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo

Agência Carta Maior

Veja

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